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J. G. de Araújo Jorge
Foi uma infância sem Natal. Até
onde posso ver, olhando para trás, na
pequena e distante Rio Branco, agarrada
às barrancas do rio Acre, numa vida que
nem sei mais se foi minha, não havia
Natal. Lembro-me, vagamente, de
umas compridas meias de filó que minha
mãe enchia com insignificantes
brinquedos.
Era o Natal?
Muitas vezes me perguntei depois, sem
compreender, porque o menino Jesus não
“nascia” também naquelas longínquas
paragens. Até que havia uma igrejinha,
de S. Sebastião, “toda branquinha com
um lírio branco”,com seu bimbalhar
festivo de sinos para saudá-lo.
E árvores, muitas e belas árvores! Lá
estavam as esguias seringueiras, os
farfalhantescastanheiros, as imensas
mangueiras, os alegres cajueiros, as
resistentes goiabeiras, e ah! Aquelealto
cajazeiro da orla da floresta -todos
estenderiam certamente seus galhos para
que os enfeitassem com bolas coloridas e
velinhas acesas.
Nemfaltariam os boizinhos: havia
dois, presos ao varal da moenda na
engenhoca, dois boizinhos de presépio,
que só muito mais tarde reconheceria. E
outros que puxavam carros de rodas
sanfônicas, e os que mugiam ao
entardecer, nas pastagens ou nos currais.
Ecrianças, crianças, como em
toda parte, que se juntariam em torno
ao presépio, ou se postariam no
barranco, à espera de Papai Noel,
quando ele chegasse de “ chata ” ou de “
gaiola ”, que apitaria na curva do rio, lá
junto da antiga cadeia...
Mas não havia Natal. Nunca tive
Natal. A casa em festa, a árvore
iluminada, aquelaânsia incontida,
aquela expectativa que empolga a
imaginação e que precede os grandes
espetáculos.
Nãoque me queixe da minha
infância: eu a tive intensa, viva, rica
de acontecimentos. Fui capitão de
moleques. De olhos abertos, pés no chão,
eu me perdia pelos caminhos ainda
molhados pela madrugada, lendo mais
que nos livros, nas coisas, nos bichos, nas
árvores, no rio.
Manhãzinha fugia de casa, de
baladeira na cintura, procurando
sanhaçus, eu me perdia pelos varadouros
da floresta comendo cacau maduro e
ingá. Vadiava o dia inteiro pelas praias,
cavando na areia, para encontrar ovos de
tartaruga, como centenas de úmidas
bolas de pingue-pongue, ou pescava
mandis nos igarapés,com minhocas no
anzol.
Barafustava-me pelo mercado,
misturando açúcar preto com farinha
grossa, nas bocas abertas das sacas,rindo
à-toa. Subindo nos toros de madeira que
os bois arrastavam para serraria; tomava
banho de chuva nas barricas debaixo das
calhas dotelhado ou nos frios igarapés,
entre canaranas, alheio ao risco das
cobras de picadas mortais.
Cavalgueiminha infância, como
um menino feliz, tal como fazia com meu
carneirinho branco, presente de
aniversário, -passeando com
companheiros, pela cidade. Quantas
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vezes, bem que sabia a surra que me
esperava, mas valia a pena!
Seguia a banda até a praça,e assistia
aos domingos a retreta, trepando no
gradil do coreto, deslumbrado sempre
com o trombone metálico, cornucópia
mágica e brilhante, a borbulhar sons
guturais e roufenhos. E um dia, pedi aos
presosda Cadeia Pública para gravarem
o nome dela na pulseira feita de chifre
de boi. Como disse no poema: primeira
algema de amor.
Cresci livre, como o mundo ao meu
redor, aprendendo igualdade e amor.
Carregava molhos de bagaço de cana,
com a molecada, na engenhoca, para ter
direito depois de beber garapa, comer
rapadura, ou “tirar alfinin”.
Subiapelos cajueiros ou pelas
altas e copadas mangueiras, a devassar os
horizontes, a mexer nos ninhos dos
passarinhos, ou a me esconder do
professor. Participavadas festas do
Grupo Escolar, e representava nas
festas de fim-de-ano. Guardei os nomes
das professoras:Da. Olga, Da. Risoleta.
Eram filhas do Governador que tinha um
apelido assustador: Surucucu. E fiz a
minha primeira comunhão... duas vezes!
Porquena primeira vez, saí de casa, e
não cheguei à igreja. Entrei num jogo de
futebol, na rua.
Mas, um dia voltamos. Viemos todos
para o Rio. Fomos morar em Botafogo,
vizinhos do velho casarão, onde residiu
por quase meio século, o meu avô Tinoco,
na antiga rua da Piedade.
E só então aconteceu o Natal. Natal
com festa, árvore de brinquedos, mesa
farta de doces. Nunca mais reencontrei o
gosto daquele bolo de nozes, daqueles
canudinhos de côco, daquelas ameixas
recheadas com ovo e açúcar cristalizado.
São como o gosto da infância, que nunca
mais se recobra, apenas se relembra.
Ainda ouço minhas tias avisando:
- Se você disser aos outros que Papai
Noel não existe, seu avô não lhe dá a
bicicleta.
Ah, minha bicicleta! Foi meu primeiro
e verdadeiro amor. Esperei-a, com uma
sofreguidão de Cinderela ao seu príncipe
encantado.
Mas só muitos anos mais tarde, me
poria a pensar naquele estranho aviso das
tias, aos meus irmãos e aos primos
menores:
- Escolhamo sapato mais velhinho pra
colocar na janela. Assim Papai Noel
pensará que vocês são pobrezinhos e
deixará muitos brinquedos.
Quanta ironia no aviso despropositado.
Sim, fui uma infância sem Natal.
Mas não me queixo. Resta-me um
consolo: ao menos não me desencantei
como tantas crianças, descobrindo um dia
a ingênua mentira, ao reconhecerem
Papai Noel por trás de sua barba branca,
ao vê-lo tirar a encantada máscara, no
seu feliz e efêmero carnaval...
J. G. de Araújo Jorge. No Mundo da Poesia.
Rio de Janeiro/RJ: Edição do Autor, 1969.
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Marco Aurélio Goulart
Itapecuru-Mirim/MA
Deusa do tempo passado,
a saudade traz lembranças,
que, às vezes, tenho implorado
reviver... sem esperanças.
Casimiro de Abreu
Barra de São João/RJ (1839 - 1860) Nova
Friburgo/RJ
Meus oito anos
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
Antonio Colavite Filho
Santos/SP
Saudadeé folha caída,
um precoce envelhecer;
é a distância mais sentida
do que, perto, se quer ter...
Glória Tabet Marson
São José dos Campos/SP
Saudade da minha terra
Do meu tempo de menina,
tenho uma doce lembrança
e nela sinto a esperança
de voltar à Carapina,
lugar que Deus ilumina.
Uma pequena cidade,
que deixou grande saudade
daquela vida tão calma,
de muita paz em minha alma,
que, agora, a tristeza invade.
Quero, um dia, lá voltar,
abraçar minha mãezinha,
não deixá-la mais sozinha;
poder me certificar
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que não há melhor lugar
para sentir liberdade,
buscar a felicidade,
viver com muita alegria,
aproveitar dia a dia...
E acabar com a saudade.
Elisabete Aguiar
Mangualde/Portugal
Caminhei…voltei sem vê-lo…
Só encontrei pela estrada
saudades…um doce anelo,
silêncio e sombra orvalhada.
Cristina Cacossi
Bragança Paulista/SP
Saudades das brincadeiras da infância
Ai que saudades me dão
as brincadeiras da infância...
no coração, a mansidão
fazia ninho em abundância...
Ai que saudades me dão
a amarelinha, a queimada
a cobra-cega, o pião
em meio a tanta gargalhada!
Ai que saudade me dão
as brincadeiras de infância...
nas bolhinhas de sabão
iam sonhos à distância!
Ai que saudade me dá
cada brincadeira de outrora
a alegria morava lá
isso eu descobri só agora...
Olympio da Cruz S. Coutinho
Belo Horizonte
Cascata de Trovas sobre Saudade
Quem cultiva uma amizade
dentro do seu coração
pode morrer de saudade,
mas nunca de solidão.
De ti eu tinha saudade,
casei-me contigo um dia;
e hoje eu sinto saudade
da saudade que sentia.
Partiste, mas, na saudade,
eu só peço ao Criador
que a tua felicidade
seja igual à minha dor.
Pela praça vai passando
o avô com uma criança;
é a saudade levando
pelas mãos a esperança.
Privado da liberdade
o passarinho, a cantar,
exprime a dor da saudade,
já que não sabe chorar.
Vivendo só "na saudade"
o setentão insubmisso
relembra a virilidade
dizendo: "Eu já fui bom nisso!"
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG
A minha roça eu troquei
pelas luzes da cidade.
Nesse dia eu comecei
meu plantio de saudade!
Catulo da Paixão Cearense
São Luís/MA, 1863 – 1946, Rio de
Janeiro/RJ
João Pernambuco
Jatobá/PE, 1883 – 1947, Rio de Janeiro/RJ
Luar do Sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Oh! que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas
pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do
sertão
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Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a
solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do
coração
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Mas como é lindo ver depois por entre o
mato
Deslizar calmo, regato, transparente como
um véu
No leito azul das suas águas murmurando
E por sua vez roubando as estrelas lá do
céu
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Colombina
(Adelaide Schlönbach Blumenschein)
São Paulo/SP (1882 – 1963)
Saudade, febre que a gente
sem querer pode apanhar;
nunca mata de repente,
vai matando devagar…
Helena Douthe
Curitiba/PR
Borboleta de luz
Fiquei no escuro deserto
Sem você por perto
Sinto muito, muito, muito, mas muito frio
Imenso vazio
Minha alma despedaçada
Pela natureza da vida foste levada
E agora imaculada?
Minha melhor amiga amada
Meu mundo é nada
Hoje sou água gelada
No buraco da triste madrugada
congelada
Em lágrimas me transformei
Sem saber o que fazer
Desesperada
Vim escrever
Para te dizer
Que jamais te esquecerei
Viraste borboleta de Luz
Uma linda fada de Jesus
Para sempre
No matizado jardim
Vai viver
Dentro e fora de mim.
Geraldo Peixoto de Luna
Londrina/PR
Vejo triste, em minha face,
A cada dia que corre,
Uma saudade que nasce,
Uma esperança que morre.
Elisabete Aguiar
Mangualde/Portugal
Nostalgia
Nada sei do que fui, do que vivi,
do que sonhei,
perdi a fantasia…
e hoje canta em mim a nostalgia
de vagos murmúrios e cânticos que ouvi.
Música das esferas ecoa no meu sangue...
Hinos de Amor voltando do Além...
E a dor de caminhar,
de tatear...
Eternamente perseguir,
cair...
Mas recomeçar!
Volteia na brisa meu ser esquecido,
gestos modelados na cor da manhã,
incertas sombras...
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incertos rumores...
Angústia da procura…
Saudade, minha irmã!
Marina Valente
Bragança Paulista/SP
Porque a "Fé move a montanha",
não posso deixar de crer
que esta saudade (tamanha!)
vai um dia perecer.
Anônimo
A Casinha Pequenina
Tu não te lembras da casinha pequenina
Onde o nosso amor nasceu, ai ?
Tu não te lembras da casinha pequenina
Onde o nosso amor nasceu ?
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado de saudade
Já morreu.
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado de saudade
Já morreu.
Tu não te lembras das juras, oh, perjura,
Que fizeste com fervor, ai ?
Tu não te lembras das juras, oh perjura,
Que fizeste com fervor ?
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor.
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor.
Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi, ai ?
Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi ?
Daquela enorme mangueira
Altaneira onde cantava
O bem-te-vi.
Daquela enorme mangueira
Altaneira onde cantava
O bem-te-vi.
Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol, ai ?
Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol ?
Que contente assim cantava
Anunciava o nascer
Do flâmeo sol.
Que contente assim cantava
Anunciava o nascer
Do flâmeo sol.
Jorge Murad
Rio de Janeiro/GB (1910 – 1998)
Só porque falo sozinho
chamam-me louco, - maldade!
é que eu converso baixinho
quando falo com a saudade...
Maria Antonieta Gonzaga
Teixeira
Castro/PR
Saudade
Saudade - favo de mel.
Saudade - volta no tempo
vencendo distâncias.
Saudade de alegrias sem dores,
saudade de coisas escorridas
provocando lágrimas.
Saudade - sentimento inconfundível
tesouro precioso que traz de volta
o mais importante:
- a vida vivida.
Maria Luiza Walendowsky
Brusque/SC
Volte agora com vontade,
ser o amor que me encantou
traga consigo a saudade,
que ao partir, você deixou!
Cristina Cacossi
Bragança Paulista/SP
Saudade
A saudade nunca faz distinção
instala-se sem licença pedir
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junto à criança, jovem, ancião
tendo liberdade para ir e vir.
Bem alojada em todo coração
traz fortes e suaves emoções
ou só pesar, angústia, decepção
acelerando nossas pulsações.
Espirituosa sempre, e arrojada
surpreende em momentos do dia-a-dia:
chega mal-encarada ou então,
encantada.
Não há remédio ou receita adequada
para matar a famosa saudade;
é necessário... ser sua aliada!
Carolina Ramos
Santos/SP
Quando a saudade me embala,
o teu nome a repetir,
o silêncio tanto fala,
que não me deixa dormir!
Elisa Alderani
Ribeirão Preto/SP
Saudade
Copo que transborda nas noites de
silêncio.
Quando tem lua cheia e a brisa leva o
pensamento...
faz que as nuvens de lembranças se
espalhem como ovelhas,
nas verdes campinas do tempo que se foi,
sem volta.
Saudade, palavra doce e amarga
novo sabor da vida que não cabe mais na
cristaleira...
xícaras de porcelana chinesa, taças de
cristal vazias
sem uso... Tintinar de vozes, perdidas na
memória
espelhando fantasmas que vagam à
noite.
Pratos e talheres, são palavras mudas.
Na parede, a colheita de fotos
acinzentadas
dos rostos tão amados.
O tempo mudou-lhe endereço,
Saudades eternas, até o final da viagem!
Domitilla Borges Beltrame
São Paulo/SP
Numa página, a saudade;
no verso – não tem escolha –
quase sempre a mocidade
faz parte da mesma folha!…
Janske Niemann
Curitiba/PR
Meu Filho
Não houve um gesto nem palavra dura
- houve um silêncio um pouco singular.
O seu olhar parece que procura
alguma coisa, que eu não posso dar.
Não houve nada. Pela noite escura
nenhum ruído para me assustar,
mas a beleza da manhã tortura:
vou para fora para respirar!
Ele tornou-se um cavaleiro errante,
que não sossega nem por um instante:
um solitário, que só quer partir!
Pegou apenas, na manhã tranquila,
o capacete, as luvas e a mochila
e foi embora sem se despedir...
Flávio Roberto Stefani
Porto Alegre/RS
Na ausência que não nos poupa,
saudade é formiga arisca
que fica dentro da roupa
e volta e meia belisca.
Ary Barroso
Ubá/MG, 1903 – 1964, Rio de Janeiro/RJ
Lamartine Babo
Rio de Janeiro/RJ, 1904 – 1966
No Rancho Fundo
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
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Contam coisas da cidade
No rancho fundo
De olhar triste e profundo
Um moreno canta as mágoas
Tendo os olhos rasos d'água
Pobre moreno que de noite no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo um cigarro por companheiro
Sem um aceno
Ele pega na viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal
Desse moreno
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria
Nem de noite, nem de dia
Os arvoredos já não contam
Mais segredos
E a última palmeira
Já morreu na cordilheira
Os passarinhos
Internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza
Enche de trevas a natureza
Tudo porque, só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Pra uma casa de sapê
Se Deus soubesse da tristeza lá serra
Mandaria lá pra cima
Todo o amor que há na terra
Porque o moreno
Vive louco de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da cidade
Ele que era
O cantor da primavera
E que fez do rancho fundo
O céu melhor que tem no mundo
Se uma flor desabrocha
E o sol queima
A montanha vai gelando
Lembra o cheiro da morena
Gérson César Souza
São Mateus do Sul/PR
A espera é aquele momento
em que a saudade dispara
e o relógio fica lento,
fica lento e quase para…
Olivaldo Júnior
Mogi-Guaçu/SP
Cascata de Trovas sobre saudade
Numa trova pequenina,
toda feita de emoção,
a saudade é qual ruína
que denota a solidão.
Minha vida tem saudade
de outra vida que morreu;
morte certa, a da verdade
que, mentira, nem nasceu.
Calabouço de esperança
me aprisiona o pensamento;
da saudade, a confiança
de que volta em outro vento...
Numa lápide singela,
sem o lustro da maldade,
a bondade, feito vela,
luze a chama da saudade...
Minha face, obscura, muda,
muda o jeito quando pensa
que a saudade só nos muda
se 'Deus Pai' é nossa crença...
Um crisântemo, sem cor,
me sugere um verso triste:
de saudade, um trovador
faz das lágrimas o "alpiste"...
Há mil jeitos de matar
sem matar o corpo meu;
o melhor é desdenhar
da saudade, que sou eu.
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Jeanette Monteiro de Cnop
Maringá/PR
Nem sempre a felicidade
vem da vitória ou da fama:
pode estar numa saudade
ou nos sonhos de quem ama!
Casimiro de Abreu
Barra de São João/RJ (1839 - 1860) Nova
Friburgo/RJ
Saudades
Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!
Nessas horas de silêncio
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.
Então - Proscrito e sozinho -
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
- Saudades - Dos meus amores
- Saudades - Da minha terra!
José Valdez de C.Moura
Pindamonhangaba/SP
Saudade, que dor enorme,
é triste o nosso sentir:
você se deita e não dorme
e nem me deixa dormir!
Mário Moura Marinho
Sorriso/MT
Saudade
Amor, sentimento fino...
que se alojou em meu peito,
e de bom gosto eu aceito
ser meu eterno inquilino.
Com este ganho divino
eu venho expor a verdade:
Sendo o amor felicidade,
não posso contrariar;
eu não sofro por amar
e sim por sentir saudade!
Marco Aurélio Goulart
Itapecuru-Mirim/MA
Saudade - não sei se amarga
ou se causa em mim doçura...
pois sinto uma sobrecarga
de sofrimento e ternura...
Cristina Cacossi
Bragança Paulista/SP
Ai que saudade de mim...
daquele olhar escuro,
penetrante, puro,
cheiinho de sinceridade !
daquele sorriso sincero, aberto
totalmente liberto,
cheiinho de alegria !
daquele semblante descontraído,
mas não descomprometido,
cheiinho de paz !
daquela risada escancarada,
no meio da meninada,
cheiinha de energia !
daquele pequeno coração,
repleto de emoção,
cheiinho de lealdade !
daqueles gestos irriquietos,
de espontaneidade, repletos,
11
cheiinhos de vivacidade !
ai que saudade de mim ...
Antonio Colavite Filho
Santos/SP
Emum jardim da cidade,
tendo a sua companhia,
eu já nem sinto saudade
da saudade que eu sentia...
Gabriela Pais
Almada/Portugal
Saudade
A saudade não vai embora
fere fundo, duramente,
sentimento que devora,
o pensar sempre presente.
Ausência tanto custa
quando deixamos de ver,
seja causa mesmo injusta,
acontece a qualquer ser.
Saudade janela aberta,
para lágrimas verter
uma dor que se liberta,
para se poder viver.
Saudade está no passado,
oculta nos pensamentos,
esquecendo amargo fado,
lembramos ternos momentos.
A saudade traz memórias
que se querem esquecer,
mas reconta-nos histórias,
que queremos reverter.
Paulo Walbach Prestes
Curitiba/PR
Lindas Despedidas!
E numa janela o aceno vazio...
Mãozinhas gentis dizendo o adeus
embargado no choro, aquele menino
que guarda saudade de todos os seus.
Odenir Follador
Ponta Grossa/PR
Pais de Ontem e de Hoje
Eu era ainda criança
Alheio a iniquidade,
Mas cheio de esperança,
Em minha tenra idade.
Eu era feliz, pois sabia,
Que meu pai, meu herói!
De tudo me protegia;
Oh! Saudades, que dói.
O tempo passa depressa...
Eu cresci e nem percebi,
Recordo sem muita pressa...
Dos conselhos que recebi.
Narrei aos meus filhos,
Depois aos meus netos;
Dessa época de brilhos
Carinhos e muitos afetos!
Um tempo mais inocente,
Dos contos da carochinha...
A tecnologia ainda ausente,
Esta malvada erva-daninha.
Ser pai nesta época atual,
Tem que ser um super-herói!
Na emoção da era digital...
Se não cuidar, ela destrói!
José Feldman
Maringá/PR
Saudade que me devora.
Saudade... de teus carinhos.
Saudade que a qualquer hora,
vem me matando aos pouquinhos.
Cristina Cacossi
Bragança Paulista/SP
Cascata de Trovas sobre Saudade
Ter uma boa saudade...
eis sinal de alegria !
Percebi... não tem idade,
ela não traz nostalgia !
Remédio adequado eu busco
para matar a saudade ...
confesso a todos : eu lusco,
pois não há nem na eternidade
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Não quero saudade à toa
que chegue, que me machuque...
eu quero saudade boa
que venha e me reeduque..
Para matar a saudade
eu abri certa cancela
lá da minha mocidade
e dei uma espiadela.
O violão do meu avô
Num canto escuro da sala de estar, como se nem estivesse lá, o violão do meu avô estava assim como o seu dono: na
lembrança de quem gostava dele quando no meio de nós.
Não sei ao certo qual marca o danado do violão do meu avô silenciosamente ostentava no corpo, mas devia ser boa, a marca,
pois vovó nos conta que custou a ele os olhos da cara!
Hoje, sozinho, sem ninguém que o traga à vida, o violão do meu avô virou a maloca preferida das aranhas, que, de dentro
dele, tecem os fios de sua aracnídea e surda existência. Olivaldo Júnior (Mogi-Guaçu/SP)
Castro Alves
Curralinho/BA, 1847-1871, Salvador/BA
Recordações
Lembras-te ainda dessa noite bela
Em que, donzela, te chegaste a mim?
Lembras-te? Dize... mas não tenhas pejo...
Que vai um beijo p'ra corar assim?...
Que linda noite! da montanha o vento
Tênue lamento suspirava então.
E nos teus lábios, no tremor, no medo
Lia o segredo de febril paixão.
Passava a lua pelo azul do espaço
Do teu regaço a namorar o alvor.
Como era terna no seu brando lume.
...Tive ciúme de ver tanto amor ...
Como dum cisne alvinitentes plumas
Iam de brumas a vagar nos céus,
Gemia a brisa - perfumando-a a rosa -
Terna, queixosa nos cabelos teus.
Que noite santa!... Sempre o lábio mudo
A dizer tudo, a respirar paixão;
De espaço a espaço um fervoroso beijo,
E após o pejo... e algum frouxo não.
Eu fui a brisa - tu me foste a rosa,
Fui mariposa - tu me foste a luz,
- Brisa - beijei-te - mariposa - ardi-me.
E hoje me oprime do martírio a cruz.
E agora quando da montanha o vento
Geme um lamento de infinito amor,
Busco debalde t'escutar as juras...
Não mais venturas... só me resta a dor.
Seria um sonho aquela noite bela?
Dize, donzela... Foi real... bem sei!...
Ai! não me negues, diz-mo a lua, o vento,
Diz-mo o tormento que por ti penei!...
Alba Christina Campos Netto
São Paulo SP
Entre nós não há mais nada,
mas ante a prova de fogo,
saudade é carta marcada
que acaba ganhando o jogo!
Cecília Meireles
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
Silenciosas lembranças
De que são feitos os dias?
De pequenos desejos
Vagarosas saudades
Silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias
Momentâneos lampejos
Vagas felicidades
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Inatuais esperanças.
De loucuras, de crimes
De pecados, de glórias
Do medo que encadeia
Todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos
Dentro deles choramos
Em duros desenlaces
E em sinistras alianças.
Ercy Maria M. de Faria
Bauru SP
Saudade é um velho barquinho
que vence o tempo e a distância
e recolhe, no caminho,
os pedacinhos da infância ...
Cruz e Souza
Florianópolis/SC, 1861-1898, Antonio
Carlos/MG
Lembranças apagadas
Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.
Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos...
Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,
Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!...
Luiz Carlos Abritta
Belo Horizonte MG
Vou definir a saudade
e não sei se estarei certo:
saudade é aquela vontade
de que o longe fique perto.
Zica Bérgami
Ibitinga/SP, 1913 – 2011, São Paulo/SP
Lampião de Gás
Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz
Da sua luzinha verde azulada
Que iluminava a minha janela
Do almofadinha lá na calçada
Palheta branca, calça apertada
Do bilboquê, do diabolô
Me dá foguinho, vai no vizinho
De pular corda, brincar de roda
De benjamim, jagunço e chiquinho
Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz
Do bonde aberto, do carvoeiro
Do vossoureiro, com seu pregão
Da vovózinha, muito branquinha
Fazendo roscas, sequilhos e pão
Da garoinha fria, fininha
Escorregando pela vidraça
Do sabugueiro grande e cheiroso
Lá no quintal da rua da graça
Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz
Da minha São Paulo,
calma e serena
que era pequena,
mas grande demais.
