O documento discute os desafios e potencial da tecnologia para apoiar empreendimentos solidários e a inclusão social. Aborda como a tecnologia convencional é limitada para esses fins e como uma "tecnologia social" poderia ser desenvolvida para promover a sustentabilidade desses empreendimentos de forma autogerida. Também reflete sobre como a universidade pode contribuir para gerar novas soluções técnicas e metodologias para enfrentar os problemas desses empreendimentos.
1. Sustentabilidade de empreendimentossolidários:que papel espera-se datecnologia?
Tratada por algunscomo umanova RevoluçãoIndustrial,aglobalizaçãopode serconsiderada
menosumsimplesfluxode dinheiroe mercadorias,e mais“umainterdependência crescente
entre as pessoasnomundopor meiodadiminuiçãodosespaços,encurtamentodotempoe
desaparecimentodasfronteiras
Ironicamente,aglobalizaçãotrouxe,naverdade,umacrescente consciênciapúblicade que o
consumoda popu- laçãodos paísesindustrializadoscontinuase expandindoen- quantoa
pobrezadas regiõesemdesenvolvimentonomundopiora
Desde 1972, quandoas NaçõesUnidasestabeleceramfor- malmente,emconferência
realizadaemEstocolmo,umpro- grama ambiental,adiscussãosobre apreservaçãodomeio
am- biente
Alémdisso,otematrouxe à tonaa questãodarelaçãoentre desen- volvimentoeconômicoe
preservaçãoambiental,considerando- se osfatoressociaise econômicoscomoos
responsáveispelade- terioraçãodoambiente
A partirde entãomuitotemse debatidoacercado desenvol- vimentoeconômicoe da
preservaçãodomeioambiente,embuscade novasestratégiasde desenvolvimentoque
permitis- semconciliarambos.Surge,assim, nadécadade 1980, o concei- to de
desenvolvimentosustentável,comoum“tipode desen- volvimentoque permitemelhorias
reaisna qualidade de vidaeaomesmotempopreservaavitalidade e adiversidade daTerra”
No mesmocampode açõeseconômicasalternativaspode- mosidentificaraindaoutrotipode
economia,praticadoporpopulaçõesculturalmente diversificadas,commodosde vida
adaptadosà dinâmicada FlorestaAmazônica,ouaoutras fon- tesde recursosnaturais,
baseadana extraçãode frutos,óleos,seivas,fibrasvegetais,pedrasetc.
. São se- ringueiros,castanheiros,comunidadesindígenase de peque- nosprodutorescujos
negócios,alémde garantirosustentodafamília,mantêma qualidade dosrecursosnaturaise
evitamodesmatamento
Empreendimentossolidários:característicase dificuldades
A Secretariade EconomiaSolidáriadoMinistériodoTra- balhoe Emprego(Senaes/MTE)
define osempreendimentossolidárioscomoaquelesque nãotêmpatrãonemempregado,em
que a administraçãoé feitade formacoletivapelosprópriostrabalhadorese que funcionam
no marco da “economiaso- lidária”.é definidoporLechat(2002) como um conjuntode
atividadeseconômicascujalógicaé distintatantodalógicado mercadocapitalistaquantoda
do Estado.Ao contrárioda economiacapitalista,centradanocapital aser acumuladoe que
funcionaa partirde relaçõescompetitivascujoobjetivoé oalcance de interessesindividuais,a
economiasolidáriaorganiza-seapartirde fatoreshumanos,favorecendoasrelaçõesemque o
laço social é valori- zadopor meiodareciprocidade,e adotaformascomunitáriasde
propriedade
faz com que essasexperiên-ciasse apresentemcomoumaalternativareal àcrise doempre-
go e aosproblemasdaexclusãosocial e dodesenvolvimentolocal.
2. É verdade que têmsurgidopolíticase açõesde estímuloà criação de empreendimentos
solidários:microcrédito,formaçãoemempreendimentoscooperativos,incubadorasde
economiapopulare solidária,apoiojurídicoemdireitocooperativoetc.,masapresentamum
limite importante:nãoajudamosassociadosadesenvolverinstrumentosde gestãocotidiana,
as condiçõesobjetivasdaautogestão –técnicas,administrativase econômicas.
Essa lacunacompromete asustentabilidadedessasinicia- tivas,levandoaque a maioriadeles
sobrevivaemsituaçõespre- cárias,enfrentandodificuldadesde gestão,comercialização
Os empreendimentossolidáriosestão,emgeral,capacitadosamantera produçãode sua linha
tradicional de produtosouserviços,asseguradapelaexperiênciadostrabalhadores,mas
encontram-se limitadostecnicamente paraimplementarinova- çõesmaisradicais,comoo
lançamentode novosprodutos/ser- viços,explorarnovasoportunidadesde mercadoe
aumentara escalade produção,reduzircustose melhorara qualidade.
