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DIVA




52
A musa Paula Toller vivencia um momento iné-
         dito em sua carreira. Enquanto colhe os bons re-
         sultados de seu segundo e aclamado trabalho solo,
         “Sónós”, a cantora finaliza a produção de seu pri-
         meiro DVD, feito de forma independente em parce-
         ria com seu marido, o cineasta Lui Farias.
            Sem a presença dos companheiros do Kid Abelha
         nem as canções enérgicas da sua banda, Paula assume             Lançado nove anos após sua primeira aventura
         uma postura mais intimista e introspectiva na nova tur-      sem o Kid Abelha, o disco apresenta a faceta mais
         nê e experimenta uma relação diferente com o público.        criativa da artista. Diferente do primeiro álbum
            “Tenho experimentado a sensação de estar sendo            homônimo, que trazia apenas duas composições
         admirada, avaliada, ouvida, enfim. Um incômodo e             próprias, seu mais recente trabalho, que recebeu
         delicioso desafio”, conta.                                   elogios da crítica e dos fãs, é totalmente autoral.
            A boa fase não se restringe apenas à sua carrei-             Foi durante a fase de preparação para o lan-
         ra: a beldade está de bem com a vida e mostra mui-           çamento de seu primeiro DVD solo que Paula
         ta maturidade, não só como cantora, mas também               Toller conversou com a L’UOMO BRASIL sobre
         como compositora, mãe e esposa. A loira parece ter           esse momento tão importante em sua carreira.
         alcançado a paz interior, pelo menos temporaria-             Veja nessa entrevista exclusiva, que contou so-
         mente, como ela prefere dizer.                               bre sua carreira, suas inspirações, sua família,
            Apesar de tal maturidade, Paula esbanja tanta jo-         seu passado e seus desejos.
         vialidade que tem dificuldade para convencer os in-
         cautos de que já atingiu os 46 anos (mais da metade              O tempo passa e você consegue ficar
         dos quais dedicados à música popular brasileira).             sempre melhor, está mais bonita, elegante
         Longe de se preocupar com rótulos, ela aceita e incor-        e sofisticada do que nunca, continua uma
         pora devidamente o título de sex symbol, sem que isso         ótima cantora e se mostrou uma compo-
         lhe ofusque o talento para compor, comprovado com             sitora talentosa. O que tem feito para ter
         o mais recente “Sónós”.                                       esta convivência proveitosa com o tempo?
                                                                          Eu faço valer bem o meu tempo. Quando come-
                                                                       cei, isso se manifestava como uma energia juvenil,




P
                                                        intuitiva. Após observar e viver as pancadas que a vida dá, con-
                                                        cluo que não há outro jeito a não ser viver da melhor maneira
                                                        possível, realizar o máximo possível, com as pessoas queridas
                                                        sempre perto e, claro, sempre de olho no impossível.
                                                           Você aceita o título de sex symbol? Isso te incomo-
                                                        da hoje?
                                                           Aceito. Outro dia vivi uma situação bizarra: fui fazer show em
                                                        Buenos Aires e o oficial da imigração do aeroporto quase me impe-
                                                        diu de entrar no país porque não acreditou na data de nascimento
                                                        do meu passaporte e desconfiou que era falso. Não sabia se ficava
                                                        com raiva pela demora ou lisonjeada pelo espanto dele.