Agora cresceu,
mas tudo morreu...
Lampião de Gás
quantas saudades me traz.
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Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz
Francisco Pessoa
Fortaleza CE
Saudade é o tempo guardado
dentro do peito da gente...
nó, que se dá no passado
e se desfaz no presente.
Da Costa e Silva *
Saudade
Saudade! Olhar de minha mãe rezando,
E o pranto lento deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
Cantigas de águas claras soluçando.
Noites de junho... acabará com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando,
piando...
E, ao vento, as folhas lívidas cantando
A saudade imortal de um sol de estio.
Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento...
As mortalhas da névoa sobre a serra...
Saudade! O Parnaíba - velho monge
As barbas brancas alongando... E, ao longe,
O mugido dos bois da minha terra...
Diamantino Ferreira
Campos dos Goytacazes/RJ
Não há palavra nenhuma
tão grande quanto “saudade”,
que em sete letras resuma
a dor e a felicidade!
Jorge de Lima
União dos Palmares/AL, 1853 – 1953, Rio de
Janeiro/RJ
Velho Tema, A Saudade
Quem não a canta? Quem? Quem não a
canta e sente?
- Chama que já passou mas que assim
mesmo é chama...
A Saudade, eu a sinto infinda, confidente.
Que de longe me acena e me fascina e
chama...
Mágoa de todo o mundo e que tem toda
gente:
Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de
dama...
..Um segredo de amor que se desfaz e
mente...
Quem não os teve? Quem? Quem não os
teve e os ama?
Olhos postos ao léu, altívagos, à toa,
Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de
repente
Te ficaste gozando uma saudade boa?
Se vês que em teu passado uma saudade
adeja,
- Faze que uma saudade a ti seja o
presente!
- Faze que tua morte uma saudade seja!
Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC (1926 – 2017) Sorocaba/SP
Trem-de-ferro, o teu apito
lembra-me um sino plangente:
tanta mágoa no teu grito,
tanta saudade na gente!
Alberto de Oliveira
Palmital de Saquarema/RJ, 1857 – 1937,
Niterói/RJ
Crescente de Agosto
Alteia-se no azul aos poucos o crescente,
O ar embalsama, os cirros leva, o escuro
afasta;
Vasto, de extremo a extremo, enche a
alameda vasta
E emborca a urna de luz nas águas da
corrente.
Na escumilha da teia, onde a aranha
indolente
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Dorme, feita de orvalho, uma pérola
engasta.
Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e
casta,
Mais brancos os jasmins e a murta
redolente.
Faz chorar um violão lá não sei onde... (A
ouvi-lo
Na calada da noite, um não-sei-quê me
invade)
Faz que haja em tudo um como estranho
espasmo e enlevo;
Faz as cousas rezar, ao seu clarão
tranquilo,
Faz nascer dentro em mim uma grande
saudade,
Faz nascer da saudade estes versos que
escrevo.
Edmar Japiassu Maia
Nova Friburgo/RJ
Beijo-lhe a foto!… E, na espreita
deste amor que eu idolatro,
minha saudade se ajeita
no retrato três por quatro…
Raul Torres
Botucatu/SP, 1906 – 1970
Saudades de Matão
Neste mundo eu choro a dor,
Por uma paixão sem fim
Ninguém conhece a razão
Porque eu choro num mundo assim
Quando lá no céu surgir
Uma peregrina flor
Pois todos devem saber
Que a sorte me tirou foi uma grande dor
Lá no céu, junto a Deus
Em silêncio a minha alma descansa
E na terra, todos cantam
Eu lamento minha desventura desta pobre
dor
Ninguém me diz
Que sofreu tanto assim
Esta dor que me consome
Não posso viver
Quero morrer
Vou partir pra bem longe daqui
Já que a sorte não quis
Me fazer feliz
Quando lá no céu surgir
Uma peregrina flor
Pois todos devem saber
Que a sorte me tirou foi uma grande dor
Eduardo A. O.Toledo
Pouso Alegre/MG
A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica…
– Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
Alceu Wamosy
Uruguaiana, 1895 – 1923, Santana do
Livramento/RS
Duas Almas
Ó tu que vens de longe, ó tu que vens
cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste
amada...
A neve anda a branquear lividamente a
estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um
ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do
caminho
se banhem no esplendor nascente da
alvorada.
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E amanhã quando a luz do sol dourar
radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e
nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade
minha...
Sou feita de saudade
Há quem diga que não se pode viver do passado.
Eu digo que não se pode viver no passado
A vida não permite que voltemos no tempo...
Quantas vezes eu tive vontade que aquele segundo voltasse
Quantas vezes eu senti os meus braços vazios e quis voltar no tempo e abraçar longamente alguém que já não
posso abraçar.
Eu sou feita de saudades, saudade machuca, dói e dói muito.
Saudade me faz chorar, chorar aos prantos e derramar tantas lágrimas que tem horas que penso que vou
formar um rio...
Um rio de lágrimas...
É... Saudade faz com que eu eleve os meus olhos aos céus e agradeça ser feita de saudade...
Porque é verdade... Sou feita de saudades, mas eu só choro e se sinto dores porque a minha saudade é feita de
amores eternos... Amores que nunca, nunca vão findar... Amores infinitos, amores para toda uma eternidade,
amores que vão acompanhar meu último suspiro e vão fazer com que minha passagem seja cheia de
esperança...
Esperança de que vou rever todos os que tenho saudades e que esses reencontros vão ser a complementação
de uma vida.
É não vivo no passado, mas faço do meu passado um motivo para viver meu presente de maneira mais feliz
possível e vivermeu futuro cheio de esperanças em reencontros felizes.
Lá, no outro lado, onde não sei... Existe muita gente importante e a quem eu amei e por quem
fui amada e que merecem minhas lágrimas de saudade ...
Por isto, sou feita de saudade!
Arlete Araújo João Pessoa/PB
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Alphonsus de Guimaraens
Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG
Soneto da Defunta Formosa
Temos saudade, pálida formosa,
De tudo quanto o pôr-do-sol fenece:
Ou seja o som final de extrema prece,
Ou seja o último anseio de uma rosa...
E mais ligeiramente a gente esquece
Uma hora que a alma de carinhos goza,
Que de ter visto, em roxa luz saudosa,
Uma imperial tulipa que adoece...
Um lírio doente no caulim de um vaso
Faz-nos lembrar um luar em pleno ocaso
Morrendo ao som das últimas trindades...
E nem eu sei, amor, por que perguntas,
Tu que és a mais formosa das defuntas,
Se eu de ti hei de ter loucas saudades.
Elisabeth Souza Cruz
Nova Friburgo/RJ
Orgulho bobo… vaidade…
caprichos do amor sobejo…
Eu, morrendo de saudade,
fingir que nem te desejo!
Augusto dos Anjos
Cruz do Espírito Santo/PB (1884 – 1914)
Leopoldina/MG
O Bandolim
Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas,
Choram todas as cordas do Passado!
Guardas a alma talvez d'um desgraçado,
Um dia morto da Ilusão as bordas,
Tanto que cantas, e ilusões acordas,
Tanto que gemes, bandolim do Fado.
Quando alta noite, a lua é fria e calma,
Teu canto vindo de profundas fráguas,
É como as nênias do Coveiro d'alma!
Tudo eterizas num coral de endechas...
E vais aos poucos soluçando mágoas,
E vais aos poucos soluçando queixas!
Gislaine Canales
Herval/RS (1938 – 2018) Porto Alegre/RS
A saudade da saudade
varreu de mim a alegria,
levando a felicidade
que eu pensava que existia!
Augusto Meyer
Porto Alegre/RS, 1902-1970, Rio de
Janeiro/RJ
Era Uma Vez...
Quem passa? É o Rei, é o Rei que vai à
caça!
Mal filtra o luar a sombra do arvoredo.
Joãozinho, a um restolhar, treme de medo,
Maria escuta, se uma folha esvoaça...
Era uma vez um rei... jogou a taça
Ao mar, e o amargo mar guarda o
segredo...
E a princesinha que cortou o dedo?
Faz muito tempo... Como a vida passa!
Era uma vez a minha infância linda
E o sonho, o susto, o vago encanto alado...
Vem a saudade e conta-me baixinho
Velhas histórias... E eu já velho ainda
Sou um Pequeno Polegar cansado
Que pára e hesita, em busca do caminho...
Héron Patrício
Ouro Fino/MG (1931 – 2018) Pouso
Alegre/MG
Temos certeza da idade
quando as rugas do sol-posto
passeiam com a saudade
na tarde do nosso rosto.
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Auta de Souza
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN
Lágrimas
Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo
aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
Minh'alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.
Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,
Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que
morre...
Izo Goldman
Porto Alegre/RS (1932 – 2013) São Paulo/SP
A vida pôs, por maldade,
tanta distância entre nós,
que, quando eu canto, é a saudade
que faz a segunda voz…
Belmonte
Barra Bonita/SP, 1937 –1972, Santa Cruz
das Palmeiras/SP
Goiá
Coromandel/MG, 1935 – 1981, Uberaba/MG
Saudade de Minha Terra
De que me adianta viver na cidade
Se a felicidade não me acompanhar
Adeus, paulistinha do meu coração
Lá pro meu sertão, eu quero voltar
Ver a madrugada, quando a passarada
Fazendo alvorada, começa a cantar
Com satisfação, arreio o burrão
Cortando estradão, saio a galopar
E vou escutando o gado berrando
Sabiá cantando no jequitibá
Por Nossa Senhora, meu sertão querido
Vivo arrependido por ter deixado
Esta nova vida aqui na cidade
De tanta saudade, eu tenho chorado
Aqui tem alguém, diz que me quer bem
Mas não me convém,eu tenho pensado
Eu fico com pena, mas esta morena
Não sabe o sistema que eu fui criado
Tô aqui cantando, de longe escutando
Alguém está chorando com o rádio ligado
Que saudade imensa do campo e do mato
Do manso regato que corta as campinas
Aos domingos ia passear de canoa
Nas lindas lagoas de águas cristalinas
Que doce lembrança daquelas festanças
Onde tinham danças e lindas meninas
Eu vivo hoje em dia sem ter alegria
O mundo judia, mas também ensina
Estou contrariado, mas não derrotado
Eu sou bem guiado pelas mãos divinas
Pra minha mãezinha já telegrafei
E já me cansei de tanto sofrer
Nesta madrugada estarei de partida
Pra terra querida que me viu nascer
Já ouço sonhando o galo cantando
O inhambu piando no escurecer
A lua prateada clareando as estradas
A relva molhada desde o anoitecer
Eu preciso ir pra ver tudo ali
Foi lá que nasci, lá quero morrer
J. G. de Araújo Jorge
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de
Janeiro/RJ
Saudade – estranha ilusão
que a solidão recompensa;
presença no coração
maior que a própria presença!
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Bastos Tigre
Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ
Saudade
Infeliz de quem vive sem saudade,
Do agridoce pungir alheio às penas,
Sem lembranças de amor e de amizade,
Hoje vivendo o dia de hoje, apenas.
Triste de ti, ancião, que te condenas
A mole insipidez da ancianidade
E não revives na memória as cenas
De prazer e de dor da mocidade!
Ter saudade é viver passadas vidas,
Percorrendo paragens preferidas,
Ouvindo vozes que se têm de cor.
Sonha-se... E em sonho, como por encanto,
A dor que nos doeu já não dói tanto,
Gozo que foi é gozo inda maior.
José Feldman
Maringá/PR
Quando se perde um amigo,
sofre-se uma eternidade…
O coração acha abrigo
só na estação da saudade.
Ciro Vieira da Cunha
São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de
Janeiro/RJ
Saudade
Saudade! o teu olhar longo e macio
Derramando doçura em meu olhar...
Um bocado de sol sentindo frio,
Uma estrela vestida de luar...
Saudade! pobre beijo fugidio
Que tanto quis e não cheguei a dar...
A mansidão inédita de um rio
Na volúpia satânica do mar...
Saudade! o nosso amor... o teu afago...
O meu carinho... o teu olhar tão lindo...
Um pedaço de céu dentro de um lago...
Saudade! um lenço branco me acenando...
Uma vontade de chorar sorrindo,
Uma vontade de sorrir chorando...
Lilinha Fernandes
Rio de Janeiro/RJ (1891 – 1981)
Meu amor foi-se acabando…
mas a saudade chegou:
– chuva boa refrescando
o chão que o sol causticou.
Elomar Figueira Melo
Vitória da Conquista/BA
Retirada
Vai pela istrada enluarada
Tanta gente a ritirar
Levando só necessidade
Saudades do seu lugar
Esse povo muito longe
Sem trabalho, vem prá cá
Vai pela istrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Rumano para a cidade
Sem vontade de chegar
Passa dia, passa tempo
Passa o mundo devagar
Lembrança passa com o vento
Pidindo não ritirar
Tudo passa nesse mundo
Só não passa o sofrimento
Vai pela istrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Sem saber que mais adiante
Um ritirante vai ficar
Se eu tivesse algum querer
Nesse mundo de ilusão
Não deixava que a saudade sociada cum
penar
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Vivesse pelas estradas do sofrer a mendigar
Vai pela estrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Levando nos ombros a cruz
Que Jesus deixou ficar
Eu não canto por soberba
Nem tanto por reclamar
Em minha vida de labuta
Canto o prazer, canto a dor
Que as beleza devoluta
Que Deus no sertão botou
Vai pela estrada enluarada
Com tanta gente a ritirar
Passando com taça e veno
Bebendo fé e luar
Maria Nascimento S.
Carvalho
Rio de Janeiro/RJ
A distância, achando meios
para unir nossas metades,
somou nossos devaneios
e dividiu as saudades !…
Constâncio Alves
Salvador/BA, 1862 – 1933, Rio de
Janeiro/RJ
Soneto Mudado
Eras em plena mocidade, quando
Da nossa casa, um dia, te partiste;
E eu, coitado, sem mãe, pequeno e triste,
Fiquei por esta vida caminhando.
Assim - no meu amor teu rosto brando
Do tempo à ação maléfica resiste,
E o meu é, hoje, como nunca o viste,
Tanto o passar da idade o foi mudando.
Tão velho estou, que já me não conheces;
Nem poderias ver no que te chora
Esse a quem ensinaste tantas preces.
E tão moça ainda estás que (se memora
A saudade o teu vulto) - me apareces
Como se fosses minha filha agora.
José Maria Machado de
Araújo
Vila Nova de Famalicão/Portugal (1922 –
2004) Rio de Janeiro/RJ
Entre a tua e a minha idade,
filho meu, quanta distância…
– És a infância da saudade!
– Sou a saudade da infância!
Euricles de Matos
Salvador/BA
Senhora da Saudade
Como eu Vos quero bem, Senhora da
Saudade!
Lírio Preto que sois porque viveis de preto,
Parodiando um Martírio estranho e
predileto
De um torvo coração, vivendo na
orfandade.
E assim não me quereis, Senhora da
Saudade!
Vós, toda Compaixão, Vós toda meu Afeto,
Nascida para estar num mundo mais
secreto,
A partilhar Amor, Carinhos e Bondade.
E bem triste que sou e bem tristonho vivo,
Cativo dessa Dama e dessa Flor cativo,
Eu tão velhinho já na minha Mocidade!...
E ah! Sonho meu de Amor, estranhamente
santo,
Ouvi o que Vos digo, estático de Espanto:
- Como eu Vos quero bem, Senhora da
Saudade!...
Miguel Russowsky
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC
A saudade às vezes fala
e até grita – quem diria! –
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia…
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Fausto Cardoso
Divina Pastora/SE, 1864 – 1906, Aracaju/SE
Taças
Deslumbrado, cheguei, chorando, à terra,
um dia!
E, do lauto festim da vida, achei-me à
mesa;
Sempre libei, cantando, a taça da alegria,
Embebedou-me sempre o vinho da
tristeza.
Esplêndidas visões trouxeram-me, à porfia,
As ânforas do amor. E, de volúpia acesa,
Minha boca, de boca em boca, um mosto
hauria,
Que de tédio me encheu por toda a
natureza!
Dá-me a velhice a taça. Eu das paixões
prescindo.
E, ébrio, ascendo a espiral de um sonho
delicioso,
No vinho da saudade achando um gosto
infindo!
Parece-me o passado um rio luminoso,
Onde vogo a rever pelas margens, florindo,
A dor que, ao longe, tem as seduções do
gozo!
Milton Nunes Loureiro
Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ
A tristeza que me invade
e que nunca chega ao fim
é a esquina de uma saudade
que eu dobro dentro de mim.
Glauco Mattoso
São Paulo/SP
Soneto 544 Ultrapassado
Agora há pouco... Meia horinha atrás...
Parece que foi ontem... Outro dia...
Outrora... Era uma vez... Que nostalgia...
Saudades tenho... Quanto tempo faz...
Melhor não reviver lembranças más...
As boas... Mas quais? ...quase as não
havia...
Quem parte do pretérito a fatia
que o mais doce recheio à mente traz?
Perfeito... Inda melhor: mais-que-perfeito...
Estive... Estava... Em trevas... Estivera...
Perdi de vista... Não lembro direito...
Foi só reminiscência... Uma outra era...
Afoito, todo instante eu aproveito:
Olhando para trás, prolongo a espera...
Rodolpho Abbud
Nova Friburgo/RJ (1926 – 2013)
Quando o passado me embala
e o sono, aos poucos, se evade,
até o relógio da sala
vem acordar a saudade!
Guilherme de Almeida
Campinas/SP, 1890 – 1969, São Paulo/SP
Nós (XXII)
Tu senhora, eu senhor, ambos senhores
de um pequenino mundo. No caminho,
nunca vi flores em que houvesse espinho,
nunca vi pedras que não fossem flores.
Naquele quarto andar, longe das dores
e tão perto dos céus, com que carinho,
com quanto zelo edificaste o ninho
do mais feliz de todos os amores!
Tudo passou. Um dia, triste e mudo,
deixaste-me sozinho. Hoje tens tudo:
és rica, és invejada, és conhecida...
E eu tenho apenas, desgraçado e louco,
daquele amor que te custou tão pouco
esta saudade que me custa a vida!
22
Sebas Sundfeld
Pirassununga/SP (1924 – 2015) Tambaú/SP
A saudade que me resta
vai comigo, quando eu vou
à procura de uma festa
que há muito tempo acabou.
Dorival Caymmi
Salvador/BA, 1914 – 2008, Rio de
Janeiro/RJ
Saudade de Itapoã
Coqueiro de Itapoã, coqueiro
Areia de Itapoã, areia
Morena de Itapoã, morena
Saudade de Itapoã me deixa
Oh vento que faz cantiga nas folhas
No alto dos coqueirais
Oh vento que ondula as águas
Eu nunca tive saudade igual
Me traga boas notícias daquela terra toda
manhã
E joga uma flor no colo de uma morena de
Itapoã
Coqueiro de Itapoã, coqueiro
Areia de Itapoã, areia
Morena de Itapoã, morena
Saudade de Itapoã me deixa
Me deixa, me deixa...
José Feldman
Maringá/PR
Debruçado na janela,
eu vejo o tempo passar.
Saudade que me flagela,
por quem não irá voltar.
Guimarães Júnior
Rio de Janeiro/RJ, 1847 – 1898,
Lisboa/Portugal
Visita À Casa Paterna
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos - olhou-me grave e
terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e
quanto!)
Em que, da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha Mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
- Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade...
Olivaldo Júnior
Mogi-Guaçu/SP
Vou andando e, sem barulho,
vem à tona um triste fato:
a saudade é um pedregulho
que não sai do meu sapato!
Manuel Bandeira
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ
À Maneira de Olegário Mariano
Triste flor de milonga ao abandono,
Betsabé, Betsabé, que mal me fazes!
Ontem, a coqueluche dos rapazes,
E agora? pobre pássaro sem dono.
Primavera e verão foram-se. O outono
Chegou. Folhas no chão... Névoas falazes...
E aí vem o inverno... O fim das lindas
frases...
O último sonho, e após, o último sono!
As cigarras calaram-se. Era tarde!
E hoje que no teu sangue já não arde
O fogo em que tanta alma se abrasou,
Choras, sem compreenderes que a saudade
É um bem maior do que a felicidade,
Porque é a felicidade que ficou!
23
Patativa do Assaré
Assaré/CE (1909 – 2002)
Saudade dentro do peito
é qual fogo de monturo...
Por fora tudo perfeito,
por dentro fazendo furo.
Jacinto de Campos
Canavieiras/BA, 1900 – ????, Rio de
Janeiro/RJ
As Duas Palmeiras
Quando passo buscando a humana lida,
A alma tecida de ilusões tão várias,
Junto à velha choupana carcomida
Vejo duas palmeiras solitárias.
Uma já morta, outra reverdecida,
Num desmancho de palmas funerárias,
E ao som da harpa do vento a que tem
vida,
Saudosa plange salmodias e árias.
- Ó tu, que me olvidaste no caminho,
Meu coração deixando como um ninho,
Sozinho e triste, ao vento balouçando...
A saudade me diz, como em segredo:
Que és a palmeira que morreu bem cedo,
E eu sou aquela que ficou chorando.
Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA
Camarão preso na grade
do matapi resistente:
é assim que vejo a saudade
presa no peito da gente!...
Júlio Salusse
Bom Jesus/RJ, 1878 – 1948, Rio de
Janeiro/RJ
Cisnes
A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas nem espumas.
Bem cedo quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vogamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.
Um dia um cisne morrerá, por certo...
Quando chegar esse momento incerto,
No lago onde talvez a água se tisne,
Que o cisne vivo cheio de saudade
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado d'outro cisne.
Ana Rolão Preto
Benguela/Angola
Saudade... Divina essência...
É tudo quanto ficou
do bem que à nossa existência
a vida trouxe e levou.
Ataulfo Alves
Miraí/MG, 1909 – 1969, Rio de Janeiro/RJ
Meus Tempos de Criança
Eu daria tudo que eu tivesse
Pra voltar aos dias de criança
Eu não sei pra que que a gente cresce
Se não sai da gente essa lembrança
Aos domingos, missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus, eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí
Que saudade da professorinha
Que me ensinou o beabá
Onde andará Mariazinha
Meu primeiro amor, onde andará?
Eu igual a toda meninada
Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
Eu era feliz e não sabia
24
Belmiro Braga
Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de
Fora/MG
Saudade... palavra linda,
de sete letras... Saudade
é noite que tem ainda
lampejos de claridade.
Luís Pistarini
Resende/RJ, 1877 – 1918
O Seu Retrato
Ela mandou-me, há dias, o retrato,
- Um belo mimo em platinotipia -
Que eu não canso de ver, e, dia a dia
Mais se me torna bem querido e grato,
Porque quando entre angústias me
debato,
Triste nas horas de melancolia,
Basta fitá-lo, para que a alegria
Banhe de luz o meu viver ingrato.
Lembro-me dela, então saudosamente;
E, a sorrir, nesses rápidos instantes,
Eu me inflamo de amor de um modo tal,
Que lhe beijo o retrato longamente,
Com o mesmo ardor com que beijava
dantes,
Jubiloso e feliz, o original...
José Feldman
Maringá/PR
A saudade me avassala,
noite e dia são iguais,
a tristeza não se cala...
sozinho, me afundo em ais.
Marcelo Gama
Mostardas/RS, 1878 – 1915, Rio de
Janeiro/RJ
Catavento
Vim sarar tédios, longe da cidade,
A convite e conselho de um amigo,
Neste sombrio casarão antigo
Onde tudo tem ares de saudade.
- "Vem para o campo que a paisagem há
de
Curar-te". Mas, curar-me não consigo:
Ontem o riso esteve bem comigo;
Hoje me sinto cheio de ansiedade.
Sou assim, como as asas do moinho
Que, lá distante, à beira do caminho,
Por entre casas velhas aparece:
Gira ao norte... ora ao sul... depressa...
lento...
Parece doido aquele catavento!...
Mas como ele comigo se parece!
Francisco Neves de Macedo
Natal/RN (1948 – 2012)
Saudade, uma imensa conta,
com juro que sempre dobra.
Se chega um dia a tal monta
vem a solidão e cobra!
Maria Eugênia Celso
São João Del Rey/MG, 1886 – 1963,
Petrópolis/RJ
Meu Céu
És para alguns a fúlgida certeza
De outra vida vivida em perfeição,
Uma esperança de compensação
Ao velho mal de toda a natureza.
Felicidade, sem a atroz surpresa
Do amanhã destruidor, eterna união,
Recompensa, esplendor, paz e perdão,
Luz sem ocaso em formosura acesa...
Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
Do sonho de ventura em que me assombro
E meu quinhão de glórias entesoura,
Céu que um reflexo de saudades doura,
Seria se, de novo, no meu ombro,
Pousasses, filho, a cabecinha loura...
