1. APORTES FREIREANOS AO ENSINO DE SOCIOLOGIA
NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
Campus de Erechim – RS
E-mail: lfscorrea@gmail.com
PAULO FREIRE e a Educação Superior
Resumo: O ensino de Sociologia na educação superior tem se constituído em um
desafio para os professores da área, sobretudo nos cursos que não se propõem a formar
profissionais das ditas “humanidades”. Como reflexo disso, nos deparamos com a questão de
como transformar o conhecimento sociológico, sabidamente acadêmico, abstrato e complexo,
em um código semântico passível de compreensão por estudantes do ensino superior das
diversas áreas do conhecimento. Neste breve artigo, apresento as características curriculares
da Universidade Federal da Fronteira Sul, que estabelece que todos os cursos da instituição
contenham em suas grades curriculares disciplinas com viés sociológico, bem como procuro
sustentar que a pedagogia freireana se constitui em ferramenta pedagógica privilegiada para a
efetivação de uma prática docente capaz de dar conta dos desafios do ensino de Sociologia.
Dentre outros aspectos, a perspectiva pedagógica freireana nos auxilia a compreender a
importância do papel ativo do educador e do educando no processo de construção de uma
educação emancipatória.
Palavras-Chave: Ensino de Sociologia; Educação Emancipatória; Ensino Superior.
Introdução
Desde o projeto que propôs sua criação, a Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS) foi pensada como uma instituição pública popular, que tem como objetivo a inclusão
no ensino superior de jovens e de adultos, sobretudo aqueles historicamente excluídos da
educação superior pública, ou seja, oriundos das classes populares. Como diferencial
curricular, no âmbito dos cursos de graduação, a UFFS optou por implantar um núcleo
comum de disciplinas que devem ser cursadas por todos os estudantes, de todos os cursos,
chamado domínio comum.
No contexto dos primeiros anos de funcionamento da instituição, o domínio comum
tem representado a formação inicial dos estudantes, visto que as disciplinas que o compõe
normalmente são oferecidas no início dos cursos. Em relação aos seus objetivos, a adoção de
disciplinas de domínio comum se propõe a assegurar que todos os estudantes recebam uma
formação comum no que se refere a determinadas habilidades e competências instrumentais,
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assim como tenham a capacidade de desenvolver reflexão crítica sobre a realidade que os
cerca. No domínio comum reside um dos aspectos peculiares da universidade, visto que o
mesmo possibilita romper com o ensino estritamente direcionado para cada área específica do
conhecimento.
O quadro abaixo apresenta as disciplinas de domínio comum nos cursos, segundo o
tipo de orientação que cada uma possui:
Quadro 1 – Disciplinas de domínio comum
Nome da disciplina Orientação
- Leitura e Produção Textual I.
- Leitura e Produção Textual II.
- Introdução à Informática.
- Matemática Instrumental.
- Estatística Básica.
Habilidades e competências instrumentais.
- Iniciação à Prática Científica.
Habilidades e competências instrumentais
e competências crítico-reflexivas.
- Direitos e Cidadania.
- Introdução ao Pensamento Social.
- História da Fronteira Sul.
- Introdução à Filosofia.
- Meio Ambiente, Economia
e Sociedade.
Competências critico-reflexivas.
Fonte: Material institucional recebido por e-mail.
Ao romper com a supremacia da técnica no currículo universitário, a adoção do
domínio comum representa uma alternativa ao direcionamento na educação superior,
normalmente vinculado quase que integralmente à formação de mão de obra especializada
para o mercado de trabalho.
Como política institucional, o domínio comum contempla duas disciplinas ministradas
por professores da área de Sociologia: a) Introdução ao Pensamento Social; b) Direitos e
Cidadania.
1. Dimensão pedagógica
Como reflexo da introdução de disciplinas de caráter sociológico nos currículos dos
cursos, nos deparamos com a questão de como transformar o conhecimento sociológico,
sabidamente acadêmico, abstrato e complexo, em um código semântico passível de
compreensão por estudantes do ensino superior de diversas áreas do conhecimento. Para que o
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ensino de Sociologia alcance seus objetivos no âmbito do domínio comum, sustento que a
pedagogia freireana se constitui em ferramenta pedagógica privilegiada para a efetivação de
uma prática docente capaz de dar conta dos desafios do ensino de Sociologia. Tal argumento
se fundamenta na ideia de que a aproximação com os conceitos sociológicos deve ocorrer em
diálogo com o conhecimento prévio da realidade social que o estudante possui, visto que o
mesmo é o ponto de partida da construção do saber nas Ciências Sociais.
Dentre outros aspectos, a perspectiva pedagógica freireana nos auxilia a compreender a
importância do papel ativo do educador e do educando no processo de construção de uma
educação emancipatória. A partir de tal premissa, é possível estabelecer os limites e as
potencialidades de ações institucionais como a adoção do domínio comum, na qual se situa o
ensino de Sociologia.
Freire argumenta que a educação emancipatória possui como pressuposto o engajamento
de dois sujeitos – o professor e o estudante – numa situação de construção do conhecimento
em que os dois aprendem. Apesar das diferenças entre professor e estudante, ambos são
considerados por Freire como sujeitos cognitivos críticos do ato de conhecer.
