SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 16
A MULHER NO ESPORTE E NA EDUCAÇÃO FÍSICA
INTRODUÇÃO
       Apesar da mudança de relacionamento entre os sexos, causada por
mudanças na estrutura da sociedade e mesmo com as conquistas no campo dos
direitos das mulheres, elas são, em muitos aspectos, inclusive no esporte
consideradas o segundo sexo.
       Em nossa cultura, o conceito do corpo feminino ainda se parece com o do
patriarcado ;isto é a força associada aos homens e fragilidade e sensibilidade, às
mulheres. Os homens tem o corpo mais livre e sua sensibilidade retraída, pois,
quando exposta, ameaça sua virilidade. Já as mulheres não "podem" expor seus
corpos; ao contrário, terão sua imagem associada ao impuro, ao imoral. Sua
agressividade é reprimida, porque a mulher é considerada passiva e portanto
submissa.
       Com isso, a mulher permite que a sociedade lhe imponha uma série de
valores, como por exemplo a imagem de mulher vinculada ao lar, ao trabalho
doméstico e aos filhos. E quando trabalha fora enfrenta uma dupla jornada de
trabalho, além da má remuneração por ser considerada inferior. Já o homem desde
cedo é incentivado a sair de casa, buscar um trabalho, para mais tarde, ser o
responsável pelo capital da família. Para ele a casa é apenas um lugar de descanso.
       Estas diferenças estão acentuadas até mesmo nas aulas de educação Física,
onde meninos e meninas são separados por turmas, por força e por habilidade,
limitando o desenvolvimento motor dos mesmos.
       Assim, este estudo está voltado a uma análise da mulher, na sociedade e no
esporte e as consequência que a resistência e à discriminação tiveram na
construção da figura feminina na sociedade.

      1.1) A mulher na sociedade :

       As diferenças entre os seres humanos são tantas que até permitem
diferenças culturais. O ser humano tem um potencial tão grande para a diferença,
que ele nunca deveria ser mecanicamente trabalhado em termos machistas, racistas
ou etnocêntricos. Essas oposições mecânicas violentam , logo na primeira infância,
tanto mulheres quanto homens – elas, reprimidas em sua agressividade, eles,
bloqueados na sensibilidade e afetividade (WHITAKER ,1988).
       Ao longo da história as mulheres sempre estiveram presentes, mas excluídas
da história social (HOBSBAWN,1988).Elas são simplesmente incluídas na
generalidade, a quem no máximo poucas linhas são dedicadas. Se as mulheres
aparecem, e, frequentemente , como vítimas esquecidas, pela razão de sua
exclusão, salvo pouquíssimas exceções. Excluir as mulheres de sua própria história,
no entanto, é, em muitos aspectos, um instrumento de discriminação.
       Para SOARES (1998) a mulher é um sujeito social, historicamente
determinado, mas a partir de uma história oculta e perdida no emaranhado do poder
patriarcal*. E esse é um fato que precisa ser desvendado como uma alternativa que
lhe permita não só se apropriar dessa história, mas também para que possa se
converter em sujeito de sua realidade, em ser social transformador de si e de seu
grupo.
       O autor relata ainda que situada na posição de oprimida por falta de opções a
mulher permitiu que a sociedade lhe atribuísse uma série de culpas, e ela própria
gera em si esse sentimento, o que inviabiliza sua ascensão e permite que seu
destino seja acoplado ao do homem ao qual se liga, bem ao contrário desse,


                                                                                  2
preparado para a certeza de vislumbrar um caminho a seguir. Dessa maneira a
mulher acaba sempre por refletir a cultura que partilha.
        Vários autores constatam que desde as primeiras sociedades hominíades a
atuação do homem era no trabalho e da mulher em casa e esse modelo ainda
persiste em muitos locais na sociedade atual.
        Na Pré-história cabia à mulher cuidar dos filhos e do homem caçar; na
Antiguidade era o ser procriador, na Idade Média, mãe, mas ao mesmo tempo objeto
de pecado e luxúria. Com a chegada da Idade Moderna muitas coisas mudaram mas
a posição social da mulher praticamente não mudara .
        BRUNHS (1995) descreve a mulher está assim presa à família e a tudo que
ela simboliza em termos de valores : o mito da mulher-mãe e da esposa submissa,
voltada para o mundo interno da casa e cercada de uma série de qualificativos que
definem um padrão ideal de mulher.
        PFISTER (1997) relata que teorias Darwinistas foram associadas a idéias
eugênicas e influenciaram a idéia de diferença sexual, natural realçando a
importância da maternidade e melhoria da raça. O que só veio a realçar que as
diferenças entre os sexos, eram naturais biologicamente determinadas e
irrevogáveis, por um lado, e a necessidade da divisão específica de genêro no
trabalho, por outro. Estas idéias tiveram um impacto decisivo na determinação dos
papéis do homem e da mulher na sociedade.
        Segundo a autora (1997) a nova antropologia dos sexos aponta para
características pretensamente naturais e inatas que distinguem homens e mulheres
para sustentar suas características pretensamente naturais, elemento constituinte do
esclarecimento, difundiu a idéia de que o ser humano é um indivíduo livre e racional,
cuja liberdade deve ser regulada para o benefício da sociedade, ser o senhor de si
mesmo, entretanto era- no mais verdadeiro sentido da palavra- somente possível
para membros do sexo masculino, desde que a declaração universal pela liberdade
e igualdade foram associados com traços físicos do homem branco. Diferenças
baseadas em sexo ou raça, pele escura ou no corpo feminino foram associadas a
inferioridade.
        As personagens masculinas são ilustradas e descritas mais frequentemente
como ativas, agressivas e em contextos externos; as femininas tendem a ser
ilustradas e descritas em contextos mais protegidos e em atitudes mais passivas e
afetivas. Enquanto o homem aparece como um ser voltado para o mundo contando
com o espaço da atuação física, temporal, profissional e cultural amplo, a mulher
tem uma atuação mais restrita e voltada sobretudo para a família e a vida doméstica.
        * Para SOARES (1998) patriarcal é o que visualiza a mulher sempre pela ótica
da inferioridade e relega à posição de submissão. Categoria que ao longo dos
séculos vem sofrendo a opressão e dominação dos grupos de reinvindicatórias de
vários movimentos sociais que eclodem em nosso país e em todo mundo.
        Segundo WHITAKER (1998) a mulher sujeita à dominação masculina, torna-
se responsável pelo espaço doméstico da família e do lar, ou seja, o espaço privado.
Vista uma pessoa frágil e dócil, ela não esta preparada para enfrentar o mundo. Os
homens sim, fortes, inteligentes, e capazes podem e devem comandar os espaços
públicos, o mundo do trabalho, e tomar decisões dentro e fora de casa. Com isso
podemos dizer que o espaço do homem é a rua e da mulher a casa.
        A Igreja Católica também teve um papel fundamental na construção do corpo
feminino, levando- o a um conservadorismo e enfatizando o seu lugar como rainha
do lar (SOUZA, 1994).



                                                                                   3
No campo ou na cidade o ambiente comum era o lar; não participavam da
política, da economia e do mercado de trabalho. Mesmo assim algumas mulheres
cuidavam do ambiente familiar (filhos, maridos, atividades domésticas) e também
exerciam tarefas além das do lar, geralmente mulheres de camadas mais pobres
eram as que trabalhavam, e quando isso acontecia exerciam um papel econômico e
social não aceitos pela sociedade masculina e ignorado pelas outras mulheres das
classes economicamente mais elevadas.
        Com a era Pré- industrial, a população nas cidades começou a aumentar e o
homem não suportava mais sozinho os gastos familiares. Lentamente as mulheres
partiram para o mercado de trabalho, onde o sexismo era ainda mais evidente. A
remuneração feminina era bem inferior, as condições de trabalho eram piores e só
estavam presentes em setores de pouca resistência masculina (HOBSBAWN, 1988).
        Por isso as concepçõs de ordem social burguesa pregavam tanto a hierarquia
quanto a polaridade de sexos. Só assim a divisão de trabalho entre os sexos poderia
ser vista como uma classificação sensata e como solução "natural" (FREVERT,1986
citado por PFISTER, 1993) da força masculina versus a fragilidade feminina.
        Com o advento da industrialização, surgiu a classe das operárias. Mulheres
de classes sociais mais baixas que precisavam aumentar a renda familiar ,
contribuindo com peças e instrumentos para a casa , ou em tempos de recessão
ajudar a colocar comida na mesa, ou ainda aquelas que precisavam sustentar-se
como era o caso das viúvas, divorciadas e " solteironas". Mas a imagem da mulher
frágil e delicada sempre estava presente por isso eram indicadas para trabalhos de
menor esforço físico como a tecelagem.
        A natureza da participação da mulher está na imagem, em correspondência
com seu lugar real na cidade. Onde está o "povo" a mulher está energicamente
presente(...). Nas classes, em contra partida, ela tem mais dificuldades em encontrar
seu estatuto, pois as classes são estruturadas em torno dos elementos que não lhe
são familiares: a produção,o salário e a fábrica. Na cidade dos bairros, elas estão
extraordinariamente presentes (PERROT,1988).
        Segundo HOBSBAWN (1988) as causas da ascensão de uma economia de
serviços e de outras ocupações terciárias proporcionaram às mulheres uma
variedade de empregos femininos e enquanto isso consequentemente o aumento da
economia do consumo fazia delas um alvo de mercado, pelo óbvio motivo de que
era muito promissor ganhar dinheiro por intermédio de quem decidia a respeito da
maior parte das compras de uma casa. Era preciso trata-la com maior respeito, pelo
menos da parcela desse mecanismo da sociedade, pois começava a surgir o
consumo em grande quantidade.
        Após a revolução econômica, a situação das mulheres começou a se alterar,
pois havia uma necessidade de mudança, e aos poucos elas perceberam seus
poderes enquanto classe. Em meados do século XIX, na França, estas começaram
a administrar o salário de seus maridos operários juntamente com as economias
obtidas através de seus singelos trabalhos." Administrar a miséria, é antes de tudo
sacrificar-se. Apesar disso, é também a base do poder das donas de casa, o
fundamento de suas intervenções, muitas vezes estriptosas nas cidades (PERROT,
1988).
        As atividades desenvolvidas pelas mulheres das classes mais baixas
possuíam um caráter de "ajuda" na obtenção de recursos para a família.
Paralelamente, as mulheres de classe média no final do século XIX começaram a
dominar empregos em lojas e escritórios, e mais tarde o magistério. O aumento nas



                                                                                   4
instituições de ensino foi determinante para essa conquista, pois com o estudo elas
podiam ocupar cargos melhores e obter um salário melhor que das operárias.
        Foi na classe média onde houve uma mudança notável na posição e nas
aspirações das mulheres, sendo a expansão secundária para meninas o mais óbvio
sintoma desta mudança (HOBSBAWN , 1988 ).
        O ambiente feminino da classe média era outro, mas não a condição social
ocupada por ela. Nesta classe, as condições de chegar a pertencer a burguesia fez
com que ocorressem mudanças de cunho econômico e social (HOBSBAWN, 1988).
Essa busca de mudança a nível de condição econômica e social fez com que,
gradativamente, a condição social feminina também se alterasse.
        Com o aumento do número de pessoas alcançando o status de burguês,
houve um afrouxamento das estruturas familiares, entre elas a emancipação da
mulher que tomou cada vez mais lugares fora do interior de suas casas.
        A mulher começa a descobrir o espaço da rua e das praças, e é no âmbito
dos passatempos desportivos que ela vai fincar suas raízes para além dos
parapeitos das janelas. São nesses espaços que as damas vão-se expor-se de
forma mais completa. Antes, todo tempo circunscrita ao espaço de casa, sempre se
retirando quando da chegada de um estranho ou visita, só vivendo entre a
criadagem e o gato, ou o papagaio de estimação (LUCENA , sd ).
        A rua indica o mundo, seus imprevistos, acidentes e paixões, ao passo que a
casa representa um universo controlado onde as coisas estão nos seus devidos
lugares. Por outro lado, a rua implica movimento, novidade, ação, ao passo que a
casa subentende harmonia e calma, local de calor e afeto.
        Pouco a pouco as mulheres abandonaram os corpetes, os salopetes e
começaram a utilizar roupas que permitiam maior amplitudes de movimentos. Uma
maior liberdade de movimentos adquirida dentro da sociedade, tanto em seus
direitos como pessoas quanto em suas relações com os homens.