25
Aparício Fernandes
Acari/RN (1934 – 1996) Rio de Janeiro/RJ
Saudade, meu bem, existe
nessa distância sem fim!
- É tudo aquilo de triste
que te separa de mim...
Martins Fontes
Santos/SP, 1884 – 1937
Sol das Almas
À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!
Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das salmas
A luminosidade comovente!
Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!
Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? - Saudade.
Dulcídio de Barros Moreira
Juiz de Fora/MG
Ao passado vivo preso,
e a saudade no meu fado,
é farol que fica aceso
iluminando o passado.
Tom Jobim
Rio de Janeiro/RJ, 1927 – 1994, Nova
Iorque/EUA
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
Chega de Saudade
Vai minha tristeza
E diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Por que eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade
É que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza
E a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços
Os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim
Colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos
E carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você viver sem mim
Maria Thereza Cavalheiro
São Paulo/SP (1929 – 2018)
A saudade é uma semente
de lágrimas orvalhada;
brota na noite do ausente
e floresce na alvorada.
Narciso Araújo
Itapemirim/ES, 1877 – 1944
Casa Triste
Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.
26
Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.
Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,
Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.
Adelmar Tavares
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ
A saudade é uma andorinha
que, ao morrer do sol a chama,
as asas tristes aninha
no coração de quem ama.
Frederico Val
Portugal
A Minha Canção É Saudade
De ilusões desvanecidas
Filme de esperanças perdidas
Minha canção é saudade
Ai, que de tranças caídas
Via tudo em cores garridas
E em todos via bondade
Ai, que de tranças caídas
Via tudo em cores garridas
E em todos via bondade
E nesta sinceridade
De amor e sensualidade
Ponho a alma ao coração
Numa angústia, uma ansiedade
Minha canção é saudade
Do amor sonhado em vão
Numa angústia, uma ansiedade
Minha canção é saudade
Do amor sonhado em vão
Nesta saudade sem fim
Choro saudades de mim
Sou mulher mas fui pequena
Também brinquei e corri
Mas quem sabe se sofri
Se é de mim que tenho pena
Também brinquei e corri
Mas quem sabe se sofri
Se é de mim que tenho pena
Alfredo de Castro
Pouso Alegre/MG (1922 – 2011)
Noites feitas de saudade,
de lembranças, de meiguice…
Tão curtas na mocidade,
e tão longas na velhice!
Osório Duque Estrada
Vassouras/RJ, 1870 – 1927, Rio de
Janeiro/RJ
Pulvis
Áureos castelos da primeira idade,
Dourada fantasia de outras eras
Cuja luz de uma estranha claridade,
A alma me encheu de sóis e primaveras;
Glória, amor, ilusões da mocidade
Palpitando ao clarão de outras esferas;
Ânsias do afeto, espinhos da saudade,
Sonhos alados, fúlgidas quimeras;
Ideais da velha crença sonhadora;
Poemas tangidos da chorosa lira
(Que mais chorara se ditosa fora);
Por tanta coisa essa alma ainda suspira!
Tanta coisa, que a mente enganadora
Julgava ser verdade e era mentira!
Almerinda Liporage
Rio de Janeiro/RJ
Morre o amor… o espólio é feito…
tudo partido em metade;
minha, inteira, por direito,
só ficou mesmo a saudade.
27
Os Caciques
(Jair Lemes, Nelson Teixeira e os irmãos
Adilson e Marcelino Batista Mores)
Saudade de Guarapuava
Há muito tempo eu deixei a minha terra
Para seguir esta minha profissão
Guarapuava não te esqueço um só
momento
Trago seu nome dentro do meu coração
Estou cantando pra você Guarapuava
Meus conterrâneos, povo bom e
hospitaleiro
Estou cantando pro meu rico Paraná
E para todos meus patrícios brasileiro
Estou cantando pro meu rico Paraná
E para todos meus patrícios brasileiro
Sinto saudade de você minha mamãe
E não te esqueço meu papaizinho querido
Estou lembrando sempre sempre os meus
parente
Também recordo de todos os meus amigos
Quero rever os seus campos Guarapuava
Quero rever o lugar onde eu nasci
Quero beijar a linda guarapuavana
Que ficou triste na hora que eu parti
Mas tenho fé em Deus e Nossa Senhora
Que me acompanha por este mundo sem
fim
E muito breve vou abraçar esta gente
Que com saudade sempre se lembram de
mim.
Bastos Tigre
Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ
Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor!
Pedro Kilkerry
Santo Antonio de Jesus/BA, 1885 – 1917,
Salvador/BA
Taça
Aquela taça de metal que, um dia,
À Laura, um dia assim, lhe oferecera,
Entre relevos delicados de hera,
"Saudade" em letras de rubis trazia.
E era um riso de amor e de poesia
Em cada riso ou flor da primavera...
E Laura, a um canto, cruel, por que a
esquecera,
Laura que soluçou, porque eu partia?
Anos derivam. De remorsos presa
Não é que vai, acaso, à soledade
Da abandonada... Vai por fantasia.
Mas, como um choro, vê, vê com surpresa,
Desmancharem-se as letras da "Saudade"
Que aquela taça de metal trazia.
Clenir Neves Ribeiro
Sydney/Austrália
Não me importo se demoras,
quando a tristeza me invade.
Para que contar as horas,
se já não sinto saudade?…
Pedro Saturnino
Cabo Verde/MG, 1883 – 1953, Curitiba/PR
Açucenas
Minha Mamãe! tu foste mãe-menina,
Pois é filho das tuas mãos pequenas
Aquele pé viçoso de açucenas,
Que plantaste quando eras pequenina.
Carregado de flores (e de penas),
Lá no mesmo local ainda germina;
Do passado jardim resta ele apenas,
Tudo mais, ao redor, é mato ou ruína.
Eu, teu filho de amor que tanto estimas
E irmão dele nos dons, e até nos males,
Ao lembrar-me de ti, floresço em rimas.
- Meu irmão com saudades e entre dores,
Entre espinhos cruéis levanta o cális
E lembra-se de ti chorando flores!
28
Fernando Câncio Araújo
Fortaleza/CE (1922 – 2013)
… E se morresse a saudade?
Fatalmente, eu morreria…
Pois é essa doce maldade
o alimento do meu dia!
Raul Sampaio
Cachoeiro de Itapemirim/ES
Benil Santos
Cabo Frio/RJ, 1931 – 2012, Maricá/RJ
Lembranças
Lembro um olhar
Lembro um lugar
Teu vulto amado
Lembro um sorriso
E um paraíso
Que tive ao teu lado
Lembro a saudade
Que hoje invade os dias meus
Para meu mal
Lembro afinal
Um triste Adeus
Sou agora no mar desta vida
Um barco a vagar
Onde está teu olhar
Onde está teu sorriso
E aquele lugar
Eu devia sorrir eu devia
Para meu padecer ocultar
Mas diante de tantas lembranças
Me ponho a chorar
Maria Madalena Ferreira
Magé/RJ
Tímida, meio sem jeito,
uma saudade enxerida
entrou aqui no meu peito…
e hoje manda em minha vida!
Quintino Cunha
Itapajé/CE, 1875 – 1943, Fortaleza/CE
Entre Nuvens
Ameaça chuva. O pássaro na rama
Vem de ocultar-se. A fera permanece
À sombra do covil. Tudo parece
Triste como a saudade de quem ama.
Enquanto o céu apenas se recama
De nuvens, não; mas, quando se incandesce
De um relampear profundo, a chuva
desce,
Por fina força a chuva se derrama.
Em nós outros também o tempestivo
Amor é assim como este quadro vivo,
Que, há pouco, a natureza dominava.
Falo por mim, tirando por Maria;
Pois quando na minha alma relampeava,
Nos seus olhos tristíssimos chovia.
Newton Meyer
Pouso Alegre/MG (1936 – 2006)
É tanto o amor que me invade
quando em seus braços estou,
que cada instante é saudade
do instante que já passou!
Raimundo Correia
São Luis/MA, 1859 – 1911, Paris/França
Saudade
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...
Arcos de flores, fachos, purpurinos,
Tons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos...
Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;
Em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...
29
Onildo de Campos
Cachoeira/BA (1924 – 2002) Rio de
Janeiro/RJ
Dona Saudade, velhinha,
bordadeira paciente,
não tem agulha nem linha,
mas borda os sonhos da gente!
Raul de Leoni
Petrópolis/RJ, 1895– 1926
Decadência
Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente;
Nenhuma outra intenção, mas
simplesmente
O hábito melancólico de ser...
Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...
Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...
Vai-se vivendo... e muitas vezes nem
sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais
nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...
Otavio Venturelli
Nova Friburgo/RJ
Saudade, saudade minha,
quanta saudade restou;
saudade, saudade eu tinha,
saudade, saudade eu sou.
Nelson Cavaquinho
Rio de Janeiro/RJ, 1911 – 1986
Guilherme de Brito
Rio de Janeiro/RJ, 1922 – 2006
Quando Eu Me Chamar Saudade
Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus dias.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais
Padre Celso de Carvalho
Curvelo/MG (1913 – 2000) Diamantina/MG
Poeta, gêmeo do santo:
sofre muito e não blasfema;
faz dos gemidos um canto,
faz da saudade um poema.
Silva Tavares
Lisboa/Portugal, 1937 – 2015
Fado Da Saudade
Eu canto o fado pra mim
Abre-me as portas que dão
Do coração cá pra fora
E a minha dor sem ter fim
Que está naquela prisão
Sai da prisão, vai-se embora
Ai, minha dor
Sem o amargo do teu pranto
Não cantava como canto
No meu canto amargurado
Ai, meu amor
Que és agora que eu sofro e choro?
Afinal, agora que adoro
É por ti que eu canto fado!
Eu canto o fado pra mim
30
Já o cantei pra nós dois
Mas isso foi no passado
Já que assim é, seja assim
Já me esqueceste depois
Já cada qual tem seu fado
O mais feliz é o teu, tenho a certeza
É o fado da pobreza
Que nos leva à felicidade
Se Deus o quis
Não te invejo essa conquista
Porque o meu é mais fadista
É o fado da saudade
Adélia Victória Ferreira
São Paulo/SP
Saudade é tarde chorando
um tempo em que foi aurora,
ao ver a noite levando
o brilho do sol embora.
Silva Lobato
Recife/PE, 1886 – 1931, Rio de Janeiro/RJ
Crepúsculo
Crepúsculo. Saudade é a dor da ausência.
A essa hora
É triste o campo, é triste o rio e é triste a
mata.
Pelo espaço, a reboar, a voz de um sino
chora;
Chora o seu pranto oculto a alma de uma
cascata.
Lento, o orvalho do céu, posto em pingos
de prata,
Borda os verdes festões da sorridente
flora...
Calam-se as aves. No ar, ao pôr do sol,
desata
A alta estridulação a cigarra sonora.
Ó noivos, que povoais a vossa alma de
sonhos,
Que nostalgia! Que tristeza, olhos
tristonhos,
Não vos trouxe essa luz crepuscular de
agosto?!...
E a saudade a pungir vosso peito dorido,
É a lembrança dos que se vão para o sol
posto,
É a incontida explosão desse amor
incontido!
Anis Murad
Rio de Janeiro/RJ (1904 - 1962)
Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia…
Dentro da casa: saudade!
E na saudade: Maria!
Vespasiano Ramos
Caxias/MA, 1884 – 1916, Porto Velho/RO
Soneto da Volta
Desde este instante, sem cessar, maldigo,
Aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
Meu amor! Minha luz! Minha saudade?!
Dês que te foste, foram-se contigo
Todos os sonhos desta mocidade...
A tua vinda - fora-me um castigo;
A tua volta - uma fatalidade!
Dês que te foste, dentro em mim plantaste
A ânsia infinita dos desesperados
Porque voltando, nunca mais voltaste...
Correm-me os dias de aflições, cobertos:
Eu entrei para o amor de olhos fechados
E saí para a dor de olhos abertos!
Djalda Winter Santos
Rio de Janeiro/RJ
Deprimida, com saudade,
por saber que foste embora,
só me restou a vontade
de eu mesma jogar-me fora…
31
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
Soneto de Contrição
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Archimimo Lapagesse
Florianópolis/SC (1897 – 1966) Rio de
Janeiro/RJ
Saudade, ponte encantada
entre o passado e o presente,
por onde a vida passada
volta a passar novamente!
Alex Vinicius
Blanch
Saudade de Você
Você viajou pra longe
Mas eu sei que vai voltar
Fala o tempo inteiro no seu nome
Não paro de pensar
Espero que não demore
Pois, não sei se vou aguentar
Ah! Meu bem, você é a minha metade
Não dá pra separar
Eu mato o tempo desenhando o seu rosto
Num pedaço de papel
A te esperar
Estou morrendo
De saudades de você
Estou morrendo
De vontade de te ver
Eu sinto tanta a sua falta
Só você me faz sorrir
Quero logo o seu abraço forte
E o mais belo beijo bem aqui
Você nem pode imaginar
Que surpresa eu preparei
Um prêmio se você adivinhar
Uma dica, eu nunca te dei
Eu mato o tempo desenhando o seu rosto
Num pedaço de papel
A te esperar
Estou morrendo
De saudades de você
Estou morrendo
De vontade de te ver
A gente tem tanta coragem
Pra acabar com toda essa crueldade
Por que que todos são tão diferentes
Não vivem a vida simples como a gente
Estou morrendo
De saudades de você
Estou morrendo
De vontade de te ver
Prof. Garcia
Caicó/RN
A estrela da mocidade,
que em minha infância brilhou;
brilha em meu céu de saudade,
depois que a infância passou!
Olegário Mariano
Recife/PE, 1889 – 1958, Rio de Janeiro/RJ
Saudade
Tirem-me a luz que os olhos alumia,
o ar que me enche os pulmões e o céu que
adoro;
tirem-me esses momentos de alegria,
tirem-me a voz de pássaro canoro;
tirem-me a paz de espírito, a harmonia
da vida e o amor que canta quando eu
choro;
32
tirem-me a noite e ao luar da noite fria
o sonoro esplendor do céu sonoro;
tirem-me a glória de viver, o encanto,
a lágrima, o sorriso, a mocidade
que faz com que na vida engane tanto;
tirem-me o manto, deixem-me desnudo,
mas não me tirem da alma esta saudade
que é meu sangue, meu ser, meu pão, meu
tudo.
Almir Pinto de Azevedo
Cambuci/RJ
Não irá jamais embora
quem deixou tanta amizade,
a despedida de agora
é presença na saudade ...
Anrique Paço D’Arcos
Lisboa/Portugal, 1906 – 1993
Saudade Minha
Minha saudade as cousas transfigura
num estranho delírio semelhante
ao desse eterno cavaleiro-andante
paladino do sonho e da loucura:
minha saudade é fonte que murmura
e em seu cantar humilde e marulhante
mata a sede que abrasa o caminhante
só de o embalar na líquida ternura...
Minha saudade os mundos alumia
os mortos ressuscita e é um sol-nascente
dourando ainda as trevas da agonia;
minha saudade é a força misteriosa
que torna cada cousa em mim presente
e a minha dor presente em cada cousa.
Alonso Rocha
Belém/PA, 1926 – 2011
Cabelos brancos da idade,
recolho do poço limpo
a única joia - a saudade -
que me restou do garimpo.
Florbela Espanca
Vila Viçosa/Portugal, 1894 – 1930,
Matosinhos/Portugal
Saudades
Saudades! Sim... Talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
que bem pensara vê-lo até à morte
deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
deve-nos ser sagrado como o pão!
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
para mais doidamente me lembrar,
mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
quanto menos quisesse recordar
mais a saudade andasse presa a mim!
Antonio de Oliveira
Rio Claro/SP
A fonte da vida orvalha
a tinta branca da idade
e a brisa do tempo a espalha
nos cabelos da saudade!
Francisco Manuel de Melo
Lisboa/Portugal, 1608 – 1666
Saudades
Serei eu alguma hora tão ditoso,
que os cabelos, que Amor laços fazia,
por prêmio de o esperar, veja algum dia
soltos ao brando vento buliçoso?
Verei os olhos, donde o sol formoso
as portas da manhã mais cedo abria,
mas, em chegando a vê-los, se partia
ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?
Verei a limpa testa, a quem a Aurora
graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas, que chora?
Mas, que espero de ver dias contentes,
se para se pagar de gosto uma hora,
não bastam mil idades diferentes?
33
Dari Pereira
Maringá/PR
Recordando a mocidade
e o meu tempo de criança,
faço trova da saudade
e poema da lembrança.
Francisco Villaespesa
Laujar de Andarax/Espanha, 1877-1936,
Madrid/Espanha
Recordar
Qual se fosse num túmulo encerrado,
para minha saudade é que hoje vivo.
Levo as mãos à cabeça, pensativo,
e recordo o esplendor do meu passado.
Será possível que um amor tão forte
tenha subitamente se extinguido?
O amor é mais potente do que a morte,
mas não pode escapar à lei do Olvido.
Largas horas de espera... Eternidades
que enchem de anseio as minhas
soledades!
Sonhando e só com teu amor me tens.
Esperando que voltes, considero:
se nunca chegarás, por que te espero?
e se te espero assim, por que não vens?
Divenei Boseli
São Paulo/SP
Partes, levando a metade
da metade que eu já sou,
deixando inteira a saudade
na metade que restou...
Daniel
Brotas/SP
João Paulo
Brotas/SP, 1960 – 1997, Franco da Rocha/SP
Saudade
Meus olhos estão mergulhados
Num pranto que não tem mais fim
E isso aconteceu porque você foi embora
Eu fiz de tudo pra você ficar comigo
Quem sente amor não sabe ser amigo
E sem você o que eu faço agora
Os dias vão passando
E lembro dos nossos momentos de amor
E um beijo sempre acompanhado de fogo
e paixão
A minha vida sem você está tão fria
A nossa casa sempre tão vazia
Volte pra esquentar de vez meu coração
Ah, saudade
Sem ela o meu coração agora está
sofrendo
E sinto dentro do meu peito um fogo
ardendo
E a minha vida desse jeito vai morrendo
aos poucos
Ah, saudade
Não dá pra segurar comigo tanto
sofrimento
Me leva pra ficar com ela apenas um
momento
Se não essa paixão ainda vai me deixar
louco
Domingos Freire Cardoso
Ilhavo/Portugal
Quando chegaste ao portão
para saber quem batia,
batia o meu coração
que de saudades morria...
J. G. de Araujo Jorge
Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de
Janeiro/RJ
Lembrança
Bom tempo o que ficou - amei-te na
alegria
de uma tarde azulada e linda de
setembro,
- disso tudo, hoje, triste, eu muita vez me
lembro
enquanto uma saudade o peito meu
crucia...
Amei-te, como nunca outro alguém te
amaria,
34
eras o meu sonhar de janeiro a dezembro...
Depois... Tu me deixaste, e ainda hoje se
relembro,
amargo a mesma dor cruel daquele dia. . .
Agora, em solidão - sou um corpo sem
alma -,
e indiferente a tudo vou chegando ao fim
como a tarde que cai bem suavemente em
calma.
Já não sinto... não sofro... já nem vivo até.
- Se a vida ainda era vida ao ter-te junto
a mim,
hoje, longe de ti, nem vida ao menos é!
Edite Rocha Capelo
Santos/SP
Nos anos verdes da vida
morou a Felicidade
e depois de tanta lida
só nos braços da saudade.
Wilson Woodrow Rodrigues
Salvador/BA, 1916 – ????
Lembrança
Das três tristezas que tenho
uma foi lagrima só,
a outra foi lave gemido,
e a última desfez-se em pó.
Das três alegrias que tenho
uma foi sorriso vão,
a outra foi manso gorjeio,
e a última foi a ilusão.
Das três saudades quê tenho
uma bem cedo murchou,
a outra durou muito pouco,
e a última foi que ficou.
Élbea Priscila de S. e Silva
Caçapava/SP
Nos anos verdes da vida
morou a Felicidade
e depois de tanta lida
só nos braços da saudade.
Edir Pina de Barros
Ponta Porã/MS
Denise Severgnini
Novo Hamburgo/RS
Saudades dos tempos de outrora
Sinto saudades dos tempos de outrora,
das noites enluaradas e das serenatas!
Não existe mais nos tempos de agora,
Bailes com valsas, sinfonias, tocatas...
No diário, as emoções devem ser exatas
Não se admite existir homem que chora.
Sinto saudades dos tempos de outrora,
das noites enluaradas e das serenatas!
Havia elegância distinta em uma senhora
Os cavalheiros vestiam ternos e gravatas
Contenho em mim, nostalgia avassaladora
Das minhas lembranças, que são gratas.
Sinto saudades dos tempos de outrora!
Marcial Salaverry
Santos/SP
Sextilha da Saudade
Quando bate aquela saudade,
penso na felicidade
que sempre tivemos...
Saudade que com beijos
quero aplacar,
apenas no desejo de te amar...
Herminio Gimenez
Paraguari/Paraguai, 1905 – 1991,
Assunción/Paraguai
Meu Primeiro Amor
Saudade palavra triste quando se perde
um grande amor
Na estrada longa da vida eu vou chorando
a minha dor
Igual a uma borboleta vagando triste por
sobre a flor
Teu nome sempre em meus lábios irei
chamando por onde for
Você nem se quer se lembra de ouvir a voz
deste sofredor
Que implora por teus carinhos, só um
pouquinho do teu amor.
Meu primeiro amor
35
Tão cedo acabou só a dor restou
Neste peito meu
Meu primeiro amor
Foi como uma flor que desabrochou
E logo morreu
Nesta solidão
Sem ter alegria o que me alivia
São meus tristes ais
São prantos de dor
Que dos olhos caem
É porque bem sei quem eu tanto amei
Não verei jamais.
Eulinda Barreto Fernandes
Bauru/SP
Da casinha... que saudade
- perto da linha do trem -
Faz lembrar a mocidade
e as rodas em vai e vem.
BLopes
Itapetim/PE
Minhas Saudades Diárias
Quantas saudades já tenho
Marcadas no meu diário,
A cada dia eu venho
Fazendo meu calendário
De muitas recordações
De todas as ilusões
Muitos fatos registrei,
De todas as emoções
Muitas lembranças guardei
Como saudades deixadas
Foram Saudades guardadas
No fundo do coração,
Que foram sendo anotadas
No meu diário emoção,
Que eu guardo na lembrança.
Pra renovar a esperança
E com saudade dizer
Quem espera sempre alcança
Assim eu posso viver
De saudades e lembranças.
Fabiano Wanderley
Natal/RN
Por ser um real tormento,
indefinível ao pintor
e um sublime sentimento:
– A saudade não tem cor!
Epaminondas Barbosa
Mogi das Cruzes/SP
Às Vezes Sinto Saudade...
As vezes eu sinto saudade
De coisas que não aconteceu
Das declarações não dadas
Dos beijos que não roubei.
As vezes eu sinto saudade
Dos erros que não cometi
Do palavrão não falado
Do não em vez de sim.
As vezes eu sinto saudade
Dos amores não correspondidos
Dos beijos que não foram dados
Dos abraços não recebidos.
As vezes sinto saudade
Por tudo que não passou
Do passeio que não foi dado
Por tudo que se passou.
As vezes eu sinto saudade
Das lagrimas que não derramei
Dos risos que não foram dados
Das piadas que não contei.
As vezes sinto saudade
Da chuva que não me molhou
Das estrelas que não contei
Do amor que não começou.
As vezes eu sinto saudade
Da briga que não comecei
Do perdão que não foi dado
Do tapa que eu não dei.
as vezes eu sinto saudade
De alguém que não conheci
Do encontro que não foi marcado
Com quem eu nunca dormi.
36
As vezes eu sinto saudade
E nem bem sei do que
Creio que eu descobri
O que é envelhecer.
Filemon F. Martins
Itanhaém/SP
Falando de amor, Maria,
que saudades sinto agora
daquela doce alegria
que em teus olhos vi outrora.
Marinaza
Juiz de Fora/MG
Cordel da Saudade
A Saudade é uma flor,
Tem perfume, com certeza,
.é a essência do amor.
Temforma de princesa,
Mas no olhar não traz fulgor
Mas tem traços de beleza.
A voz é aveludada,
Suas mãos, brancas, macias
Sua túnica bordada
Com cores da nostalgia.
Ela nunca é chamada
Ao chegar se anuncia.
Saudade fica na espera
Quando vê um rompimento
Vê as cores da quimera
Perder luz, deslumbramento,
O que passou já foi, já era,
só restou ressentimento.
A vida de um casal,
Longos anos bem juntinhos,
Mas depois um grande mal
Deixa um triste, sozinho.
Elechora a dor fatal
Limpa os olhos num lencinho.
A mãe tão estremecida
Quando perde o filho amado
A razão de sua vida.
Era um filho abençoado.
Na hora da despedida
Não está mais lado a lado.
A saudade abre a porta,
Vai chegando de mansinho
Também chora a vida morta
Que tomou outro caminho.
