O documento discute temas como:
1) A evolução de conceitos como direitos, diversidade e antiespecismo ao longo da história;
2) A escravidão como algo um dia considerado normal e moralizado pela igreja, mas que desabou sem deixar saudades;
3) A necessidade de lidarmos com visões diversas sem a pretensão de uma única verdade absoluta.
2. M E N T E A T I V A
O certo, o errado e o resto.
Não vivemos tristes tempos, vivemos
tempos possíveis. Tudo que nos é
possível sobreviver em meio a tantas
rupturas, que nem atuais são. A maior
parte do que temos como novidade, em
verdade, iniciaram em movimentações
que se iniciaram ainda em meados do
século XIX. Busca por direitos, aceitação
da diversidade, acessibilidade,
antiespecismo... são algumas
reivindicações que nem ultrapassam
séculos. Esse distanciamento temporal
não se percebe com facilidade, e às
vezes, o excesso nos faz esquecer o que
era âmbar até então, ou certo e errado.
Não são todos os cânones que caíram,
mas há algumas éticas que desabam sem
deixar saudades. O exemplo mais nítido é
a escravidão, considerada normal,
contanto que subjugasse seres sem
alma. E para ser isento de alma, bastava
não ser europeu de dada localidade. Foi
muito fácil e muito complexo,
contraditório, e uma constante em toda
história da humanidade que concorre
com a história da escravidão. Etnia
escraviza etnia.
A Europa escravizou continentes
inteiros. Isso era legal e moralizado nas
igrejas. Isso era o certo.
Ju Lopse
lopselazuli
EDITORIAL
Por que vamos lamentar certas rupturas
sociais? Por que vamos lamentar que
alguns comportamentos e formas de
agir já não sejam considerados corretos,
em uma cristalização que não existe?
Não se trata da ascensão do
politicamente correto, se trata de uma
convivência mais diversa, em que
determinados discursos não são só
questionados, mas incoerentes com
quem recebe tal mensagem. Então,
pregamos a inclusão de pessoas com
deficiência chamando, a pessoa com
quem discordamos, de retardado? É, no
mínimo contraditório e desrespeitoso
com essa multiplicidade de experiências
com que temos a sorte de conviver em
sociedade.
Retornando alguns séculos, eu não
poderia escrever esse texto, a menos
que usasse um nome masculino. Não
temos motivos para ter saudades de
outros tempos, em que o certo era
determinado e indiscutível. Há de se lidar
com o barulho e caos das redes sociais e
reais sem saber, com exatidão, qual é,
afinal, a verdade absoluta. Talvez, seja a
hora de largarmos também essa
pretensão, de ter uma única e irrefutável
forma de ver. Afinal, são tantas opções
de se perceber um mesmo ponto, vários
deles nem envolvem a visão. Para que
insistir em um único ponto de vista?
Rosemar Silva -Edição
JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
3. É um alimento recheado
de cultura.
Lembra espiritualidade,
estimula a caridade
porque permite a partilha.
Pão, palavra tão pequena,
de grande irradiação.
Inspira a paciência,
exige tempo de fermentação.
Porque pão apressado é
duro,
não serve à digestão.
Ele é trabalhado no tempo
e usa todos os elementos
da natureza à mão:
Terra, na farinha,
Água para sovar,
Fogo para assar
e o Pão,
quando está pronto,
nos chama pelo Ar.
M E N T E A T I V A
JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
O PÃO
Mariana Delphino
Artista Visual
4. JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
A Senhora Contemplação,
observa a árvore que o tempo
transformou em estátua viva.
Vê na árvore seu reflexo, sua
essência de luz, de matéria, que
logo alí virará poeira cósmica.
Rosemar Silva
AROEIRA - CARTUNISTA
M E N T E A T I V A
ARTE E REFLEXÃO 01 de maio - Dia do Trabalho
09 de maio - Dia das Mães
11 de maio - Dia da Educação
no Trânsito
12 de maio - Dia do Enfermeiro
13 de maio - Dia de Preto Velho
17 de maio - Dia Internacional contra
a homofobia
20 de maio - Dia do Pedagogo e
Técnico em Enfermagem
25 de maio - Dia do Massoterapeuta
27 de maio - Dia da Mata Atlântica
FOTOGRÁFIA - MARIANA PIMENTAS
5. M E N T E A T I V A
Esse frio que invade,
entre as costelas...
Ar gélido de umidade...
Precisava tanto?
Mas é assim,
A vida é desafio.
