1. II A Acção Humana e os Valores
1.1 A rede conceptual da acção
SUMÁRIO
Situação-Problema
Análise da Situação-Problema
Caracterização do conceito de acção
A complexidade do agir
Condicionantes da acção
2. Que vamos estudar ?
“No supermercado da vida, os animais
aparecem com uma tecnologia de ponta;
pelo contrário, os seres humanos são
anatomicamente indigentes, e compensam
com a sua actividade inventiva as limitações
a que estão sujeitos.”
F. Savater
→ Esta “actividade inventiva” é a acção
4. Situação-Problema >>>
O caso dramático das térmitas
As formigas‑brancas constroem formigueiros com vários metros
de altura e duros como pedra...o formigueiro serve‑lhes de
carapaça colectiva contra certas formigas inimigas... por vezes
um dos formigueiros é derrubado... A seguir as térmitas operário
começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza...entretanto já
as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas
soldado saem em defesa da sua tribo e tentam deter as inimigas
enquanto ferozes mandíbulas as vão despedaçando. As
operárias trabalham para fechar de novo a termiteira deixando
de fora as pobres e heróicas térmitas soldado, que sacrificam as
suas vidas pela segurança das restantes formigas.
→ Não será justo dizer que são valentes?
Pensar Azul p. 42-43
6. Situação-Problema >>>
O caso de Heitor
Homero, na Ilíada, conta a história de Heitor,
o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme,
fora das muralhas da sua cidade, o enfurecido
Aquiles, embora sabendo que Aquiles é mais forte
do que ele e que provavelmente vai matá-lo.
Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste
em defender a família e os concidadãos do terrível
assaltante
→ Heitor é um herói, um homem valente como deve ser.
Alguém duvida?
7. Exploração da Situação-Problema
• Mas será Heitor heróico e valente da mesma
maneira que as térmitas soldado, cuja gesta
nenhum Homero se deu ao trabalho de contar?
• Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa
que qualquer uma das térmitas anónimas?
• Porque nos parece o seu valor mais autêntico
e mais difícil do que o dos insectos?
Qual é a diferença entre
os dois casos?
8. Análise da Situação-Problema
Comportamento das Comportamento de
formigas Heitor
• as formigas reagem à ameaça • Heitor não reage por instinto
• cada grupo desempenha a tarefa • interiorizou valores (dever de
programada defender a Pátria, a família e os
concidadãos)
• não podem recusar as tarefas
• as formigas seguem o instinto • pode recusar-se a lutar
(correndo o risco de ser chamado
• as operárias não podem escolher cobarde)
não trabalhar, nem as soldado
podem escolher fugir • tem consciência do risco, talvez
sinta medo, mas escolhe lutar
9. Caracterização do conceito/termo acção
Problema
Qual a especificidade da acção humana?
Como usamos o termo acção na linguagem
corrente?
Serve apenas para designar comportamentos como
o de Heitor?
Que significa o termo acção?
10. Significado do termo acção
O termo acção é usado com significados
diferentes:
– dizemos que a acção das cegonhas é
benéfica para a agricultura ou que a
gravitação é uma forma de acção à distância
– dizemos indiferentemente agiu bem ou fez
bem, usando os termos agir e fazer como
sinónimos
11. Etimologia
• O termo fazer (do latim facere) tem um
sentido mais amplo do que agir
• O termo agir ou acção (do latim agere)
designa apenas algumas das nossas
actividades
12. Acção e Acontecimento >>>
Os termos acção e agir Está excluído do
designam apenas os conceito de acção:
comportamentos:
• o que os animais fazem
• intencionais • os movimentos que
fazemos a dormir
• conscientes
• as reacções automáticas
(fisiológicas ou psicológicas)
• voluntários
(ver textos 1 e 2)
13. Acção e Acontecimento >>>
Exemplo
Ir voluntariamente à farmácia
Constipar-se não é uma é uma acção - porque
acção porque
• resulta de deliberação
• constipar-se é algo que (convém ir ou não?)
acontece a uma pessoa
• há decisão voluntária de um
agente (vou!)