A mãe elaconforta
Encostada num cantinho
.
.A saudade é uma dama
De tão fina realeza
Ninguém por ela chama
chega só ao ter certeza
Que ouviu perto dacama
Os soluços da tristeza.
Gosto até de ter saudade
Parece não estar sozinha
É a sombra da realidade
Que junto a mim caminha
Não tem tempo nem idade,
Quando perto se avinha
A saudade do passado
De um tempo bem distante
Tempo gasto, remendado,
Não é saudade confortante
É um mal que está guardado
Ruminando a todo instante
.A saudade, bela senhora,
Delicada, complacente
Enxuga pranto de quem chora
Por ter seu amor ausente
Não tem pressa de ir-se embora
Com o amor é complacente.
Enquanto existir amor
A saudade está por perto
ela traz suave odor
Das areias do deserto
Suaviza todo ardor
De que tem o peito aberto...
Gilson Faustino Maia
Petrópolis/RJ
Depois de uma certa idade,
querendo a vida entender,
vi que a mente da saudade
pode o passado esquecer.
37
JFilipe
(Valdenir Gonçalves)
Cascavel/PR
Suspiros poéticos e saudades
Nos suspiros silenciosos
Sozinho na solidão
O poeta segue em frente
Perdidona multidão
As palavras riscam os mares da poesia
E com a caneta de seus sonhos
Escreve sua agonia
As palavras banham-se nas lágrimas
Da saudade
E todas tomam vidas
No rabisco desta infelicidade
Saudades esuspiros
Apertam o coração
As pessoas passam
As maquinas passam
E a solidão?
O sol escaldante do mês de dezembro
A tempestade que mata
O tempo que não perdoa
Voa.
E, nesta praça vazia
Suspiro no silencio
A dor desta saudade
Somente resta
Esta pobre poesia.
Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS
Amiga de muitos anos,
companheira de verdade,
enfrentando os desenganos,
ela se chama: saudade.
Goiano
Açailândia/MA
Saudade do Meu Sertâo
Lá na terra onde eu nasci
Bem no recanto do sertão
Lembro-me com saudade
Da cana moída no engenhão
Garapa na cuia eu bebi
Comi rapadura com mamão.
Ainda hoje me recordo
Da terra preta do Japão
Lugar que o caldo de cana
É mais doce que mel no pão
E o luar é o mais belo
Que existe no sertão.
Lá de tudo se plantava
E se colhia de mais
Muitas frutas e legumes
Também belos canaviais
E se fazia um bom suco
Colhido dos açaizais.
Depois de colhido o feijão
Esperava a mandioca crescer
Para transformá-la em farinha
Logo bem cedo no amanhecer
Pra fazer um bom pirão
Pra toda a família comer.
Uma boa galinha caipira
Temperada com açafrão
Carne de sol assada na brasa
Fazia parte da refeição;
Pra contemplar o cardápio
Tinha no espeto Juriti e canção.
Eu nunca vou me esquecer
De uma caça bem preparada
Feita no óleo de babaçu;
Estando bem temperada
Pode ser peba, cutia ou tatu.
O que cair na emboscada.
Também no meu cardápio
Já comi até camaleão
Mas a minha sobremesa
Era melancia ou melão
Isto é apenas um pouquinho
Da história do meu sertão.
Acordar antes do amanhecer
É rotina do bom sertanejo
No varal pegar o seu gibão
Depois tomar café com queijo
38
Selar o seu cavalo alazão
E sair para o manejo.
De dia eu vejo com clareza
Nossas águas cristalinas
Brincando nas correntezas;
Vejo lindas meninas
Mostrando em suas belezas
A magia da alma feminina.
Lá é mesmo um paraíso
Tem muita coisa pra se ver
Mas daquelas lindas meninas
Eu não consigo me esquecer
Eu fiquei muito apaixonado
Sem saber o que fazer.
Quando tinha piquenique
Nos rios e praias do sertão
Meu corpo se extasiava
Ao ver Joana e Conceição
Eram as mais belas mulheres
Nascidas naquela região.
Eu fiz muitas serenatas
Para as mais lindas donzelas
Lembro-me de Maria e rita
O quanto elas eram belas
Meu coração palpitava
Quando elas saiam na janela.
Lá todos têm o que fazer
Vivem como bandeirantes
Tem valor quem trabalha
Adquire recursos bastantes
Quanto mais tem mais se desejam
É só acreditar e ser perseverante.
Ainda tenho muito que contar
Mas não tenho mais tempo não
Convido a todos pra conhecer
Com muita satisfação
Toda aquela gente humilde
E as belezas do meu sertão.
João Batista Xavier Oliveira
Bauru/SP
Na praça, o coreto dorme...
despertando a minha infância.
E aquela saudade enorme
encurta mais a distância!
Jajá de Guaraciaba
Pilar do Sul/SP
Saudade da Minha Terra
Moro cá em Pilar do Sul:
Uma cidade muito linda!
Apesar do céu azul,
Não me acostumei ainda.
Aqui nesta cidade
Resido em área campal
Mesmo assim sinto saudade
Da minha terra natal.
De manhã a seriema
Corre e canta no cerrado
Inspirando este poema
Ao poeta atormentado.
Toda manhã eu me sento
Para tomar o café
Vejo no pasto, o vento,
Movendo o capim-sapé.
É através da janela
Que vejo também pastando
Alguns cavalos de cela
E o gado ruminando.
Vejo também um cupim
E um pé de jacarandá,
Pecíolos de alecrim
Do qual minha mãe fazia chá.
Robusto jequitibá
Ficava perto do rio
Onde eu enchia o samburá
Mesmo com o tempo frio.
Ah, que lembrança me dá!
Da minha Guaraciaba
Se eu não voltar para lá
Saudade comigo acaba!
39
Glória Tabet Marson
São José dos Campos/SP
Cheiro de mato, gorjeio
dos pássaros... Que saudade!
Nada mudou e o passeio,
uma volta à mocidade!
Martha Medeiros
Porto Alegre/RS
Vivendo e aprendendo
Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
Detalhes despercebidos
Amores mal resolvidos.
Sou feito de
Choros sem ter razão
Pessoas no coração
Atos por impulsão.
Sinto falta de
Lugares que não conheci
Experiências que não vivi
Momentos que já esqueci.
Eu sou
Amor e carinho constante
Distraída até o bastante
Não paro por um instante.
Já
Tive noites mal dormidas
Perdi pessoas muito queridas
Cumpri coisas não prometidas.
Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
Pensei em fugir para não enfrentar
Sorri para não chorar.
Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
Amizades que não cultivei
Aqueles que eu julguei
Coisas que eu falei.
Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
Lembranças que fui esquecendo
Amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.
Haroldo Lyra
Fortaleza/CE
Cenas de tempos passados,
que à saudade satisfazem,
evocam sonhos dourados
e muito a tantos aprazem.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
Sem despedidas suas
Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
Nemésio Prata
Fortaleza/CE
Dizem, com propriedade,
que a saudade é inexplicável;
explica-se: na verdade,
o senti-la é indecifrável!
Fernando Pessoa
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935
Saudade
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
40
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje é já outro dia.
Humberto Del Maestro
Serra/ES
Saudade é dor muito estranha,
toca no peito tão fundo
que sinto que a minha entranha
abriga as dores do mundo.
Carlos Drummond de
Andrade
Itabira/MG (1902 - 1987) Rio de Janeiro/RJ
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é
falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações
alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
JB Xavier
São Paulo/SP
Dando-me adeus, o acalanto
retirou-me a claridade
deste amor, que por meu pranto,
já começou com saudade.
Álvaro de Campos
(Fernando Pessoa)
Lisboa/Portugal, 1890 – 1935
Mesma saudade
Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo
Espécie de acessório ou sobressalente
próprio
Arredores irregulares da minha emoção
sincera
Sou eu aqui em mim, sou eu
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me
forma
Quanto amei ou deixei de amar é a
mesma saudade em mim...
Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ
Dos meus sonhos de criança
e dos folguedos, saudade!
E na rua da lembrança,
a placa: Felicidade!
Clarice Lispector
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de
Janeiro/RJ
Sentimento urgente
Saudade é um pouco como fome
Só passa quando se come a presença
Mas, às vezes, a saudade é tão profunda
que a presença é pouco
Quer-se absorver a outra pessoa toda
Essa vontade de um ser o outro para uma
unificação inteira
É um dos sentimentos mais urgentes que se
tem na vida.
Joamir Medeiros
Natal/RN
As coisas boas da vida,
que nos dão felicidade
passam sempre de corrida,
deixando eterna saudade.
Vital Farias
Taperoá/PB
Ai Que Saudade d´Ocê
Não se admire se um dia
Um beija flor invadir
A porta da sua casa
Te der um beijo e partir
41
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo
Ai que saudade d´ocê
Se um dia ocê se lembrar
Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio
Com frases dizendo assim
Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar meu desejo
Lhe mando um monte de beijos
Ai que saudade sem fim
E se quiser recordar
Aquele nosso namoro
Quando eu ia viajar
Ocê caia no choro
Eu chorando pela estrada
Mas o que eu posso fazer
Trabalhar é minha sina
Eu gosto mesmo é d´ocê.
Não se admire se um dia
Um beija flor invadir
A porta da sua casa
Te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo...
Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS
Do Amoroso Esquecimento
Eu, agora - que desfecho
Já nem penso mais em ti
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Charles Chaplin
Londres/Reino Unido (1889 – 1977) Corsier-
sur-Vevey/Suiça
Se amanhã sentires saudades
Tua caminhada ainda não terminou
A realidade te acolhe
Dizendo que pela frente
O horizonte da vida necessita
De tuas palavras
E do teu silêncio.
Se amanhã sentires saudades
Lembra-te da fantasia
E sonha com tua próxima vitória
Vitória que todas as armas do mundo
Jamais conseguirão obter
Porque é uma vitória que surge da paz
E não do ressentimento.
É certo que irás encontrar situações
Tempestuosas novamente
Mas haverá de ver sempre
O lado bom da chuva que cai
E não a faceta do raio que destrói.
Tu és jovem
Atender a quem te chama é belo
Lutar por quem te rejeita
É quase chegar a perfeição
A juventude precisa de sonhos
E se nutrir de lembranças
Assim como o leito dos rios
Precisa da água que rola
E o coração necessita de afeto.
Não faças do amanhã
O sinônimo de nunca
Nem o ontem te seja o mesmo
Que nunca mais
Teus passos ficaram
Olhes para trás
Mas vá em frente
Pois há muitos que precisam
Que chegues para poderem seguir-te.
Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS
A minha infância tão pobre
com tantas dificuldades,
mas não deixou de ser nobre,
pois dela sinto saudades.
42
Martha Medeiros
Porto Alegre/RS
Verdades
Você pode ir embora e nunca mais ser a
mesma
Você pode voltar e nada ser como antes
Você pode até ficar pra que nada mude
Mas aí é você que não vai se conformar
com isso
Você pode sofrer por perder alguém
Você pode até lembrar com carinho ou
orgulho
De algum momento importante na sua
vida
Formatura, casamento, aprovação no
vestibular
Ou a festa mais linda que já tenha ido
Mas o que vai te fazer falta mesmo
O que vai doer bem fundo
É a saudade dos momentos simples
Da sua mãe te chamando pra acordar
Do seu pai te levando pela mão
Dos desenhos animados com seu irmão
Do caminho pra casa com os amigos e a
diversão natural
Do cheiro que você sentia naquele abraço
Da hora certinha em que ele sempre
aparecia pra te ver
E como ele te olhava com aquela cara de
coitado pra te derreter
De qualquer forma, não esqueça das
seguintes verdades
Não faça nada que não te deixe em paz
consigo mesmo
Cuidado com o que anda desabafando
Conte até três (tá certo, se precisar, conte
mais)
Antes só do que muito acompanhado
Esperar não significa inércia, muito menos
desinteresse
Renunciar não quer dizer que não ame
Abrir mão não quer dizer que não queira
O tempo ensina, mas não cura.
Adriana Falcão
Rio de Janeiro/RJ
Fugir da lembrança
Saudade é quando o momento
Tenta fugir da lembrança
Para acontecer de novo e não consegue.
Machado de Assis
Rio de Janeiro/RJ, (1839 – 1908
Dever de amor
Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio a minha saudade
Como um dever do meu amor
E quando houver em ti um eco de
saudade
Beija estes versos que escrevi chorando.
Josafá Sobreira da Silva
Rio de Janeiro/RJ
A saudade é uma corrente!
Só agora percebi,
livre de ti, finalmente,
e, afinal, mais preso a ti!...
Tati Bernardi
São Paulo/SP
Saudadezinha
Eu tenho saudade de mil coisas
E todas essas mil coisas sempre caem
Na mesma única coisa de que eu tenho
tanta saudade.
Eu tenho saudade de tudo
Não é um sentimento egoísta e muito
menos possessivo
É apenas uma saudadezinha
Gostosa, tranquila, bonita, saudável, de
longe.
Joana D’Arc da Veiga
Nova Friburgo/RJ
De saudades revirado,
ante as gavetas que tinhas,
eu sinto não ter guardado
tuas roupas junto as minhas.
43
Renato Russo
Rio de Janeiro/RJ, 1960 – 1996
É saudade então, e mais uma vez
De você fiz o desenho mais perfeito que se
fez
Os traços copiei do que não aconteceu
As cores que escolhi
Entre as tintas que inventei
Misturei com a promessa que nós dois
nunca fizemos
De um dia sermos três...
Trabalhei você em luz e sombras
E era sempre não foi por mal
Eu juro que nunca quis deixar você tão
triste
Sempre as mesmas desculpas,
E desculpas nem sempre são sinceras, quase
nunca são.
Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis que não chegamos
a sujar.
A armação fiz com madeira das janelas do
seu quarto
Do portão da sua casa fiz palheta e
cavalete
E com as lágrimas que não ficaram com
você destilei óleo de linhaça
Da sua cama arranquei pedaços que
entalhei estiletes de tamanhos diferentes
E fiz, então, pincéis com seus cabelos
Com o batom que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte
E era sempre não foi por mal
Eu juro que não queria machucar você
prometo que isso nunca vai acontecer mais
uma vez
E era sempre, sempre o mesmo
novamente, a mesma traição
Às vezes é difícil esquecer
Sinto muito ela não mora mais aqui
Mas então porque eu finjo
Que acredito no que invento
Nada disso aconteceu assim
Não foi desse jeito.
Ninguém sofreu,
E é só você que provoca essa saudade
parecia
Tentando pintar essas dores com o nome
de amor perfeito
E não te esqueças de mim.
João Batista Xavier Oliveira
Bauru/SP
O ponto de referência
que nos uniu de verdade
foi a esquina da paciência
com as ruas da saudade!
Patativa do Assaré
Assaré/CE, 1909 – 2002
A Triste Partida
Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e novembro
Já tamo em dezembro
Meu Deus, que é de nós
(Meu Deus, meu Deus)
Assim fala o pobre
Do seco nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
(Ai, ai, ai, ai)
A treze do mês
Ele fez experiênça
Perdeu sua crença
Nas pedra de sal
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre natal
(Ai, ai, ai, ai)
Rompeu-se o natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
(Meu Deus, meu Deus)
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
(Ai, ai, ai, ai)
44
Sem chuva na terra
Descamba janeiro
Depois fevereiro
E o mesmo verão
(Meu Deus, meu Deus)
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
Não chove mais não"
(Ai, ai, ai, ai)
Apela pra março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
(Ai, ai, ai, ai)
Agora pensando
Ele segue outra tría
Chamando a famía
Começa a dizer
(Meu Deus, meu Deus)
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamo à São Paulo
Viver ou morrer
(Ai, ai, ai, ai)
Nóis vamo à São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheias
Nois vamo vagar
(Meu Deus, meu Deus)
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Daí pro mesmo cantinho
Nois torna a voltar
(Ai, ai, ai, ai)
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Vendero também
(Meu Deus, meu Deus)
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
(Ai, ai, ai, ai)
Em um caminhão
Ele joga a famía
Chegou o triste dia
Já vai viajar
(Meu Deus, meu Deus)
A seca terríve
Que tudo devora
Ai, lhe bota pra fora
Da terra natal
(Ai, ai, ai, ai)
O carro já corre
No topo da serra
Olhando pra terra
Seu berço, seu lar
(Meu Deus, meu Deus)
Aquele nortista
Partido de pena
De longe da cena
Adeus meu lugar
(Ai, ai, ai, ai)
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
(Meu Deus, meu Deus)
Tão triste coitado
Falando saudoso
Um seu filho choroso
Exclama a dizer:
(Ai, ai, ai, ai)
- De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
(Meu Deus, meu Deus)
Já outro pergunta:
-Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
(Ai, ai, ai, ai)
45
E a linda pequena
Tremendo de medo
-"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
(Meu Deus, meu Deus)
Meu pé de roseira
Coitado ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
(Ai, ai, ai, ai)
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
(Meu Deus, meu Deus)
O pai pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do sul
(Ai, ai, ai, ai)
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
(Meu Deus, meu Deus)
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
(Ai, ai, ai, ai)
Trabaia dois ano
Três ano e mais ano
E sempre nos plano
De um dia voltar
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
(Ai, ai, ai, ai)
Se arguma notíça
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
(Meu Deus, meu Deus)
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos zóio
Começa a cair
(Ai, ai, ai, ai)
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
(Meu Deus, meu Deus)
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famía
Não volta mais não
(Ai, ai, ai, ai)
Distante da terra
Tão seca, mas boa
Exposto à garoa
A lama e o baú
(Meu Deus, meu Deus)
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No norte e no sul
(Ai, ai, ai, ai)
Fernando Pessoa
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935
Depois do dia vem noite,
depois da noite vem dia,
e depois de ter saudades
vêm as saudades que havia.
Martha Medeiros
Porto Alegre/RS
Não saber
Saudade é não saber
Não saber o que fazer com os dias que
ficaram mais compridos
Não saber como encontrar tarefas que lhe
cessem o pensamento
Não saber como frear as lágrimas diante
de uma música
Não saber como vencer a dor de um
silêncio que nada preenche.
46
Nilton Manoel
Ribeirão Preto/SP
Meu pai, exemplo perfeito
de luta e vitalidade;
ao partir, por ser direito,
deixou sincera saudade.
Cora Coralina
À memória de meu filho
Morto a 11 de dezembro de 1863
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. - Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, - a inspiração, - a pátria,
O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! - Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golgonda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer, - gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! - Sede benditas!
Oh! filho de minh'alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr do sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!
Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo!
Pouco tenho de ansiar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustento!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! O lago escuro
Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu
manto
Deixei um traço fundo de agonias! ...
Oh! quantas horas não gastei, sentado
Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaísse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa n'água o lenho do barqueiro!
Quantos momentos de loucura e febre
Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte!
Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel? ... E tudo embalde!
A vida parecia ardente e douda
Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem,
Tão puro ainda, ainda n'alvorada,
Ave banhada em mares de esperança,
Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah! quando a vez primeira em meus
cabelos
Senti bater teu hálito suave;
47
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho!
Meu filho! frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor ...ah! pelas fibras
Senti rugir o vento incendiado
Desse amor infinito que eterniza
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Dos mistérios do ser na teia augusta!
Que prende o céu à terra e a terra aos
anjos!
Que se expande em torrentes inefáveis
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Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu erro a punição cruenta
Na mesma glória que elevou-me aos
astros,
Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!
O som da orquestra, o retumbar dos
bronzes,
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Torpe alegria que circunda os berços
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Não te saudaram ao sorrir primeiro,
Clícia mimosa rebentada à sombra!
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te,
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Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres, das caçoilas níveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
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Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, - mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume! ... Irás tão alto
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Ai! doudo sonho! ... Uma estação passou-se,
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Com seu dedo real selou-te a fronte!
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Ouço o tanger monótono dos sinos,
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Escuto em meio de confusas vozes,
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Para envolver teu corpo! Vejo esparsas
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Folhetim Literário Desiderata n. 4 - Saudade

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  • 2. 2 J. G. de Araújo Jorge Foi uma infância sem Natal. Até onde posso ver, olhando para trás, na pequena e distante Rio Branco, agarrada às barrancas do rio Acre, numa vida que nem sei mais se foi minha, não havia Natal. Lembro-me, vagamente, de umas compridas meias de filó que minha mãe enchia com insignificantes brinquedos. Era o Natal? Muitas vezes me perguntei depois, sem compreender, porque o menino Jesus não “nascia” também naquelas longínquas paragens. Até que havia uma igrejinha, de S. Sebastião, “toda branquinha com um lírio branco”,com seu bimbalhar festivo de sinos para saudá-lo. E árvores, muitas e belas árvores! Lá estavam as esguias seringueiras, os farfalhantescastanheiros, as imensas mangueiras, os alegres cajueiros, as resistentes goiabeiras, e ah! Aquelealto cajazeiro da orla da floresta -todos estenderiam certamente seus galhos para que os enfeitassem com bolas coloridas e velinhas acesas. Nemfaltariam os boizinhos: havia dois, presos ao varal da moenda na engenhoca, dois boizinhos de presépio, que só muito mais tarde reconheceria. E outros que puxavam carros de rodas sanfônicas, e os que mugiam ao entardecer, nas pastagens ou nos currais. Ecrianças, crianças, como em toda parte, que se juntariam em torno ao presépio, ou se postariam no barranco, à espera de Papai Noel, quando ele chegasse de “ chata ” ou de “ gaiola ”, que apitaria na curva do rio, lá junto da antiga cadeia... Mas não havia Natal. Nunca tive Natal. A casa em festa, a árvore iluminada, aquelaânsia incontida, aquela expectativa que empolga a imaginação e que precede os grandes espetáculos. Nãoque me queixe da minha infância: eu a tive intensa, viva, rica de acontecimentos. Fui capitão de moleques. De olhos abertos, pés no chão, eu me perdia pelos caminhos ainda molhados pela madrugada, lendo mais que nos livros, nas coisas, nos bichos, nas árvores, no rio. Manhãzinha fugia de casa, de baladeira na cintura, procurando sanhaçus, eu me perdia pelos varadouros da floresta comendo cacau maduro e ingá. Vadiava o dia inteiro pelas praias, cavando na areia, para encontrar ovos de tartaruga, como centenas de úmidas bolas de pingue-pongue, ou pescava mandis nos igarapés,com minhocas no anzol. Barafustava-me pelo mercado, misturando açúcar preto com farinha grossa, nas bocas abertas das sacas,rindo à-toa. Subindo nos toros de madeira que os bois arrastavam para serraria; tomava banho de chuva nas barricas debaixo das calhas dotelhado ou nos frios igarapés, entre canaranas, alheio ao risco das cobras de picadas mortais. Cavalgueiminha infância, como um menino feliz, tal como fazia com meu carneirinho branco, presente de aniversário, -passeando com companheiros, pela cidade. Quantas
  • 3. 3 vezes, bem que sabia a surra que me esperava, mas valia a pena! Seguia a banda até a praça,e assistia aos domingos a retreta, trepando no gradil do coreto, deslumbrado sempre com o trombone metálico, cornucópia mágica e brilhante, a borbulhar sons guturais e roufenhos. E um dia, pedi aos presosda Cadeia Pública para gravarem o nome dela na pulseira feita de chifre de boi. Como disse no poema: primeira algema de amor. Cresci livre, como o mundo ao meu redor, aprendendo igualdade e amor. Carregava molhos de bagaço de cana, com a molecada, na engenhoca, para ter direito depois de beber garapa, comer rapadura, ou “tirar alfinin”. Subiapelos cajueiros ou pelas altas e copadas mangueiras, a devassar os horizontes, a mexer nos ninhos dos passarinhos, ou a me esconder do professor. Participavadas festas do Grupo Escolar, e representava nas festas de fim-de-ano. Guardei os nomes das professoras:Da. Olga, Da. Risoleta. Eram filhas do Governador que tinha um apelido assustador: Surucucu. E fiz a minha primeira comunhão... duas vezes! Porquena primeira vez, saí de casa, e não cheguei à igreja. Entrei num jogo de futebol, na rua. Mas, um dia voltamos. Viemos todos para o Rio. Fomos morar em Botafogo, vizinhos do velho casarão, onde residiu por quase meio século, o meu avô Tinoco, na antiga rua da Piedade. E só então aconteceu o Natal. Natal com festa, árvore de brinquedos, mesa farta de doces. Nunca mais reencontrei o gosto daquele bolo de nozes, daqueles canudinhos de côco, daquelas ameixas recheadas com ovo e açúcar cristalizado. São como o gosto da infância, que nunca mais se recobra, apenas se relembra. Ainda ouço minhas tias avisando: - Se você disser aos outros que Papai Noel não existe, seu avô não lhe dá a bicicleta. Ah, minha bicicleta! Foi meu primeiro e verdadeiro amor. Esperei-a, com uma sofreguidão de Cinderela ao seu príncipe encantado. Mas só muitos anos mais tarde, me poria a pensar naquele estranho aviso das tias, aos meus irmãos e aos primos menores: - Escolhamo sapato mais velhinho pra colocar na janela. Assim Papai Noel pensará que vocês são pobrezinhos e deixará muitos brinquedos. Quanta ironia no aviso despropositado. Sim, fui uma infância sem Natal. Mas não me queixo. Resta-me um consolo: ao menos não me desencantei como tantas crianças, descobrindo um dia a ingênua mentira, ao reconhecerem Papai Noel por trás de sua barba branca, ao vê-lo tirar a encantada máscara, no seu feliz e efêmero carnaval... J. G. de Araújo Jorge. No Mundo da Poesia. Rio de Janeiro/RJ: Edição do Autor, 1969.