      1.2 ) O Esporte Moderno :

        Para entendermos a entrada da mulher no esporte, antes, é preciso
conhecermos em cima de quais pilares o esporte moderno foi construído.
        Mudanças na vida social. Formação da mais nova classe : a burguesia.
        O que inicialmente identificava o status burguês - o acúmulo de bens e de
riqueza – já não o era exclusivamente. Além do poder financeiro, a prática de uma
atividade que ocupasse o tempo de ócio dos senhores, como a nova invenção, o
esporte moderno, era um desses itens. Não necessariamente uma nova invenção,
mas uma transformação dos jogos em esporte moderno.
        O esporte (...) formalizado na Inglaterra (...) alastrou-se como um incêndio aos
demais países. Em seu início, sua forma moderna foi associado à classe média e
alta. Os jovens aristocratas poderiam experimentar (...) qualquer forma de proeza
física, mas o campo em que se especializavam era o dos exercícios ligados à
equitação e à matança ou pelo menos ao ataque aos animais e às pessoas (...) Na
Inglaterra, a palavra "esporte" era restrita a tais atividades, sendo os jogos e
competições físicas (hoje chamados esporte), classificados como "passatempo"
(HOBSBAWN, 1988).
        A Inglaterra foi pioneira na divulgação do esporte entre a população industrial
urbana. Mas isso se deu porque após a Revolução Industrial surgiu a classe
operária e com ela os sindicatos de trabalhadores que pouco a pouco conseguiam
vitórias importantes como a redução da jornada de trabalho. Assim, a classe


                                                                                      5
dirigente que estava sentindo-se ameaçada, viu a necessidade de organizar
atividades que "afastassem" a classe trabalhadora dos comícios socialistas e
reuniões sindicais e, simultaneamente, controlassem a agressividade dos homens
rudes" (SILVA citado por RABISTEK, 1997) .
        O esporte retorna às classes menos favorecidas depois da apropriação da
burguesia e a transformação dos jogos populares em esporte; sua difusão e o "real"
surgimento da classe média. A divulgação em todos os segmentos sociais e o início
da prática esportiva pelos menos favorecidos, tornou o esporte moderno um
distintivo para as diferentes classes.
        Havia nos esportes um fator de distinção social, como se o praticante dessa
ou daquela modalidade fosse identificado como sendo dessa ou daquela posição
social. De um lado representava a atividade de formar uma elite dominante e por
outro "uma tentativa mais espontânea de traçar linhas que isolassem as massas,
principalmente pela ênfase sistemática no amadorismo como critério do esporte de
classe média e alta" (HOBSBAWN, 1988).
        Enquanto o boxe, a luta livre, o futebol e o ciclismo caracterizavam-se como
esportes do proletário pois proporcionavam aos seus praticantes a capacidade de
dominar o próprio corpo; o tênis e o golfe eram praticados por pertencentes da elite.
        Isto posto, observa-se que o esporte moderno iniciado na Inglaterra e
apropiado pelo mundo, foi uma prática onde interesses políticos-econômicos-socias,
definiam e ajudavam a manter a estrutura social.

      1.3 ) A mulher no esporte e na Educação Física :

       Como pudemos constatar no primeiro capítulo, a mulher na sociedade, foi
grande a resistência à participação das mulheres na sociedade, a história delas no
esporte não é diferente, pois a cultura esportiva seguia os traços patriarcais da
cultura vigente na sociedade.
       Para (RODRIGUES, 1986 citada por SIMÕES e MOREIRA, sd) cada cultura
"modela" ou "fabrica" à sua maneira um corpo humano. Toda sociedade preocupa-
se em imprimir no corpo, fisicamente, determinadas transformações, mediante as
quais o cultural se inscreve e grava sobre o biológico, arranhando, rasgando,
perfurando, queimando a pele.
       A cultura tornou-se responsável por destacar ou não as diferenças entre os
sexos e também por promover um ou outro a superior.
       Sabe-se que preconceitos e estereótipos sexistas tem relação com papéis
sexuais existentes na sociedade e que esses papéis são reflexos das estruturas
sócio-políticas e econômicas vigentes (AZEVEDO, 1988) . Por outro lado, o autor faz
referência à estudos como Mead (1971) e Mota (1985) que ratificam a teoria de que
papéis sexuais são antes de tudo aquisições culturais e não unicamente resultante
de fatores orgânicos.
       Para AZEVEDO (1988) ainda constata-se que tendo como base concepções
sociais formulam-se restrições ou mesmo proibições à mulher na área desportiva,
tais como a que limita sua participação em determinadas modalidades desportivas.
       As mulheres tiveram que lutar muito para obter uma participação na
sociedade e no ambiente desportivo, mesmo que no começo como acompanhantes
de seus maridos. A participação custou a acontecer justamente por estarem ligados
a valores culturais muito fortes. Para FERREIRA (sd) as questões sócio culturais das
relações de gênero não podem ser quebradas repentinamente. O passado da
mulher, particularmente da brasileira, ligado ao patriarcado e ao machismo está


                                                                                   6
presente no esporte, cujas raízes por sua vez européias também foram marcadas
pela diferença de gênero e classe social.
       E muitas vezes, principalmente no início do esporte moderno, o esporte e a
cultura física só vieram acentuar essas diferenças sociais de gênero. Segundo
PFISTER (1997) é preciso enfatizar que a cultura física não desempenha um menor,
mais um maior papel na construção da hierarquia de gênero, cuja legitimação
preocupa-se nas diferenças entre os sexos e nos diferentes traços de personalidade
causados por elas.
       Nos séculos XVIII e XIX novas formas de cultura física forma desenvolvidas
em países da Europa. Na Alemanha, foi chamado de "Turner" (forma de ginástica
caracterizado por exercícios militares) ; na Inglaterra foi chamado de "esporte".
Essas novas formas foram relacionadas ao desenvolvimento social e à
modernização que invadiu a Europa – padrões racionais de pensamento, ascensão
da burguesia, o início da revolução industrial, etc.
       Turner e esporte foram criados pelo homem e para o homem e um de seus
propósitos foi a apresentação da elite e da masculinidade. Embora ambos os
conceitos preguem uma participação geral, nem as classes mais baixas nem as
mulheres foram incluídas.
       Para PFISTER (1997) no caso do "Turnen" o que estava acima de toda
importância da atividade era a defesa, vida pública e política, no caso do esporte,
foram os princípios de competição que fizeram a exclusão das mulheres tão óbvia.
       Os homens, principalmente os burgueses em busca de ocupação para
preencher seu tempo ocioso, dominavam os esportes não só em termos de
quantidade, eles também determinavam o que é esporte e o que não é, de que tipo
de esportes as mulheres devem participar e quais são os padrões válidos.
       Outro fator que afastou a mulher da prática esportiva é que as atividades em
questão estavam, e estão, de certa forma intensamente associadas a componentes
viris, vinculados a agressividade, competitividade e força física - atributos do
guerreiro, incompatíveis com o pudor, a fragilidade e a doçura – atributos da fêmea
que procria.
       " É certo que enquanto o esporte for considerado apenas como um
treinamento para melhorar o domínio do corpo tendo em vista o combate, ou como
uma forma sublime de competição, ou de julgamento de Deus (que vença o melhor),
observa-se que aí não há espaço para que a mulher participe." (CREFF e CONU,
1982 citado por ROSEMBERG, 1995)
       O esporte era e muito uma representação da sociedade patriarcal,
principalmente se analisarmos sob a ótica da violência. As raízes dos esportes de
confronto modernos podem ser determinadas diretamente a partir de variações
locais medievais e dos jogos populares modernos. Jogavam-se de acordo com as
regras transmitidas oralmente, pelo meio das ruas, cidades e através dos campos.
Não existiam agentes de controle "externos" como árbitros e juízes. Apesar das
diferenças que existiam entre eles, uma das características essenciais de tais jogos,
em relação aos desportos modernos consistia no elevado nível de violência
manifesta que implicavam. Como é evidente, jogos deste tipo correspondiam à
estrutura de uma sociedade em que os níveis de formação do Estado e do
desenvolvimento social eram de um modo geral, relativamente reduzidos, onde a
violência era uma característica mais regular e manifesta da vida quotidiana e o
equilíbrio de poder entre os sexos inclinava-se nitidamente a favor dos homens. Em
resumo, estes jogos populares expressavam uma forma extrema de regime
patriarcal (DUNNING, 1985) .


                                                                                   7
Uma das grandes preocupções que giravam em torno das mulheres
praticarem esportes, tanto dos homens como das próprias mulheres, inclusive de
Maria Lenk *, era de que o esporte e a Educação Física masculinizassem a mulher.
        Percebemos essa preocupação no trecho do livro de fisiologia esportiva de
PINI (1978) apud ROSEMBERG (1995) :
        " (...) queremos nos referir às consequências traumáticas e/ou estéticas que
se podem instalar, as quais são, até certo ponto, indesejáveis para o organismo da
mulher. Isto, no entanto, sem pretendermos chegar ao extremo de admitir a
esterilização e a virilização da mulher pelo esporte o que realmente não ocorre."
        Mas PINI justifica ainda em seu livro, dizendo que as mulheres podiam
participar das modalidades esportivas, no entanto não deveriam fazê-lo .
        Mesmo depois da inserção da mulher no esporte esses argumentos
continuam presentes.
        Para MYOTIN (1995) citado por ROSEMBERG (1995) a mentalidade
machista influenciava e influência na opção pela modalidade esportiva Em geral a
jovem mulher escolhe aqueles esportes que
        *Maria Lenk foi em, 1932, a primeira brasileira a participar dos Jogos
Olímpicos ( Los Angeles), competindo na natação.
        não a masculinize, como voleibol, ginástica, natação e aeróbica. O atletismo e
o basquete ainda são modalidades impregnadas de preconceitos.
        Mas apesar de todos esses preconceitos o mundo esportivo, inserido na
garra, na força, na disputa, na alta competitividade foi incorporado por bravas
mulheres guerreiras, lutadoras entre si nas quadras, pistas, piscinas, porém unidas
na luta maior, a dos obstáculos mais difíceis de serem transpostos-
        Segundo FERREIRA (sd) o futuro da mulher no esporte dependia da
sociedade, mas principalmente dela própria.
        Este processo de desenvolvimento de "independência" feminina no esporte,
talvez esteja associada a idéia de que as mulheres, começam a apresentar mais
ações unificadas do que no passado. Este fato segundo DUNNING (1985) é um
ponto que permite o equilíbrio de poder entre os sexos, ganha consistência na
medida em que se valoriza cada vez mais, a própria pessoa. Nas sociedades
antigas, as ações em grupo predominavam sobre as ações individuais, e os homens
apresentavam um poder maior de se organizar unidos muito maior que as mulheres.
        De acordo com PFISTER (1997) as mulheres reagem de diversas formas à
dominação masculina no esporte, podendo abster-se completamente do esporte, por
oposição ou condescendência; aceitando a situação das mulheres no esporte; lutar
pela completa integração no esporte; ou finalmente procurar por uma cultura física
alternativa.
        Segundo a autora ainda, por trás dessas estratégias, repousam noções
teóricas comuns da "natureza" dos dois sexos, que são situadas em algum ponto
entre os pólos da igualdade e diferença. Aqueles que estão convencidos de que
ambos os sexos – independente de mínimas diferenças físicas – são os mesmos, à
princípio tentarão provar isso através da melhora de performance, lutando contra a
discriminação e adquirindo os mesmos privilégios que os homens. Aqueles, por
outro lado, que acreditam que os dois sexos são diferentes aceitarão o status quo ou
procurarão alternativas fora do sistema de esporte tradicional e estrutura de valores.
        No século XIX, devido ao que diz respeito à "saúde pública" (incluindo
também o controle da sexualidade feminina e interesses financeiros), doutores e
educadores começaram a defender exercícios corporais para meninas e mulheres. A
participação das mulheres no "Turnen" e no esporte teve, a partir de então, efeitos a


                                                                                    8
longo prazo: primeiramente, levantou forte oposição; em segundo lugar, teve grande
influência na discussão sobre gênero; e em terceiro lugar, modificou concepções,
definições e associações a feminilidade sem remeter-se, entretanto, às
interpretações biológicas. Na prática, certas propriedades, mas ainda no campo da
higiene e estética, foram delegadas às mulheres, ou identificadas como "coisas de
mulher". Não só a ginástica, mas, acima de tudo, o ensino do "Turnen" para as
meninas, assim como o treinamento de professoras, foram destinadas às mulheres.
        Saúde e beleza são identificadas não mais como um dom divino mas como
conquista individual – um capital, um investimento, uma mercadoria, cujos produtos
vão crescer e multiplicar. Cresce o consumo, cresce a produção, cresce a carência
de mão-de-obra, cresce o trabalho feminino, cresce a educação do gesto, cresce a
necessidade do lazer e do equilíbrio da energia física, crescem as opções corporais
e esportivas, torna-se mais visível o corpo da mulher.
        Num ambiente de crescentes mudanças e de modernização a prática
esportiva, o cuidado com a aparência, a mudança de atitude, o desnudamento do
corpo, o uso de artifícios estéticos ainda eram identificados como de natureza
vulgar, se bem que em menor intensidade, não só por moralistas, médicos, juízes e
religiosos mas por grande parte das próprias mulheres, inclusive por muitas
feministas, que como os outros são portadores de uma rígida moral cujos preceitos
denunciam, nessa atitude modernizadora um ato de desonra (GOELLNER, sd).
        HOBSBAWN (1988) apresenta três sintomas da mudança de posição e das
aspirações das mulheres no final do século XIX. O mais notável foi a "expansão da
educação secundária para meninas", o segundo foi "a maior liberdade de
movimentos adquiridos por elas dentro da sociedade, tanto em seu próprio direito
como pessoas quanto nas relações como os homens"; e o terceiro, a "atenção
pública, acentuadamente maior, concedida às mulheres, como um grupo que
possuía interesse e aspirações especiais como pessoas."
        Sem dúvida, a escola teve um papel fundamental ao acesso a Educação
Física para a mulher. Existia no entanto, a tendência em atribuir à mulher uma
característica peculiar, no sentido de preservá-la de determinados maléficos que o
esporte pudesse causar a sua saúde e maternidade (CASTELLANI, 1982 citado por
FERREIRA, sd).
        No final do século XIX, as garotas no sistema inglês de educação tinham
acesso á educação secundária e superior. Apesar de uma certa oposição, muitos
fatores de educação dos rapazes foram adotados, particularmente, normas e
conteúdos, enquanto ideais vitorianos de feminilidade permaneciam. Até a metade
do século XIX, somente exercícios mínimos, geralmente os calistênicos, eram
ministrados nas escolas secundárias femininas. Perto do fim do século, contra uma
série de mudanças de papéis das mulheres, um rico debate sobre eugênia,
constatou-se a necessidade de organizar e regulamentar a Educação Física para
meninas (PFISTER, 1997).
        E em, 1881, Martina Bergman, especialista em ginástica sueca, foi apontada
como "superintendente de Educação Física", em escolas de crianças e meninas. Em
1885, ela fundou uma faculdade para formar professoras de Educação Física que
serviu de modelo para outras faculdades.
        O treinamento de professoras de Educação Física foi baseado no sistema
desenvolvido pelo sueco Per Henriq Ling. Esse sistema, criado por homens e
mulheres, consistia em exercícios simples, com ou sem aparelhos, dando a todo o
corpo um programa de treinamento completo com base em conceitos anatômicos e