• não há interferência da sua
vontade • há uma intenção (comprar
um medicamento)
• há um motivo (estar doente)
14. Definição de Acção
Acção
É uma interferência consciente e voluntária
do agente no normal decurso das coisas
que, sem essa interferência, seguiriam
um caminho distinto
15. Aplicação à Situação-Problema
O comportamento das O comportamento de
formigas não é uma acção, Heitor é uma acção,
porque: porque há:
• não há consciência • agente
• não há intencionalidade • consciência
• não há possibilidade de • possibilidade de opção
opção (ainda que condicionada)
• apenas há reacção ou • intencionalidade
resposta instintiva
16. Rede conceptual da acção
Livre-Arbítrio
ou Vontade
capacidade
de escolher Agente
Heitor escolhe lutar: sujeito da acção:
poderia ter fugido Heitor
Consciência
percepção de Intenção
si como autor propósito da acção:
da acção. defender a cidade,
Heitor reconhece-se a família e os concidadãos
defensor da cidade
Motivo
porquê da acção:
o dever de defender
a cidade, a honra
e a dignidade
17. Consciência, inteligência, vontade, corpo
A consciência identifica (a intenção e o motivo)
A inteligência delibera (avalia as opções)
A vontade decide (escolhe uma das opções)
O corpo executa (põe em movimento)
18. Complexidade do agir
Posso fazer o que quero,
mas não posso querer
o que quero
Schopenhauer, O mundo como vontade e
representação
19. O voluntário e o involuntário >>>
Definimos acção como
uma interferência consciente e voluntária do agente
Agora perguntamos:
• O agente decide sempre em função de razões
que ele próprio escolheu?
• Conhece todos os motivos que o movem?
• Existem motivações não conscientes?
20. O voluntário e o involuntário >>>
Alguns autores não reconhecem à Vontade poder
para optar
Outros reconhecem esse poder, mas afirmam que a
subjectividade humana também integra forças e
tendências inconscientes resistentes ao poder
da vontade
21. O voluntário e o involuntário >>>
As forças que podem constituir motivações involuntárias são:
1. Qualidades do carácter que constituem o nosso
modo de ser
(costumamos chamar-lhes índole ou temperamento - exemplo:
tendência espontânea para ser egoísta, rancoroso, vingativo ou colérico, ou
para ser boa pessoa, generoso e solidário)
2. Forças e tendências de que não nos
apercebemos, mas que também influenciam a
decisão
22. O voluntário e o involuntário >>>
Embora estas qualidades do carácter e as forças e
tendências inconscientes não resultem de uma
escolha da vontade, têm de ser integradas e
harmonizadas
É por tudo isto que o processo da deliberação e da
decisão é um processo complexo e conflituoso
(sobretudo nos casos em que motivações afectivas, desejos
e forças inconscientes ou instintos básicos como o de
sobrevivência - opõem resistência a motivações de ordem
racional)
23. O voluntário e o involuntário >>>
Então, que significa “querer”?
Significa:
• Decidir, assumindo o involuntário
• Consentir, conciliando o voluntário e o
involuntário
• Agir, movendo o corpo
24. O voluntário e o involuntário >>>
A decisão é, portanto, um acto da vontade
A vontade:
• Define um projecto, assumindo um propósito baseado em
razões ou motivos (alguns motivos podem ser inconscientes
ou conter elementos involuntários)
• Concretiza a intenção
(mobilizando o corpo, intervindo na realidade)
• Harmoniza os elementos voluntários e involuntários,
responsabilizando o agente
25. Condicionantes da acção >>>
Condicionantes Condicionantes
físico-biológicas histórico-sócio-culturais
e psicológicas
(noutra época e noutro lugar cada
(conferem aptidões mas um de nós seria diferente)
condicionam as acções)
• Época histórica
• Património genético
• Ambiente • O meio sociocultural
• Personalidade
26. Condicionantes da acção >>>
Socialização Cultura
é o processo de é o conjunto de formas
integração de uma que um grupo social
criança numa adoptou para tratar
determinada de todos os problemas
sociedade (implica que lhe são comuns,
a assimilação da cultura que herda e transmite
a que pertence) às gerações seguintes
(Texto 3)
27. Somos ou não somos livres?
Segundo Pico della Mirandolla (séc.XV), ao criar o Homem, Deus disse:
Não te dei, Adão, nem um aspecto propriamente teu, nem
nenhuma prerrogativa tua, para que aquele lugar, aquele
aspecto, aquelas prerrogativas que tu desejas, tudo, segundo a
tua vontade e juízo, obtenhas e conserves. A natureza
determinada dos restantes seres está contida nas leis por mim
prescritas. Tu determiná-la-ás a ti mesmo, sem estar
condicionado por nenhuma fronteira, segundo o teu arbítrio, a
cujo poder te consigno para que tu próprio, livre e soberano
artífice, te modelasses e esculpisses na forma escolhida por ti.
“Sobre a dignidade humana”, in Savater, A Coragem de Escolher
Pensar Azul, p. 48
28. Condicionantes Condicionantes
físico-biológicos
Ser Humano socioculturais
Dimensão bio-psico-sócio-cultural Vida social em
Herança genética interacção com os
(sem natureza pré- ↔ outros - influência da
definida) cultura e do ambiente
↓
Assimilação/criação de cultura -
desenvolvimento de factores
cognitivos e activos
(consciência e vontade)
↓
Consciência → AGENTE ← Intenção
Vontade → ↓ ← Motivo
ACÇÃO
auto-construção de si - realização de
uma vida com sentido