Ser girassol
E não fenecer no frio.
É assim: compreender
que a vida também tem estações
e, agora é meu tempo
de florir para dentro,
encontrar o maior amor meu
que sou mesmo eu!
A vida é desafio
Ser girassol no inverno,
Em paz com o entender
Que nada é eterno.
Admirar as nuvens,
Viver os afetos,
Encontrar a alegria
de saber apreciar
os pequenos raios de sol...
A vida é desafio
Ser girassol é destino
De quem sempre busca
o calor pelo caminho.
JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
GIRASSOL DOS PAMPAS
Jeane Bordignon
voos.e.palavras
6. M E N T E A T I V A
Hoje é um dia especial para a Senhora das
Águas Doces. Ela está muito empolgada, fez
sua meditação matinal, tomou seu desjejum,
olhou para o céu e disse: hoje será um dia
daqueles. Sair não é algo costumeiro para
ela, somente sai do seu domínio quando é algo
muito importante.
O que ocorreu para ela largar a sua
comodidade? Percebeu que no mundo dos
humanos estava ocorrendo uma certa
agitação, uma correria e um silêncio. Escutou
ao longe um pedido de socorro ou um
desabafo. Como não conseguiu entender,
resolveu ir, in loco, para saber o que estava
ocorrendo. Talvez, de alguma forma, pudesse
ajudar ou, pelo menos, satisfazer sua
curiosidade.
Escolheu um dia qualquer e foi em direção ao
seu destino mas, antes, deixou algumas
recomendações para as corujas. Disse ela em
pensamento: “ah, como eu amo esses
bichinhos”. Ainda não sabia que destino
seguiria, que seria em direção àquele pedido
de socorro. Parou, olhou, pensou, “vou seguir
a minha intuição”. Andou, andou, andou,
deslizou alguns rios e, à medida que
avançava, o pedido de ajuda ficava mais
forte.
Quando se deu por conta, estava em frente a
uma casa azul claro com janela marrom
escuro, o portão feito de cano de pvc, um
lindo gramado, muito verde, uma energia
gostosa. Isso até a confundiu: “como um
lugar tão feliz pode ter alguém pedindo
amparo?” Subiu uns lances de escada, se
deparou com uma porta, pensou em bater
mas, resolveu observar de longe o que
acontecia nesse lar.
Optou em se transformar num igbí (caracol),
tinha uma verdadeira admiração por esse
animal. Transformação realizada, adentrou o
recinto, ou melhor, rastejou até encontrar
uma pessoa sentada numa cadeira
interagindo com uma máquina.
A pessoa estava falando sem parar e o igbí
ficou angustiado com tanto falatório. Após
algumas horas de observação, constatou que
era uma profissional da educação
trabalhando no ensino remoto, devido a uma
pandemia que estava tomando conta do
mundo.
Depois de muita observação, e até uma
experiência de quase morte, pois, num
determinado momento, a pessoa se levantou
e quase esmagou o caracol. Mas, a
educadora gosta dos igbí, inclusive interagiu
e disse algumas palavras: “os animais são
sempre bem-vindos a minha casa”. Após esse
encontro, quase desastroso, ela pegou a sua
caneca de café e passou a observar,
estabelecendo uma conexão de forma muito
rápida com o igbí. Foi surreal!
Quando ela se deu conta acabou se
assustando. O igbí sentiu seu coração
acelerar e respondeu que não precisava ficar
nervosa, que estava ali porque ela havia
chamado. As emoções tomaram conta dela,
tomou mais um gole de café e passou a
relatar as aventuras do ensino remoto.
Contou que está sendo desafiador, tem
aprendido coisas novas e teve que organizar
um espaço de trabalho em casa. Há muitas
risadas com os alunos e alunas, mas relatou
que não tem paciência para as reuniões
pedagógicas, sua câmera está sempre
desligada.
No entanto, a maior preocupação dela, era
os educandos e educandas que não tinham
acesso a nenhum tipo de tecnologia, que
estavam passando necessidade. A pandemia
escancarou, ainda mais, as desigualdades
sociais do nosso país.
A Senhora das Águas Doces fez uma escuta
amorosa, emanando boas vibrações e disse
que tudo passará. Resgate nela a sua
ancestralidade, a força das águas, o ciclo
das águas, pois, quando tudo parecer
perdido, se reconectar consigo é o melhor
remédio.
O igbí se despediu dizendo que sempre
estará com ela, mesmo distante. Porque
somos um só, somos Ubuntu.
JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
PECULIARIDADES DE UMA
PANDEMIA
Grasiela Rodrigues -Profe de História
7. M E N T E A T I V A
JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
GRASIELA
RODRIGUES
Licenciada em História
Professora da Rede
Pública Estadual
Coordenadora do Projeto
de leitura Vó Inês Virgínia,
a sabedoria ancestral
conectando gerações
através da leitura.
APRESENTAÇÃO DAS COLUNISTAS
8. ________
r[existir]
para viver
para lutar
________
Comemorar a cada ano o dia que
nascemos, além de simbólico, é
uma celebração. Um marco que
nos faz pensar em recomeço, um
ano novo particular.
Com a pandemia mundial, o maior
medo que eu tinha era de que eu
não conseguisse chegar aos meus
34 anos. Ou, ainda pior, que os que
eu mais amo não estivessem
comigo aqui, nem que seja
virtualmente. E que todos os
projetos, conquistas futuras,
pessoas que um dia vou amar e
que ainda nem conheço, e até as
decepções, tudo isso podia deixar
de existir.
Eu temi não ter um futuro para
temer.
O último dia do meu ano novo
particular é o dia da luta contra a
homofobia, o que me lembra que a
minha caminhada nesse mundo,
nesse país, não é fácil também para
além da pandemia. Então, quando eu
faço mais uma volta completa em
torno do sol, eu comemoro. Não as
dificuldades no caminho, mas o fato
de eu ter vencido elas, ter vencido
aqueles que questionam minha
existência.
E eu r[existo]. Eu resisto. E ainda mais,
eu celebro com alegria. Eu ainda
estou aqui!
*texto escrito no dia 18 de Maio, meu
aniversário.
JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
M E N T E A T I V A
Manda Moreira
poliamar
FELIZ NOVO CICLO!
Arte -Manda Moreira
9. JORNAL MENTE ATIVA
M A I O D E 2 0 2 1 - 8 º E D I Ç Ã O
Ju Lopse
lopselazuli
UM FIO DE CABELO
Há casos de demência em que uma
música é o único resquício. Pode ser a
canção de infância, um jingle
comercial, o que menos importa é a
letra ou o ano. Já vi casos em que a
“Valsa da Despedida” (‘adeus amor,
eu vou partir, ouço de longe um
clarim”) foi a relembrada. Às vezes,
errando a letra, mas nunca a
progressão em que a melodia
ascende até o clarim, avistado ao
longe. Uma canção que não foi um
grande hit da época, foi difícil
encontrar menção na literatura. E, o
que ela deve ter assim de tão
memorável? A memória de longo
prazo pode apegar-se, assim, de
forma aleatória, a uma caixa mais
bem guardada. Pode não ser a
canção que mais nos defina,
exatamente por ser mais evocada.
Pode ser aquela canção escondida, a
que resta.
Meu eu arquivista lembra de Le Goff
e seus documentos e monumentos.
Se o primeiro é a prova real, objetiva,
o segundo é o que resta e nos
relembra. Um fio de cabelo no paletó
que lembra alguém, mas também
algumas notas que se reconhece,
talvez sem saber de onde, mas, que
em um contexto de processo
degenerativo de memória, é o único
fio que conduz a uma prevenção
nessa perda. Como sociedade,
também.
Pode ser que um arqueólogo, daqui a
milênios, encontre um rótulo de Coca-
Cola como única prova dos nossos
tempos. Toda a nossa existência se
resumirá a conservantes.
Já falei, do alto dos meus
preconceitos, que tenho pena dos
musicoterapeutas no futuro, que
terão de lidar com resquícios de
memórias como tche tche tchere re
tche tche. Que importa se a música
era sucesso ou a sua qualidade?
Interessa-nos encontrar um meio de
conectar a pessoa com uma
memória, real ou inventada sobre
resquícios reais.
Quando vem aquela música mal
conhecida, hoje, na internet, é fácil
descobrir que aquela melodia, que
desafiava em seus agudos, nem era
assim. “Pessoa”, canção de Marina
Lima, era esse meu vulto sonoro. Ao
me deparar com um andamento mais
espaçado e menos agudo do que
minhas reminiscências indicavam, me
questionei o que isso dizia sobre mim
e minha capacidade composicional
involuntária.
Não espere precisar de um fio de
memória conduzido por uma música,
busque hoje mesmo as melodias que
conectam com memórias. É possível
se surpreender com todas as
canções que te compõem.
M E N T E A T I V A