                                                                                 9
fisiológicos. Seus princípios eram estéticos e harmoniosos, assim como a beleza e a
saúde.
        Mas esta forma de exercício era não só compatível com a feminilidade mas
também bem simples de se ensinar. A ginástica nas faculdades e escolas
secundárias femininas era suplementada por jogos tais como hockey, bola de rede e
tênis, tudo pensado em função de valores educacionais (PFISTER, 1997). Contudo,
os jogos de equipes encontraram grande oposição, pois eram considerados por
muitos ofensivos às regras de decência, por impôr danos aos corpos e às
personalidades das garotas, até tornando-as mais masculinas.
        O mais importante interesse da ginástica sueca e da Educação Física como
um todo, era a saúde das mulheres, que em seus papéis de mães deveriam garantia
que a nação florescesse.
        É preciso apontar, segundo PFISTER (1997), que as pioneiras na Educação
Física feminina poderiam prosseguir com seu trabalho tranquilamente e sem chamar
a atenção porque elas nunca entraram no caminho dos homens. Elas reivindicavam
direitos iguais, mas, por outro lado, não tinham a intenção de mudar radicalmente a
ordem social ou a hierarquia de gênero.
        Fato que devemos considerar também nessa história foi a dupla resistência
que as mulheres de classe inferiores enfrentaram nesse processo , pois não tinham
acesso à educação.
        Gradualmente, a necessidade da Educação Física para garotas foi
reconhecida e, a partir de então, as professoras de Educação Física em faculdades
femininas ganharam mais e mais influência, em alguns países com maior facilidade,
como nos Estados Unidos e em outros com maior dificuldade como aconteceu na
Alemanha (PFISTER, 1997).
        A autora acima citada faz menção em outra oportunidade que em 1930,
Doroty Ainsworth estabeleceu os princípios da Educação feminina em faculdades
femininas. Seus objetivos eram melhorar a condição física e a saúde das
estudantes, tomar conhecimento de suas reais necessidades visando a diferentes
motivos, habilidades e aptidões, que elas trazem consigo, e motivá-las a praticar
esporte após o horário de aulas. Não era uma questão de oferecer o esporte a um
pequeno número de atletas talentosas e demonstrar a eficiência da faculdade, mas
sim de alcançar o máximo de meninas possível e integrá-las no esporte.
        Como uma aletrnativa aos esportes de competição as faculdades organizaram
"dias de jogos", quando a brincadeira e a recreação, cooperação e companhia
tomaram lugar da competição e quebra de recordes (PFISTER, 1997).
        A ideologia e prática da segregação dos sexos no esporte perdeu muito de
seu significado durante a segunda onda do movimento de direitos das mulheres, nos
anos 60 e 70. Em universidades e faculdades, o então chamado Título IX trouxe a
igualdade (no papel pelo menos) entre atletas masculinos e femininos, embora essa
igualdade não tenha contemplado as necessidades femininas.
        As educadoras perceberam porém, que os sexos eram diferentes e que por
isso seria necessário ter suas prioridades separadas e uma forma diferente de
educação. Elas acreditavam na existência de qualidades específicas que segundo
Ainsworth, deveriam ser refletidas nos esportes femininos. Essa visão ocasionou
diversas divergências entre as próprias instituições femininas como nos Estados
Unidos. As visões e atividades das organizações esportivas femininas neste país,
incluindo a Divisão de Mulheres da Federação Atlética Amadora, estavam totalmente
em desacordo com as iniciativas de outras organizações esportivas femininas, como
por exemplo a FSFI ( Federação Internacional Esportiva Feminina). Enquanto o lema


                                                                                10
das mulheres americanas era "jogue por jogar", a FSFI entrou na luta para a
admissão de mulheres nos Jogos Olímpicos.
        A luta por essa admissão. no entanto, não foi fácil, principalmente pela
intolerância do próprio Barão de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos.
ROSEMBERG (1995) cita o relato feito por Coubertin em ESTEVES citado por
PEREIRA, 1984 :
        " O Barão (Coubertin) argumentava com o axioma de Proust, declarando : ou
se fecham, ou se abrem todas as portas. E como o acesso a todas as portas não era
permitido às mulheres, por que permitir-lhes a entrada nalgumas, proibindo-as Às
restantes ?..."
        Ele nem se quer permitia a realização de uma Olimpíada Feminina, que
segundo ele seria algo impraticável, desinteressante, inestético e incorreto.
        Na primeira Olimpíada da era moderna, 1896, não houve a presença de
mulheres. Coubertin buscou reviver as Olimpíadas Gregas, onde o papel feminino
era apenas o de coroar vencedores. Era também um nobre por isso fazia lembrar
sempre quais os interesses políticos e sócio-econômicos circundavam os esportes; a
manutenção da estrutura social vigente; o poder da elite; e o fato do esporte ser um
distintivo social – esporte profissional versus esporte amador, podendo estes serem
itens explicativos para ausência feminina nos Jogos.
        Nas Olimpíadas de Paris, em 1900, ocorreu a primeira participação feminina.
Um número pequeno de dezesseis mulheres disputaram duas provas: o tênis e o
golfe (LANCELLOTI,1996). Percebe-se que mesmo com esse salto, a participação
de mulheres nos Jogos, a estrutura de classes que envolvia o esporte não se alterou
, pois provavelmente as atletas que participaram de tal competição eram filhas de
burgueses, já que golfe e tênis eram atividades exclusiva da classe dominante.
        Pouco a pouco, elas participavam cada vez mais em disputas esportivas e,
consequentemente nos Jogos Olímpicos, conseguindo inserções nas federações
esportivas envoltas num processo de expansão, aglomerando, defendendo e
representando atletas em competições, popularizando assim o esporte entre elas.
        Em Paris, 1924, foram 126 representantes femininas. Esta edição foi marcada
por uma melhora significante na organização e nas estruturas físicas, além da
formulação do regulamento da competição. Apesar de deixar bem claro o
amadorismo e outras tantas restrições o Cômite Olímpico, ainda presidido por
Couubertin, cedeu à insistência das mulheres e consolidou a sua participação,
contudo delimitando as fronteiras de suas disputas (LANCELLOTI, 1996). Neste
contexto ficaram claras as limitações impostas para as mulheres, mas essa porta
que se abriu serviu acima de tudo para fortalece-las na busca incansável por
reconhecimento.
        Foi em Los Angeles, 1932, que aconteceu a primeira participação da mulher
brasileira nos Jogos. Foi com Maria Lenk, competidora da natação no estilo peito.
Apesar da nadadora não ter trazido nenhuma medalha para nosso país, sua
participação acendeu uma nova expectativa para a Educação Física brasileira , que
estava voltada ainda ao sistema de preparação da maternidade futura .
        A trajetória de Maria Lenk vem ao encontro da história do esporte mundial.
Numa entrevista a Lino Castellani Filho, ela relata como começou seu interesse pelo
esporte :
        " Meu pai, alemão naturalizado brasileiro, me levou a ginástica para ver se ela
me ajudava a superar meu frágil estado físico, pois eu havia passado por várias
doenças infantis, sendo que uma delas, a tosse comprida, aliada à uma pneumonia
dupla deixou-me bastante enfraquecida (...) Me levou então, para uma associação


                                                                                    11
alemã de ginástica, onde se cultivava até mesmo a ginástica olímpica, na intenção
de me proporcionar ginástica além daquela escolar. Mas eu não tinha muita simpatia
pela ginástica (...) Então ele procurou outro meio e me levou para uma associação
de natação também alemã. Natação no rio Tiête, porque não haviam piscinas. Aí
dentro de pouco tempo aprendi a nadar, quase por mim mesma, isso porque o
professor dava umas aulinhas, me pendurava numa espécie de anzol e cantava os
comandos para eu fazer. Mas, na realidade eu aprendi depois, brincando dentro
d´água depois das aulas. Num instante apareceram as competições, infantis, mas
que eles chamavam de competições de provas femininas. Aí começou a minha
participação em competições. Fui evoluindo, participei do Campeonato interestadual
– São Paulo e Rio de Janeiro – ganhando a prova e garantindo minha escalação na
equipe que foi aos Jogos Olímpicos em Los Angeles, onde fui a única e primeira
mulher sulamericana a participar (...) " (CASTELLANI, 1988).
       A prática esportiva brasileira estava ainda muito restrita e quanto a prática de
atividades físicas pelas mulheres, defendia-se atividades harmoniosas, os esportes
"menos violentos e compatíveis com a delicadeza do organismo das mães"
(AZEVEDO citado por CASTELLANI, 1988).
       No Brasil, a exemplo de outros países, a Educação Física esteve diretamente
associada à vida militar, principalmente reduto de recursos humanos até a criação
das escolas de Educação Física. Espaço também velado ás mulheres até há pouco
tempo.
       A chegada dos esportes e da Educação Física no Brasil, segundo a literatura
datam do final do Estado Novo. Esse momento da história do Brasil para
CANTARINO FILHO citado por ROSEMBERG (1995). O Estado Novo cristaliza, pelo
cultivo do corpo masculino guerreiro e do feminino materno, a tendência eugênica. A
Educação Física e o esporte neste contexto constituem o instrumento para a
melhoria da raça brasileira.
       Durante um bom tempo no Império, a Educação Física era vedada às
meninas. PEREIRA (1984) citado por ROSEMBERG (1995) assinala que a Lei nº
630, de 1851, que inclui a ginástica no currículo escolar, não faz referência á
discriminação de sexo. Mesmo que essa menção não exista na lei, e que poucas
meninas tivessem acesso ao ensino, a diversidade de discursos e práticas nas
províncias parece indicar a persistência de oposição à ginástica feminina. Por
exemplo, o regulamento expedido pelo presidente da província do Amazonas, em
1852 (ROSEMBERG, 1995).
       [para os meninos] a instrução compreenderá a Educação Física, moral e
intelectual (...); e para o sexo feminino a mesma instrução intelectual, mas
modificada, e as prendas próprias do sexo (...) As meninas não farão exercícios
ginásticos.
       O relatório de um diretor de instrução pública do Rio de Janeiro, citado por
ROSEMBERG (1995) também comprova a oposição :
       "Repugnância com que foi recebida pela opinião pública a aula de ginástica,
principalmente o que se refere ao curso de alunas (...) Foi preciso suspender a
execução e ainda assim houveram pais que proibiram às suas filhas o exercícios
ginásticos (...) Chegou a tal ponto a oposição que algumas alunas, aliás, com boa
frequência nas aulas, deixaram ir por acinte à ginástica, ficando todavia no edifício
da escola ."
       Segundo a autora citada a grande proposta formalizada da Educação Física
no geral, e específica para as mulheres, está contida no parecer de Rui Barbosa ao
projeto de 1882. O parecer recomenda a "instituição de uma seção especial de


                                                                                    12
ginástica em cada escola primária de todos os graus, tendo em vista, em relação à
mulher, a harmonia das formas femininas e as exigências da maternidade futura".
        A Reforma Fernando Azevedo (1928), que reorganizou os ensinos primário,
normal e profissional no Distrito Federal, especifica que a Educação Física "aplicada
à mulher, seria conformada a seu sexo e às suas condições peculiares" (MARINHO
s/d citado por ROSEMBERG, 1995).
        "Concordam [educadores] que para a regeneração do povo é preciso restituir
à mulher a saúde, fortemente comprometida, a estabilidade e o equilíbrio (...). A
Educação Física da mulher deve ser, portanto, integral higiênica e plástica e
abrangendo com os trabalhos manuais, os jogos infantis, a ginástica educativa e os
esportes, cingir-se exclusivamente aos jogos e esportes menos violentos e de todo
compatíveis com a delicadeza do organismo das mães" (AZEVEDO citado por
CASTELLANI FILHO, 1982).
        É preciso segundo ROSEMBERG (1995), destacar a diferença que se
percebera na mentalidade da época entre o significado de mulheres "executarem
exercícios gímnicos" e praticarem esportes. Para AZEVEDO citado por PEREIRA
(1984) a atividade física é necessária para a mulher-mãe e dona de casa. "No
esporte, como um campo de predominância masculina com objetivos de vitória,
rendimento e sucesso social é que as dificuldades aparecem"
        Durante a década de 1920 é que se encontra as primeiras referências à
exibições esportivas públicas das mulheres no Brasil * e a partir da década de 30
elas tornaram-se menos raras. Sendo a natação o primeiro esporte à ser exibido por
mulheres em lugares públicos.
        Foi na gestão de Gustavo Capanema (1931 a 1944) que o então Ministério da
Educação e Saúde definiu o programa de Educação Física para o ensino
secundário, estipulando a periodicidade de aulas para rapazes de três vezes
semanais e para as meninas duas vezes. Provas e exercícios eram adaptados aos
sexos.
        O Estado Novo foi responsável por mediadas normatizadoras da prática
esportiva feminina. Data de 1941, o decreto Lei 3199 que proíbe as mulheres à
pratica de lutas de qualquer natureza, futebol de salão, futebol de praia, pólo
aquático, rugby, halterofilismo e beisebol.
        CARVALHO (1978) descreve o depoimento de Maria Lenk e Iris de Carvalho
à respeito:
        (...) é nobre que os legisladores e os dirigentes preocupem-se com a mulher e
queiram protegê-la. Tais cuidados não deixam de ser uma discriminação contra o
homem, que fica entregue a própria sorte. Certos esportes por eles livremente
praticados podem ocasionar-lhes lesões irreversíveis. No entanto... não seria mais
certo conferir a mulher o direito de escolher, por livre manifestação de vontade ?
        * Violeta Coelho Neto, no tanque natatório do Urca, Anésia Coelho e Alice
Passalo na travessia da Bahia de Guanabara.
        Maria Lenk destaca também a proibição da prática do futebol:
        "Acentuo bem o futebol, porque atribuo a essa restrição, a essa proibição a
quase impossibilidade do desenvolvimento do esporte feminino no Brasil (...) O
futebol é o nosso esporte nacional, e através do esporte se revelam, se projetam os
campeões, os ídolos do povo que merecem imitação. Então veêm-se terrenos
baldios e qualquer local que se preste, transformados, espontaneamente, num
campo ou numa quadra, no caso se não tiver gramado, e é ocupado por quem ?
Garotos, meninos.