     aula Toller
Para eXCITar a INTelIGÊNCIa
POR JACKSON GUEDES




                                                                                                                            53
Ao longo dos anos, o que aprendeu em rela-
       ção à importância das coisas? Sua percepção
       do que era ou não importante mudou?
          Antigamente, trabalhava muito para conseguir
       que as músicas virassem hits. Vivia a cena musical
       de maneira muito pragmática. Hoje, penso na mi-
       nha carreira como um todo, não estou tão preocu-
       pada com o estouro de uma música, mas sim com o
       entendimento pelo público do que é o meu trabalho
       e minha atitude como artista e cidadã. Então, nessa
       nova postura, são mais importantes os shows, discos
       e entrevistas mais reflexivas.
          O que te dá mais alegria hoje? Ainda tem
       sonhos não realizados ou já conquistou o su-
       ficiente para sua paz interior? Desenvolve al-
       guma prática espiritual?
          Paz interior é como trem: vem vindo, fica um tem-
       pinho na estação, depois sai e você fica esperando o
       próximo, que, enquanto não vem, você tem um monte        Era a fantasia do príncipe encantado, estava sempre esperando
       de coisas para fazer. Procuro um equilíbrio entre as     a inspiração como aquele jovem lindo que vinha em um cavalo
       relações pessoais e profissionais e as vaidades com o    branco para me salvar. Depois de muito suplício criativo, decidi
       corpo e a mente. Mas é um equilíbrio dentro do dese-     que sabia fazer o que fazia e bastava olhar em volta e fazer, sem
       quilíbrio, sem querer ajustar tudo no meio-termo.        esperar nada. Então, peguei o príncipe encantado e ordenei: ago-
          Eu mantenho algumas práticas místicas que vêm         ra venha trabalhar para mim!
       da minha educação religiosa, embora há muito não            Você citou em algumas entrevistas seus autores pre-
       siga mais religião. Gosto, por exemplo, de entrar        feridos. De que forma os livros e autores que lê influen-
       em igrejas vazias e rezar, usar alguns símbolos, mas     ciam em seu repertório? O que tem lido ultimamente?
       não sigo os dogmas, até porque, como boa brasilei-          Meus livros são todos rabiscados, sublinhados... Relaciono-me
       ra, também observo rituais de outras religiões. Para     com o objeto sem muito respeito. Leio todos do Michel Houellebe-
       mim, o mais importante de tudo é que meus amigos         cq, do Pedro Juán Gutierrez; agora mergulhei na biografia do André
       e as pessoas próximas a mim tenham a certeza de          Midani (Música, Ídolos e Poder) e em Uma breve história do futu-
       que estou pronta para ajudar quando precisarem.          ro, de Jacques Attali. Também adoro os do Garcia Roza, acompanho
                                                                                         igual novela. Às vezes, o livro me impressio-
                                                                                         na de tal modo que influencia a minha vida

     “Peguei o príncipe
                                                                                         pessoal e, conseqüentemente, a criação.
                                                                                            E em relação à música atual, o
                                                                                         que tem ouvido?

     encantado e ordenei: agora                                                             Rufus Wainwright, Amy Winehouse,
                                                                                         Pet Sounds, dos Beach Boys, e as quatro

     venha trabalhar para mim!”                                                          sinfonias de Brahms estão no meu carro
                                                                                         atualmente. Em casa, quando era criança,
                                                                                         era uma mistura danada por causa do gos-
                                                                                         to de meu avô, um homem culto: Carmem
          Em uma auto-análise, o que menos gosta?               Miranda, Elis, Beatles, os BBBs (Bach, Beethoven e Brahms) e
       E o que mais aprecia?                                    Chopin, etc. Eu ficava no meu quarto estudando e ouvia esses
          Eu sou exigente e minuciosa, o que pode ser defeito   clássicos sem saber o que era de quem. Muitos anos depois, já
       e qualidade a depender da situação. Não sei fazer nada   adolescente, aconteceu de eu ouvir um piano e cantarolar de cor,
       pela metade, vou pregar botão, tenho de pregar muito     pensando: conheço isso. Eram as sonatas de Beethoven. Foi uma
       bem. Dá uma certa dor de cabeça, mas odeio negligen-     boa maneira de me ensinar sem impor e sem que eu ficasse com
       ciar as coisas. O que mais gosto em mim, sem dúvida,     um temeroso respeito. Agradeço ao meu avô por isto, inclusive
       é minha saúde.                                           dediquei meu primeiro disco a ele.
          Ao olhar para trás, o que fez de errado que              “Sónós” é um disco conceitual? Que tema representa
       hoje se lamenta e não o faria novamente?                 esse conceito que permeia o disco?
          Eu teria tido empresários melhores. O resto não          Me coloquei como hub (centro), nó, pólo, tanto dos composi-
       dava para ser diferente do que foi, e foi legal.         tores como dos sentimentos mostrados nas canções. Eu toquei
          Você mudou sua forma de compor? Onde pas-             nos pontos sensíveis para mim naquele momento, vida em co-
       sou a buscar inspiração para suas músicas?               mum, maternidade e feminilidade.
          A inspiração vem do ar que respiro, em todos os          O disco, em minha opinião, é bem folk-jazz e chega
       sentidos. Vem do que penso diante de um aconteci-        a lembrar certos momentos de Carole King e Joni Mi-
       mento, de um livro, um show, um disco de alguém...       tchel. Elas foram inspiração direta? Fazem parte de
       Antes eu sacralizava o tal “momento de inspiração”.      suas influências?