  • 4. 4 Marco Aurélio Goulart Itapecuru-Mirim/MA Deusa do tempo passado, a saudade traz lembranças, que, às vezes, tenho implorado reviver... sem esperanças. Casimiro de Abreu Barra de São João/RJ (1839 - 1860) Nova Friburgo/RJ Meus oito anos Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias Do despontar da existência! - Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é - lago sereno, O céu - um manto azulado, O mundo - um sonho dourado, A vida - um hino d'amor! Que aurora, que sol, que vida, Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar! O céu bordado d'estrelas, A terra de aromas cheia As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar! Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã! Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã! Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, Da camisa aberta o peito, - Pés descalços, braços nus - Correndo pelas campinas A roda das cachoeiras, Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis! Naqueles tempos ditosos Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo. Adormecia sorrindo E despertava a cantar! Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! - Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras A sombra das bananeiras Debaixo dos laranjais! Antonio Colavite Filho Santos/SP Saudadeé folha caída, um precoce envelhecer; é a distância mais sentida do que, perto, se quer ter... Glória Tabet Marson São José dos Campos/SP Saudade da minha terra Do meu tempo de menina, tenho uma doce lembrança e nela sinto a esperança de voltar à Carapina, lugar que Deus ilumina. Uma pequena cidade, que deixou grande saudade daquela vida tão calma, de muita paz em minha alma, que, agora, a tristeza invade. Quero, um dia, lá voltar, abraçar minha mãezinha, não deixá-la mais sozinha; poder me certificar
  • 5. 5 que não há melhor lugar para sentir liberdade, buscar a felicidade, viver com muita alegria, aproveitar dia a dia... E acabar com a saudade. Elisabete Aguiar Mangualde/Portugal Caminhei…voltei sem vê-lo… Só encontrei pela estrada saudades…um doce anelo, silêncio e sombra orvalhada. Cristina Cacossi Bragança Paulista/SP Saudades das brincadeiras da infância Ai que saudades me dão as brincadeiras da infância... no coração, a mansidão fazia ninho em abundância... Ai que saudades me dão a amarelinha, a queimada a cobra-cega, o pião em meio a tanta gargalhada! Ai que saudade me dão as brincadeiras de infância... nas bolhinhas de sabão iam sonhos à distância! Ai que saudade me dá cada brincadeira de outrora a alegria morava lá isso eu descobri só agora... Olympio da Cruz S. Coutinho Belo Horizonte Cascata de Trovas sobre Saudade Quem cultiva uma amizade dentro do seu coração pode morrer de saudade, mas nunca de solidão. De ti eu tinha saudade, casei-me contigo um dia; e hoje eu sinto saudade da saudade que sentia. Partiste, mas, na saudade, eu só peço ao Criador que a tua felicidade seja igual à minha dor. Pela praça vai passando o avô com uma criança; é a saudade levando pelas mãos a esperança. Privado da liberdade o passarinho, a cantar, exprime a dor da saudade, já que não sabe chorar. Vivendo só "na saudade" o setentão insubmisso relembra a virilidade dizendo: "Eu já fui bom nisso!" Arlindo Tadeu Hagen Juiz de Fora/MG A minha roça eu troquei pelas luzes da cidade. Nesse dia eu comecei meu plantio de saudade! Catulo da Paixão Cearense São Luís/MA, 1863 – 1946, Rio de Janeiro/RJ João Pernambuco Jatobá/PE, 1883 – 1947, Rio de Janeiro/RJ Luar do Sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Oh! que saudade do luar da minha terra Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão Este luar cá da cidade tão escuro Não tem aquela saudade do luar lá do sertão
  • 6. 6 Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Se a lua nasce por detrás da verde mata Mais parece um sol de prata prateando a solidão E a gente pega na viola que ponteia E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Mas como é lindo ver depois por entre o mato Deslizar calmo, regato, transparente como um véu No leito azul das suas águas murmurando E por sua vez roubando as estrelas lá do céu Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Colombina (Adelaide Schlönbach Blumenschein) São Paulo/SP (1882 – 1963) Saudade, febre que a gente sem querer pode apanhar; nunca mata de repente, vai matando devagar… Helena Douthe Curitiba/PR Borboleta de luz Fiquei no escuro deserto Sem você por perto Sinto muito, muito, muito, mas muito frio Imenso vazio Minha alma despedaçada Pela natureza da vida foste levada E agora imaculada? Minha melhor amiga amada Meu mundo é nada Hoje sou água gelada No buraco da triste madrugada congelada Em lágrimas me transformei Sem saber o que fazer Desesperada Vim escrever Para te dizer Que jamais te esquecerei Viraste borboleta de Luz Uma linda fada de Jesus Para sempre No matizado jardim Vai viver Dentro e fora de mim. Geraldo Peixoto de Luna Londrina/PR Vejo triste, em minha face, A cada dia que corre, Uma saudade que nasce, Uma esperança que morre. Elisabete Aguiar Mangualde/Portugal Nostalgia Nada sei do que fui, do que vivi, do que sonhei, perdi a fantasia… e hoje canta em mim a nostalgia de vagos murmúrios e cânticos que ouvi. Música das esferas ecoa no meu sangue... Hinos de Amor voltando do Além... E a dor de caminhar, de tatear... Eternamente perseguir, cair... Mas recomeçar! Volteia na brisa meu ser esquecido, gestos modelados na cor da manhã, incertas sombras...
  • 7. 7 incertos rumores... Angústia da procura… Saudade, minha irmã! Marina Valente Bragança Paulista/SP Porque a "Fé move a montanha", não posso deixar de crer que esta saudade (tamanha!) vai um dia perecer. Anônimo A Casinha Pequenina Tu não te lembras da casinha pequenina Onde o nosso amor nasceu, ai ? Tu não te lembras da casinha pequenina Onde o nosso amor nasceu ? Tinha um coqueiro do lado Que coitado de saudade Já morreu. Tinha um coqueiro do lado Que coitado de saudade Já morreu. Tu não te lembras das juras, oh, perjura, Que fizeste com fervor, ai ? Tu não te lembras das juras, oh perjura, Que fizeste com fervor ? Daquele beijo demorado Prolongado que selou O nosso amor. Daquele beijo demorado Prolongado que selou O nosso amor. Não te lembras, ó morena, da pequena Casinha onde te vi, ai ? Não te lembras, ó morena, da pequena Casinha onde te vi ? Daquela enorme mangueira Altaneira onde cantava O bem-te-vi. Daquela enorme mangueira Altaneira onde cantava O bem-te-vi. Não te lembras do cantar, do trinar Do mimoso rouxinol, ai ? Não te lembras do cantar, do trinar Do mimoso rouxinol ? Que contente assim cantava Anunciava o nascer Do flâmeo sol. Que contente assim cantava Anunciava o nascer Do flâmeo sol. Jorge Murad Rio de Janeiro/GB (1910 – 1998) Só porque falo sozinho chamam-me louco, - maldade! é que eu converso baixinho quando falo com a saudade... Maria Antonieta Gonzaga Teixeira Castro/PR Saudade Saudade - favo de mel. Saudade - volta no tempo vencendo distâncias. Saudade de alegrias sem dores, saudade de coisas escorridas provocando lágrimas. Saudade - sentimento inconfundível tesouro precioso que traz de volta o mais importante: - a vida vivida. Maria Luiza Walendowsky Brusque/SC Volte agora com vontade, ser o amor que me encantou traga consigo a saudade, que ao partir, você deixou! Cristina Cacossi Bragança Paulista/SP Saudade A saudade nunca faz distinção instala-se sem licença pedir
  • 8. 8 junto à criança, jovem, ancião tendo liberdade para ir e vir. Bem alojada em todo coração traz fortes e suaves emoções ou só pesar, angústia, decepção acelerando nossas pulsações. Espirituosa sempre, e arrojada surpreende em momentos do dia-a-dia: chega mal-encarada ou então, encantada. Não há remédio ou receita adequada para matar a famosa saudade; é necessário... ser sua aliada! Carolina Ramos Santos/SP Quando a saudade me embala, o teu nome a repetir, o silêncio tanto fala, que não me deixa dormir! Elisa Alderani Ribeirão Preto/SP Saudade Copo que transborda nas noites de silêncio. Quando tem lua cheia e a brisa leva o pensamento... faz que as nuvens de lembranças se espalhem como ovelhas, nas verdes campinas do tempo que se foi, sem volta. Saudade, palavra doce e amarga novo sabor da vida que não cabe mais na cristaleira... xícaras de porcelana chinesa, taças de cristal vazias sem uso... Tintinar de vozes, perdidas na memória espelhando fantasmas que vagam à noite. Pratos e talheres, são palavras mudas. Na parede, a colheita de fotos acinzentadas dos rostos tão amados. O tempo mudou-lhe endereço, Saudades eternas, até o final da viagem! Domitilla Borges Beltrame São Paulo/SP Numa página, a saudade; no verso – não tem escolha – quase sempre a mocidade faz parte da mesma folha!… Janske Niemann Curitiba/PR Meu Filho Não houve um gesto nem palavra dura - houve um silêncio um pouco singular. O seu olhar parece que procura alguma coisa, que eu não posso dar. Não houve nada. Pela noite escura nenhum ruído para me assustar, mas a beleza da manhã tortura: vou para fora para respirar! Ele tornou-se um cavaleiro errante, que não sossega nem por um instante: um solitário, que só quer partir! Pegou apenas, na manhã tranquila, o capacete, as luvas e a mochila e foi embora sem se despedir... Flávio Roberto Stefani Porto Alegre/RS Na ausência que não nos poupa, saudade é formiga arisca que fica dentro da roupa e volta e meia belisca. Ary Barroso Ubá/MG, 1903 – 1964, Rio de Janeiro/RJ Lamartine Babo Rio de Janeiro/RJ, 1904 – 1966 No Rancho Fundo No rancho fundo Bem pra lá do fim do mundo Onde a dor e a saudade
  • 9. 9 Contam coisas da cidade No rancho fundo De olhar triste e profundo Um moreno canta as mágoas Tendo os olhos rasos d'água Pobre moreno que de noite no sereno Espera a lua no terreiro Tendo um cigarro por companheiro Sem um aceno Ele pega na viola E a lua por esmola Vem pro quintal Desse moreno No rancho fundo Bem pra lá do fim do mundo Nunca mais houve alegria Nem de noite, nem de dia Os arvoredos já não contam Mais segredos E a última palmeira Já morreu na cordilheira Os passarinhos Internaram-se nos ninhos De tão triste esta tristeza Enche de trevas a natureza Tudo porque, só por causa do moreno Que era grande, hoje é pequeno Pra uma casa de sapê Se Deus soubesse da tristeza lá serra Mandaria lá pra cima Todo o amor que há na terra Porque o moreno Vive louco de saudade Só por causa do veneno Das mulheres da cidade Ele que era O cantor da primavera E que fez do rancho fundo O céu melhor que tem no mundo Se uma flor desabrocha E o sol queima A montanha vai gelando Lembra o cheiro da morena Gérson César Souza São Mateus do Sul/PR A espera é aquele momento em que a saudade dispara e o relógio fica lento, fica lento e quase para… Olivaldo Júnior Mogi-Guaçu/SP Cascata de Trovas sobre saudade Numa trova pequenina, toda feita de emoção, a saudade é qual ruína que denota a solidão. Minha vida tem saudade de outra vida que morreu; morte certa, a da verdade que, mentira, nem nasceu. Calabouço de esperança me aprisiona o pensamento; da saudade, a confiança de que volta em outro vento... Numa lápide singela, sem o lustro da maldade, a bondade, feito vela, luze a chama da saudade... Minha face, obscura, muda, muda o jeito quando pensa que a saudade só nos muda se 'Deus Pai' é nossa crença... Um crisântemo, sem cor, me sugere um verso triste: de saudade, um trovador faz das lágrimas o "alpiste"... Há mil jeitos de matar sem matar o corpo meu; o melhor é desdenhar da saudade, que sou eu.
  • 10. 10 Jeanette Monteiro de Cnop Maringá/PR Nem sempre a felicidade vem da vitória ou da fama: pode estar numa saudade ou nos sonhos de quem ama! Casimiro de Abreu Barra de São João/RJ (1839 - 1860) Nova Friburgo/RJ Saudades Nas horas mortas da noite Como é doce o meditar Quando as estrelas cintilam Nas ondas quietas do mar; Quando a lua majestosa Surgindo linda e formosa, Como donzela vaidosa Nas águas se vai mirar! Nessas horas de silêncio De tristezas e de amor, Eu gosto de ouvir ao longe, Cheio de mágoa e de dor, O sino do campanário Que fala tão solitário Com esse som mortuário Que nos enche de pavor. Então - Proscrito e sozinho - Eu solto aos ecos da serra Suspiros dessa saudade Que no meu peito se encerra Esses prantos de amargores São prantos cheios de dores: - Saudades - Dos meus amores - Saudades - Da minha terra! José Valdez de C.Moura Pindamonhangaba/SP Saudade, que dor enorme, é triste o nosso sentir: você se deita e não dorme e nem me deixa dormir! Mário Moura Marinho Sorriso/MT Saudade Amor, sentimento fino... que se alojou em meu peito, e de bom gosto eu aceito ser meu eterno inquilino. Com este ganho divino eu venho expor a verdade: Sendo o amor felicidade, não posso contrariar; eu não sofro por amar e sim por sentir saudade! Marco Aurélio Goulart Itapecuru-Mirim/MA Saudade - não sei se amarga ou se causa em mim doçura... pois sinto uma sobrecarga de sofrimento e ternura... Cristina Cacossi Bragança Paulista/SP Ai que saudade de mim... daquele olhar escuro, penetrante, puro, cheiinho de sinceridade ! daquele sorriso sincero, aberto totalmente liberto, cheiinho de alegria ! daquele semblante descontraído, mas não descomprometido, cheiinho de paz ! daquela risada escancarada, no meio da meninada, cheiinha de energia ! daquele pequeno coração, repleto de emoção, cheiinho de lealdade ! daqueles gestos irriquietos, de espontaneidade, repletos,
  • 11. 11 cheiinhos de vivacidade ! ai que saudade de mim ... Antonio Colavite Filho Santos/SP Emum jardim da cidade, tendo a sua companhia, eu já nem sinto saudade da saudade que eu sentia... Gabriela Pais Almada/Portugal Saudade A saudade não vai embora fere fundo, duramente, sentimento que devora, o pensar sempre presente. Ausência tanto custa quando deixamos de ver, seja causa mesmo injusta, acontece a qualquer ser. Saudade janela aberta, para lágrimas verter uma dor que se liberta, para se poder viver. Saudade está no passado, oculta nos pensamentos, esquecendo amargo fado, lembramos ternos momentos. A saudade traz memórias que se querem esquecer, mas reconta-nos histórias, que queremos reverter. Paulo Walbach Prestes Curitiba/PR Lindas Despedidas! E numa janela o aceno vazio... Mãozinhas gentis dizendo o adeus embargado no choro, aquele menino que guarda saudade de todos os seus. Odenir Follador Ponta Grossa/PR Pais de Ontem e de Hoje Eu era ainda criança Alheio a iniquidade, Mas cheio de esperança, Em minha tenra idade. Eu era feliz, pois sabia, Que meu pai, meu herói! De tudo me protegia; Oh! Saudades, que dói. O tempo passa depressa... Eu cresci e nem percebi, Recordo sem muita pressa... Dos conselhos que recebi. Narrei aos meus filhos, Depois aos meus netos; Dessa época de brilhos Carinhos e muitos afetos! Um tempo mais inocente, Dos contos da carochinha... A tecnologia ainda ausente, Esta malvada erva-daninha. Ser pai nesta época atual, Tem que ser um super-herói! Na emoção da era digital... Se não cuidar, ela destrói! José Feldman Maringá/PR Saudade que me devora. Saudade... de teus carinhos. Saudade que a qualquer hora, vem me matando aos pouquinhos. Cristina Cacossi Bragança Paulista/SP Cascata de Trovas sobre Saudade Ter uma boa saudade... eis sinal de alegria ! Percebi... não tem idade, ela não traz nostalgia ! Remédio adequado eu busco para matar a saudade ... confesso a todos : eu lusco, pois não há nem na eternidade
  • 12. 12 Não quero saudade à toa que chegue, que me machuque... eu quero saudade boa que venha e me reeduque.. Para matar a saudade eu abri certa cancela lá da minha mocidade e dei uma espiadela. O violão do meu avô Num canto escuro da sala de estar, como se nem estivesse lá, o violão do meu avô estava assim como o seu dono: na lembrança de quem gostava dele quando no meio de nós. Não sei ao certo qual marca o danado do violão do meu avô silenciosamente ostentava no corpo, mas devia ser boa, a marca, pois vovó nos conta que custou a ele os olhos da cara! Hoje, sozinho, sem ninguém que o traga à vida, o violão do meu avô virou a maloca preferida das aranhas, que, de dentro dele, tecem os fios de sua aracnídea e surda existência. Olivaldo Júnior (Mogi-Guaçu/SP) Castro Alves Curralinho/BA, 1847-1871, Salvador/BA Recordações Lembras-te ainda dessa noite bela Em que, donzela, te chegaste a mim? Lembras-te? Dize... mas não tenhas pejo... Que vai um beijo p'ra corar assim?... Que linda noite! da montanha o vento Tênue lamento suspirava então. E nos teus lábios, no tremor, no medo Lia o segredo de febril paixão. Passava a lua pelo azul do espaço Do teu regaço a namorar o alvor. Como era terna no seu brando lume. ...Tive ciúme de ver tanto amor ... Como dum cisne alvinitentes plumas Iam de brumas a vagar nos céus, Gemia a brisa - perfumando-a a rosa - Terna, queixosa nos cabelos teus. Que noite santa!... Sempre o lábio mudo A dizer tudo, a respirar paixão; De espaço a espaço um fervoroso beijo, E após o pejo... e algum frouxo não. Eu fui a brisa - tu me foste a rosa, Fui mariposa - tu me foste a luz, - Brisa - beijei-te - mariposa - ardi-me. E hoje me oprime do martírio a cruz. E agora quando da montanha o vento Geme um lamento de infinito amor, Busco debalde t'escutar as juras... Não mais venturas... só me resta a dor. Seria um sonho aquela noite bela? Dize, donzela... Foi real... bem sei!... Ai! não me negues, diz-mo a lua, o vento, Diz-mo o tormento que por ti penei!... Alba Christina Campos Netto São Paulo SP Entre nós não há mais nada, mas ante a prova de fogo, saudade é carta marcada que acaba ganhando o jogo! Cecília Meireles Rio de Janeiro RJ, 1901-1964 Silenciosas lembranças De que são feitos os dias? De pequenos desejos Vagarosas saudades Silenciosas lembranças. Entre mágoas sombrias Momentâneos lampejos Vagas felicidades
  • 13. 13 Inatuais esperanças. De loucuras, de crimes De pecados, de glórias Do medo que encadeia Todas essas mudanças. Dentro deles vivemos Dentro deles choramos Em duros desenlaces E em sinistras alianças. Ercy Maria M. de Faria Bauru SP Saudade é um velho barquinho que vence o tempo e a distância e recolhe, no caminho, os pedacinhos da infância ... Cruz e Souza Florianópolis/SC, 1861-1898, Antonio Carlos/MG Lembranças apagadas Outros, mais do que o meu, finos olfatos, Sintam aquele aroma estranho e belo Que tu, ó Lírio lânguido, singelo, Guardaste nos teus íntimos recatos. Que outros se lembrem dos sutis e exatos Traços, que hoje não lembro e não revelo E se recordem, com profundo anelo, Da tua voz de siderais contatos... Mas eu, para lembrar mortos encantos, Rosas murchas de graças e quebrantos, Linhas, perfil e tanta dor saudosa, Tanto martírio, tanta mágoa e pena, Precisaria de uma luz serene, De uma luz imortal maravilhosa!... Luiz Carlos Abritta Belo Horizonte MG Vou definir a saudade e não sei se estarei certo: saudade é aquela vontade de que o longe fique perto. Zica Bérgami Ibitinga/SP, 1913 – 2011, São Paulo/SP Lampião de Gás Lampião de gás Lampião de gás Quanta saudade Você me traz Da sua luzinha verde azulada Que iluminava a minha janela Do almofadinha lá na calçada Palheta branca, calça apertada Do bilboquê, do diabolô Me dá foguinho, vai no vizinho De pular corda, brincar de roda De benjamim, jagunço e chiquinho Lampião de gás Lampião de gás Quanta saudade Você me traz Do bonde aberto, do carvoeiro Do vossoureiro, com seu pregão Da vovózinha, muito branquinha Fazendo roscas, sequilhos e pão Da garoinha fria, fininha Escorregando pela vidraça Do sabugueiro grande e cheiroso Lá no quintal da rua da graça Lampião de gás Lampião de gás Quanta saudade Você me traz Da minha São Paulo, calma e serena que era pequena, mas grande demais. Agora cresceu, mas tudo morreu... Lampião de Gás quantas saudades me traz.
  • 14. 14 Lampião de gás Lampião de gás Quanta saudade Você me traz Francisco Pessoa Fortaleza CE Saudade é o tempo guardado dentro do peito da gente... nó, que se dá no passado e se desfaz no presente. Da Costa e Silva * Saudade Saudade! Olhar de minha mãe rezando, E o pranto lento deslizando em fio... Saudade! Amor da minha terra... O rio Cantigas de águas claras soluçando. Noites de junho... acabará com frio, Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando... E, ao vento, as folhas lívidas cantando A saudade imortal de um sol de estio. Saudade! Asa de dor do Pensamento! Gemidos vãos de canaviais ao vento... As mortalhas da névoa sobre a serra... Saudade! O Parnaíba - velho monge As barbas brancas alongando... E, ao longe, O mugido dos bois da minha terra... Diamantino Ferreira Campos dos Goytacazes/RJ Não há palavra nenhuma tão grande quanto “saudade”, que em sete letras resuma a dor e a felicidade! Jorge de Lima União dos Palmares/AL, 1853 – 1953, Rio de Janeiro/RJ Velho Tema, A Saudade Quem não a canta? Quem? Quem não a canta e sente? - Chama que já passou mas que assim mesmo é chama... A Saudade, eu a sinto infinda, confidente. Que de longe me acena e me fascina e chama... Mágoa de todo o mundo e que tem toda gente: Uns sorrisos de mãe... uns sorrisos de dama... ..Um segredo de amor que se desfaz e mente... Quem não os teve? Quem? Quem não os teve e os ama? Olhos postos ao léu, altívagos, à toa, Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente Te ficaste gozando uma saudade boa? Se vês que em teu passado uma saudade adeja, - Faze que uma saudade a ti seja o presente! - Faze que tua morte uma saudade seja! Dorothy Jansson Moretti Três Barras/SC (1926 – 2017) Sorocaba/SP Trem-de-ferro, o teu apito lembra-me um sino plangente: tanta mágoa no teu grito, tanta saudade na gente! Alberto de Oliveira Palmital de Saquarema/RJ, 1857 – 1937, Niterói/RJ Crescente de Agosto Alteia-se no azul aos poucos o crescente, O ar embalsama, os cirros leva, o escuro afasta; Vasto, de extremo a extremo, enche a alameda vasta E emborca a urna de luz nas águas da corrente. Na escumilha da teia, onde a aranha indolente
  • 15. 15 Dorme, feita de orvalho, uma pérola engasta. Faz aos lírios mais branca a flor cetínea e casta, Mais brancos os jasmins e a murta redolente. Faz chorar um violão lá não sei onde... (A ouvi-lo Na calada da noite, um não-sei-quê me invade) Faz que haja em tudo um como estranho espasmo e enlevo; Faz as cousas rezar, ao seu clarão tranquilo, Faz nascer dentro em mim uma grande saudade, Faz nascer da saudade estes versos que escrevo. Edmar Japiassu Maia Nova Friburgo/RJ Beijo-lhe a foto!… E, na espreita deste amor que eu idolatro, minha saudade se ajeita no retrato três por quatro… Raul Torres Botucatu/SP, 1906 – 1970 Saudades de Matão Neste mundo eu choro a dor, Por uma paixão sem fim Ninguém conhece a razão Porque eu choro num mundo assim Quando lá no céu surgir Uma peregrina flor Pois todos devem saber Que a sorte me tirou foi uma grande dor Lá no céu, junto a Deus Em silêncio a minha alma descansa E na terra, todos cantam Eu lamento minha desventura desta pobre dor Ninguém me diz Que sofreu tanto assim Esta dor que me consome Não posso viver Quero morrer Vou partir pra bem longe daqui Já que a sorte não quis Me fazer feliz Quando lá no céu surgir Uma peregrina flor Pois todos devem saber Que a sorte me tirou foi uma grande dor Eduardo A. O.Toledo Pouso Alegre/MG A saudade se embaraça e a paixão se intensifica… – Não pelo instante que passa, mas pelo instante que fica! Alceu Wamosy Uruguaiana, 1895 – 1923, Santana do Livramento/RS Duas Almas Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada, entra, e sob este teto encontrarás carinho: Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho. Vives sozinha sempre e nunca foste amada... A neve anda a branquear lividamente a estrada, e a minha alcova tem a tepidez de um ninho. Entra, ao menos até que as curvas do caminho se banhem no esplendor nascente da alvorada.
