O documento descreve a Eucaristia no Novo Testamento, como Cristo a instituiu na Última Ceia e como era celebrada pela Igreja primitiva. A Eucaristia era uma refeição comunitária realizada aos domingos nas casas particulares, associada à Palavra de Deus. Os cristãos acreditavam que nesta celebração entravam em comunhão com o corpo e sangue de Cristo e experimentavam sua presença ressuscitada.
1. PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
DIOCESE DE CAMPINA GRANDE
Formação Litúrgica - EUCARISTIA
Org. Pe. José Assis Pereira Soares
1. A Eucaristia no Novo Testamento I – Que sentido deu Cristo e a Igreja Primitiva à Eucaristia
# Finalidade do estudo: conhecer o sentido da Eucaristia, seu lugar na história da salvação, sua
estrutura, a dinâmica da sua celebração, sua projeção para a vida espiritual pessoal e comunitária, sua
tarefa catequética e pastoral.
èVale a pena estudar o mistério eucarístico.
A melhor condição para celebrá-lo bem é conhecê-lo mais a fundo!
“Somos uma Igreja eucarística... vamos a introduzir-nos naquele que chamamos o sacramento da
existência cristã. Não desejo meditá-lo nem contemplá-lo com peconceitos, com dogmatismos ou
interesse moralista. Tem tal riqueza, tal pluridimensionalidade, que nunca se esgotará o estudo e
contemplação da eucararistia. Desejaria unicamente ajudar a contemplar, ainda que seja do alto e à
distância, como Moisés, do monte Nebo avista o panorama belissimo desta terra prometida, deste pão e
deste cálice prometido”.(Paredes, José Cristo Rey Garcia. Iniciación cristiana y eucaristía, teología particular de los
sacrmaentos. Madrid, San Pablo, 1992)
Para isso vamos seguir este caminho:
• Que sentido Cristo deu à sua Eucaristia?
Fonte: Novo Testamento - conhecer a riqueza teológica e pastoral do NT em torno da Eucaristia.
(base para toda reflexão ulterior).
• A Eucaristia foi confiada por Cristo à sua Igreja para que a celebrasse:
Fonte: Tradição - estudar sobretudo os dados da tradição eclesial dos primeiros séculos, a celebração
das diversas gerações e a sua compreensão.
• Que sentido tem a Eucaristia no mistério cristão? (Reflexão Teológica)
Como se entende hoje a presença de Cristo e do seu acontecimento pascal em nossa celebração?
Pode-se exprimir este mistério com linguagem mais atual?
Qual é a conexão da Eucaristia com Cristo, com seu Espírito, com o homem e a mulher de hoje, com a
escatologia (futuro)?
• Análise da celebração Eucarística.
Entender a dinâmica de sua estrutura e a linguagem de seus textos e de seus gestos simbólicos..
Como teremos de apresentá-la e fazê-la apreciar pelos outros.
1. A EUCARISTIA NO NOVO TESTAMENTO
»»»» O que quis significar Cristo quando reuniu seus discípulos na ceia de despedida e lhes deu a comer
pão e vinho para beber dizendo que eram seu corpo e seu sangue, e recomendando-lhes que celebrassem
aquilo em sua memória?O que entenderam eles?
»»»» Quais eram as categorias mentais da Igreja Apostólica para avaliar este gesto sacramental
e o encargo de transmiti-lo às comunidades seguintes?
A fração do pão na comunidade apostólica
− A primeira coisa que sabemos é que a comunidade cristã se reunia, sobretudo no “primeiro dia da
semana” isto é, aos domingos, para celebrar o que chamam "a fração do pão" em obediência ao
mandato do Senhor: "Fazei isto em memória de mim".
− Como aparece esta celebração nas cartas de Paulo e nos Atos dos Apóstolos:
• Os textos:
# 1Cor 10;11 (ano 55)
"... o pão que partimos"
"... o cálice de benção que
abençoamos"
"... são comunhão com o corpo e
o sangue de Cristo"
"... a ceia do Senhor"
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2. − A primeira notícia que temos da Eucaristia já é para denunciar que alguns grupos a entendem mal.
Paulo relaciona a "Ceia do Senhor" com a última ceia de Jesus e seu mandamento de celebrá-la como
memória sua.