Engenharia e desenvolvimentosocial
O objetivohegemônicodaengenhariamoderna,nosistemacapitalista,é desenvolver
pesquisase projetos,porintermédiode métodoscientíficos,visandoàproduçãode bense
serviçosque garantama elevaçãodataxa de lucro dosempreendimen- toseconômicos,sobo
discursoda promoçãoda paz ou da guer- ra, da preservaçãodomeioambiente ouda
responsabilidade social empresarial
No Brasil,osproblemassociaistalvezsejamomaiorentrave aseuplenodesenvolvimento.
Dono de grandespotencialidadesnaturais,portadorde umaeconomiaque estáentre as
maioresdomundo,é o quarto país emdesigualdade social.Sofre comafome,a miséria,
consideráveistaxasde analfabetismoe elevadosíndicesde desemprego,aomesmotempo
que abarca pólostecnológicos,grandesmulti- nacionaise boasuniversidades.
A engenhariadeveriaapru- marsuavisãodo país
con- ceber– e praticar–, comoobjetivocentral datécnica,a amplia- çãoda qualidade davida
dos cidadãos,odesenvolvimentodoserhumanoemtodasas suas dimensões.Significaria
balizara articulaçãodas ciênciasdanaturezae as da matemática,dastécnicase das
ferramentas,peloenfoquedavirtuosidade daarticulaçãodosarranjosprodutivoslocaise das
cadeiasproduti- vas,coma participaçãodemocráticadosatores sociais, visandoao
desenvolvimentolocal e aoregional sustentáveis.
Conclusão
Entendemosque osempreendimentossolidáriosdevemsertratadoscomoformasalternativas
de geração de trabalhoe ren- da. Para tantodeve-se buscardesenvolverumsistemanacional
de inovaçãocapaz de ofereceraessesempreendimentosapos- sibilidade de sobreviver,
mesmoquandosubmetidosàconcor- rênciacapitalista.É necessárioformularmodospróprios
de pensamentoe açãocapazes de permitirsuaatuação emescalalocal,regional, nacional e
mesmoglobal.A primeiraquestãoé exatamente acapacidade de desen-volver,nesses
empreendimentos,acompetênciaparalidarcomos diversosconhecimentosnecessáriosà
manutençãode sua competitividade.Insere-seaíuma série de conhecimentos co- dificados
(técnicasdiversasde gestãoe administração,usode ferramentasde informáticaetc.),masque
3. precisamserofere- cidosaessespúblicosemformasmetodológicasnovas,que per- mitama
absorção dessesconhecimentosporpessoasdesacostu- madasaobterconhecimentosformais
emespaçosformaisde aprendizado.
as iniciativasde produ- çãoalternativanãotêmumcaráter unicamente econômico,masem
geral são parte de umprojetointegral de organizaçãocomu-nitária,suasobrevivência
dependendotambémde dinâmicasnão-econômicas –culturais,sociais,afetivas,políticas –
que dão sustentaçãoa redesde colaboraçãoe apoiomútuo,compostaspor outrasiniciativas
similarese entidadesdiversas,inclusive empresascapitalistas,que,porvezes,podem
incorporarà suacadeiaprodutivaessesempreendimentos.
Por fim,destaque-se aimportante contribuiçãoque osiste- made ciênciapode oferecerà
sustentabilidade dessesempre- endimentos.Entendemosque auniversidade podecontribuir,
e muito,se se dispuseradiscutirasdificuldadesde sobrevi- vênciadosempreendimentos
solidários,aprofundando-sesobre suascausase buscandosoluçõesde gestãoe produçãoque
lhespermitamdarrespostasefetivasaosproblemasosquaisessesempreendimentos
propõemresolver.A partirde então,quemsabe,torna-se possível lançarospilaresde uma
novaenge- nharia,também solidária,cujoprincipal papel seriadesenvol- ver,damesma
formaque o fezpara osgrandesempreendi- mentoscapitalistastradicionais,métodos,
técnicas,instrumentosetc.,capazesde promoveraeficiência,e porconseguinteaso-
brevivêncianomercado,sobnovospatamares,dessesempreen- dimentos.
Não se trata aqui de,simplesmente,proportrabalhosvolun- táriosoumilitantesemapoioa
essesempreendimentos,masde desenvolverumanovaformade utilizaroextensoferra-
mental postoà disposiçãodaengenhariaapósdécadas,parare- solver,sobumnovoenfoque
e com novasmetodologias,ade- quadasàrealidade dessasorganizações,osnovosproblemas
enfrentadosporelas.Trata-se de tentarincorporarà academiatecnológicaumpoucodesse
mundoque,apesarde não movi- mentarmilhõesde dólares,pode serresponsável pela
sobrevi- vênciade milhõesde pessoas.Isso,porsi só,parece motivosu- ficienteparaingressar
nessaexperiência.