  • 16. 16 E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua, podes partir de novo, ó nômade formosa! Já não serei tão só, nem irás tão sozinha: Há de ficar comigo uma saudade tua... Hás de levar contigo uma saudade minha... Sou feita de saudade Há quem diga que não se pode viver do passado. Eu digo que não se pode viver no passado A vida não permite que voltemos no tempo... Quantas vezes eu tive vontade que aquele segundo voltasse Quantas vezes eu senti os meus braços vazios e quis voltar no tempo e abraçar longamente alguém que já não posso abraçar. Eu sou feita de saudades, saudade machuca, dói e dói muito. Saudade me faz chorar, chorar aos prantos e derramar tantas lágrimas que tem horas que penso que vou formar um rio... Um rio de lágrimas... É... Saudade faz com que eu eleve os meus olhos aos céus e agradeça ser feita de saudade... Porque é verdade... Sou feita de saudades, mas eu só choro e se sinto dores porque a minha saudade é feita de amores eternos... Amores que nunca, nunca vão findar... Amores infinitos, amores para toda uma eternidade, amores que vão acompanhar meu último suspiro e vão fazer com que minha passagem seja cheia de esperança... Esperança de que vou rever todos os que tenho saudades e que esses reencontros vão ser a complementação de uma vida. É não vivo no passado, mas faço do meu passado um motivo para viver meu presente de maneira mais feliz possível e vivermeu futuro cheio de esperanças em reencontros felizes. Lá, no outro lado, onde não sei... Existe muita gente importante e a quem eu amei e por quem fui amada e que merecem minhas lágrimas de saudade ... Por isto, sou feita de saudade! Arlete Araújo João Pessoa/PB
  • 17. 17 Alphonsus de Guimaraens Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG Soneto da Defunta Formosa Temos saudade, pálida formosa, De tudo quanto o pôr-do-sol fenece: Ou seja o som final de extrema prece, Ou seja o último anseio de uma rosa... E mais ligeiramente a gente esquece Uma hora que a alma de carinhos goza, Que de ter visto, em roxa luz saudosa, Uma imperial tulipa que adoece... Um lírio doente no caulim de um vaso Faz-nos lembrar um luar em pleno ocaso Morrendo ao som das últimas trindades... E nem eu sei, amor, por que perguntas, Tu que és a mais formosa das defuntas, Se eu de ti hei de ter loucas saudades. Elisabeth Souza Cruz Nova Friburgo/RJ Orgulho bobo… vaidade… caprichos do amor sobejo… Eu, morrendo de saudade, fingir que nem te desejo! Augusto dos Anjos Cruz do Espírito Santo/PB (1884 – 1914) Leopoldina/MG O Bandolim Cantas, soluças, bandolim do Fado E de Saudade o peito meu transbordas; Choras, e eu julgo que nas tuas cordas, Choram todas as cordas do Passado! Guardas a alma talvez d'um desgraçado, Um dia morto da Ilusão as bordas, Tanto que cantas, e ilusões acordas, Tanto que gemes, bandolim do Fado. Quando alta noite, a lua é fria e calma, Teu canto vindo de profundas fráguas, É como as nênias do Coveiro d'alma! Tudo eterizas num coral de endechas... E vais aos poucos soluçando mágoas, E vais aos poucos soluçando queixas! Gislaine Canales Herval/RS (1938 – 2018) Porto Alegre/RS A saudade da saudade varreu de mim a alegria, levando a felicidade que eu pensava que existia! Augusto Meyer Porto Alegre/RS, 1902-1970, Rio de Janeiro/RJ Era Uma Vez... Quem passa? É o Rei, é o Rei que vai à caça! Mal filtra o luar a sombra do arvoredo. Joãozinho, a um restolhar, treme de medo, Maria escuta, se uma folha esvoaça... Era uma vez um rei... jogou a taça Ao mar, e o amargo mar guarda o segredo... E a princesinha que cortou o dedo? Faz muito tempo... Como a vida passa! Era uma vez a minha infância linda E o sonho, o susto, o vago encanto alado... Vem a saudade e conta-me baixinho Velhas histórias... E eu já velho ainda Sou um Pequeno Polegar cansado Que pára e hesita, em busca do caminho... Héron Patrício Ouro Fino/MG (1931 – 2018) Pouso Alegre/MG Temos certeza da idade quando as rugas do sol-posto passeiam com a saudade na tarde do nosso rosto.
  • 18. 18 Auta de Souza Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN Lágrimas Eu não sei o que tenho... Essa tristeza Que um sorriso de amor nem mesmo aclara, Parece vir de alguma fonte amara Ou de um rio de dor na correnteza. Minh'alma triste na agonia presa, Não compreende esta ventura clara, Essa harmonia maviosa e rara Que ouve cantar além, pela devesa. Eu não sei o que tenho... Esse martírio, Essa saudade roxa como um lírio, Pranto sem fim que dos meus olhos corre, Ai, deve ser o trágico tormento, O estertor prolongado, lento, lento, Do último adeus de um coração que morre... Izo Goldman Porto Alegre/RS (1932 – 2013) São Paulo/SP A vida pôs, por maldade, tanta distância entre nós, que, quando eu canto, é a saudade que faz a segunda voz… Belmonte Barra Bonita/SP, 1937 –1972, Santa Cruz das Palmeiras/SP Goiá Coromandel/MG, 1935 – 1981, Uberaba/MG Saudade de Minha Terra De que me adianta viver na cidade Se a felicidade não me acompanhar Adeus, paulistinha do meu coração Lá pro meu sertão, eu quero voltar Ver a madrugada, quando a passarada Fazendo alvorada, começa a cantar Com satisfação, arreio o burrão Cortando estradão, saio a galopar E vou escutando o gado berrando Sabiá cantando no jequitibá Por Nossa Senhora, meu sertão querido Vivo arrependido por ter deixado Esta nova vida aqui na cidade De tanta saudade, eu tenho chorado Aqui tem alguém, diz que me quer bem Mas não me convém,eu tenho pensado Eu fico com pena, mas esta morena Não sabe o sistema que eu fui criado Tô aqui cantando, de longe escutando Alguém está chorando com o rádio ligado Que saudade imensa do campo e do mato Do manso regato que corta as campinas Aos domingos ia passear de canoa Nas lindas lagoas de águas cristalinas Que doce lembrança daquelas festanças Onde tinham danças e lindas meninas Eu vivo hoje em dia sem ter alegria O mundo judia, mas também ensina Estou contrariado, mas não derrotado Eu sou bem guiado pelas mãos divinas Pra minha mãezinha já telegrafei E já me cansei de tanto sofrer Nesta madrugada estarei de partida Pra terra querida que me viu nascer Já ouço sonhando o galo cantando O inhambu piando no escurecer A lua prateada clareando as estradas A relva molhada desde o anoitecer Eu preciso ir pra ver tudo ali Foi lá que nasci, lá quero morrer J. G. de Araújo Jorge Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ Saudade – estranha ilusão que a solidão recompensa; presença no coração maior que a própria presença!
  • 19. 19 Bastos Tigre Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ Saudade Infeliz de quem vive sem saudade, Do agridoce pungir alheio às penas, Sem lembranças de amor e de amizade, Hoje vivendo o dia de hoje, apenas. Triste de ti, ancião, que te condenas A mole insipidez da ancianidade E não revives na memória as cenas De prazer e de dor da mocidade! Ter saudade é viver passadas vidas, Percorrendo paragens preferidas, Ouvindo vozes que se têm de cor. Sonha-se... E em sonho, como por encanto, A dor que nos doeu já não dói tanto, Gozo que foi é gozo inda maior. José Feldman Maringá/PR Quando se perde um amigo, sofre-se uma eternidade… O coração acha abrigo só na estação da saudade. Ciro Vieira da Cunha São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ Saudade Saudade! o teu olhar longo e macio Derramando doçura em meu olhar... Um bocado de sol sentindo frio, Uma estrela vestida de luar... Saudade! pobre beijo fugidio Que tanto quis e não cheguei a dar... A mansidão inédita de um rio Na volúpia satânica do mar... Saudade! o nosso amor... o teu afago... O meu carinho... o teu olhar tão lindo... Um pedaço de céu dentro de um lago... Saudade! um lenço branco me acenando... Uma vontade de chorar sorrindo, Uma vontade de sorrir chorando... Lilinha Fernandes Rio de Janeiro/RJ (1891 – 1981) Meu amor foi-se acabando… mas a saudade chegou: – chuva boa refrescando o chão que o sol causticou. Elomar Figueira Melo Vitória da Conquista/BA Retirada Vai pela istrada enluarada Tanta gente a ritirar Levando só necessidade Saudades do seu lugar Esse povo muito longe Sem trabalho, vem prá cá Vai pela istrada enluarada Com tanta gente a ritirar Rumano para a cidade Sem vontade de chegar Passa dia, passa tempo Passa o mundo devagar Lembrança passa com o vento Pidindo não ritirar Tudo passa nesse mundo Só não passa o sofrimento Vai pela istrada enluarada Com tanta gente a ritirar Sem saber que mais adiante Um ritirante vai ficar Se eu tivesse algum querer Nesse mundo de ilusão Não deixava que a saudade sociada cum penar
  • 20. 20 Vivesse pelas estradas do sofrer a mendigar Vai pela estrada enluarada Com tanta gente a ritirar Levando nos ombros a cruz Que Jesus deixou ficar Eu não canto por soberba Nem tanto por reclamar Em minha vida de labuta Canto o prazer, canto a dor Que as beleza devoluta Que Deus no sertão botou Vai pela estrada enluarada Com tanta gente a ritirar Passando com taça e veno Bebendo fé e luar Maria Nascimento S. Carvalho Rio de Janeiro/RJ A distância, achando meios para unir nossas metades, somou nossos devaneios e dividiu as saudades !… Constâncio Alves Salvador/BA, 1862 – 1933, Rio de Janeiro/RJ Soneto Mudado Eras em plena mocidade, quando Da nossa casa, um dia, te partiste; E eu, coitado, sem mãe, pequeno e triste, Fiquei por esta vida caminhando. Assim - no meu amor teu rosto brando Do tempo à ação maléfica resiste, E o meu é, hoje, como nunca o viste, Tanto o passar da idade o foi mudando. Tão velho estou, que já me não conheces; Nem poderias ver no que te chora Esse a quem ensinaste tantas preces. E tão moça ainda estás que (se memora A saudade o teu vulto) - me apareces Como se fosses minha filha agora. José Maria Machado de Araújo Vila Nova de Famalicão/Portugal (1922 – 2004) Rio de Janeiro/RJ Entre a tua e a minha idade, filho meu, quanta distância… – És a infância da saudade! – Sou a saudade da infância! Euricles de Matos Salvador/BA Senhora da Saudade Como eu Vos quero bem, Senhora da Saudade! Lírio Preto que sois porque viveis de preto, Parodiando um Martírio estranho e predileto De um torvo coração, vivendo na orfandade. E assim não me quereis, Senhora da Saudade! Vós, toda Compaixão, Vós toda meu Afeto, Nascida para estar num mundo mais secreto, A partilhar Amor, Carinhos e Bondade. E bem triste que sou e bem tristonho vivo, Cativo dessa Dama e dessa Flor cativo, Eu tão velhinho já na minha Mocidade!... E ah! Sonho meu de Amor, estranhamente santo, Ouvi o que Vos digo, estático de Espanto: - Como eu Vos quero bem, Senhora da Saudade!... Miguel Russowsky Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC A saudade às vezes fala e até grita – quem diria! – quando a rede, a sós, se embala numa varanda vazia…
  • 21. 21 Fausto Cardoso Divina Pastora/SE, 1864 – 1906, Aracaju/SE Taças Deslumbrado, cheguei, chorando, à terra, um dia! E, do lauto festim da vida, achei-me à mesa; Sempre libei, cantando, a taça da alegria, Embebedou-me sempre o vinho da tristeza. Esplêndidas visões trouxeram-me, à porfia, As ânforas do amor. E, de volúpia acesa, Minha boca, de boca em boca, um mosto hauria, Que de tédio me encheu por toda a natureza! Dá-me a velhice a taça. Eu das paixões prescindo. E, ébrio, ascendo a espiral de um sonho delicioso, No vinho da saudade achando um gosto infindo! Parece-me o passado um rio luminoso, Onde vogo a rever pelas margens, florindo, A dor que, ao longe, tem as seduções do gozo! Milton Nunes Loureiro Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ A tristeza que me invade e que nunca chega ao fim é a esquina de uma saudade que eu dobro dentro de mim. Glauco Mattoso São Paulo/SP Soneto 544 Ultrapassado Agora há pouco... Meia horinha atrás... Parece que foi ontem... Outro dia... Outrora... Era uma vez... Que nostalgia... Saudades tenho... Quanto tempo faz... Melhor não reviver lembranças más... As boas... Mas quais? ...quase as não havia... Quem parte do pretérito a fatia que o mais doce recheio à mente traz? Perfeito... Inda melhor: mais-que-perfeito... Estive... Estava... Em trevas... Estivera... Perdi de vista... Não lembro direito... Foi só reminiscência... Uma outra era... Afoito, todo instante eu aproveito: Olhando para trás, prolongo a espera... Rodolpho Abbud Nova Friburgo/RJ (1926 – 2013) Quando o passado me embala e o sono, aos poucos, se evade, até o relógio da sala vem acordar a saudade! Guilherme de Almeida Campinas/SP, 1890 – 1969, São Paulo/SP Nós (XXII) Tu senhora, eu senhor, ambos senhores de um pequenino mundo. No caminho, nunca vi flores em que houvesse espinho, nunca vi pedras que não fossem flores. Naquele quarto andar, longe das dores e tão perto dos céus, com que carinho, com quanto zelo edificaste o ninho do mais feliz de todos os amores! Tudo passou. Um dia, triste e mudo, deixaste-me sozinho. Hoje tens tudo: és rica, és invejada, és conhecida... E eu tenho apenas, desgraçado e louco, daquele amor que te custou tão pouco esta saudade que me custa a vida!
  • 22. 22 Sebas Sundfeld Pirassununga/SP (1924 – 2015) Tambaú/SP A saudade que me resta vai comigo, quando eu vou à procura de uma festa que há muito tempo acabou. Dorival Caymmi Salvador/BA, 1914 – 2008, Rio de Janeiro/RJ Saudade de Itapoã Coqueiro de Itapoã, coqueiro Areia de Itapoã, areia Morena de Itapoã, morena Saudade de Itapoã me deixa Oh vento que faz cantiga nas folhas No alto dos coqueirais Oh vento que ondula as águas Eu nunca tive saudade igual Me traga boas notícias daquela terra toda manhã E joga uma flor no colo de uma morena de Itapoã Coqueiro de Itapoã, coqueiro Areia de Itapoã, areia Morena de Itapoã, morena Saudade de Itapoã me deixa Me deixa, me deixa... José Feldman Maringá/PR Debruçado na janela, eu vejo o tempo passar. Saudade que me flagela, por quem não irá voltar. Guimarães Júnior Rio de Janeiro/RJ, 1847 – 1898, Lisboa/Portugal Visita À Casa Paterna Como a ave que volta ao ninho antigo, Depois de um longo e tenebroso inverno, Eu quis também rever o lar paterno, O meu primeiro e virginal abrigo. Entrei. Um gênio carinhoso e amigo, O fantasma, talvez, do amor materno, Tomou-me as mãos - olhou-me grave e terno, E, passo a passo, caminhou comigo. Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!) Em que, da luz noturna à claridade, Minhas irmãs e minha Mãe... O pranto Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de? - Uma ilusão gemia em cada canto, Chorava em cada canto uma saudade... Olivaldo Júnior Mogi-Guaçu/SP Vou andando e, sem barulho, vem à tona um triste fato: a saudade é um pedregulho que não sai do meu sapato! Manuel Bandeira Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ À Maneira de Olegário Mariano Triste flor de milonga ao abandono, Betsabé, Betsabé, que mal me fazes! Ontem, a coqueluche dos rapazes, E agora? pobre pássaro sem dono. Primavera e verão foram-se. O outono Chegou. Folhas no chão... Névoas falazes... E aí vem o inverno... O fim das lindas frases... O último sonho, e após, o último sono! As cigarras calaram-se. Era tarde! E hoje que no teu sangue já não arde O fogo em que tanta alma se abrasou, Choras, sem compreenderes que a saudade É um bem maior do que a felicidade, Porque é a felicidade que ficou!
  • 23. 23 Patativa do Assaré Assaré/CE (1909 – 2002) Saudade dentro do peito é qual fogo de monturo... Por fora tudo perfeito, por dentro fazendo furo. Jacinto de Campos Canavieiras/BA, 1900 – ????, Rio de Janeiro/RJ As Duas Palmeiras Quando passo buscando a humana lida, A alma tecida de ilusões tão várias, Junto à velha choupana carcomida Vejo duas palmeiras solitárias. Uma já morta, outra reverdecida, Num desmancho de palmas funerárias, E ao som da harpa do vento a que tem vida, Saudosa plange salmodias e árias. - Ó tu, que me olvidaste no caminho, Meu coração deixando como um ninho, Sozinho e triste, ao vento balouçando... A saudade me diz, como em segredo: Que és a palmeira que morreu bem cedo, E eu sou aquela que ficou chorando. Antonio Juraci Siqueira Belém/PA Camarão preso na grade do matapi resistente: é assim que vejo a saudade presa no peito da gente!... Júlio Salusse Bom Jesus/RJ, 1878 – 1948, Rio de Janeiro/RJ Cisnes A vida, manso lago azul algumas Vezes, algumas vezes mar fremente, Tem sido para nós constantemente Um lago azul, sem ondas nem espumas. Bem cedo quando, desfazendo as brumas Matinais, rompe um sol vermelho e quente, Nós dois vogamos indolentemente, Como dois cisnes de alvacentas plumas. Um dia um cisne morrerá, por certo... Quando chegar esse momento incerto, No lago onde talvez a água se tisne, Que o cisne vivo cheio de saudade Nunca mais cante, nem sozinho nade, Nem nade nunca ao lado d'outro cisne. Ana Rolão Preto Benguela/Angola Saudade... Divina essência... É tudo quanto ficou do bem que à nossa existência a vida trouxe e levou. Ataulfo Alves Miraí/MG, 1909 – 1969, Rio de Janeiro/RJ Meus Tempos de Criança Eu daria tudo que eu tivesse Pra voltar aos dias de criança Eu não sei pra que que a gente cresce Se não sai da gente essa lembrança Aos domingos, missa na matriz Da cidadezinha onde eu nasci Ai, meu Deus, eu era tão feliz No meu pequenino Miraí Que saudade da professorinha Que me ensinou o beabá Onde andará Mariazinha Meu primeiro amor, onde andará? Eu igual a toda meninada Quanta travessura que eu fazia Jogo de botões sobre a calçada Eu era feliz e não sabia
  • 24. 24 Belmiro Braga Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de Fora/MG Saudade... palavra linda, de sete letras... Saudade é noite que tem ainda lampejos de claridade. Luís Pistarini Resende/RJ, 1877 – 1918 O Seu Retrato Ela mandou-me, há dias, o retrato, - Um belo mimo em platinotipia - Que eu não canso de ver, e, dia a dia Mais se me torna bem querido e grato, Porque quando entre angústias me debato, Triste nas horas de melancolia, Basta fitá-lo, para que a alegria Banhe de luz o meu viver ingrato. Lembro-me dela, então saudosamente; E, a sorrir, nesses rápidos instantes, Eu me inflamo de amor de um modo tal, Que lhe beijo o retrato longamente, Com o mesmo ardor com que beijava dantes, Jubiloso e feliz, o original... José Feldman Maringá/PR A saudade me avassala, noite e dia são iguais, a tristeza não se cala... sozinho, me afundo em ais. Marcelo Gama Mostardas/RS, 1878 – 1915, Rio de Janeiro/RJ Catavento Vim sarar tédios, longe da cidade, A convite e conselho de um amigo, Neste sombrio casarão antigo Onde tudo tem ares de saudade. - "Vem para o campo que a paisagem há de Curar-te". Mas, curar-me não consigo: Ontem o riso esteve bem comigo; Hoje me sinto cheio de ansiedade. Sou assim, como as asas do moinho Que, lá distante, à beira do caminho, Por entre casas velhas aparece: Gira ao norte... ora ao sul... depressa... lento... Parece doido aquele catavento!... Mas como ele comigo se parece! Francisco Neves de Macedo Natal/RN (1948 – 2012) Saudade, uma imensa conta, com juro que sempre dobra. Se chega um dia a tal monta vem a solidão e cobra! Maria Eugênia Celso São João Del Rey/MG, 1886 – 1963, Petrópolis/RJ Meu Céu És para alguns a fúlgida certeza De outra vida vivida em perfeição, Uma esperança de compensação Ao velho mal de toda a natureza. Felicidade, sem a atroz surpresa Do amanhã destruidor, eterna união, Recompensa, esplendor, paz e perdão, Luz sem ocaso em formosura acesa... Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura Do sonho de ventura em que me assombro E meu quinhão de glórias entesoura, Céu que um reflexo de saudades doura, Seria se, de novo, no meu ombro, Pousasses, filho, a cabecinha loura...
  • 25. 25 Aparício Fernandes Acari/RN (1934 – 1996) Rio de Janeiro/RJ Saudade, meu bem, existe nessa distância sem fim! - É tudo aquilo de triste que te separa de mim... Martins Fontes Santos/SP, 1884 – 1937 Sol das Almas À última luz que doira as tardes calmas, À última luz de amor que beija o poente, Se dá, no meu país, poeticamente, A denominação de "Sol das Almas"! Na montanha, a palmeira, de repente, Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas! Para outro mundo leva o pó das salmas A luminosidade comovente! Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda! Como um sorriso, finda a claridade, Como um soluço, a claridade finda! Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade! Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda! Qual é teu nome, Luz do Azul? - Saudade. Dulcídio de Barros Moreira Juiz de Fora/MG Ao passado vivo preso, e a saudade no meu fado, é farol que fica aceso iluminando o passado. Tom Jobim Rio de Janeiro/RJ, 1927 – 1994, Nova Iorque/EUA Vinicius de Moraes Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980 Chega de Saudade Vai minha tristeza E diz a ela Que sem ela não pode ser Diz-lhe numa prece Que ela regresse Por que eu não posso mais sofrer Chega de saudade A realidade É que sem ela não há paz Não há beleza É só tristeza E a melancolia Que não sai de mim Não sai de mim, não sai Mas se ela voltar, se ela voltar Que coisa linda, que coisa louca Pois há menos peixinhos a nadar no mar Do que os beijinhos Que eu darei na sua boca Dentro dos meus braços Os abraços Hão de ser milhões de abraços Apertado assim Colado assim, calado assim Abraços e beijinhos E carinhos sem ter fim Que é pra acabar com esse negócio De você viver sem mim Não quero mais esse negócio De você viver sem mim Maria Thereza Cavalheiro São Paulo/SP (1929 – 2018) A saudade é uma semente de lágrimas orvalhada; brota na noite do ausente e floresce na alvorada. Narciso Araújo Itapemirim/ES, 1877 – 1944 Casa Triste Como está triste aquela casa! Nela, Meus olhos viam tanta vez, outrora, Em purpurejos, rútila, a janela Toda tocada de clarões de aurora.