# Atos 2,42-45 (sumário da vida da comunidade de Jerusalém)
− A Eucaristia não aparece como um rito isolado, mas fazendo parte do conjunto da vida comunitária.
A vida da comunidade é descrita com quatro rápidos traços que Lucas apresenta dois a dois:
"... o ensino dos Apóstolos (Palavra)
e a comunhão"
"... a fração do pão (Eucaristia)
e as orações”
− Os quatro elementos poderiam ser a ordem estrutural de uma celebração: “Palavra” = primeira parte
da celebração; “Comunhão” = partilha, ajuda às necessidades ou ágape fraterno, e “fração do pão” e
as orações como as fases conclusivas; ou um programa de vida comunitária: “Palavra – catequese -
ensinamento” = prolongamento mais sistemático do “Kerygma”; “Comunhão” = a união comunitária
na mesma fé, em torno de Cristo, que leva a sinais externos como a celebração e o compartilhar os
bens e a vida; = orações cristãs herdadas da sinagoga ou templo, sobretudo os salmos; “Eucaristia –
partir o pão” = nem sempre a expressão “partir o pão” ou “fração do pão” aponta para uma celebração
eucarística: depende do contexto em que se diz.
# At 20 (descrição de uma reunião comunitária cristã - a de Trôade)
− É claro o tom eucarístico da reunião:
"... o primeiro dia da semana", congrega-se a comunidade para a
"fração do pão"
"a pregação de Paulo, que se prolonga até o amanhecer"
"a ressurreição do rapaz"
− A Eucarisita está aqui relacionada por Lucas – com uma intenção catequética – com a ressurreição do
jovem e com o consolo da comunidade. Está escuro lá fora (e nesta escuridão cai o jovem). Dentro, a
sala está toda iluminada: um simbolismo da fé cristã no meio da sociedade pagã.
#At 27 (o naufrágio de Paulo em que ele era transferido para Roma)
− Lucas narra com uma terminologia muito eucarística a refeição que Paulo convidou insistentemente
os marinheiros e que foi um fator decisivo na salvação de todos.
− O relato parece indicar uma elaboração catequética de Lucas que, ao narrar como finalmente se salvou
o navio, quer que seus leitores “recordem” a Eucaristia, exaltando ao mesmo tempo o papel
protagonista do heroi da história, Paulo.
− As ações nos soam eucarísticas pelos termos utilizados:
"salvação", "tomou o pão"... "deu graças" - "partiu-o" e se pos a comer.
− Como no caso do jovem morto (At 20), também aqui a Eucaristia é apresentada num contexto de
"vida" (At 20,12) e salvação (At 27,20.31.34).
− Há outras alusões em Lucas que podem ser entendidas como referências à Eucaristia, embora não tão
claramente.
− É Lucas quem mais vezes fala da comida na história da primeira comunidade:
At 1,4 (Jesus comendo com os discípulos)
At 9,19 (depois da conversão de Paulo)
At 10,41 (os que comeram e beberam com o Ressuscitado)
At 16,34 (jantar com o carcereiro convertido)
− O mesmo acontece com o seu Evangelho: A multiplicação dos pães, a refeição na casa de Levi ou de
Zaqueu e a parábola do banquete do Reino (Lc 5,29; 10,36; 14,1; 19,1; 22,30).
#Lc 24,13-35 (Emaús)
− Resumo das principais linhas do Evangelho de Lucas.
− Não é um estilo histórico ou biográfico, mas "legendário", não no sentido de "lenda mítica", mas de
"algo para ler", uma catequese historicizada: a intenção central é sublinhar a presença nova do
3. ressuscitado, diferente da terrena pré-pascal. Sua presença agora é experimentável pela comunidade
cristã em chaves novas: a proclamação da Palavra, a fração do pão e a comunidade.
− “O texto tem como um duplo esquema: o caminho da fé e a eucaristia. Tem um esquema muito
próximo à celebração eucarística. Jesus instrue a seus dicipulos acerca das profecias que falam sobre o
Messias, de como era preciso que padecesse, de como já Moisés e os profetas haviam falado dele.
Uma vez instruidos estão dispostos a receber os sinais de sua presença, porque reagiram ante sua
palavra, convidando-o a ficar com eles. Este convite é como o “Maranatha” das liturgias primitivas.