A tecnologiasocial e seusdesafios
Este capítulo exploraoprocessorecente,e emcertosentidoúnico,que se expande
rapidamente noBrasil,de concebertec- nologiasparaainclusãosocial (IS)
Inicia-se comumapergunta:por que é necessárioconcebertecnologiasocial (TS)?
Primeiro,porque se consideraque atecnologiaconvencional(TC),atecnologiaque hoje
existe,que aempresaprivadautiliza,nãoé adequadaparaa IS.Ou seja,existemaspectosna
TC, crescentemente eficienteparaospropósitosde maximizaçãodolucroprivadoparaos
quaisé desenvolvidanasempresas,que limitamsuaeficáciaparaa IS.Segundo,porque se
percebe que asinstituiçõespúblicasenvol-vidascomageração de conhecimentocientíficoe
tecnológico(universidades,centrosde pesquisaetc.) nãoparecemestarain- daplenamente
capacitadaspara desenvolverumatecnologiaca- paz de viabilizaraISe tornar auto-
sustentáveisosempreendi- mentosautogestionáriosque eladeveráalavancar.
Como é a TC?
• Mais poupadorade mão-de-obradoque seriaconveniente;
4. • Possui escalasótimasde produ- çãosempre crescentes;
• Ambientalmente insustentável;
• Intensivaeminsumossintéticose produzidosporgrandesem- presas;
• Suacadênciade produçãoé da- da pelasmáquinas;
• Possui controlescoercitivosque diminuema produtividade.
O que possodizer,preliminar- mente,é que elaé maispoupadorade mão-de-obradoque se-
ria conveniente porque olucrodasempresasdepende de umaconstante reduçãodamão-de-
obra incorporadaao produto,oudo tempode trabalhosocialmente necessárioparaproduzir
mercadorias.
Ele implicaque se estejasempre considerandomaisprodutivaumaempresaque diminui o
denominadordafraçãoproduçãopor mão-de-obraocupada.
Comoé a TC? • Segmentada:nãopermite contro- le doprodutordireto;
• Alienante:nãoutilizaapotenci- alidade doprodutordireto;
• Hierarquizada:demandaafigu- rado proprietário,dochefe etc.;
• Maximizaa produtividadeemrelaçãoàmão-de-obraocupada;
• Possui padrõesorientadospelomercadoexternode altarenda;
• Monopolizadapelasgrandesem- presasdospaísesricos.
elapossui escalasótimasde produçãosempre crescentes,ouseja, aescalade produçãoótima
é crescente
A TC é intensivaeminsumossintéticosproduzidosporgrandesempresas,oque,alémde
ambientalmenteproblemáti- co,levaauma dependênciamuitogrande dopequenoprodu- tor
A TC é tambémsegmentada:,tornasempre necessárioumpatrão,umcapitalista,umchefe,
um ca- pataz,ou, maismodernamente,umengenheiro
Seussegmentospodemseroperadose parcialmentecontroladosporconjuntosde
trabalhadores.Eles,entretanto,jamaisconhecerãooutroscomponentesdessespro- cessos.
A tecnologiaque satisfazasdemandasdasclassesricas,dospaísesricos,é mais moderna – a
HiTec.
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A tecnologiasocial e seusdesafios
A HiTecé monopolizadapelasgrandesempresasdospaísesricos
As tecnologiasque satisfazemoconsumopopular,asatisfa- çãode necessidadesbásicas,as
que servemparaproduzira in- fra-estrutura,oupara a agregação de valoràs matérias-primas
dos paísesde TerceiroMundo,essastecnologiasestãoparadasnotempo.Há muitoelasnão
se renovampor novoconhecimento
5. deve sercapaz de viabilizareconomica- menteosempreendimentosautogestionários.
O que faz a TC serdiferente da TS?
A TC é funcional paraa empresaprivada,que nocapitalis- moé a responsável pelaprodução
de bense serviçosparaa po- pulação.
O que faz a TC ser diferentedaTS?
• A TC é funcional paraa empre- saprivadaque,nocapitalismo,é aresponsável por “transfor-
mar” conhecimentoembense serviços;•Osgovernosdospaísescentraisapóiamseu
desenvolvimento;
• Asorganizaçõese os profissio-naisque aconcebemestãoimer- sosnoambiente social e
políticoque a legitimae demanda;•Porque trazemconsigoseusva- lorese,por isso,a
reproduzem.
Será que a universidade temcondiçõesde gerar TS a partir da TC?