                                                                                  13
Medidas restritivas quanto a prática de Educação Física pelas mulheres ainda
vieram à luz em 1977 : a Lei 6503 de 13/12/1977 dispõe que é facultativo a prática
de Educação Física em todos os graus e ramos de ensino à aluna que tenha prole, o
que entre outros fatores trouxe consequências, como o retardamento para a
explosão das mulheres no esporte.
        As pesquisas realizadas na década de 1980 sobre a participação das
mulheres em atividades esportivas encaminham-se para conclusões semelhantes
àquelas contidas em diagnóstico publicado pelo MEC em 1971 :
        " a participação das mulheres é ainda inexpressiva e o baixo índice de
adolescentes federados (...) permite comprovar dificuldades quanto à renovação [ de
atletas) principalmente nas modalidades mais sofisticadas" (CNRH, MEC apud
ROSEMBERG, 1995).
        Enfim, as tentativas de organização esportiva no Brasil, têm sido inúmeras. A
situação da mulher tem modificado e o número crescente de atletas tem aumentado
significativamente, mas mesmo assim continuam em menor número.
        Os órgãos públicos e privados no Brasil têm incentivado o esporte feminino,
embora ainda haja preconceitos, tabus e discriminação. Algumas modalidades são
mais aceitas do que outras por serem consideradas "femininas".
        A história da mulher no Brasil e no mundo, na sociedade e no esporte, evoluiu
muito nesses últimos anos, mas vemos em muitas situações ainda, resquícios de
valores patriarcais que estão impregnados em nossa cultura. Temos esperança que
esse quadro mude e que todas as mulheres recebam não só um reconhecimento,
mas um reconhecimento à altura de seus esforços.

      CONCLUSÃO
        De acordo com o referencial bibliográfico utilizado conclui-se que a diferença
entre os sexos, que se perpetuam até hoje, tiveram suas raízes à partir de valores
sócio-culturais enraízados em nossa mentalidade desde o princípio da convivência
humana.
        A humanidade desde então, em vez de buscar as igualdades existentes entre
os indivíduos, para monopolizar o poder, criou moldes e estigmas para enfatizar as
desigualdades.
        A nossa área, de Educação Física, não fugiu desse padrão. O esporte à
princípio foi criado pelo e para o homem – forte e viril – onde a mulher – frágil e
sensível não tinha espaço.
        Mas a mulher após longos anos de total submissão, começa a reagir,
ganhando seu espaço à curtos passos na sociedade. Uma maior liberdade de
movimentos as incentivou a tomar o lugar nas ruas e praças, a conquistar empregos
e por que não a educação também. E foi neste último item que se iniciou a jornada
feminina na história do Esporte e da Educação Física.
        Não podemos deixar de mencionar a força e a coragem dessas meninas e
mulheres que enfrentaram não somente uma sociedade, e sim uma herança
patriacal por seus sonhos e direitos.
        Com certeza essa conquista, propiciou e propicia para nós mulheres novas
oportunidades e uma vivência mais justa, visto que as diferenças não estão fora, no
físico, das pessoas e sim dentro, no seu caráter, competência, sonhos e anseios.
        Infelizmente, a história delas no esporte e na Educação Física não tem
tomado o rumo que gostaríamos. Em meio à grandes vitórias e resultados de várias
mulheres pelo mundo, resquícios de machismo ainda perseveram. Enquanto


                                                                                   14
assiste-se o futebol dos homens pelo seu nível técnico, as mulheres são assistidas
por suas belas pernas. Enquanto em certos sportes o homem é exaltado por sua
força e determinação, a mulher é humilhada, colocando-se a prova sua própria
feminilidade.
       Até quando essa sociedade dará mais ênfase à exclusão em vez de
respeitarmos e construírmos nas diferenças ?




                                                                               15
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :
AZEVEDO, Tania M. Cordeiro de " A mulher na Educação Física : Preconceitos e
estereótipos ". Dissertação de Mestrado, Niterói 1988.
BRUNHS, Heloísa Turine. "Corpos femininos na relação com a cultura." IN :
ROMERO, Elaine. Corpo, mulher e sociedade . Campinas, SP. Papirus, 1995 (
Coleção Corpo e Motricidade )
CASTELLANI, Filho Lino . * "Ensaio sobre a mulher brasileira, face a legislação
da Educação Física e desporto." IN: Desporto e lazer nº 8 São Luiz, 1982
* "Educação Física no Brasil : a história que não se conta ." Campinas, SP.
Papirus, 1988
CEBULSKI, Janine Valéria . "A mulher, o esporte e as olimpíadas." Monografia de
conclusão de curso, Departamento de Educação Física, UFPR , 1996
DUNNING, E." O desporto como uma área masculina reservada: notas sobre
fundamentos sociais da identidade masculina e as suas transformações." IN :
ELIAS, N . A busca da exitação. Difusão Editorial Ltda, Lisboa, 1985.
FERREIRA, Maria Beatriz Rocha. "A mulher e esporte no Brasil : uma
abordagem histórica- antropológica." V Congresso de História do Esporte, lazer e
Educação Física. Coletânea, 1997
GOELLNER, Silvana Vilodra." As mulheres e as práticas corporais e esportivas
no início deste século: beleza, saúde e feminilidade" . VI Congresso Brasileiro de
História, lazer e Educação Física, 1998
HOBSBAWN, E ." Quem é quem ou as incertezas da burguesia" . A era dos
impérios 1875-1914 . Rio de Janeiro – RJ. Paz e Terra, 1988
LUCENA, Ricardo . O Esporte na cidade .
MACÁRIO, Rejane Cristina." A visão do corpo e as relações de gênero como
formadores de estereótipos socialmente construídos ". Monografia de conclusão
de curso, Departamento de Educação Física, UFPR. 2000
PEREIRA, L E . "Mulher e esporte: um estudo sobre a influência dos agentes de
socialização." Dissertação de Mestrado- USP. São Paulo, SP. 1984
PFISTER, G. "A história delas no esporte: rumo a uma perspectiva feminina ?"
IN: ROMERO, Elaine (org), 1997
PERROT, M." Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros." Rio
de Janeiro, RJ . Paz e Terra, 1988
RABISTEK, Eliane. "A mulher e sua participação esportiva." Monografia de
conclusão de curso. Departamento de Educação Física , UFPR. 1997
ROSEMBERG,F . "A Educação Física, os esportes e as mulheres: balanço da
bibliografia brasileira." IN: Corpo, mulher e sociedade . ROMERO,Elaine 1995
SIMÕES, Regina e MOREIRA, Wagner Wey. " Evas ou Marias : o corpo da
mulher na antiguidade e idade média. " V Congresso de História, lazer e
Educação Física. Coletânea, 1997
SOARES, Guiomar Freitas." Reflexões sobre a situação da mulher". Rio Grande .
Momento v1 1998
SOUZA, E. S. " Meninos à marcha! Meninas à sombra! A história do ensino da
Educação Física em Belo Horizonte. " Tese de doutorado, UNICAMP, SP. 1994
WHITAKER, Dulce. " Mulher & Homem: o mito da desigualdade." 7ª edição.
Moderna , São Paulo, SP , 1988




                                                                               16

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Cdg humanas unit
Cdg humanas unitCdg humanas unit
Cdg humanas unitpesquisasqv
 
Mulheres no mundo muçulmano
Mulheres no mundo muçulmanoMulheres no mundo muçulmano
Mulheres no mundo muçulmanoKevinkr9
 
Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...
Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...
Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...UNEB
 
A longa caminhada da mulher no brasil
A longa caminhada da mulher no brasilA longa caminhada da mulher no brasil
A longa caminhada da mulher no brasiladmilsonlima
 
Louro, guacira lopes. gênero e sexualidade pedagogias contemporâneas
Louro, guacira lopes. gênero e sexualidade   pedagogias contemporâneasLouro, guacira lopes. gênero e sexualidade   pedagogias contemporâneas
Louro, guacira lopes. gênero e sexualidade pedagogias contemporâneasBruno Martins Soares
 
Personalidade feminina na sociedade
Personalidade feminina na sociedadePersonalidade feminina na sociedade
Personalidade feminina na sociedadeanncaty
 
Louro, guacira lopes. o corpo educado
Louro, guacira lopes. o corpo educadoLouro, guacira lopes. o corpo educado
Louro, guacira lopes. o corpo educadonatielemesquita
 
Ética, Política e Mulher
Ética, Política e MulherÉtica, Política e Mulher
Ética, Política e MulherGleisi Hoffmann
 
Artigo ciêntifico de direitos humanos
Artigo ciêntifico de direitos humanosArtigo ciêntifico de direitos humanos
Artigo ciêntifico de direitos humanoscobrahara
 
Cidadania feminina e empoderamento
Cidadania feminina e empoderamentoCidadania feminina e empoderamento
Cidadania feminina e empoderamentoMaira Conde
 
Preconceito contra a Mulher
Preconceito contra a MulherPreconceito contra a Mulher
Preconceito contra a Mulhercarolpixel
 
“Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç...
 “Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç... “Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç...
“Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç...Emerson Mathias
 

Was ist angesagt? (20)

Cdg humanas unit
Cdg humanas unitCdg humanas unit
Cdg humanas unit
 
A mulher na história
A mulher na históriaA mulher na história
A mulher na história
 
Mulheres no mundo muçulmano
Mulheres no mundo muçulmanoMulheres no mundo muçulmano
Mulheres no mundo muçulmano
 
Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...
Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...
Ser mulher no sertão os diversos esterioótipos e preconceitos que estigmatiza...
 
Direitos das mulheres
Direitos das mulheresDireitos das mulheres
Direitos das mulheres
 
Saude da mulher negra na escola
Saude da mulher negra na escolaSaude da mulher negra na escola
Saude da mulher negra na escola
 
A longa caminhada da mulher no brasil
A longa caminhada da mulher no brasilA longa caminhada da mulher no brasil
A longa caminhada da mulher no brasil
 
Parentalidade3
Parentalidade3Parentalidade3
Parentalidade3
 
Louro, guacira lopes. gênero e sexualidade pedagogias contemporâneas
Louro, guacira lopes. gênero e sexualidade   pedagogias contemporâneasLouro, guacira lopes. gênero e sexualidade   pedagogias contemporâneas
Louro, guacira lopes. gênero e sexualidade pedagogias contemporâneas
 
Personalidade feminina na sociedade
Personalidade feminina na sociedadePersonalidade feminina na sociedade
Personalidade feminina na sociedade
 
Louro, guacira lopes. o corpo educado
Louro, guacira lopes. o corpo educadoLouro, guacira lopes. o corpo educado
Louro, guacira lopes. o corpo educado
 
Hipotese trabalho 1
Hipotese trabalho 1Hipotese trabalho 1
Hipotese trabalho 1
 
Ética, Política e Mulher
Ética, Política e MulherÉtica, Política e Mulher
Ética, Política e Mulher
 
entrevista helena hirata.docx
entrevista helena hirata.docxentrevista helena hirata.docx
entrevista helena hirata.docx
 
Artigo ciêntifico de direitos humanos
Artigo ciêntifico de direitos humanosArtigo ciêntifico de direitos humanos
Artigo ciêntifico de direitos humanos
 
Cidadania feminina e empoderamento
Cidadania feminina e empoderamentoCidadania feminina e empoderamento
Cidadania feminina e empoderamento
 
Sociologia Gênero e Saúde
Sociologia Gênero e Saúde Sociologia Gênero e Saúde
Sociologia Gênero e Saúde
 
Preconceito contra a Mulher
Preconceito contra a MulherPreconceito contra a Mulher
Preconceito contra a Mulher
 
“Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç...
 “Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç... “Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç...
“Precisa-se de creada branca. Prefere-se estrangeira.”Os libertos e as relaç...
 