  • 26. 26 Ali morou Maria, doce e bela Conterrânea gentil, mimo de Flora, Que perfumava, em outro tempo, aquela Casa que eu vejo tão tristonha, agora. Como está triste aquela casa! Quando, Alheio a tudo, longamente a fito, Uma saudade, dentro em mim chorando, Recorda o feliz tempo, em que Maria, Com o rosto alegre, juvenil, bonito, Era, à janela, um sol que resplendia. Adelmar Tavares Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ A saudade é uma andorinha que, ao morrer do sol a chama, as asas tristes aninha no coração de quem ama. Frederico Val Portugal A Minha Canção É Saudade De ilusões desvanecidas Filme de esperanças perdidas Minha canção é saudade Ai, que de tranças caídas Via tudo em cores garridas E em todos via bondade Ai, que de tranças caídas Via tudo em cores garridas E em todos via bondade E nesta sinceridade De amor e sensualidade Ponho a alma ao coração Numa angústia, uma ansiedade Minha canção é saudade Do amor sonhado em vão Numa angústia, uma ansiedade Minha canção é saudade Do amor sonhado em vão Nesta saudade sem fim Choro saudades de mim Sou mulher mas fui pequena Também brinquei e corri Mas quem sabe se sofri Se é de mim que tenho pena Também brinquei e corri Mas quem sabe se sofri Se é de mim que tenho pena Alfredo de Castro Pouso Alegre/MG (1922 – 2011) Noites feitas de saudade, de lembranças, de meiguice… Tão curtas na mocidade, e tão longas na velhice! Osório Duque Estrada Vassouras/RJ, 1870 – 1927, Rio de Janeiro/RJ Pulvis Áureos castelos da primeira idade, Dourada fantasia de outras eras Cuja luz de uma estranha claridade, A alma me encheu de sóis e primaveras; Glória, amor, ilusões da mocidade Palpitando ao clarão de outras esferas; Ânsias do afeto, espinhos da saudade, Sonhos alados, fúlgidas quimeras; Ideais da velha crença sonhadora; Poemas tangidos da chorosa lira (Que mais chorara se ditosa fora); Por tanta coisa essa alma ainda suspira! Tanta coisa, que a mente enganadora Julgava ser verdade e era mentira! Almerinda Liporage Rio de Janeiro/RJ Morre o amor… o espólio é feito… tudo partido em metade; minha, inteira, por direito, só ficou mesmo a saudade.
  • 27. 27 Os Caciques (Jair Lemes, Nelson Teixeira e os irmãos Adilson e Marcelino Batista Mores) Saudade de Guarapuava Há muito tempo eu deixei a minha terra Para seguir esta minha profissão Guarapuava não te esqueço um só momento Trago seu nome dentro do meu coração Estou cantando pra você Guarapuava Meus conterrâneos, povo bom e hospitaleiro Estou cantando pro meu rico Paraná E para todos meus patrícios brasileiro Estou cantando pro meu rico Paraná E para todos meus patrícios brasileiro Sinto saudade de você minha mamãe E não te esqueço meu papaizinho querido Estou lembrando sempre sempre os meus parente Também recordo de todos os meus amigos Quero rever os seus campos Guarapuava Quero rever o lugar onde eu nasci Quero beijar a linda guarapuavana Que ficou triste na hora que eu parti Mas tenho fé em Deus e Nossa Senhora Que me acompanha por este mundo sem fim E muito breve vou abraçar esta gente Que com saudade sempre se lembram de mim. Bastos Tigre Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ Saudade, palavra doce, que traduz tanto amargor! Saudade é como se fosse espinho cheirando a flor! Pedro Kilkerry Santo Antonio de Jesus/BA, 1885 – 1917, Salvador/BA Taça Aquela taça de metal que, um dia, À Laura, um dia assim, lhe oferecera, Entre relevos delicados de hera, "Saudade" em letras de rubis trazia. E era um riso de amor e de poesia Em cada riso ou flor da primavera... E Laura, a um canto, cruel, por que a esquecera, Laura que soluçou, porque eu partia? Anos derivam. De remorsos presa Não é que vai, acaso, à soledade Da abandonada... Vai por fantasia. Mas, como um choro, vê, vê com surpresa, Desmancharem-se as letras da "Saudade" Que aquela taça de metal trazia. Clenir Neves Ribeiro Sydney/Austrália Não me importo se demoras, quando a tristeza me invade. Para que contar as horas, se já não sinto saudade?… Pedro Saturnino Cabo Verde/MG, 1883 – 1953, Curitiba/PR Açucenas Minha Mamãe! tu foste mãe-menina, Pois é filho das tuas mãos pequenas Aquele pé viçoso de açucenas, Que plantaste quando eras pequenina. Carregado de flores (e de penas), Lá no mesmo local ainda germina; Do passado jardim resta ele apenas, Tudo mais, ao redor, é mato ou ruína. Eu, teu filho de amor que tanto estimas E irmão dele nos dons, e até nos males, Ao lembrar-me de ti, floresço em rimas. - Meu irmão com saudades e entre dores, Entre espinhos cruéis levanta o cális E lembra-se de ti chorando flores!
  • 28. 28 Fernando Câncio Araújo Fortaleza/CE (1922 – 2013) … E se morresse a saudade? Fatalmente, eu morreria… Pois é essa doce maldade o alimento do meu dia! Raul Sampaio Cachoeiro de Itapemirim/ES Benil Santos Cabo Frio/RJ, 1931 – 2012, Maricá/RJ Lembranças Lembro um olhar Lembro um lugar Teu vulto amado Lembro um sorriso E um paraíso Que tive ao teu lado Lembro a saudade Que hoje invade os dias meus Para meu mal Lembro afinal Um triste Adeus Sou agora no mar desta vida Um barco a vagar Onde está teu olhar Onde está teu sorriso E aquele lugar Eu devia sorrir eu devia Para meu padecer ocultar Mas diante de tantas lembranças Me ponho a chorar Maria Madalena Ferreira Magé/RJ Tímida, meio sem jeito, uma saudade enxerida entrou aqui no meu peito… e hoje manda em minha vida! Quintino Cunha Itapajé/CE, 1875 – 1943, Fortaleza/CE Entre Nuvens Ameaça chuva. O pássaro na rama Vem de ocultar-se. A fera permanece À sombra do covil. Tudo parece Triste como a saudade de quem ama. Enquanto o céu apenas se recama De nuvens, não; mas, quando se incandesce De um relampear profundo, a chuva desce, Por fina força a chuva se derrama. Em nós outros também o tempestivo Amor é assim como este quadro vivo, Que, há pouco, a natureza dominava. Falo por mim, tirando por Maria; Pois quando na minha alma relampeava, Nos seus olhos tristíssimos chovia. Newton Meyer Pouso Alegre/MG (1936 – 2006) É tanto o amor que me invade quando em seus braços estou, que cada instante é saudade do instante que já passou! Raimundo Correia São Luis/MA, 1859 – 1911, Paris/França Saudade Aqui outrora retumbaram hinos; Muito coche real nestas calçadas E nestas praças, hoje abandonadas, Rodou por entre os ouropéis mais finos... Arcos de flores, fachos, purpurinos, Tons festivais, bandeiras desfraldadas, Girândolas, clarins, atropeladas Legiões de povo, bimbalhar de sinos... Tudo passou! Mas dessas arcarias Negras, e desses torreões medonhos, Alguém se assenta sobre as lájeas frias; Em torno os olhos úmidos, tristonhos, Espraia, e chora, como Jeremias, Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...
  • 29. 29 Onildo de Campos Cachoeira/BA (1924 – 2002) Rio de Janeiro/RJ Dona Saudade, velhinha, bordadeira paciente, não tem agulha nem linha, mas borda os sonhos da gente! Raul de Leoni Petrópolis/RJ, 1895– 1926 Decadência Afinal, é o costume de viver Que nos faz ir vivendo para a frente; Nenhuma outra intenção, mas simplesmente O hábito melancólico de ser... Vai-se vivendo... é o vício de viver... E se esse vício dá qualquer prazer à gente, Como todo prazer vicioso é triste e doente, Porque o Vício é a doença do Prazer... Vai-se vivendo... vive-se demais, E um dia chega em que tudo que somos É apenas a saudade do que fomos... Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos Que somos sombras, que já não somos mais nada Do que os sobreviventes de nós mesmos!... Otavio Venturelli Nova Friburgo/RJ Saudade, saudade minha, quanta saudade restou; saudade, saudade eu tinha, saudade, saudade eu sou. Nelson Cavaquinho Rio de Janeiro/RJ, 1911 – 1986 Guilherme de Brito Rio de Janeiro/RJ, 1922 – 2006 Quando Eu Me Chamar Saudade Sei que amanhã Quando eu morrer Os meus amigos vão dizer Que eu tinha um bom coração Alguns até hão de chorar E querer me homenagear Fazendo de ouro um violão Mas depois que o tempo passar Sei que ninguém vai se lembrar Que eu fui embora Por isso é que eu penso assim Se alguém quiser fazer por mim Que faça agora. Me dê as flores em vida O carinho, a mão amiga, Para aliviar meus dias. Depois que eu me chamar saudade Não preciso de vaidade Quero preces e nada mais Padre Celso de Carvalho Curvelo/MG (1913 – 2000) Diamantina/MG Poeta, gêmeo do santo: sofre muito e não blasfema; faz dos gemidos um canto, faz da saudade um poema. Silva Tavares Lisboa/Portugal, 1937 – 2015 Fado Da Saudade Eu canto o fado pra mim Abre-me as portas que dão Do coração cá pra fora E a minha dor sem ter fim Que está naquela prisão Sai da prisão, vai-se embora Ai, minha dor Sem o amargo do teu pranto Não cantava como canto No meu canto amargurado Ai, meu amor Que és agora que eu sofro e choro? Afinal, agora que adoro É por ti que eu canto fado! Eu canto o fado pra mim
  • 30. 30 Já o cantei pra nós dois Mas isso foi no passado Já que assim é, seja assim Já me esqueceste depois Já cada qual tem seu fado O mais feliz é o teu, tenho a certeza É o fado da pobreza Que nos leva à felicidade Se Deus o quis Não te invejo essa conquista Porque o meu é mais fadista É o fado da saudade Adélia Victória Ferreira São Paulo/SP Saudade é tarde chorando um tempo em que foi aurora, ao ver a noite levando o brilho do sol embora. Silva Lobato Recife/PE, 1886 – 1931, Rio de Janeiro/RJ Crepúsculo Crepúsculo. Saudade é a dor da ausência. A essa hora É triste o campo, é triste o rio e é triste a mata. Pelo espaço, a reboar, a voz de um sino chora; Chora o seu pranto oculto a alma de uma cascata. Lento, o orvalho do céu, posto em pingos de prata, Borda os verdes festões da sorridente flora... Calam-se as aves. No ar, ao pôr do sol, desata A alta estridulação a cigarra sonora. Ó noivos, que povoais a vossa alma de sonhos, Que nostalgia! Que tristeza, olhos tristonhos, Não vos trouxe essa luz crepuscular de agosto?!... E a saudade a pungir vosso peito dorido, É a lembrança dos que se vão para o sol posto, É a incontida explosão desse amor incontido! Anis Murad Rio de Janeiro/RJ (1904 - 1962) Maria, só por maldade, deixou-me a casa vazia… Dentro da casa: saudade! E na saudade: Maria! Vespasiano Ramos Caxias/MA, 1884 – 1916, Porto Velho/RO Soneto da Volta Desde este instante, sem cessar, maldigo, Aquele instante de felicidade! Para que tu vieste ter comigo, Meu amor! Minha luz! Minha saudade?! Dês que te foste, foram-se contigo Todos os sonhos desta mocidade... A tua vinda - fora-me um castigo; A tua volta - uma fatalidade! Dês que te foste, dentro em mim plantaste A ânsia infinita dos desesperados Porque voltando, nunca mais voltaste... Correm-me os dias de aflições, cobertos: Eu entrei para o amor de olhos fechados E saí para a dor de olhos abertos! Djalda Winter Santos Rio de Janeiro/RJ Deprimida, com saudade, por saber que foste embora, só me restou a vontade de eu mesma jogar-me fora…
  • 31. 31 Vinicius de Moraes Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980 Soneto de Contrição Eu te amo, Maria, eu te amo tanto Que o meu peito me dói como em doença E quanto mais me seja a dor intensa Mais cresce na minha alma teu encanto. Como a criança que vagueia o canto Ante o mistério da amplidão suspensa Meu coração é um vago de acalanto Berçando versos de saudade imensa. Não é maior o coração que a alma Nem melhor a presença que a saudade Só te amar é divino, e sentir calma... E é uma calma tão feita de humildade Que tão mais te soubesse pertencida Menos seria eterno em tua vida. Archimimo Lapagesse Florianópolis/SC (1897 – 1966) Rio de Janeiro/RJ Saudade, ponte encantada entre o passado e o presente, por onde a vida passada volta a passar novamente! Alex Vinicius Blanch Saudade de Você Você viajou pra longe Mas eu sei que vai voltar Fala o tempo inteiro no seu nome Não paro de pensar Espero que não demore Pois, não sei se vou aguentar Ah! Meu bem, você é a minha metade Não dá pra separar Eu mato o tempo desenhando o seu rosto Num pedaço de papel A te esperar Estou morrendo De saudades de você Estou morrendo De vontade de te ver Eu sinto tanta a sua falta Só você me faz sorrir Quero logo o seu abraço forte E o mais belo beijo bem aqui Você nem pode imaginar Que surpresa eu preparei Um prêmio se você adivinhar Uma dica, eu nunca te dei Eu mato o tempo desenhando o seu rosto Num pedaço de papel A te esperar Estou morrendo De saudades de você Estou morrendo De vontade de te ver A gente tem tanta coragem Pra acabar com toda essa crueldade Por que que todos são tão diferentes Não vivem a vida simples como a gente Estou morrendo De saudades de você Estou morrendo De vontade de te ver Prof. Garcia Caicó/RN A estrela da mocidade, que em minha infância brilhou; brilha em meu céu de saudade, depois que a infância passou! Olegário Mariano Recife/PE, 1889 – 1958, Rio de Janeiro/RJ Saudade Tirem-me a luz que os olhos alumia, o ar que me enche os pulmões e o céu que adoro; tirem-me esses momentos de alegria, tirem-me a voz de pássaro canoro; tirem-me a paz de espírito, a harmonia da vida e o amor que canta quando eu choro;
  • 32. 32 tirem-me a noite e ao luar da noite fria o sonoro esplendor do céu sonoro; tirem-me a glória de viver, o encanto, a lágrima, o sorriso, a mocidade que faz com que na vida engane tanto; tirem-me o manto, deixem-me desnudo, mas não me tirem da alma esta saudade que é meu sangue, meu ser, meu pão, meu tudo. Almir Pinto de Azevedo Cambuci/RJ Não irá jamais embora quem deixou tanta amizade, a despedida de agora é presença na saudade ... Anrique Paço D’Arcos Lisboa/Portugal, 1906 – 1993 Saudade Minha Minha saudade as cousas transfigura num estranho delírio semelhante ao desse eterno cavaleiro-andante paladino do sonho e da loucura: minha saudade é fonte que murmura e em seu cantar humilde e marulhante mata a sede que abrasa o caminhante só de o embalar na líquida ternura... Minha saudade os mundos alumia os mortos ressuscita e é um sol-nascente dourando ainda as trevas da agonia; minha saudade é a força misteriosa que torna cada cousa em mim presente e a minha dor presente em cada cousa. Alonso Rocha Belém/PA, 1926 – 2011 Cabelos brancos da idade, recolho do poço limpo a única joia - a saudade - que me restou do garimpo. Florbela Espanca Vila Viçosa/Portugal, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal Saudades Saudades! Sim... Talvez... e porque não?... Se o nosso sonho foi tão alto e forte que bem pensara vê-lo até à morte deslumbrar-me de luz o coração! Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão! Que tudo isso, Amor, nos não importe. Se ele deixou beleza que conforte deve-nos ser sagrado como o pão! Quantas vezes, Amor, já te esqueci, para mais doidamente me lembrar, mais doidamente me lembrar de ti! E quem dera que fosse sempre assim: quanto menos quisesse recordar mais a saudade andasse presa a mim! Antonio de Oliveira Rio Claro/SP A fonte da vida orvalha a tinta branca da idade e a brisa do tempo a espalha nos cabelos da saudade! Francisco Manuel de Melo Lisboa/Portugal, 1608 – 1666 Saudades Serei eu alguma hora tão ditoso, que os cabelos, que Amor laços fazia, por prêmio de o esperar, veja algum dia soltos ao brando vento buliçoso? Verei os olhos, donde o sol formoso as portas da manhã mais cedo abria, mas, em chegando a vê-los, se partia ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso? Verei a limpa testa, a quem a Aurora graça sempre pediu? E os brancos dentes, por quem trocara as pérolas, que chora? Mas, que espero de ver dias contentes, se para se pagar de gosto uma hora, não bastam mil idades diferentes?
  • 33. 33 Dari Pereira Maringá/PR Recordando a mocidade e o meu tempo de criança, faço trova da saudade e poema da lembrança. Francisco Villaespesa Laujar de Andarax/Espanha, 1877-1936, Madrid/Espanha Recordar Qual se fosse num túmulo encerrado, para minha saudade é que hoje vivo. Levo as mãos à cabeça, pensativo, e recordo o esplendor do meu passado. Será possível que um amor tão forte tenha subitamente se extinguido? O amor é mais potente do que a morte, mas não pode escapar à lei do Olvido. Largas horas de espera... Eternidades que enchem de anseio as minhas soledades! Sonhando e só com teu amor me tens. Esperando que voltes, considero: se nunca chegarás, por que te espero? e se te espero assim, por que não vens? Divenei Boseli São Paulo/SP Partes, levando a metade da metade que eu já sou, deixando inteira a saudade na metade que restou... Daniel Brotas/SP João Paulo Brotas/SP, 1960 – 1997, Franco da Rocha/SP Saudade Meus olhos estão mergulhados Num pranto que não tem mais fim E isso aconteceu porque você foi embora Eu fiz de tudo pra você ficar comigo Quem sente amor não sabe ser amigo E sem você o que eu faço agora Os dias vão passando E lembro dos nossos momentos de amor E um beijo sempre acompanhado de fogo e paixão A minha vida sem você está tão fria A nossa casa sempre tão vazia Volte pra esquentar de vez meu coração Ah, saudade Sem ela o meu coração agora está sofrendo E sinto dentro do meu peito um fogo ardendo E a minha vida desse jeito vai morrendo aos poucos Ah, saudade Não dá pra segurar comigo tanto sofrimento Me leva pra ficar com ela apenas um momento Se não essa paixão ainda vai me deixar louco Domingos Freire Cardoso Ilhavo/Portugal Quando chegaste ao portão para saber quem batia, batia o meu coração que de saudades morria... J. G. de Araujo Jorge Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ Lembrança Bom tempo o que ficou - amei-te na alegria de uma tarde azulada e linda de setembro, - disso tudo, hoje, triste, eu muita vez me lembro enquanto uma saudade o peito meu crucia... Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,
  • 34. 34 eras o meu sonhar de janeiro a dezembro... Depois... Tu me deixaste, e ainda hoje se relembro, amargo a mesma dor cruel daquele dia. . . Agora, em solidão - sou um corpo sem alma -, e indiferente a tudo vou chegando ao fim como a tarde que cai bem suavemente em calma. Já não sinto... não sofro... já nem vivo até. - Se a vida ainda era vida ao ter-te junto a mim, hoje, longe de ti, nem vida ao menos é! Edite Rocha Capelo Santos/SP Nos anos verdes da vida morou a Felicidade e depois de tanta lida só nos braços da saudade. Wilson Woodrow Rodrigues Salvador/BA, 1916 – ???? Lembrança Das três tristezas que tenho uma foi lagrima só, a outra foi lave gemido, e a última desfez-se em pó. Das três alegrias que tenho uma foi sorriso vão, a outra foi manso gorjeio, e a última foi a ilusão. Das três saudades quê tenho uma bem cedo murchou, a outra durou muito pouco, e a última foi que ficou. Élbea Priscila de S. e Silva Caçapava/SP Nos anos verdes da vida morou a Felicidade e depois de tanta lida só nos braços da saudade. Edir Pina de Barros Ponta Porã/MS Denise Severgnini Novo Hamburgo/RS Saudades dos tempos de outrora Sinto saudades dos tempos de outrora, das noites enluaradas e das serenatas! Não existe mais nos tempos de agora, Bailes com valsas, sinfonias, tocatas... No diário, as emoções devem ser exatas Não se admite existir homem que chora. Sinto saudades dos tempos de outrora, das noites enluaradas e das serenatas! Havia elegância distinta em uma senhora Os cavalheiros vestiam ternos e gravatas Contenho em mim, nostalgia avassaladora Das minhas lembranças, que são gratas. Sinto saudades dos tempos de outrora! Marcial Salaverry Santos/SP Sextilha da Saudade Quando bate aquela saudade, penso na felicidade que sempre tivemos... Saudade que com beijos quero aplacar, apenas no desejo de te amar... Herminio Gimenez Paraguari/Paraguai, 1905 – 1991, Assunción/Paraguai Meu Primeiro Amor Saudade palavra triste quando se perde um grande amor Na estrada longa da vida eu vou chorando a minha dor Igual a uma borboleta vagando triste por sobre a flor Teu nome sempre em meus lábios irei chamando por onde for Você nem se quer se lembra de ouvir a voz deste sofredor Que implora por teus carinhos, só um pouquinho do teu amor. Meu primeiro amor
  • 35. 35 Tão cedo acabou só a dor restou Neste peito meu Meu primeiro amor Foi como uma flor que desabrochou E logo morreu Nesta solidão Sem ter alegria o que me alivia São meus tristes ais São prantos de dor Que dos olhos caem É porque bem sei quem eu tanto amei Não verei jamais. Eulinda Barreto Fernandes Bauru/SP Da casinha... que saudade - perto da linha do trem - Faz lembrar a mocidade e as rodas em vai e vem. BLopes Itapetim/PE Minhas Saudades Diárias Quantas saudades já tenho Marcadas no meu diário, A cada dia eu venho Fazendo meu calendário De muitas recordações De todas as ilusões Muitos fatos registrei, De todas as emoções Muitas lembranças guardei Como saudades deixadas Foram Saudades guardadas No fundo do coração, Que foram sendo anotadas No meu diário emoção, Que eu guardo na lembrança. Pra renovar a esperança E com saudade dizer Quem espera sempre alcança Assim eu posso viver De saudades e lembranças. Fabiano Wanderley Natal/RN Por ser um real tormento, indefinível ao pintor e um sublime sentimento: – A saudade não tem cor! Epaminondas Barbosa Mogi das Cruzes/SP Às Vezes Sinto Saudade... As vezes eu sinto saudade De coisas que não aconteceu Das declarações não dadas Dos beijos que não roubei. As vezes eu sinto saudade Dos erros que não cometi Do palavrão não falado Do não em vez de sim. As vezes eu sinto saudade Dos amores não correspondidos Dos beijos que não foram dados Dos abraços não recebidos. As vezes sinto saudade Por tudo que não passou Do passeio que não foi dado Por tudo que se passou. As vezes eu sinto saudade Das lagrimas que não derramei Dos risos que não foram dados Das piadas que não contei. As vezes sinto saudade Da chuva que não me molhou Das estrelas que não contei Do amor que não começou. As vezes eu sinto saudade Da briga que não comecei Do perdão que não foi dado Do tapa que eu não dei. as vezes eu sinto saudade De alguém que não conheci Do encontro que não foi marcado Com quem eu nunca dormi.
  • 36. 36 As vezes eu sinto saudade E nem bem sei do que Creio que eu descobri O que é envelhecer. Filemon F. Martins Itanhaém/SP Falando de amor, Maria, que saudades sinto agora daquela doce alegria que em teus olhos vi outrora. Marinaza Juiz de Fora/MG Cordel da Saudade A Saudade é uma flor, Tem perfume, com certeza, .é a essência do amor. Temforma de princesa, Mas no olhar não traz fulgor Mas tem traços de beleza. A voz é aveludada, Suas mãos, brancas, macias Sua túnica bordada Com cores da nostalgia. Ela nunca é chamada Ao chegar se anuncia. Saudade fica na espera Quando vê um rompimento Vê as cores da quimera Perder luz, deslumbramento, O que passou já foi, já era, só restou ressentimento. A vida de um casal, Longos anos bem juntinhos, Mas depois um grande mal Deixa um triste, sozinho. Elechora a dor fatal Limpa os olhos num lencinho. A mãe tão estremecida Quando perde o filho amado A razão de sua vida. Era um filho abençoado. Na hora da despedida Não está mais lado a lado. A saudade abre a porta, Vai chegando de mansinho Também chora a vida morta Que tomou outro caminho. A mãe elaconforta Encostada num cantinho . .A saudade é uma dama De tão fina realeza Ninguém por ela chama chega só ao ter certeza Que ouviu perto dacama Os soluços da tristeza. Gosto até de ter saudade Parece não estar sozinha É a sombra da realidade Que junto a mim caminha Não tem tempo nem idade, Quando perto se avinha A saudade do passado De um tempo bem distante Tempo gasto, remendado, Não é saudade confortante É um mal que está guardado Ruminando a todo instante .A saudade, bela senhora, Delicada, complacente Enxuga pranto de quem chora Por ter seu amor ausente Não tem pressa de ir-se embora Com o amor é complacente. Enquanto existir amor A saudade está por perto ela traz suave odor Das areias do deserto Suaviza todo ardor De que tem o peito aberto... Gilson Faustino Maia Petrópolis/RJ Depois de uma certa idade, querendo a vida entender, vi que a mente da saudade pode o passado esquecer.