O desenvolvimentode C&T,oude conhecimentocientí- ficoe tecnológico,refleteospadrões
sociais,políticos,econômi- cose ecológicosdasociedade emque essedesenvolvimentotem
lugar
A idéiadaciênciacomoum objetoconstruído,entretanto,nãoé aceitanainstituição
universitária.A grande maioriadosprofessoresdauniversidade,sejamde direitaoude
esquerda,entende aciênciacomolivre de valores,comoalgoneutroe in- trinsecamente
positivo.Issoemparte se deve aofatode que foi o marxismoumdosresponsáveispela
fundaçãoda idéiadodeterminismotecnológico,que é exatamente opostaàidéiade que é o
contextosocial,econômico e políticoque determinaotipode conhecimentocientíficoe
tecnológicogerado.
Como a universidade parece entenderesse desenvolvimento?
. Ela percebe aciênciacomotendoum motorde crescimentoque guiariaseudesenvolvimento
de acordo com leispróprias,defi-nidasendogenamente.Paraque esse motorfuncionasse
bem,serianecessárioque se mantivesseisoladoemrelaçãoàsocieda- de.Essaseriaa única
formapelaqual a ciênciapoderiase de- senvolverde modoverdadeiroe eficaz.
A idéiade que umatecnologiatem“ponta”e que outras são “rombudas”,de que algumassão
altase outras baixas,busca,narealidade,substituiranoção de que algumastecnologiassão
adequadasparadeterminadosfins,e nãopara outros,e dificul- tarapercepçãode que
algumassão funcionaisparaa reprodu- çãodo capital,mesmoque emdetrimentode valores
morais,ambientaisetc.Masessaconcepçãoideologizada dofenômenocientíficoe
tecnológico,comotantasoutraspresentesnocoti- diano,é hegemônicae,porisso,muito
difícil de contestar.A universidade,então,entende odesenvolvimentode C&Tcomosendo
neutro,nãoinfluenciadopelocontextosocial.Tal neutralidade pode atuarde formapassiva,
semnenhumimpac- toenviesadonamanutençãooufortalecimentodopoderde al- gumator
social presente nocontextoemque é gerada,ouati- va, determinandopormeiode seu
impactoa forma que a sociedade assumirá
Comoa universidade se organizaparadesenvolverconheci- mento?
6. Tudo depende dapesquisabásica.Se tivermosboapesquisabásica,de excelência,comose
costumadizer,se formarmosre- cursos humanosde qualidade,desencadearemosum
processoauto-sustentadoque noslevariaaobem-estardasociedade.
A universidade,comooutrasinstituições,organiza-seba- seandosuasdecisõesnaopinião,no
faro,no prestígioe no po- der de seuslíderese suasredesinvisíveis.Porque se faztal pes-
quisae não outra? Por que se dá tal tipode aula e não outro?Ora, porque alguémdisse que
temde serassim.Mas baseadoemquê?Em argumentosracionais?Não,baseadoemfaro,em
prestígio.Nauniversidade,opoderde quemdecide é construídoapartirde prestígio
acadêmico,oque significaestritaobservaçãodessemodode organizaçãoe daquelasregras
subjacentesàsquaisse fezreferência.Emoutraspalavras,o professorpesquisa,pesquisa,
pesquisa,orienta,orienta,orienta,publica,publica,publicae,apartir de um determinado
momento,emfunçãodoprestígioacadêmicoque granjeou,passaaser umchefe de
departamento,umdire- torde unidade,umreitoretc.Esse mecanismode acumulaçãode
poder,baseadonoprestígio,nãotemnada a ver com algoracional,comuma capacidade
técnicapara decidirsobre qual ti- pode atividade de pesquisae docênciaé maisadequado
para a sociedade.
Resumindo:auniversidade reforça,de maneirasutil,apa- rentemente natural,enraizadano
mitoda neutralidade daciênciae emfunçãodocontextosocioeconômicoque oengen- dra,a
TC.
A ciênciavai nosentidocontrário,auniversidadeapercebe de umaformaequivocada,
organiza-se de umaformaque reforçaa TC
Será que é possível gerar a TS a partir da TC? • Comose dá o desenvolvimentode C&T?–
Reflete ospadrõessociais,políticos,econômicose ecológicosdasociedadeemque é
desenvolvida–É desbalanceadoe enviesadoporessespadrões; –Só faz perguntasque
consegue resolverdentrodoslimitesdestasociedade; –Reforça“sua” sociedade e inibe a
mudançasocial.• Comoa comunidade de pesquisapercebe esse desenvolvimento? –Como
tendoum“motor de crescimento”endógeno,guiandoaC&Tnum caminho; – Linear,contínuo,
universal,“darwinista”e inexorável; –Em “buscada verdade”.
Premissaà conformação da Rede de Tecnologia Social*
O propósitodaRede de TecnologiaSocial (RTS) é promo- vero desenvolvimentolocal
sustentável mediante técnicase metodologiastransformadoras,desenvolvidasnainteração
com a população,que representemsoluçõesparainclusãosocial.