Trabalho e Capitalismo
Trabalho e CapitalismoTrabalho e Capitalismo
Trabalho e Capitalismo
 

Andere mochten auch

Cultura corporal
Cultura corporalCultura corporal
Cultura corporalwaldeck
 
História da educação física no brasil
História da educação física no brasilHistória da educação física no brasil
História da educação física no brasilwaldeck
 
Voleibol na escola
Voleibol na escolaVoleibol na escola
Voleibol na escolaevandrolhp
 
História da educação física
História da educação física História da educação física
História da educação física Marcone Almeida
 
Slide história da educação física-blog
Slide história da educação física-blogSlide história da educação física-blog
Slide história da educação física-blogestudosacademicospedag
 
História da Educação Física no Brasil
História da Educação Física no BrasilHistória da Educação Física no Brasil
História da Educação Física no Brasilwaldeck
 

Andere mochten auch (7)

Mulheres - CEM01NB
Mulheres - CEM01NBMulheres - CEM01NB
Mulheres - CEM01NB
 
Cultura corporal
Cultura corporalCultura corporal
Cultura corporal
 
História da educação física no brasil
História da educação física no brasilHistória da educação física no brasil
História da educação física no brasil
 
Voleibol na escola
Voleibol na escolaVoleibol na escola
Voleibol na escola
 
História da educação física
História da educação física História da educação física
História da educação física
 
Slide história da educação física-blog
Slide história da educação física-blogSlide história da educação física-blog
Slide história da educação física-blog
 
História da Educação Física no Brasil
História da Educação Física no BrasilHistória da Educação Física no Brasil
História da Educação Física no Brasil
 

Ähnlich wie 21023

A CONDIÇÃO DA MULHER
A CONDIÇÃO DA MULHERA CONDIÇÃO DA MULHER
A CONDIÇÃO DA MULHERMELORIBEIRO
 
Novos temas nas aulas de história
Novos temas nas aulas de históriaNovos temas nas aulas de história
Novos temas nas aulas de históriaFabio Santos
 
Feminismo, Histórico e Conceitos.pdf
Feminismo, Histórico e Conceitos.pdfFeminismo, Histórico e Conceitos.pdf
Feminismo, Histórico e Conceitos.pdfMarioMarcelloNeto
 
Ana carolinabarros manhã
Ana carolinabarros manhãAna carolinabarros manhã
Ana carolinabarros manhãanacarolbarros
 
BRB - Curso ead pro equidade raça e genero
BRB - Curso ead pro equidade raça e generoBRB - Curso ead pro equidade raça e genero
BRB - Curso ead pro equidade raça e generoEulysmar Neves
 
Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.
Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.
Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.Fábio Fernandes
 
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...Emerson Mathias
 
Sobre Piriguetes e Feminismo
Sobre  Piriguetes e FeminismoSobre  Piriguetes e Feminismo
Sobre Piriguetes e FeminismoNatália Barros
 
O papel do homem e da mulher na sociedade
O papel do homem e da mulher na sociedadeO papel do homem e da mulher na sociedade
O papel do homem e da mulher na sociedadeXDebs
 
Margareth rago gênero e história
Margareth rago gênero e históriaMargareth rago gênero e história
Margareth rago gênero e históriamoratonoise
 
GÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
GÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇAGÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
GÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇARodrigo Abreu
 
1 cartilha movimento feminista - imprimir
1 cartilha   movimento feminista - imprimir1 cartilha   movimento feminista - imprimir
1 cartilha movimento feminista - imprimirRozeluz
 
Violência contra a mulher
Violência contra a mulherViolência contra a mulher
Violência contra a mulherBinhoKleber
 
plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf
 plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf
plano de aula história dia da mulher 6 ano pdfJu Alencar
 

Ähnlich wie 21023 (20)

A CONDIÇÃO DA MULHER
A CONDIÇÃO DA MULHERA CONDIÇÃO DA MULHER
A CONDIÇÃO DA MULHER
 
Novos temas nas aulas de história
Novos temas nas aulas de históriaNovos temas nas aulas de história
Novos temas nas aulas de história
 
Feminismo, Histórico e Conceitos.pdf
Feminismo, Histórico e Conceitos.pdfFeminismo, Histórico e Conceitos.pdf
Feminismo, Histórico e Conceitos.pdf
 
Gênero.ppt
Gênero.pptGênero.ppt
Gênero.ppt
 
Ana carolinabarros manhã
Ana carolinabarros manhãAna carolinabarros manhã
Ana carolinabarros manhã
 
FEMINILIDADE.pptx
FEMINILIDADE.pptxFEMINILIDADE.pptx
FEMINILIDADE.pptx
 
BRB - Curso ead pro equidade raça e genero
BRB - Curso ead pro equidade raça e generoBRB - Curso ead pro equidade raça e genero
BRB - Curso ead pro equidade raça e genero
 
Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.
Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.
Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada.
 
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexist...
 
Genero
GeneroGenero
Genero
 
Genero
GeneroGenero
Genero
 
Sobre Piriguetes e Feminismo
Sobre  Piriguetes e FeminismoSobre  Piriguetes e Feminismo
Sobre Piriguetes e Feminismo
 
O papel do homem e da mulher na sociedade
O papel do homem e da mulher na sociedadeO papel do homem e da mulher na sociedade
O papel do homem e da mulher na sociedade
 
Margareth rago gênero e história
Margareth rago gênero e históriaMargareth rago gênero e história
Margareth rago gênero e história
 
Cap 1
Cap 1Cap 1
Cap 1
 
O homem e a mulher
O homem e a mulher O homem e a mulher
O homem e a mulher
 
GÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
GÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇAGÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
GÊNERO E O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
 
1 cartilha movimento feminista - imprimir
1 cartilha   movimento feminista - imprimir1 cartilha   movimento feminista - imprimir
1 cartilha movimento feminista - imprimir
 
Violência contra a mulher
Violência contra a mulherViolência contra a mulher
Violência contra a mulher
 
plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf
 plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf
plano de aula história dia da mulher 6 ano pdf
 