De acordo com Freire, o educador engajado na transformação emancipatória deve, antes
de tudo, dar seu testemunho sobre aspectos como o zelo à liberdade, a valorização da
democracia e o respeito às diferenças. Tal empreendimento, segundo o autor, implica assumir
a radicalidade da defesa dos valores acima citados, sem, entretanto, adotar uma postura
sectária. Deste modo, a educação libertadora se configura como processo de empoderamento
crítico, mediante o estímulo à organização e mobilização das pessoas.
Freire também se refere ao papel do educador libertador, o qual deve estar ciente de que
a transformação não emerge de métodos e de técnicas, mas do pensamento crítico sobre a
realidade social. Não obstante, o autor considera que a crítica deve ultrapassar os limites dos
espaços educacionais formais, de modo a desvendar o contexto no qual está inserida a
instituição de ensino.
Para Freire, a educação não criou as bases econômicas da sociedade; mas ao contrário, é
moldada pelo modelo sócio-econômico vigente. Portanto, a educação não é a alavanca de
transformação da sociedade. Seu papel é o de denunciar e atuar contra a reprodução da
ideologia dominante, cabendo ao educador ocupar o espaço da escola para desvendar a
realidade que está sendo ocultada, por meio do currículo escolar.
Por outro lado, Freire também argumenta que o desenvolvimento de uma cultura crítica
da sociedade, a partir da educação, só pode ser realizado no momento em que o educador
rompe com o que ele chama de educação bancária. Este tipo de educação está referenciado
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na simples transferência de saberes e valores ao educando, num processo de via única, em que
o educador deposita seu conhecimento no estudante, que necessita ser iluminado. Em
contraposição à educação bancária, Freire considera que o ato de iluminar deve estar voltado
para a realidade e não para o educando e que os iluminadores são os dois agentes do processo
educacional: educador e educando.
Neste sentido, todo processo de mudança social é determinado por valores e fatores
comportamentais. Para o autor:
Uma determinada época histórica é constituída por determinados valores na busca
da plenitude, que determina a constante transformação da sociedade. Quando os
fatores comportamentais do ser humano rompem o equilíbrio, os valores começam a
decair, até que novos valores surgem para atender aos novos anseios da sociedade,
que, como não morre, continua na busca da plenitude agora baseada nestes novos
valores. A este período denomina-se transição (FREIRE, 1979:17).
Ainda segundo Freire, a consciência crítica é a matéria-prima da transformação social,
pois através da mesma os indivíduos reconhecem a realidade como mutável e se percebem
agentes ativos na história. O autor considera que o homem é consciente na medida em que
têm acesso ao conhecimento crítico.
No caso das possibilidades abertas pela adoção de currículos que contemplem
disciplinas de natureza crítico-reflexivas, a produção de conhecimento crítico não reside no
ato da decisão política a favor de tal empreendimento, mas na relação que se estabelece entre
educador e educando em sala de aula.
Portanto, o ensino de Sociologia na educação superior deve enfatizar o caráter
processual da construção da realidade social, bem como deve assumi-la como um objeto
socio-histórica, de modo a destacar o papel da mudança social na constituição do mundo
como o percebemos.
Considerações finais
A discussão que propus neste breve artigo não pretende esgotar o tema, mas apenas
iniciar o debate sobre as potencialidades do conhecimento sociológico como parte da
formação de estudantes das mais diversas áreas do conhecimento. Vejo a universidade como o
lócus da universalidade de conhecimentos, da formação técnica especializada, mas também
como da formação para a cidadania, capaz de preparar pessoas para (re)pensar a realidade
social. O próprio ambiente acadêmico, a partir da fragmentação e da especialização das áreas
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de conhecimento, tratou de fomentar uma falsa oposição entre formação especializada e
formação par a vida. Isto explica porque muitos professores e estudantes reproduzem uma
concepção dualista de educação superior.
O papel da universidade é assumir a realidade social como processo aberto e
contingente, cabendo à educação superior a formação de cidadãos que não concebam a
realidade social como dada e natural. Desse modo, a adoção de disciplinas sociológicas nos
cursos de graduação pode contribuir para a desnaturalização da realidade como a conhecemos,
a partir do desenvolvimento da capacidade reflexiva dos estudantes, de modo a possibilitar a
transformação crítica da sociedade. O empoderamento resultante desse processo não está
relacionado a um potencial civilizador imanente ao conhecimento sociológico, mas,
sobretudo, às possibilidades de mudança que surgem em decorrência do desvendamento da
realidade.
Nesse processo, a pedagogia freireana nos auxilia a dotar de sentido o conhecimento que
se pretende construir em sala de aula, mediante a ruptura com a ideia de educação bancária,
que entende o estudante como mero depositário de conhecimentos, mas também contribuindo
para ressaltar a importância dos conhecimentos prévios dos estudantes sobre a realidade
social, matéria-prima fundamental do processo de desnaturalização do mundo como o
percebemos.
Referências bibliográficas
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986.
FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
--------------. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL. Disponível em:
<http://www.uffs.edu.br>. Acessado em 19 de abril de 2013.