É então quando Jesus repete os gestos da última ceia. Estamos ante uma experiência pascal percebida
e relatada com rasgos eucarísticos. Lucas nos está ensinando que somos nós os discípulso de Emaús,
quando ouvimos sua Palavra, quando esta nos faz arder o coração e quando na Fração do Pão
percebemos quem foi Jesus e quem é hoje para a Igreja”. (José Cristo Rey Garcia Paredes)
è Três chaves: Palavra - Eucaristia - Comunidade se concentram de modo privilegiado na celebração
cristã por excelência, a Eucaristia.
− Desde que Cristo inaugurou a nova era através de sua morte, os cristãos que não o conheceram em
vida terrena experimentam assim sua presença viva.
Visão de conjunto
a) O nome que esta celebração recebe no N.T. é duplo: "fração do pão" e "ceia do Senhor". Ambos se
referem ao contexto de uma REFEIÇÃO. Paulo também a chama “mesa do Senhor”, “cálice do
Senhor”. Só no fim do séc. I e inicio do séc. II, com a “Didaché" (Catequese dos Apóstolos) e nos
escritos de Sto. Inácio de Antioquia se introduzirá o nome de "Eucaristia" que aponta mais para a
bênção e ação de graças.
b) Trata-se de uma CELEBRAÇÃO COMUNITÁRIA: "reunir-se" (At 20,7; 1Cor
11,8.17.20.33.34..) É uma CELEBRAÇÃO ABERTA: não só de um círculo de amigos ou de um
círculo fechado numa classe social ou familiar, como se vê em 1Cor 11.
c) A celebração REALIZA-SE EM CONEXÃO COM A REFEIÇÃO como já indicam os nomes que
lhe dão: A “comunidade de mesa” como expressão e alimento da unidade e de vida 1Cor 10;11
provavelmente, no principio, os dois gestos do pão e do vinho demarcavam a ceia, com a fração do
pão no inicio e a bênção do vinho no final: Paulo e Lucas falam do vinho “depois da ceia”. Mas,
quando Paulo se refere à situação de Corinto, parece que primeiro tinha lugar a ceia comunitária e, no
final, tudo que é especifico da Eucaristia, com os gestos do pão e do vinho já unidos.
d) Desde a primeira geração se relacionava a refeição eucarística com a CELEBRAÇÃO DA
PALAVRA. At 2,42; 20; Lc 24
Esta inclusão da Palavra da Eucaristia seguiria a tradição sinagogal dos judeus, centrada nas leituras,
nos salmos e na oração, e a de bênçãos e de comida da ceia pascal.
e) A celebração não teve um rítmo anual, como a páscoa judaica, mas, SEMANAL. O DOMINGO, o
dia do Senhor pareceu o mais apropriado para que a comunidade se reunisse em torno da mesa do
Senhor. (At 20 "no primeiro dia da semana")
O Domingo tem toda uma carga de intenção teológica, pela superação do Sábado judaico e pela
recordação viva da ressurreição do Senhor. No “dia do kyrios” reúne-se “a comunidade do Kyrios”
para celebrar a “ceia do Kyrios”: toda a vida cristã está centrada no Senhor o Kyrios glorioso.
f) A reunião CELEBRAVA-SE NAS CASAS particulares, em contraposição à sinagoga e ao templo
que os cristãos continuavam frequentando, mas só para atos de oração. Lucas e Paulo nos
conservaram os nomes de alguns cristãos de posses patrocinadores) que emprestaram suas casas para
estas reuniões comunitárias.
g) A comunidade cristã via na Eucaristia mais do que uma refeição fraterna normal. Certamente teriam
outras reuniões familiares, importantes para o sustento da fraternidade. Mas, nestas, celebradas no
Domingo, trata-se da "ceia do Senhor", na qual entram em "comunhão com o corpo e sangue do
Senhor" e na qual, como aponta a cena de Emaús, se dá o ENCONTRO E O
RECONHECIMENTO DA PRESENÇA VIVA DO RESSUSCITADO.