21023

  • 1. A MULHER NO ESPORTE E NA EDUCAÇÃO FÍSICA
  • 2. INTRODUÇÃO Apesar da mudança de relacionamento entre os sexos, causada por mudanças na estrutura da sociedade e mesmo com as conquistas no campo dos direitos das mulheres, elas são, em muitos aspectos, inclusive no esporte consideradas o segundo sexo. Em nossa cultura, o conceito do corpo feminino ainda se parece com o do patriarcado ;isto é a força associada aos homens e fragilidade e sensibilidade, às mulheres. Os homens tem o corpo mais livre e sua sensibilidade retraída, pois, quando exposta, ameaça sua virilidade. Já as mulheres não "podem" expor seus corpos; ao contrário, terão sua imagem associada ao impuro, ao imoral. Sua agressividade é reprimida, porque a mulher é considerada passiva e portanto submissa. Com isso, a mulher permite que a sociedade lhe imponha uma série de valores, como por exemplo a imagem de mulher vinculada ao lar, ao trabalho doméstico e aos filhos. E quando trabalha fora enfrenta uma dupla jornada de trabalho, além da má remuneração por ser considerada inferior. Já o homem desde cedo é incentivado a sair de casa, buscar um trabalho, para mais tarde, ser o responsável pelo capital da família. Para ele a casa é apenas um lugar de descanso. Estas diferenças estão acentuadas até mesmo nas aulas de educação Física, onde meninos e meninas são separados por turmas, por força e por habilidade, limitando o desenvolvimento motor dos mesmos. Assim, este estudo está voltado a uma análise da mulher, na sociedade e no esporte e as consequência que a resistência e à discriminação tiveram na construção da figura feminina na sociedade. 1.1) A mulher na sociedade : As diferenças entre os seres humanos são tantas que até permitem diferenças culturais. O ser humano tem um potencial tão grande para a diferença, que ele nunca deveria ser mecanicamente trabalhado em termos machistas, racistas ou etnocêntricos. Essas oposições mecânicas violentam , logo na primeira infância, tanto mulheres quanto homens – elas, reprimidas em sua agressividade, eles, bloqueados na sensibilidade e afetividade (WHITAKER ,1988). Ao longo da história as mulheres sempre estiveram presentes, mas excluídas da história social (HOBSBAWN,1988).Elas são simplesmente incluídas na generalidade, a quem no máximo poucas linhas são dedicadas. Se as mulheres aparecem, e, frequentemente , como vítimas esquecidas, pela razão de sua exclusão, salvo pouquíssimas exceções. Excluir as mulheres de sua própria história, no entanto, é, em muitos aspectos, um instrumento de discriminação. Para SOARES (1998) a mulher é um sujeito social, historicamente determinado, mas a partir de uma história oculta e perdida no emaranhado do poder patriarcal*. E esse é um fato que precisa ser desvendado como uma alternativa que lhe permita não só se apropriar dessa história, mas também para que possa se converter em sujeito de sua realidade, em ser social transformador de si e de seu grupo. O autor relata ainda que situada na posição de oprimida por falta de opções a mulher permitiu que a sociedade lhe atribuísse uma série de culpas, e ela própria gera em si esse sentimento, o que inviabiliza sua ascensão e permite que seu destino seja acoplado ao do homem ao qual se liga, bem ao contrário desse, 2
  • 3. preparado para a certeza de vislumbrar um caminho a seguir. Dessa maneira a mulher acaba sempre por refletir a cultura que partilha. Vários autores constatam que desde as primeiras sociedades hominíades a atuação do homem era no trabalho e da mulher em casa e esse modelo ainda persiste em muitos locais na sociedade atual. Na Pré-história cabia à mulher cuidar dos filhos e do homem caçar; na Antiguidade era o ser procriador, na Idade Média, mãe, mas ao mesmo tempo objeto de pecado e luxúria. Com a chegada da Idade Moderna muitas coisas mudaram mas a posição social da mulher praticamente não mudara . BRUNHS (1995) descreve a mulher está assim presa à família e a tudo que ela simboliza em termos de valores : o mito da mulher-mãe e da esposa submissa, voltada para o mundo interno da casa e cercada de uma série de qualificativos que definem um padrão ideal de mulher. PFISTER (1997) relata que teorias Darwinistas foram associadas a idéias eugênicas e influenciaram a idéia de diferença sexual, natural realçando a importância da maternidade e melhoria da raça. O que só veio a realçar que as diferenças entre os sexos, eram naturais biologicamente determinadas e irrevogáveis, por um lado, e a necessidade da divisão específica de genêro no trabalho, por outro. Estas idéias tiveram um impacto decisivo na determinação dos papéis do homem e da mulher na sociedade. Segundo a autora (1997) a nova antropologia dos sexos aponta para características pretensamente naturais e inatas que distinguem homens e mulheres para sustentar suas características pretensamente naturais, elemento constituinte do esclarecimento, difundiu a idéia de que o ser humano é um indivíduo livre e racional, cuja liberdade deve ser regulada para o benefício da sociedade, ser o senhor de si mesmo, entretanto era- no mais verdadeiro sentido da palavra- somente possível para membros do sexo masculino, desde que a declaração universal pela liberdade e igualdade foram associados com traços físicos do homem branco. Diferenças baseadas em sexo ou raça, pele escura ou no corpo feminino foram associadas a inferioridade. As personagens masculinas são ilustradas e descritas mais frequentemente como ativas, agressivas e em contextos externos; as femininas tendem a ser ilustradas e descritas em contextos mais protegidos e em atitudes mais passivas e afetivas. Enquanto o homem aparece como um ser voltado para o mundo contando com o espaço da atuação física, temporal, profissional e cultural amplo, a mulher tem uma atuação mais restrita e voltada sobretudo para a família e a vida doméstica. * Para SOARES (1998) patriarcal é o que visualiza a mulher sempre pela ótica da inferioridade e relega à posição de submissão. Categoria que ao longo dos séculos vem sofrendo a opressão e dominação dos grupos de reinvindicatórias de vários movimentos sociais que eclodem em nosso país e em todo mundo. Segundo WHITAKER (1998) a mulher sujeita à dominação masculina, torna- se responsável pelo espaço doméstico da família e do lar, ou seja, o espaço privado. Vista uma pessoa frágil e dócil, ela não esta preparada para enfrentar o mundo. Os homens sim, fortes, inteligentes, e capazes podem e devem comandar os espaços públicos, o mundo do trabalho, e tomar decisões dentro e fora de casa. Com isso podemos dizer que o espaço do homem é a rua e da mulher a casa. A Igreja Católica também teve um papel fundamental na construção do corpo feminino, levando- o a um conservadorismo e enfatizando o seu lugar como rainha do lar (SOUZA, 1994). 3
  • 4. No campo ou na cidade o ambiente comum era o lar; não participavam da política, da economia e do mercado de trabalho. Mesmo assim algumas mulheres cuidavam do ambiente familiar (filhos, maridos, atividades domésticas) e também exerciam tarefas além das do lar, geralmente mulheres de camadas mais pobres eram as que trabalhavam, e quando isso acontecia exerciam um papel econômico e social não aceitos pela sociedade masculina e ignorado pelas outras mulheres das classes economicamente mais elevadas. Com a era Pré- industrial, a população nas cidades começou a aumentar e o homem não suportava mais sozinho os gastos familiares. Lentamente as mulheres partiram para o mercado de trabalho, onde o sexismo era ainda mais evidente. A remuneração feminina era bem inferior, as condições de trabalho eram piores e só estavam presentes em setores de pouca resistência masculina (HOBSBAWN, 1988). Por isso as concepçõs de ordem social burguesa pregavam tanto a hierarquia quanto a polaridade de sexos. Só assim a divisão de trabalho entre os sexos poderia ser vista como uma classificação sensata e como solução "natural" (FREVERT,1986 citado por PFISTER, 1993) da força masculina versus a fragilidade feminina. Com o advento da industrialização, surgiu a classe das operárias. Mulheres de classes sociais mais baixas que precisavam aumentar a renda familiar , contribuindo com peças e instrumentos para a casa , ou em tempos de recessão ajudar a colocar comida na mesa, ou ainda aquelas que precisavam sustentar-se como era o caso das viúvas, divorciadas e " solteironas". Mas a imagem da mulher frágil e delicada sempre estava presente por isso eram indicadas para trabalhos de menor esforço físico como a tecelagem. A natureza da participação da mulher está na imagem, em correspondência com seu lugar real na cidade. Onde está o "povo" a mulher está energicamente presente(...). Nas classes, em contra partida, ela tem mais dificuldades em encontrar seu estatuto, pois as classes são estruturadas em torno dos elementos que não lhe são familiares: a produção,o salário e a fábrica. Na cidade dos bairros, elas estão extraordinariamente presentes (PERROT,1988). Segundo HOBSBAWN (1988) as causas da ascensão de uma economia de serviços e de outras ocupações terciárias proporcionaram às mulheres uma variedade de empregos femininos e enquanto isso consequentemente o aumento da economia do consumo fazia delas um alvo de mercado, pelo óbvio motivo de que era muito promissor ganhar dinheiro por intermédio de quem decidia a respeito da maior parte das compras de uma casa. Era preciso trata-la com maior respeito, pelo menos da parcela desse mecanismo da sociedade, pois começava a surgir o consumo em grande quantidade. Após a revolução econômica, a situação das mulheres começou a se alterar, pois havia uma necessidade de mudança, e aos poucos elas perceberam seus poderes enquanto classe. Em meados do século XIX, na França, estas começaram a administrar o salário de seus maridos operários juntamente com as economias obtidas através de seus singelos trabalhos." Administrar a miséria, é antes de tudo sacrificar-se. Apesar disso, é também a base do poder das donas de casa, o fundamento de suas intervenções, muitas vezes estriptosas nas cidades (PERROT, 1988). As atividades desenvolvidas pelas mulheres das classes mais baixas possuíam um caráter de "ajuda" na obtenção de recursos para a família. Paralelamente, as mulheres de classe média no final do século XIX começaram a dominar empregos em lojas e escritórios, e mais tarde o magistério. O aumento nas 4
  • 5. instituições de ensino foi determinante para essa conquista, pois com o estudo elas podiam ocupar cargos melhores e obter um salário melhor que das operárias. Foi na classe média onde houve uma mudança notável na posição e nas aspirações das mulheres, sendo a expansão secundária para meninas o mais óbvio sintoma desta mudança (HOBSBAWN , 1988 ). O ambiente feminino da classe média era outro, mas não a condição social ocupada por ela. Nesta classe, as condições de chegar a pertencer a burguesia fez com que ocorressem mudanças de cunho econômico e social (HOBSBAWN, 1988). Essa busca de mudança a nível de condição econômica e social fez com que, gradativamente, a condição social feminina também se alterasse. Com o aumento do número de pessoas alcançando o status de burguês, houve um afrouxamento das estruturas familiares, entre elas a emancipação da mulher que tomou cada vez mais lugares fora do interior de suas casas. A mulher começa a descobrir o espaço da rua e das praças, e é no âmbito dos passatempos desportivos que ela vai fincar suas raízes para além dos parapeitos das janelas. São nesses espaços que as damas vão-se expor-se de forma mais completa. Antes, todo tempo circunscrita ao espaço de casa, sempre se retirando quando da chegada de um estranho ou visita, só vivendo entre a criadagem e o gato, ou o papagaio de estimação (LUCENA , sd ). A rua indica o mundo, seus imprevistos, acidentes e paixões, ao passo que a casa representa um universo controlado onde as coisas estão nos seus devidos lugares. Por outro lado, a rua implica movimento, novidade, ação, ao passo que a casa subentende harmonia e calma, local de calor e afeto. Pouco a pouco as mulheres abandonaram os corpetes, os salopetes e começaram a utilizar roupas que permitiam maior amplitudes de movimentos. Uma maior liberdade de movimentos adquirida dentro da sociedade, tanto em seus direitos como pessoas quanto em suas relações com os homens. 1.2 ) O Esporte Moderno : Para entendermos a entrada da mulher no esporte, antes, é preciso conhecermos em cima de quais pilares o esporte moderno foi construído. Mudanças na vida social. Formação da mais nova classe : a burguesia. O que inicialmente identificava o status burguês - o acúmulo de bens e de riqueza – já não o era exclusivamente. Além do poder financeiro, a prática de uma atividade que ocupasse o tempo de ócio dos senhores, como a nova invenção, o esporte moderno, era um desses itens. Não necessariamente uma nova invenção, mas uma transformação dos jogos em esporte moderno. O esporte (...) formalizado na Inglaterra (...) alastrou-se como um incêndio aos demais países. Em seu início, sua forma moderna foi associado à classe média e alta. Os jovens aristocratas poderiam experimentar (...) qualquer forma de proeza física, mas o campo em que se especializavam era o dos exercícios ligados à equitação e à matança ou pelo menos ao ataque aos animais e às pessoas (...) Na Inglaterra, a palavra "esporte" era restrita a tais atividades, sendo os jogos e competições físicas (hoje chamados esporte), classificados como "passatempo" (HOBSBAWN, 1988). A Inglaterra foi pioneira na divulgação do esporte entre a população industrial urbana. Mas isso se deu porque após a Revolução Industrial surgiu a classe operária e com ela os sindicatos de trabalhadores que pouco a pouco conseguiam vitórias importantes como a redução da jornada de trabalho. Assim, a classe 5
  • 6. dirigente que estava sentindo-se ameaçada, viu a necessidade de organizar atividades que "afastassem" a classe trabalhadora dos comícios socialistas e reuniões sindicais e, simultaneamente, controlassem a agressividade dos homens rudes" (SILVA citado por RABISTEK, 1997) . O esporte retorna às classes menos favorecidas depois da apropriação da burguesia e a transformação dos jogos populares em esporte; sua difusão e o "real" surgimento da classe média. A divulgação em todos os segmentos sociais e o início da prática esportiva pelos menos favorecidos, tornou o esporte moderno um distintivo para as diferentes classes. Havia nos esportes um fator de distinção social, como se o praticante dessa ou daquela modalidade fosse identificado como sendo dessa ou daquela posição social. De um lado representava a atividade de formar uma elite dominante e por outro "uma tentativa mais espontânea de traçar linhas que isolassem as massas, principalmente pela ênfase sistemática no amadorismo como critério do esporte de classe média e alta" (HOBSBAWN, 1988). Enquanto o boxe, a luta livre, o futebol e o ciclismo caracterizavam-se como esportes do proletário pois proporcionavam aos seus praticantes a capacidade de dominar o próprio corpo; o tênis e o golfe eram praticados por pertencentes da elite. Isto posto, observa-se que o esporte moderno iniciado na Inglaterra e apropiado pelo mundo, foi uma prática onde interesses políticos-econômicos-socias, definiam e ajudavam a manter a estrutura social. 1.3 ) A mulher no esporte e na Educação Física : Como pudemos constatar no primeiro capítulo, a mulher na sociedade, foi grande a resistência à participação das mulheres na sociedade, a história delas no esporte não é diferente, pois a cultura esportiva seguia os traços patriarcais da cultura vigente na sociedade. Para (RODRIGUES, 1986 citada por SIMÕES e MOREIRA, sd) cada cultura "modela" ou "fabrica" à sua maneira um corpo humano. Toda sociedade preocupa- se em imprimir no corpo, fisicamente, determinadas transformações, mediante as quais o cultural se inscreve e grava sobre o biológico, arranhando, rasgando, perfurando, queimando a pele. A cultura tornou-se responsável por destacar ou não as diferenças entre os sexos e também por promover um ou outro a superior. Sabe-se que preconceitos e estereótipos sexistas tem relação com papéis sexuais existentes na sociedade e que esses papéis são reflexos das estruturas sócio-políticas e econômicas vigentes (AZEVEDO, 1988) . Por outro lado, o autor faz referência à estudos como Mead (1971) e Mota (1985) que ratificam a teoria de que papéis sexuais são antes de tudo aquisições culturais e não unicamente resultante de fatores orgânicos. Para AZEVEDO (1988) ainda constata-se que tendo como base concepções sociais formulam-se restrições ou mesmo proibições à mulher na área desportiva, tais como a que limita sua participação em determinadas modalidades desportivas. As mulheres tiveram que lutar muito para obter uma participação na sociedade e no ambiente desportivo, mesmo que no começo como acompanhantes de seus maridos. A participação custou a acontecer justamente por estarem ligados a valores culturais muito fortes. Para FERREIRA (sd) as questões sócio culturais das relações de gênero não podem ser quebradas repentinamente. O passado da mulher, particularmente da brasileira, ligado ao patriarcado e ao machismo está 6