  • 37. 37 JFilipe (Valdenir Gonçalves) Cascavel/PR Suspiros poéticos e saudades Nos suspiros silenciosos Sozinho na solidão O poeta segue em frente Perdidona multidão As palavras riscam os mares da poesia E com a caneta de seus sonhos Escreve sua agonia As palavras banham-se nas lágrimas Da saudade E todas tomam vidas No rabisco desta infelicidade Saudades esuspiros Apertam o coração As pessoas passam As maquinas passam E a solidão? O sol escaldante do mês de dezembro A tempestade que mata O tempo que não perdoa Voa. E, nesta praça vazia Suspiro no silencio A dor desta saudade Somente resta Esta pobre poesia. Ialmar Pio Schneider Porto Alegre/RS Amiga de muitos anos, companheira de verdade, enfrentando os desenganos, ela se chama: saudade. Goiano Açailândia/MA Saudade do Meu Sertâo Lá na terra onde eu nasci Bem no recanto do sertão Lembro-me com saudade Da cana moída no engenhão Garapa na cuia eu bebi Comi rapadura com mamão. Ainda hoje me recordo Da terra preta do Japão Lugar que o caldo de cana É mais doce que mel no pão E o luar é o mais belo Que existe no sertão. Lá de tudo se plantava E se colhia de mais Muitas frutas e legumes Também belos canaviais E se fazia um bom suco Colhido dos açaizais. Depois de colhido o feijão Esperava a mandioca crescer Para transformá-la em farinha Logo bem cedo no amanhecer Pra fazer um bom pirão Pra toda a família comer. Uma boa galinha caipira Temperada com açafrão Carne de sol assada na brasa Fazia parte da refeição; Pra contemplar o cardápio Tinha no espeto Juriti e canção. Eu nunca vou me esquecer De uma caça bem preparada Feita no óleo de babaçu; Estando bem temperada Pode ser peba, cutia ou tatu. O que cair na emboscada. Também no meu cardápio Já comi até camaleão Mas a minha sobremesa Era melancia ou melão Isto é apenas um pouquinho Da história do meu sertão. Acordar antes do amanhecer É rotina do bom sertanejo No varal pegar o seu gibão Depois tomar café com queijo
  • 38. 38 Selar o seu cavalo alazão E sair para o manejo. De dia eu vejo com clareza Nossas águas cristalinas Brincando nas correntezas; Vejo lindas meninas Mostrando em suas belezas A magia da alma feminina. Lá é mesmo um paraíso Tem muita coisa pra se ver Mas daquelas lindas meninas Eu não consigo me esquecer Eu fiquei muito apaixonado Sem saber o que fazer. Quando tinha piquenique Nos rios e praias do sertão Meu corpo se extasiava Ao ver Joana e Conceição Eram as mais belas mulheres Nascidas naquela região. Eu fiz muitas serenatas Para as mais lindas donzelas Lembro-me de Maria e rita O quanto elas eram belas Meu coração palpitava Quando elas saiam na janela. Lá todos têm o que fazer Vivem como bandeirantes Tem valor quem trabalha Adquire recursos bastantes Quanto mais tem mais se desejam É só acreditar e ser perseverante. Ainda tenho muito que contar Mas não tenho mais tempo não Convido a todos pra conhecer Com muita satisfação Toda aquela gente humilde E as belezas do meu sertão. João Batista Xavier Oliveira Bauru/SP Na praça, o coreto dorme... despertando a minha infância. E aquela saudade enorme encurta mais a distância! Jajá de Guaraciaba Pilar do Sul/SP Saudade da Minha Terra Moro cá em Pilar do Sul: Uma cidade muito linda! Apesar do céu azul, Não me acostumei ainda. Aqui nesta cidade Resido em área campal Mesmo assim sinto saudade Da minha terra natal. De manhã a seriema Corre e canta no cerrado Inspirando este poema Ao poeta atormentado. Toda manhã eu me sento Para tomar o café Vejo no pasto, o vento, Movendo o capim-sapé. É através da janela Que vejo também pastando Alguns cavalos de cela E o gado ruminando. Vejo também um cupim E um pé de jacarandá, Pecíolos de alecrim Do qual minha mãe fazia chá. Robusto jequitibá Ficava perto do rio Onde eu enchia o samburá Mesmo com o tempo frio. Ah, que lembrança me dá! Da minha Guaraciaba Se eu não voltar para lá Saudade comigo acaba!
  • 39. 39 Glória Tabet Marson São José dos Campos/SP Cheiro de mato, gorjeio dos pássaros... Que saudade! Nada mudou e o passeio, uma volta à mocidade! Martha Medeiros Porto Alegre/RS Vivendo e aprendendo Eu sou feito de Sonhos interrompidos Detalhes despercebidos Amores mal resolvidos. Sou feito de Choros sem ter razão Pessoas no coração Atos por impulsão. Sinto falta de Lugares que não conheci Experiências que não vivi Momentos que já esqueci. Eu sou Amor e carinho constante Distraída até o bastante Não paro por um instante. Já Tive noites mal dormidas Perdi pessoas muito queridas Cumpri coisas não prometidas. Muitas vezes eu Desisti sem mesmo tentar Pensei em fugir para não enfrentar Sorri para não chorar. Eu sinto pelas Coisas que não mudei Amizades que não cultivei Aqueles que eu julguei Coisas que eu falei. Tenho saudade De pessoas que fui conhecendo Lembranças que fui esquecendo Amigos que acabei perdendo Mas continuo vivendo e aprendendo. Haroldo Lyra Fortaleza/CE Cenas de tempos passados, que à saudade satisfazem, evocam sonhos dourados e muito a tantos aprazem. Vinicius de Moraes Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980 Sem despedidas suas Tomara Que você volte depressa Que você não se despeça Nunca mais do meu carinho E chore, se arrependa E pense muito Que é melhor se sofrer junto Que viver feliz sozinho Tomara Que a tristeza te convença Que a saudade não compensa E que a ausência não dá paz E o verdadeiro amor de quem se ama Tece a mesma antiga trama Que não se desfaz E a coisa mais divina Que há no mundo É viver cada segundo Como nunca mais... Nemésio Prata Fortaleza/CE Dizem, com propriedade, que a saudade é inexplicável; explica-se: na verdade, o senti-la é indecifrável! Fernando Pessoa Lisboa/Portugal, 1888 – 1935 Saudade Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é
  • 40. 40 A dor que já não me dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou O que deixou alegria Só porque foi e voou E hoje é já outro dia. Humberto Del Maestro Serra/ES Saudade é dor muito estranha, toca no peito tão fundo que sinto que a minha entranha abriga as dores do mundo. Carlos Drummond de Andrade Itabira/MG (1902 - 1987) Rio de Janeiro/RJ Ausência Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim. JB Xavier São Paulo/SP Dando-me adeus, o acalanto retirou-me a claridade deste amor, que por meu pranto, já começou com saudade. Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) Lisboa/Portugal, 1890 – 1935 Mesma saudade Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo Espécie de acessório ou sobressalente próprio Arredores irregulares da minha emoção sincera Sou eu aqui em mim, sou eu Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim... Jessé Nascimento Angra dos Reis/RJ Dos meus sonhos de criança e dos folguedos, saudade! E na rua da lembrança, a placa: Felicidade! Clarice Lispector Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ Sentimento urgente Saudade é um pouco como fome Só passa quando se come a presença Mas, às vezes, a saudade é tão profunda que a presença é pouco Quer-se absorver a outra pessoa toda Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira É um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida. Joamir Medeiros Natal/RN As coisas boas da vida, que nos dão felicidade passam sempre de corrida, deixando eterna saudade. Vital Farias Taperoá/PB Ai Que Saudade d´Ocê Não se admire se um dia Um beija flor invadir A porta da sua casa Te der um beijo e partir
  • 41. 41 Fui eu que mandei o beijo Que é pra matar meu desejo Faz tempo que eu não te vejo Ai que saudade d´ocê Se um dia ocê se lembrar Escreva uma carta pra mim Bote logo no correio Com frases dizendo assim Faz tempo que eu não te vejo Quero matar meu desejo Lhe mando um monte de beijos Ai que saudade sem fim E se quiser recordar Aquele nosso namoro Quando eu ia viajar Ocê caia no choro Eu chorando pela estrada Mas o que eu posso fazer Trabalhar é minha sina Eu gosto mesmo é d´ocê. Não se admire se um dia Um beija flor invadir A porta da sua casa Te der um beijo e partir Fui eu que mandei o beijo Que é pra matar meu desejo Faz tempo que eu não te vejo... Mário Quintana Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS Do Amoroso Esquecimento Eu, agora - que desfecho Já nem penso mais em ti Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci? Charles Chaplin Londres/Reino Unido (1889 – 1977) Corsier- sur-Vevey/Suiça Se amanhã sentires saudades Tua caminhada ainda não terminou A realidade te acolhe Dizendo que pela frente O horizonte da vida necessita De tuas palavras E do teu silêncio. Se amanhã sentires saudades Lembra-te da fantasia E sonha com tua próxima vitória Vitória que todas as armas do mundo Jamais conseguirão obter Porque é uma vitória que surge da paz E não do ressentimento. É certo que irás encontrar situações Tempestuosas novamente Mas haverá de ver sempre O lado bom da chuva que cai E não a faceta do raio que destrói. Tu és jovem Atender a quem te chama é belo Lutar por quem te rejeita É quase chegar a perfeição A juventude precisa de sonhos E se nutrir de lembranças Assim como o leito dos rios Precisa da água que rola E o coração necessita de afeto. Não faças do amanhã O sinônimo de nunca Nem o ontem te seja o mesmo Que nunca mais Teus passos ficaram Olhes para trás Mas vá em frente Pois há muitos que precisam Que chegues para poderem seguir-te. Ialmar Pio Schneider Porto Alegre/RS A minha infância tão pobre com tantas dificuldades, mas não deixou de ser nobre, pois dela sinto saudades.
  • 42. 42 Martha Medeiros Porto Alegre/RS Verdades Você pode ir embora e nunca mais ser a mesma Você pode voltar e nada ser como antes Você pode até ficar pra que nada mude Mas aí é você que não vai se conformar com isso Você pode sofrer por perder alguém Você pode até lembrar com carinho ou orgulho De algum momento importante na sua vida Formatura, casamento, aprovação no vestibular Ou a festa mais linda que já tenha ido Mas o que vai te fazer falta mesmo O que vai doer bem fundo É a saudade dos momentos simples Da sua mãe te chamando pra acordar Do seu pai te levando pela mão Dos desenhos animados com seu irmão Do caminho pra casa com os amigos e a diversão natural Do cheiro que você sentia naquele abraço Da hora certinha em que ele sempre aparecia pra te ver E como ele te olhava com aquela cara de coitado pra te derreter De qualquer forma, não esqueça das seguintes verdades Não faça nada que não te deixe em paz consigo mesmo Cuidado com o que anda desabafando Conte até três (tá certo, se precisar, conte mais) Antes só do que muito acompanhado Esperar não significa inércia, muito menos desinteresse Renunciar não quer dizer que não ame Abrir mão não quer dizer que não queira O tempo ensina, mas não cura. Adriana Falcão Rio de Janeiro/RJ Fugir da lembrança Saudade é quando o momento Tenta fugir da lembrança Para acontecer de novo e não consegue. Machado de Assis Rio de Janeiro/RJ, (1839 – 1908 Dever de amor Guarda estes versos que escrevi chorando Como um alívio a minha saudade Como um dever do meu amor E quando houver em ti um eco de saudade Beija estes versos que escrevi chorando. Josafá Sobreira da Silva Rio de Janeiro/RJ A saudade é uma corrente! Só agora percebi, livre de ti, finalmente, e, afinal, mais preso a ti!... Tati Bernardi São Paulo/SP Saudadezinha Eu tenho saudade de mil coisas E todas essas mil coisas sempre caem Na mesma única coisa de que eu tenho tanta saudade. Eu tenho saudade de tudo Não é um sentimento egoísta e muito menos possessivo É apenas uma saudadezinha Gostosa, tranquila, bonita, saudável, de longe. Joana D’Arc da Veiga Nova Friburgo/RJ De saudades revirado, ante as gavetas que tinhas, eu sinto não ter guardado tuas roupas junto as minhas.
  • 43. 43 Renato Russo Rio de Janeiro/RJ, 1960 – 1996 É saudade então, e mais uma vez De você fiz o desenho mais perfeito que se fez Os traços copiei do que não aconteceu As cores que escolhi Entre as tintas que inventei Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos De um dia sermos três... Trabalhei você em luz e sombras E era sempre não foi por mal Eu juro que nunca quis deixar você tão triste Sempre as mesmas desculpas, E desculpas nem sempre são sinceras, quase nunca são. Preparei a minha tela Com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar. A armação fiz com madeira das janelas do seu quarto Do portão da sua casa fiz palheta e cavalete E com as lágrimas que não ficaram com você destilei óleo de linhaça Da sua cama arranquei pedaços que entalhei estiletes de tamanhos diferentes E fiz, então, pincéis com seus cabelos Com o batom que roubei de você E com ele marquei dois pontos de fuga E rabisquei meu horizonte E era sempre não foi por mal Eu juro que não queria machucar você prometo que isso nunca vai acontecer mais uma vez E era sempre, sempre o mesmo novamente, a mesma traição Às vezes é difícil esquecer Sinto muito ela não mora mais aqui Mas então porque eu finjo Que acredito no que invento Nada disso aconteceu assim Não foi desse jeito. Ninguém sofreu, E é só você que provoca essa saudade parecia Tentando pintar essas dores com o nome de amor perfeito E não te esqueças de mim. João Batista Xavier Oliveira Bauru/SP O ponto de referência que nos uniu de verdade foi a esquina da paciência com as ruas da saudade! Patativa do Assaré Assaré/CE, 1909 – 2002 A Triste Partida Meu Deus, meu Deus Setembro passou Outubro e novembro Já tamo em dezembro Meu Deus, que é de nós (Meu Deus, meu Deus) Assim fala o pobre Do seco nordeste Com medo da peste Da fome feroz (Ai, ai, ai, ai) A treze do mês Ele fez experiênça Perdeu sua crença Nas pedra de sal Meu Deus, meu Deus Mas noutra esperança Com gosto se agarra Pensando na barra Do alegre natal (Ai, ai, ai, ai) Rompeu-se o natal Porém barra não veio O sol bem vermeio Nasceu muito além (Meu Deus, meu Deus) Na copa da mata Buzina a cigarra Ninguém vê a barra Pois barra não tem (Ai, ai, ai, ai)
  • 44. 44 Sem chuva na terra Descamba janeiro Depois fevereiro E o mesmo verão (Meu Deus, meu Deus) Entonce o nortista Pensando consigo Diz: "isso é castigo Não chove mais não" (Ai, ai, ai, ai) Apela pra março Que é o mês preferido Do santo querido Senhor São José (Meu Deus, meu Deus) Mas nada de chuva Tá tudo sem jeito Lhe foge do peito O resto da fé (Ai, ai, ai, ai) Agora pensando Ele segue outra tría Chamando a famía Começa a dizer (Meu Deus, meu Deus) Eu vendo meu burro Meu jegue e o cavalo Nós vamo à São Paulo Viver ou morrer (Ai, ai, ai, ai) Nóis vamo à São Paulo Que a coisa tá feia Por terras alheias Nois vamo vagar (Meu Deus, meu Deus) Se o nosso destino Não for tão mesquinho Daí pro mesmo cantinho Nois torna a voltar (Ai, ai, ai, ai) E vende seu burro Jumento e o cavalo Inté mesmo o galo Vendero também (Meu Deus, meu Deus) Pois logo aparece Feliz fazendeiro Por pouco dinheiro Lhe compra o que tem (Ai, ai, ai, ai) Em um caminhão Ele joga a famía Chegou o triste dia Já vai viajar (Meu Deus, meu Deus) A seca terríve Que tudo devora Ai, lhe bota pra fora Da terra natal (Ai, ai, ai, ai) O carro já corre No topo da serra Olhando pra terra Seu berço, seu lar (Meu Deus, meu Deus) Aquele nortista Partido de pena De longe da cena Adeus meu lugar (Ai, ai, ai, ai) No dia seguinte Já tudo enfadado E o carro embalado Veloz a correr (Meu Deus, meu Deus) Tão triste coitado Falando saudoso Um seu filho choroso Exclama a dizer: (Ai, ai, ai, ai) - De pena e saudade Papai sei que morro Meu pobre cachorro Quem dá de comer? (Meu Deus, meu Deus) Já outro pergunta: -Mãezinha, e meu gato? Com fome, sem trato Mimi vai morrer (Ai, ai, ai, ai)
  • 45. 45 E a linda pequena Tremendo de medo -"Mamãe, meus brinquedo Meu pé de fulô?" (Meu Deus, meu Deus) Meu pé de roseira Coitado ele seca E minha boneca Também lá ficou (Ai, ai, ai, ai) E assim vão deixando Com choro e gemido Do berço querido Céu lindo e azul (Meu Deus, meu Deus) O pai pesaroso Nos fio pensando E o carro rodando Na estrada do sul (Ai, ai, ai, ai) Chegaram em São Paulo Sem cobre quebrado E o pobre acanhado Percura um patrão (Meu Deus, meu Deus) Só vê cara estranha De estranha gente Tudo é diferente Do caro torrão (Ai, ai, ai, ai) Trabaia dois ano Três ano e mais ano E sempre nos plano De um dia voltar (Meu Deus, meu Deus) Mas nunca ele pode Só vive devendo E assim vai sofrendo É sofrer sem parar (Ai, ai, ai, ai) Se arguma notíça Das banda do norte Tem ele por sorte O gosto de ouvir (Meu Deus, meu Deus) Lhe bate no peito Saudade de móio E as água nos zóio Começa a cair (Ai, ai, ai, ai) Do mundo afastado Ali vive preso Sofrendo desprezo Devendo ao patrão (Meu Deus, meu Deus) O tempo rolando Vai dia e vem dia E aquela famía Não volta mais não (Ai, ai, ai, ai) Distante da terra Tão seca, mas boa Exposto à garoa A lama e o baú (Meu Deus, meu Deus) Faz pena o nortista Tão forte, tão bravo Viver como escravo No norte e no sul (Ai, ai, ai, ai) Fernando Pessoa Lisboa/Portugal, 1888 – 1935 Depois do dia vem noite, depois da noite vem dia, e depois de ter saudades vêm as saudades que havia. Martha Medeiros Porto Alegre/RS Não saber Saudade é não saber Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento Não saber como frear as lágrimas diante de uma música Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
  • 46. 46 Nilton Manoel Ribeirão Preto/SP Meu pai, exemplo perfeito de luta e vitalidade; ao partir, por ser direito, deixou sincera saudade. Cora Coralina À memória de meu filho Morto a 11 de dezembro de 1863 Eras na vida a pomba predileta Que sobre um mar de angústias conduzia O ramo da esperança. - Eras a estrela Que entre as névoas do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, - a inspiração, - a pátria, O porvir de teu pai! - Ah! no entanto, Pomba, - varou-te a flecha do destino! Astro, - engoliu-te o temporal do norte! Teto, caíste! - Crença, já não vives! Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, Legado acerbo da ventura extinta, Dúbios archotes que a tremer clareiam A lousa fria de um sonhar que é morto! Correi! Um dia vos verei mais belas Que os diamantes de Ofir e de Golgonda Fulgurar na coroa de martírios Que me circunda a fronte cismadora! São mortos para mim da noite os fachos, Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas, E à vossa luz caminharei nos ermos! Estrelas do sofrer, - gotas de mágoa, Brando orvalho do céu! - Sede benditas! Oh! filho de minh'alma! Última rosa Que neste solo ingrato vicejava! Minha esperança amargamente doce! Quando as garças vierem do ocidente Buscando um novo clima onde pousarem, Não mais te embalarei sobre os joelhos, Nem de teus olhos no cerúleo brilho Acharei um consolo a meus tormentos! Não mais invocarei a musa errante Nesses retiros onde cada folha Era um polido espelho de esmeralda Que refletia os fugitivos quadros Dos suspirados tempos que se foram! Não mais perdido em vaporosas cismas Escutarei ao pôr do sol, nas serras, Vibrar a trompa sonorosa e leda Do caçador que aos lares se recolhe! Não mais! A areia tem corrido, e o livro De minha infanda história está completo! Pouco tenho de ansiar! Um passo ainda E o fruto de meus dias, negro, podre, Do galho eivado rolará por terra! Ainda um treno, e o vendaval sem freio Ao soprar quebrará a última fibra Da lira infausta que nas mãos sustento! Tornei-me o eco das tristezas todas Que entre os homens achei! O lago escuro Onde ao clarão dos fogos da tormenta Miram-se as larvas fúnebres do estrago! Por toda a parte em que arrastei meu manto Deixei um traço fundo de agonias! ... Oh! quantas horas não gastei, sentado Sobre as costas bravias do Oceano, Esperando que a vida se esvaísse Como um floco de espuma, ou como o friso Que deixa n'água o lenho do barqueiro! Quantos momentos de loucura e febre Não consumi perdido nos desertos, Escutando os rumores das florestas, E procurando nessas vozes torvas Distinguir o meu cântico de morte! Quantas noites de angústias e delírios Não velei, entre as sombras espreitando A passagem veloz do gênio horrendo Que o mundo abate ao galopar infrene Do selvagem corcel? ... E tudo embalde! A vida parecia ardente e douda Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem, Tão puro ainda, ainda n'alvorada, Ave banhada em mares de esperança, Rosa em botão, crisálida entre luzes, Foste o escolhido na tremenda ceifa! Ah! quando a vez primeira em meus cabelos Senti bater teu hálito suave;
  • 47. 47 Quando em meus braços te cerrei, ouvindo Pulsar-te o coração divino ainda; Quando fitei teus olhos sossegados, Abismos de inocência e de candura, E baixo e a medo murmurei: meu filho! Meu filho! frase imensa, inexplicável, Grata como o chorar de Madalena Aos pés do Redentor ...ah! pelas fibras Senti rugir o vento incendiado Desse amor infinito que eterniza O consórcio dos orbes que se enredam Dos mistérios do ser na teia augusta! Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Que se expande em torrentes inefáveis Do seio imaculado de Maria! Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! E de meu erro a punição cruenta Na mesma glória que elevou-me aos astros, Chorando aos pés da cruz, hoje padeço! O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, A voz mentida de rafeiros bardos, Torpe alegria que circunda os berços Quando a opulência doura-lhes as bordas, Não te saudaram ao sorrir primeiro, Clícia mimosa rebentada à sombra! Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te, Tiveste mais que os príncipes da terra! Templos, altares de afeição sem termos! Mundos de sentimento e de magia! Cantos ditados pelo próprio Deus! Oh! quantos reis que a humanidade aviltam, E o gênio esmagam dos soberbos tronos, Trocariam a púrpura romana Por um verso, uma nota, um som apenas Dos fecundos poemas que inspiraste! Que belos sonhos! Que ilusões benditas! Do cantor infeliz lançaste à vida, Arco-íris de amor! Luz da aliança, Calma e fulgente em meio da tormenta! Do exílio escuro a cítara chorosa Surgiu de novo e às virações errantes Lançou dilúvios de harmonias! - O gozo Ao pranto sucedeu. As férreas horas Em desejos alados se mudaram. Noites fugiam, madrugadas vinham, Mas sepultado num prazer profundo Não te deixava o berço descuidoso, Nem de teu rosto meu olhar tirava, Nem de outros sonhos que dos teus vivia! Como eras lindo! Nas rosadas faces Tinhas ainda o tépido vestígio Dos beijos divinais, - nos olhos langues Brilhava o brando raio que acendera A bênção do Senhor quando o deixaste! Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos, Filhos do éter e da luz, voavam, Riam-se alegres, das caçoilas níveas Celeste aroma te vertendo ao corpo! E eu dizia comigo: - teu destino Será mais belo que o cantar das fadas Que dançam no arrebol, - mais triunfante Que o sol nascente derribando ao nada Muralhas de negrume! ... Irás tão alto Como o pássaro-rei do Novo Mundo! Ai! doudo sonho! ... Uma estação passou-se, E tantas glórias, tão risonhos planos Desfizeram-se em pó! O gênio escuro Abrasou com seu facho ensanguentado Meus soberbos castelos. A desgraça Sentou-se em meu solar, e a soberana Dos sinistros impérios de além-mundo Com seu dedo real selou-te a fronte! Inda te vejo pelas noites minhas, Em meus dias sem luz vejo-te ainda, Creio-te vivo, e morto te pranteio! ... Ouço o tanger monótono dos sinos, E cada vibração contar parece As ilusões que murcham-se contigo! Escuto em meio de confusas vozes, Cheias de frases pueris, estultas, O linho mortuário que retalham Para envolver teu corpo! Vejo esparsas Saudades e perpétuas, - sinto o aroma Do incenso das igrejas, - ouço os cantos Dos ministros de Deus que me repetem Que não és mais da terra!... E choro embalde. Mas não! Tu dormes no infinito seio Do Criador dos seres! Tu me falas