- As refeiçóes com "peixe" parece que nas primeiras décadas tiveram uma certa significação na
comunidade cristã. O peixe ("ichthys") foi um símbolo religioso - da vida, por exemplo - em
4. muitas culturas religiosas. Para os judeus parece que teve, sobretudo na literatura extrabíblica,
uma conotação messiânica e escatológica: sua comida de alguma forma antecipava os tempos
messiânicos. (Mc 6,41-43 multiplicação dos pães e peixes, Jo 21,9 pão e peixe que Jesus
ressuscitado oferece aos apóstolos).
- Surge até a teoria de que nas primeiras décadas houve dois tipos de Eucaristia. Uma “palestina”,
que estaria orientada para o futuro, à espera do Senhor, seriam ceias “com o Senhor”, cheias de
alegria. Estas Eucaristias se refletem em At 2 e na “Didaché”. Outro tipo, “paulino ou helenista”,
estaria mais centrado no passado, na morte de Cristo, e seria visto como memorial da mesma, ceia
“de Jesus”, participando de seu próprio corpo e sangue. A passagem 1Cor 10 e 11 seria o reflexo
desta concepção mais sacrifical e sacramental, para a qual teria evoluído a Eucaristia no ambiente
helênico. Hoje a maioria dos estudioso nega a validade desta teoria. Nos documenos mais antigos
coexistem as duas direções: a memorial e a escatológica, e, portanto, não se estabelece uma
evolução neste sentido.
Teologia e espiritualidade da celebração
− Resumo sobre a compreensão e a celebração da eucaristia na primeira comunidade cristã a partir da
descrição que nos fizeram At, Lc 24 e 1Cor.
a) A Eucaristia é celebrada dentro do contexto da vida eclesial.
Alguém é incorporado à comunidade por meio dos passos da iniciação (pregação, conversão, fé,
batismo) e começa a viver a vida desta comunidade. Mas no meio desta vida comunitária: a catequese,
a vida fraterna e o espírito de missão no meio da sociedade. Dentro desta vivência se celebra, como
momento de destaque, no primeiro dia da semana, a Eucaristia.
b) Celebra-se com simplicidade e alegria, num clima de louvor a Deus.
At 2,46-47: "alegria", "simplicidade de coração" "e louvor a Deus".
O traço que mais se destaca, é a alegria: uma alegria cúltica, religiosa, de alguém que se sente diante
de Deus e o louva pela salvação que Ele realizou.
Numa comunidade humana, a refeição sempre é motivo de alegria. A imagem da alimentação
exprime: a alegria escatológica e a comunhão salvadora com Deus.
c) Dimensão escatológica da espera da volta do Senhor.
A expressão "maranatha" que aparece no N.T. e depois na "Didaché" 10,6 parece significar sempre
uma reunião cúltica da comunidade. 1Cor 16,22 e Ap 22,20.
É uma atitude de alegre espera que não se relacione necessariamente com a volta do Senhor, mas
como a compreensão escatológica e definitiva da vinda do Messias que experimentaram com a
comunhão: A Eucaristia oferece a melhor experiência sacramental da presença do Senhor
Escatológico.
d) A ideia central é a presença do Senhor ressuscitado no meio dos seus precisamente no contexto
da Eucaristia. O Kyrios ressuscitado se torna presente à sua comunidade principalmente na
Eucaristia, como salvador, como libertador da morte, como aquele que enche de consolo e dá a vida.
Lucas não sublinhava tanto a espera escatológica nem a recordação memorial da morte de Cristo na
cruz, mas sua presença viva hoje, identificando a presença salvadora do Messias com a experiência
eucarística da comunidade.
(As aparições do Ressuscitado com frequência aparecem num contexto de refeição e também algumas
refeições de Jesus pré-pascal relatadas com terminologia eucarística).
Desde que Cristo inaugurou a nova era através de sua morte, os cristãos que não o conheceram em sua
vida terrena e não o vêm podem “encontrar-se com ele” e experimentar assim sua presença viva. E
precisamente as três chaves – PALAVRA, EUCARISTIA, E COMUNIDADE – se concentram de
modo privilegiado na celebração cristã por excelência, a fração do pão. Portanto, é uma catequese
escrita para leitores que não conheceram pessoalmente a Jesus, mas que assiduamente já estão
participando da Eucaristia. Ou seja, para nós.