  • 7. presente no esporte, cujas raízes por sua vez européias também foram marcadas pela diferença de gênero e classe social. E muitas vezes, principalmente no início do esporte moderno, o esporte e a cultura física só vieram acentuar essas diferenças sociais de gênero. Segundo PFISTER (1997) é preciso enfatizar que a cultura física não desempenha um menor, mais um maior papel na construção da hierarquia de gênero, cuja legitimação preocupa-se nas diferenças entre os sexos e nos diferentes traços de personalidade causados por elas. Nos séculos XVIII e XIX novas formas de cultura física forma desenvolvidas em países da Europa. Na Alemanha, foi chamado de "Turner" (forma de ginástica caracterizado por exercícios militares) ; na Inglaterra foi chamado de "esporte". Essas novas formas foram relacionadas ao desenvolvimento social e à modernização que invadiu a Europa – padrões racionais de pensamento, ascensão da burguesia, o início da revolução industrial, etc. Turner e esporte foram criados pelo homem e para o homem e um de seus propósitos foi a apresentação da elite e da masculinidade. Embora ambos os conceitos preguem uma participação geral, nem as classes mais baixas nem as mulheres foram incluídas. Para PFISTER (1997) no caso do "Turnen" o que estava acima de toda importância da atividade era a defesa, vida pública e política, no caso do esporte, foram os princípios de competição que fizeram a exclusão das mulheres tão óbvia. Os homens, principalmente os burgueses em busca de ocupação para preencher seu tempo ocioso, dominavam os esportes não só em termos de quantidade, eles também determinavam o que é esporte e o que não é, de que tipo de esportes as mulheres devem participar e quais são os padrões válidos. Outro fator que afastou a mulher da prática esportiva é que as atividades em questão estavam, e estão, de certa forma intensamente associadas a componentes viris, vinculados a agressividade, competitividade e força física - atributos do guerreiro, incompatíveis com o pudor, a fragilidade e a doçura – atributos da fêmea que procria. " É certo que enquanto o esporte for considerado apenas como um treinamento para melhorar o domínio do corpo tendo em vista o combate, ou como uma forma sublime de competição, ou de julgamento de Deus (que vença o melhor), observa-se que aí não há espaço para que a mulher participe." (CREFF e CONU, 1982 citado por ROSEMBERG, 1995) O esporte era e muito uma representação da sociedade patriarcal, principalmente se analisarmos sob a ótica da violência. As raízes dos esportes de confronto modernos podem ser determinadas diretamente a partir de variações locais medievais e dos jogos populares modernos. Jogavam-se de acordo com as regras transmitidas oralmente, pelo meio das ruas, cidades e através dos campos. Não existiam agentes de controle "externos" como árbitros e juízes. Apesar das diferenças que existiam entre eles, uma das características essenciais de tais jogos, em relação aos desportos modernos consistia no elevado nível de violência manifesta que implicavam. Como é evidente, jogos deste tipo correspondiam à estrutura de uma sociedade em que os níveis de formação do Estado e do desenvolvimento social eram de um modo geral, relativamente reduzidos, onde a violência era uma característica mais regular e manifesta da vida quotidiana e o equilíbrio de poder entre os sexos inclinava-se nitidamente a favor dos homens. Em resumo, estes jogos populares expressavam uma forma extrema de regime patriarcal (DUNNING, 1985) . 7
  • 8. Uma das grandes preocupções que giravam em torno das mulheres praticarem esportes, tanto dos homens como das próprias mulheres, inclusive de Maria Lenk *, era de que o esporte e a Educação Física masculinizassem a mulher. Percebemos essa preocupação no trecho do livro de fisiologia esportiva de PINI (1978) apud ROSEMBERG (1995) : " (...) queremos nos referir às consequências traumáticas e/ou estéticas que se podem instalar, as quais são, até certo ponto, indesejáveis para o organismo da mulher. Isto, no entanto, sem pretendermos chegar ao extremo de admitir a esterilização e a virilização da mulher pelo esporte o que realmente não ocorre." Mas PINI justifica ainda em seu livro, dizendo que as mulheres podiam participar das modalidades esportivas, no entanto não deveriam fazê-lo . Mesmo depois da inserção da mulher no esporte esses argumentos continuam presentes. Para MYOTIN (1995) citado por ROSEMBERG (1995) a mentalidade machista influenciava e influência na opção pela modalidade esportiva Em geral a jovem mulher escolhe aqueles esportes que *Maria Lenk foi em, 1932, a primeira brasileira a participar dos Jogos Olímpicos ( Los Angeles), competindo na natação. não a masculinize, como voleibol, ginástica, natação e aeróbica. O atletismo e o basquete ainda são modalidades impregnadas de preconceitos. Mas apesar de todos esses preconceitos o mundo esportivo, inserido na garra, na força, na disputa, na alta competitividade foi incorporado por bravas mulheres guerreiras, lutadoras entre si nas quadras, pistas, piscinas, porém unidas na luta maior, a dos obstáculos mais difíceis de serem transpostos- Segundo FERREIRA (sd) o futuro da mulher no esporte dependia da sociedade, mas principalmente dela própria. Este processo de desenvolvimento de "independência" feminina no esporte, talvez esteja associada a idéia de que as mulheres, começam a apresentar mais ações unificadas do que no passado. Este fato segundo DUNNING (1985) é um ponto que permite o equilíbrio de poder entre os sexos, ganha consistência na medida em que se valoriza cada vez mais, a própria pessoa. Nas sociedades antigas, as ações em grupo predominavam sobre as ações individuais, e os homens apresentavam um poder maior de se organizar unidos muito maior que as mulheres. De acordo com PFISTER (1997) as mulheres reagem de diversas formas à dominação masculina no esporte, podendo abster-se completamente do esporte, por oposição ou condescendência; aceitando a situação das mulheres no esporte; lutar pela completa integração no esporte; ou finalmente procurar por uma cultura física alternativa. Segundo a autora ainda, por trás dessas estratégias, repousam noções teóricas comuns da "natureza" dos dois sexos, que são situadas em algum ponto entre os pólos da igualdade e diferença. Aqueles que estão convencidos de que ambos os sexos – independente de mínimas diferenças físicas – são os mesmos, à princípio tentarão provar isso através da melhora de performance, lutando contra a discriminação e adquirindo os mesmos privilégios que os homens. Aqueles, por outro lado, que acreditam que os dois sexos são diferentes aceitarão o status quo ou procurarão alternativas fora do sistema de esporte tradicional e estrutura de valores. No século XIX, devido ao que diz respeito à "saúde pública" (incluindo também o controle da sexualidade feminina e interesses financeiros), doutores e educadores começaram a defender exercícios corporais para meninas e mulheres. A participação das mulheres no "Turnen" e no esporte teve, a partir de então, efeitos a 8
  • 9. longo prazo: primeiramente, levantou forte oposição; em segundo lugar, teve grande influência na discussão sobre gênero; e em terceiro lugar, modificou concepções, definições e associações a feminilidade sem remeter-se, entretanto, às interpretações biológicas. Na prática, certas propriedades, mas ainda no campo da higiene e estética, foram delegadas às mulheres, ou identificadas como "coisas de mulher". Não só a ginástica, mas, acima de tudo, o ensino do "Turnen" para as meninas, assim como o treinamento de professoras, foram destinadas às mulheres. Saúde e beleza são identificadas não mais como um dom divino mas como conquista individual – um capital, um investimento, uma mercadoria, cujos produtos vão crescer e multiplicar. Cresce o consumo, cresce a produção, cresce a carência de mão-de-obra, cresce o trabalho feminino, cresce a educação do gesto, cresce a necessidade do lazer e do equilíbrio da energia física, crescem as opções corporais e esportivas, torna-se mais visível o corpo da mulher. Num ambiente de crescentes mudanças e de modernização a prática esportiva, o cuidado com a aparência, a mudança de atitude, o desnudamento do corpo, o uso de artifícios estéticos ainda eram identificados como de natureza vulgar, se bem que em menor intensidade, não só por moralistas, médicos, juízes e religiosos mas por grande parte das próprias mulheres, inclusive por muitas feministas, que como os outros são portadores de uma rígida moral cujos preceitos denunciam, nessa atitude modernizadora um ato de desonra (GOELLNER, sd). HOBSBAWN (1988) apresenta três sintomas da mudança de posição e das aspirações das mulheres no final do século XIX. O mais notável foi a "expansão da educação secundária para meninas", o segundo foi "a maior liberdade de movimentos adquiridos por elas dentro da sociedade, tanto em seu próprio direito como pessoas quanto nas relações como os homens"; e o terceiro, a "atenção pública, acentuadamente maior, concedida às mulheres, como um grupo que possuía interesse e aspirações especiais como pessoas." Sem dúvida, a escola teve um papel fundamental ao acesso a Educação Física para a mulher. Existia no entanto, a tendência em atribuir à mulher uma característica peculiar, no sentido de preservá-la de determinados maléficos que o esporte pudesse causar a sua saúde e maternidade (CASTELLANI, 1982 citado por FERREIRA, sd). No final do século XIX, as garotas no sistema inglês de educação tinham acesso á educação secundária e superior. Apesar de uma certa oposição, muitos fatores de educação dos rapazes foram adotados, particularmente, normas e conteúdos, enquanto ideais vitorianos de feminilidade permaneciam. Até a metade do século XIX, somente exercícios mínimos, geralmente os calistênicos, eram ministrados nas escolas secundárias femininas. Perto do fim do século, contra uma série de mudanças de papéis das mulheres, um rico debate sobre eugênia, constatou-se a necessidade de organizar e regulamentar a Educação Física para meninas (PFISTER, 1997). E em, 1881, Martina Bergman, especialista em ginástica sueca, foi apontada como "superintendente de Educação Física", em escolas de crianças e meninas. Em 1885, ela fundou uma faculdade para formar professoras de Educação Física que serviu de modelo para outras faculdades. O treinamento de professoras de Educação Física foi baseado no sistema desenvolvido pelo sueco Per Henriq Ling. Esse sistema, criado por homens e mulheres, consistia em exercícios simples, com ou sem aparelhos, dando a todo o corpo um programa de treinamento completo com base em conceitos anatômicos e 9
  • 10. fisiológicos. Seus princípios eram estéticos e harmoniosos, assim como a beleza e a saúde. Mas esta forma de exercício era não só compatível com a feminilidade mas também bem simples de se ensinar. A ginástica nas faculdades e escolas secundárias femininas era suplementada por jogos tais como hockey, bola de rede e tênis, tudo pensado em função de valores educacionais (PFISTER, 1997). Contudo, os jogos de equipes encontraram grande oposição, pois eram considerados por muitos ofensivos às regras de decência, por impôr danos aos corpos e às personalidades das garotas, até tornando-as mais masculinas. O mais importante interesse da ginástica sueca e da Educação Física como um todo, era a saúde das mulheres, que em seus papéis de mães deveriam garantia que a nação florescesse. É preciso apontar, segundo PFISTER (1997), que as pioneiras na Educação Física feminina poderiam prosseguir com seu trabalho tranquilamente e sem chamar a atenção porque elas nunca entraram no caminho dos homens. Elas reivindicavam direitos iguais, mas, por outro lado, não tinham a intenção de mudar radicalmente a ordem social ou a hierarquia de gênero. Fato que devemos considerar também nessa história foi a dupla resistência que as mulheres de classe inferiores enfrentaram nesse processo , pois não tinham acesso à educação. Gradualmente, a necessidade da Educação Física para garotas foi reconhecida e, a partir de então, as professoras de Educação Física em faculdades femininas ganharam mais e mais influência, em alguns países com maior facilidade, como nos Estados Unidos e em outros com maior dificuldade como aconteceu na Alemanha (PFISTER, 1997). A autora acima citada faz menção em outra oportunidade que em 1930, Doroty Ainsworth estabeleceu os princípios da Educação feminina em faculdades femininas. Seus objetivos eram melhorar a condição física e a saúde das estudantes, tomar conhecimento de suas reais necessidades visando a diferentes motivos, habilidades e aptidões, que elas trazem consigo, e motivá-las a praticar esporte após o horário de aulas. Não era uma questão de oferecer o esporte a um pequeno número de atletas talentosas e demonstrar a eficiência da faculdade, mas sim de alcançar o máximo de meninas possível e integrá-las no esporte. Como uma aletrnativa aos esportes de competição as faculdades organizaram "dias de jogos", quando a brincadeira e a recreação, cooperação e companhia tomaram lugar da competição e quebra de recordes (PFISTER, 1997). A ideologia e prática da segregação dos sexos no esporte perdeu muito de seu significado durante a segunda onda do movimento de direitos das mulheres, nos anos 60 e 70. Em universidades e faculdades, o então chamado Título IX trouxe a igualdade (no papel pelo menos) entre atletas masculinos e femininos, embora essa igualdade não tenha contemplado as necessidades femininas. As educadoras perceberam porém, que os sexos eram diferentes e que por isso seria necessário ter suas prioridades separadas e uma forma diferente de educação. Elas acreditavam na existência de qualidades específicas que segundo Ainsworth, deveriam ser refletidas nos esportes femininos. Essa visão ocasionou diversas divergências entre as próprias instituições femininas como nos Estados Unidos. As visões e atividades das organizações esportivas femininas neste país, incluindo a Divisão de Mulheres da Federação Atlética Amadora, estavam totalmente em desacordo com as iniciativas de outras organizações esportivas femininas, como por exemplo a FSFI ( Federação Internacional Esportiva Feminina). Enquanto o lema 10
