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O Crescimento Não é um
Conceito Unânime na Europa
Jorge Nunes Barbosa • 14 de Maio de 2012





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O Crescimento Não é um
Conceito Unânime na Europa
JORGE BARBOSA




François Hollande, Angela Merkel, Mario Monti já só têm esta palavra na boca: crescimento.
Mas será que falam da mesma coisa? Tudo indica que não.

Para o Francês, o crescimento consiste essencialmente em utilizar financiamentos europeus
para lançar ou acelerar a realização de grandes projetos estruturantes, nomeadamente no
domínio energético ou ambiental. Para além do seu interesse particular, estes projetos teriam
o mérito de mobilizar as energias para uma grande causa europeia.

Para Angela Merkel, o crescimento só pode ser durável. Trata-se, de facto, de reformas
estruturais, nomeadamente no mercado de trabalho, que permitam que os países sejam
competitivos. Para ela, aumentar as dívidas públicas não é sequer pôr em marcha uma política
keynesiana, é agravar a situação e é prova de covardia política.

“CONSTRUIR A EUROPA EM BASES SÓLIDAS"

Do ponto de vista de Merkel, a Europa do Sul não é competitiva, e a única forma de evitar
transferências financeiras permanentes é que estes países conduzam políticas orçamentais
que provoquem recessões salutares. Esta é também a opinião de Pedro Passos Coelho e do
seu Ministro das Finanças. Talvez as eleições, ocorridas na Europa os forcem a mudar de
opinião. Só que, para um país rico, as políticas recessivas têm efeitos controláveis, ou podem
ter, mas os países pobres, entrando em recessão, e não tendo meios autónomos de

http://web.mac.com/jbarbo00
recuperação, muito provavelmente, terão de recorrer às tais transferências que Merkel tanto
contesta.

Para os liberais, como os primeiros ministros italiano e britânico, Mario Monti e David
Cameron, que, com outros dez outros dirigentes europeus, publicaram um documento a esse
respeito em fevereiro, o crescimento passa por uma maior concorrência nos serviços,
nomeadamente na energia. Passa igualmente pela assinatura de acordos de livre mercado com
a Índia e o Canadá, por reformas nos mercados de trabalho e por uma redução das ajudas
públicas aos bancos.

Vamos ver o que acontece. Mas não é salutar meter a cabeça na areia, não entender o que se
passa e o que está em jogo, e reclamar à toa. É preciso saber o que se quer. É indispensável
trazer o debate político para o lugar que lhe pertence: o lugar da frente. A participação dos
cidadãos só é possível no debate político; o debate tecnocrático é um debate que começa a ser
repugnantemente antidemocrático, porque nele os cidadãos só podem participar à vez à vez,
consoante a sua formação e experiência de vida, e alguns são mesmo completamente
excluídos.

A pergunta a que importa responder não é: “como é que vamos gastar o dinheiro (pouco ou
muito) que temos?” A pergunta a que é preciso responder é: “O que é que é desejável que
façamos, para o bem de todos?” É bom aumentar o desemprego? É bom não garantir cuidados
de saúde de qualidade para todos? É bom que a educação não seja eficiente para todos? É bom
que muitas pessoas percam a garantia de uma velhice com dignidade? Por outro lado, é bom
que alguns se dediquem a acumular capitais que não querem partilhar, nem pela via do
investimento, nem muito menos pela via dos impostos?

Perguntas deste género podem e devem ser feitas. E muitas mais há para fazer. Não seria de
admirar que, para quase todas, as respostas recolham uma concordância generalizada entre
pessoas de bem. Aquilo que será mais difícil é encontrar o acordo sobre como levar a cabo
políticas que estejam de acordo com as respostas consensuais. Há, portanto, uma pergunta
fundamental a que é necessário responder sensatamente: “Podemos chegar a algum lado,
fazendo o caminho no sentido oposto?” A mim, parece-me que não.

Talvez o que é bom para todos não esteja aí ao alcance das mãos. Mas, tendo em conta os
limites dos recursos de que dispomos, é dando passos em frente que lá podemos chegar. Os
seres humanos não se regem pelas leis da física. Ir para trás para ganhar lanço não é uma boa
solução, quando aquilo que falta são as forças que, sendo humanas, estão longe de ser
inesgotáveis.