  • 11. das mulheres americanas era "jogue por jogar", a FSFI entrou na luta para a admissão de mulheres nos Jogos Olímpicos. A luta por essa admissão. no entanto, não foi fácil, principalmente pela intolerância do próprio Barão de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos. ROSEMBERG (1995) cita o relato feito por Coubertin em ESTEVES citado por PEREIRA, 1984 : " O Barão (Coubertin) argumentava com o axioma de Proust, declarando : ou se fecham, ou se abrem todas as portas. E como o acesso a todas as portas não era permitido às mulheres, por que permitir-lhes a entrada nalgumas, proibindo-as Às restantes ?..." Ele nem se quer permitia a realização de uma Olimpíada Feminina, que segundo ele seria algo impraticável, desinteressante, inestético e incorreto. Na primeira Olimpíada da era moderna, 1896, não houve a presença de mulheres. Coubertin buscou reviver as Olimpíadas Gregas, onde o papel feminino era apenas o de coroar vencedores. Era também um nobre por isso fazia lembrar sempre quais os interesses políticos e sócio-econômicos circundavam os esportes; a manutenção da estrutura social vigente; o poder da elite; e o fato do esporte ser um distintivo social – esporte profissional versus esporte amador, podendo estes serem itens explicativos para ausência feminina nos Jogos. Nas Olimpíadas de Paris, em 1900, ocorreu a primeira participação feminina. Um número pequeno de dezesseis mulheres disputaram duas provas: o tênis e o golfe (LANCELLOTI,1996). Percebe-se que mesmo com esse salto, a participação de mulheres nos Jogos, a estrutura de classes que envolvia o esporte não se alterou , pois provavelmente as atletas que participaram de tal competição eram filhas de burgueses, já que golfe e tênis eram atividades exclusiva da classe dominante. Pouco a pouco, elas participavam cada vez mais em disputas esportivas e, consequentemente nos Jogos Olímpicos, conseguindo inserções nas federações esportivas envoltas num processo de expansão, aglomerando, defendendo e representando atletas em competições, popularizando assim o esporte entre elas. Em Paris, 1924, foram 126 representantes femininas. Esta edição foi marcada por uma melhora significante na organização e nas estruturas físicas, além da formulação do regulamento da competição. Apesar de deixar bem claro o amadorismo e outras tantas restrições o Cômite Olímpico, ainda presidido por Couubertin, cedeu à insistência das mulheres e consolidou a sua participação, contudo delimitando as fronteiras de suas disputas (LANCELLOTI, 1996). Neste contexto ficaram claras as limitações impostas para as mulheres, mas essa porta que se abriu serviu acima de tudo para fortalece-las na busca incansável por reconhecimento. Foi em Los Angeles, 1932, que aconteceu a primeira participação da mulher brasileira nos Jogos. Foi com Maria Lenk, competidora da natação no estilo peito. Apesar da nadadora não ter trazido nenhuma medalha para nosso país, sua participação acendeu uma nova expectativa para a Educação Física brasileira , que estava voltada ainda ao sistema de preparação da maternidade futura . A trajetória de Maria Lenk vem ao encontro da história do esporte mundial. Numa entrevista a Lino Castellani Filho, ela relata como começou seu interesse pelo esporte : " Meu pai, alemão naturalizado brasileiro, me levou a ginástica para ver se ela me ajudava a superar meu frágil estado físico, pois eu havia passado por várias doenças infantis, sendo que uma delas, a tosse comprida, aliada à uma pneumonia dupla deixou-me bastante enfraquecida (...) Me levou então, para uma associação 11
  • 12. alemã de ginástica, onde se cultivava até mesmo a ginástica olímpica, na intenção de me proporcionar ginástica além daquela escolar. Mas eu não tinha muita simpatia pela ginástica (...) Então ele procurou outro meio e me levou para uma associação de natação também alemã. Natação no rio Tiête, porque não haviam piscinas. Aí dentro de pouco tempo aprendi a nadar, quase por mim mesma, isso porque o professor dava umas aulinhas, me pendurava numa espécie de anzol e cantava os comandos para eu fazer. Mas, na realidade eu aprendi depois, brincando dentro d´água depois das aulas. Num instante apareceram as competições, infantis, mas que eles chamavam de competições de provas femininas. Aí começou a minha participação em competições. Fui evoluindo, participei do Campeonato interestadual – São Paulo e Rio de Janeiro – ganhando a prova e garantindo minha escalação na equipe que foi aos Jogos Olímpicos em Los Angeles, onde fui a única e primeira mulher sulamericana a participar (...) " (CASTELLANI, 1988). A prática esportiva brasileira estava ainda muito restrita e quanto a prática de atividades físicas pelas mulheres, defendia-se atividades harmoniosas, os esportes "menos violentos e compatíveis com a delicadeza do organismo das mães" (AZEVEDO citado por CASTELLANI, 1988). No Brasil, a exemplo de outros países, a Educação Física esteve diretamente associada à vida militar, principalmente reduto de recursos humanos até a criação das escolas de Educação Física. Espaço também velado ás mulheres até há pouco tempo. A chegada dos esportes e da Educação Física no Brasil, segundo a literatura datam do final do Estado Novo. Esse momento da história do Brasil para CANTARINO FILHO citado por ROSEMBERG (1995). O Estado Novo cristaliza, pelo cultivo do corpo masculino guerreiro e do feminino materno, a tendência eugênica. A Educação Física e o esporte neste contexto constituem o instrumento para a melhoria da raça brasileira. Durante um bom tempo no Império, a Educação Física era vedada às meninas. PEREIRA (1984) citado por ROSEMBERG (1995) assinala que a Lei nº 630, de 1851, que inclui a ginástica no currículo escolar, não faz referência á discriminação de sexo. Mesmo que essa menção não exista na lei, e que poucas meninas tivessem acesso ao ensino, a diversidade de discursos e práticas nas províncias parece indicar a persistência de oposição à ginástica feminina. Por exemplo, o regulamento expedido pelo presidente da província do Amazonas, em 1852 (ROSEMBERG, 1995). [para os meninos] a instrução compreenderá a Educação Física, moral e intelectual (...); e para o sexo feminino a mesma instrução intelectual, mas modificada, e as prendas próprias do sexo (...) As meninas não farão exercícios ginásticos. O relatório de um diretor de instrução pública do Rio de Janeiro, citado por ROSEMBERG (1995) também comprova a oposição : "Repugnância com que foi recebida pela opinião pública a aula de ginástica, principalmente o que se refere ao curso de alunas (...) Foi preciso suspender a execução e ainda assim houveram pais que proibiram às suas filhas o exercícios ginásticos (...) Chegou a tal ponto a oposição que algumas alunas, aliás, com boa frequência nas aulas, deixaram ir por acinte à ginástica, ficando todavia no edifício da escola ." Segundo a autora citada a grande proposta formalizada da Educação Física no geral, e específica para as mulheres, está contida no parecer de Rui Barbosa ao projeto de 1882. O parecer recomenda a "instituição de uma seção especial de 12
  • 13. ginástica em cada escola primária de todos os graus, tendo em vista, em relação à mulher, a harmonia das formas femininas e as exigências da maternidade futura". A Reforma Fernando Azevedo (1928), que reorganizou os ensinos primário, normal e profissional no Distrito Federal, especifica que a Educação Física "aplicada à mulher, seria conformada a seu sexo e às suas condições peculiares" (MARINHO s/d citado por ROSEMBERG, 1995). "Concordam [educadores] que para a regeneração do povo é preciso restituir à mulher a saúde, fortemente comprometida, a estabilidade e o equilíbrio (...). A Educação Física da mulher deve ser, portanto, integral higiênica e plástica e abrangendo com os trabalhos manuais, os jogos infantis, a ginástica educativa e os esportes, cingir-se exclusivamente aos jogos e esportes menos violentos e de todo compatíveis com a delicadeza do organismo das mães" (AZEVEDO citado por CASTELLANI FILHO, 1982). É preciso segundo ROSEMBERG (1995), destacar a diferença que se percebera na mentalidade da época entre o significado de mulheres "executarem exercícios gímnicos" e praticarem esportes. Para AZEVEDO citado por PEREIRA (1984) a atividade física é necessária para a mulher-mãe e dona de casa. "No esporte, como um campo de predominância masculina com objetivos de vitória, rendimento e sucesso social é que as dificuldades aparecem" Durante a década de 1920 é que se encontra as primeiras referências à exibições esportivas públicas das mulheres no Brasil * e a partir da década de 30 elas tornaram-se menos raras. Sendo a natação o primeiro esporte à ser exibido por mulheres em lugares públicos. Foi na gestão de Gustavo Capanema (1931 a 1944) que o então Ministério da Educação e Saúde definiu o programa de Educação Física para o ensino secundário, estipulando a periodicidade de aulas para rapazes de três vezes semanais e para as meninas duas vezes. Provas e exercícios eram adaptados aos sexos. O Estado Novo foi responsável por mediadas normatizadoras da prática esportiva feminina. Data de 1941, o decreto Lei 3199 que proíbe as mulheres à pratica de lutas de qualquer natureza, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, rugby, halterofilismo e beisebol. CARVALHO (1978) descreve o depoimento de Maria Lenk e Iris de Carvalho à respeito: (...) é nobre que os legisladores e os dirigentes preocupem-se com a mulher e queiram protegê-la. Tais cuidados não deixam de ser uma discriminação contra o homem, que fica entregue a própria sorte. Certos esportes por eles livremente praticados podem ocasionar-lhes lesões irreversíveis. No entanto... não seria mais certo conferir a mulher o direito de escolher, por livre manifestação de vontade ? * Violeta Coelho Neto, no tanque natatório do Urca, Anésia Coelho e Alice Passalo na travessia da Bahia de Guanabara. Maria Lenk destaca também a proibição da prática do futebol: "Acentuo bem o futebol, porque atribuo a essa restrição, a essa proibição a quase impossibilidade do desenvolvimento do esporte feminino no Brasil (...) O futebol é o nosso esporte nacional, e através do esporte se revelam, se projetam os campeões, os ídolos do povo que merecem imitação. Então veêm-se terrenos baldios e qualquer local que se preste, transformados, espontaneamente, num campo ou numa quadra, no caso se não tiver gramado, e é ocupado por quem ? Garotos, meninos. 13
  • 14. Medidas restritivas quanto a prática de Educação Física pelas mulheres ainda vieram à luz em 1977 : a Lei 6503 de 13/12/1977 dispõe que é facultativo a prática de Educação Física em todos os graus e ramos de ensino à aluna que tenha prole, o que entre outros fatores trouxe consequências, como o retardamento para a explosão das mulheres no esporte. As pesquisas realizadas na década de 1980 sobre a participação das mulheres em atividades esportivas encaminham-se para conclusões semelhantes àquelas contidas em diagnóstico publicado pelo MEC em 1971 : " a participação das mulheres é ainda inexpressiva e o baixo índice de adolescentes federados (...) permite comprovar dificuldades quanto à renovação [ de atletas) principalmente nas modalidades mais sofisticadas" (CNRH, MEC apud ROSEMBERG, 1995). Enfim, as tentativas de organização esportiva no Brasil, têm sido inúmeras. A situação da mulher tem modificado e o número crescente de atletas tem aumentado significativamente, mas mesmo assim continuam em menor número. Os órgãos públicos e privados no Brasil têm incentivado o esporte feminino, embora ainda haja preconceitos, tabus e discriminação. Algumas modalidades são mais aceitas do que outras por serem consideradas "femininas". A história da mulher no Brasil e no mundo, na sociedade e no esporte, evoluiu muito nesses últimos anos, mas vemos em muitas situações ainda, resquícios de valores patriarcais que estão impregnados em nossa cultura. Temos esperança que esse quadro mude e que todas as mulheres recebam não só um reconhecimento, mas um reconhecimento à altura de seus esforços. CONCLUSÃO De acordo com o referencial bibliográfico utilizado conclui-se que a diferença entre os sexos, que se perpetuam até hoje, tiveram suas raízes à partir de valores sócio-culturais enraízados em nossa mentalidade desde o princípio da convivência humana. A humanidade desde então, em vez de buscar as igualdades existentes entre os indivíduos, para monopolizar o poder, criou moldes e estigmas para enfatizar as desigualdades. A nossa área, de Educação Física, não fugiu desse padrão. O esporte à princípio foi criado pelo e para o homem – forte e viril – onde a mulher – frágil e sensível não tinha espaço. Mas a mulher após longos anos de total submissão, começa a reagir, ganhando seu espaço à curtos passos na sociedade. Uma maior liberdade de movimentos as incentivou a tomar o lugar nas ruas e praças, a conquistar empregos e por que não a educação também. E foi neste último item que se iniciou a jornada feminina na história do Esporte e da Educação Física. Não podemos deixar de mencionar a força e a coragem dessas meninas e mulheres que enfrentaram não somente uma sociedade, e sim uma herança patriacal por seus sonhos e direitos. Com certeza essa conquista, propiciou e propicia para nós mulheres novas oportunidades e uma vivência mais justa, visto que as diferenças não estão fora, no físico, das pessoas e sim dentro, no seu caráter, competência, sonhos e anseios. Infelizmente, a história delas no esporte e na Educação Física não tem tomado o rumo que gostaríamos. Em meio à grandes vitórias e resultados de várias mulheres pelo mundo, resquícios de machismo ainda perseveram. Enquanto 14
  • 15. assiste-se o futebol dos homens pelo seu nível técnico, as mulheres são assistidas por suas belas pernas. Enquanto em certos sportes o homem é exaltado por sua força e determinação, a mulher é humilhada, colocando-se a prova sua própria feminilidade. Até quando essa sociedade dará mais ênfase à exclusão em vez de respeitarmos e construírmos nas diferenças ? 15
  • 16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS : AZEVEDO, Tania M. Cordeiro de " A mulher na Educação Física : Preconceitos e estereótipos ". Dissertação de Mestrado, Niterói 1988. BRUNHS, Heloísa Turine. "Corpos femininos na relação com a cultura." IN : ROMERO, Elaine. Corpo, mulher e sociedade . Campinas, SP. Papirus, 1995 ( Coleção Corpo e Motricidade ) CASTELLANI, Filho Lino . * "Ensaio sobre a mulher brasileira, face a legislação da Educação Física e desporto." IN: Desporto e lazer nº 8 São Luiz, 1982 * "Educação Física no Brasil : a história que não se conta ." Campinas, SP. Papirus, 1988 CEBULSKI, Janine Valéria . "A mulher, o esporte e as olimpíadas." Monografia de conclusão de curso, Departamento de Educação Física, UFPR , 1996 DUNNING, E." O desporto como uma área masculina reservada: notas sobre fundamentos sociais da identidade masculina e as suas transformações." IN : ELIAS, N . A busca da exitação. Difusão Editorial Ltda, Lisboa, 1985. FERREIRA, Maria Beatriz Rocha. "A mulher e esporte no Brasil : uma abordagem histórica- antropológica." V Congresso de História do Esporte, lazer e Educação Física. Coletânea, 1997 GOELLNER, Silvana Vilodra." As mulheres e as práticas corporais e esportivas no início deste século: beleza, saúde e feminilidade" . VI Congresso Brasileiro de História, lazer e Educação Física, 1998 HOBSBAWN, E ." Quem é quem ou as incertezas da burguesia" . A era dos impérios 1875-1914 . Rio de Janeiro – RJ. Paz e Terra, 1988 LUCENA, Ricardo . O Esporte na cidade . MACÁRIO, Rejane Cristina." A visão do corpo e as relações de gênero como formadores de estereótipos socialmente construídos ". Monografia de conclusão de curso, Departamento de Educação Física, UFPR. 2000 PEREIRA, L E . "Mulher e esporte: um estudo sobre a influência dos agentes de socialização." Dissertação de Mestrado- USP. São Paulo, SP. 1984 PFISTER, G. "A história delas no esporte: rumo a uma perspectiva feminina ?" IN: ROMERO, Elaine (org), 1997 PERROT, M." Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros." Rio de Janeiro, RJ . Paz e Terra, 1988 RABISTEK, Eliane. "A mulher e sua participação esportiva." Monografia de conclusão de curso. Departamento de Educação Física , UFPR. 1997 ROSEMBERG,F . "A Educação Física, os esportes e as mulheres: balanço da bibliografia brasileira." IN: Corpo, mulher e sociedade . ROMERO,Elaine 1995 SIMÕES, Regina e MOREIRA, Wagner Wey. " Evas ou Marias : o corpo da mulher na antiguidade e idade média. " V Congresso de História, lazer e Educação Física. Coletânea, 1997 SOARES, Guiomar Freitas." Reflexões sobre a situação da mulher". Rio Grande . Momento v1 1998 SOUZA, E. S. " Meninos à marcha! Meninas à sombra! A história do ensino da Educação Física em Belo Horizonte. " Tese de doutorado, UNICAMP, SP. 1994 WHITAKER, Dulce. " Mulher & Homem: o mito da desigualdade." 7ª edição. Moderna , São Paulo, SP , 1988 16