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  • 2. O Crescimento Não é um Conceito Unânime na Europa JORGE BARBOSA François Hollande, Angela Merkel, Mario Monti já só têm esta palavra na boca: crescimento. Mas será que falam da mesma coisa? Tudo indica que não. Para o Francês, o crescimento consiste essencialmente em utilizar financiamentos europeus para lançar ou acelerar a realização de grandes projetos estruturantes, nomeadamente no domínio energético ou ambiental. Para além do seu interesse particular, estes projetos teriam o mérito de mobilizar as energias para uma grande causa europeia. Para Angela Merkel, o crescimento só pode ser durável. Trata-se, de facto, de reformas estruturais, nomeadamente no mercado de trabalho, que permitam que os países sejam competitivos. Para ela, aumentar as dívidas públicas não é sequer pôr em marcha uma política keynesiana, é agravar a situação e é prova de covardia política. “CONSTRUIR A EUROPA EM BASES SÓLIDAS" Do ponto de vista de Merkel, a Europa do Sul não é competitiva, e a única forma de evitar transferências financeiras permanentes é que estes países conduzam políticas orçamentais que provoquem recessões salutares. Esta é também a opinião de Pedro Passos Coelho e do seu Ministro das Finanças. Talvez as eleições, ocorridas na Europa os forcem a mudar de opinião. Só que, para um país rico, as políticas recessivas têm efeitos controláveis, ou podem ter, mas os países pobres, entrando em recessão, e não tendo meios autónomos de http://web.mac.com/jbarbo00
  • 3. recuperação, muito provavelmente, terão de recorrer às tais transferências que Merkel tanto contesta. Para os liberais, como os primeiros ministros italiano e britânico, Mario Monti e David Cameron, que, com outros dez outros dirigentes europeus, publicaram um documento a esse respeito em fevereiro, o crescimento passa por uma maior concorrência nos serviços, nomeadamente na energia. Passa igualmente pela assinatura de acordos de livre mercado com a Índia e o Canadá, por reformas nos mercados de trabalho e por uma redução das ajudas públicas aos bancos. Vamos ver o que acontece. Mas não é salutar meter a cabeça na areia, não entender o que se passa e o que está em jogo, e reclamar à toa. É preciso saber o que se quer. É indispensável trazer o debate político para o lugar que lhe pertence: o lugar da frente. A participação dos cidadãos só é possível no debate político; o debate tecnocrático é um debate que começa a ser repugnantemente antidemocrático, porque nele os cidadãos só podem participar à vez à vez, consoante a sua formação e experiência de vida, e alguns são mesmo completamente excluídos. A pergunta a que importa responder não é: “como é que vamos gastar o dinheiro (pouco ou muito) que temos?” A pergunta a que é preciso responder é: “O que é que é desejável que façamos, para o bem de todos?” É bom aumentar o desemprego? É bom não garantir cuidados de saúde de qualidade para todos? É bom que a educação não seja eficiente para todos? É bom que muitas pessoas percam a garantia de uma velhice com dignidade? Por outro lado, é bom que alguns se dediquem a acumular capitais que não querem partilhar, nem pela via do investimento, nem muito menos pela via dos impostos? Perguntas deste género podem e devem ser feitas. E muitas mais há para fazer. Não seria de admirar que, para quase todas, as respostas recolham uma concordância generalizada entre pessoas de bem. Aquilo que será mais difícil é encontrar o acordo sobre como levar a cabo políticas que estejam de acordo com as respostas consensuais. Há, portanto, uma pergunta fundamental a que é necessário responder sensatamente: “Podemos chegar a algum lado, fazendo o caminho no sentido oposto?” A mim, parece-me que não. Talvez o que é bom para todos não esteja aí ao alcance das mãos. Mas, tendo em conta os limites dos recursos de que dispomos, é dando passos em frente que lá podemos chegar. Os seres humanos não se regem pelas leis da física. Ir para trás para ganhar lanço não é uma boa solução, quando aquilo que falta são as forças que, sendo humanas, estão longe de ser inesgotáveis. http://web.mac.com/jbarbo00