54
“eu tenho
                                                                   experimentado a
   Joni Mitchell eu admiro demais, mas não sou íntima, agora
quanto a Carole King, você foi na mosca. Quando recebi as demos
do Jesse Harris, ouvi a Carole que há nele, na voz e na compo-
sição. Foi impressionante! Na hora de cantar “If you won’t” eu
mantive esse “perfume”.
                                                                   sensação de estar
   Em seu site, diz que só vê graça em escrever tocan-
do nos pontos que doem. Pode-se dizer que “Sónós”                  sendo admirada,
                                                                   avaliada e ouvida.
é um disco intimista e confessional? Você se expõe
bastante nas letras.
   Me exponho e não vejo como se possa ser artista sem fazê-lo.
   Os próprios shows têm sido mais intimistas do
que os feitos com o Kid Abelha, certo? Como tem sido               um incômodo e
essa experiência?
   Eu tenho experimentado a sensação de estar sendo admira-
da, avaliada e ouvida. Um incômodo e delicioso desafio. Mas há
                                                                   delicioso desafio”.
compensações, como os aplausos em cena aberta, que estou ex-
perimentando pela primeira vez. E também posso chegar mais
perto das pessoas e interagir, você vê isso nas cenas do DVD em
que canto na platéia.
   Como foi o processo de criação do disco? Pode falar
um pouco sobre as parcerias? Uma versão que gostei
muito foi a de Vicious World do Rufus Wanwright. Eu
soube que ele gostou bastante do resultado. Você che-
gou a participar dos shows com ele? Como conseguiu
aproximar o universo dele, tão peculiar, com referên-
cias próprias suas como a citação à Maysa?
   Ainda não cantei com Rufus; vai ser difícil com aquele monte
de cantoras na família dele (risos). Tenho certeza que ele ado-
raria Maysa, o ar aristocrático deprimido, a voz rouca. Usei as
citações porque conheço bem as letras dele e ele abusa delas.
   “Sónós” traz composições suas em inglês. Compor
em outro idioma lhe permite dar abordagem a temas
que não conseguiria tratar em português?
   Eu consegui usar essa palavra que adoro – predation –, que
é meio esquisita em português: predação. E a música ficava
melhor mesmo em inglês, pois a acentuação da melodia não
combinava com português. Até fiz uma versão, mas não pas-
sou no “controle de qualidade”.
   Já gravou duas músicas para seu filho, outra para
o marido, além de ter trabalhado diretamente com
ele na gravação do DVD. Qual a importância da sua
família hoje?
   Eu e Lui trabalhamos muito bem juntos. Contamos com a
opinião e ajuda um do outro e sabemos quase sempre a hora de          Em um momento em que vários movimentos
desligar a chave “trabalho” e ligar a chave “casal”. A minha pe-   musicais estão sendo relembrados e homenagea-
quena família me suporta emocionalmente para tudo. Gostamos        dos como a Tropicália e a Bossa-Nova, acha que
de ficar juntos, damos risada juntos, mas somos independentes,     sua geração será celebrada da mesma forma?
sem chantagens emocionais.                                         Qual a importância de ter liderado a mais signifi-
   Como foi a gravação do DVD? O que achou do re-                  cante banda pop dos anos 1980?
sultado? Como foi a experiência de gravar de forma                    Não há como comparar com as gerações anteriores,
independente?                                                      pois o regime militar criou um hiato e impediu a ligação
   O cenário diz tudo na dureza dos nós da madeira, na transpa-    do pessoal anterior conosco. Essa troca só aconteceu de-
rência do vidro, na brincadeira de reflexão dos espelhos distor-   pois que já fazíamos sucesso. Minha geração tinha um
cidos. Foi uma louca maratona. Ficou lindo, honesto, moderno       nível alto em se tratando de música pop. No começo,
e misturado. Na parte artística, sempre trabalhei com indepen-     deixávamos a desejar tecnicamente, mas tínhamos ex-
dência, em 27 anos nenhuma gravadora jamais me impôs músi-         celentes idéias, éramos carismáticos e tínhamos vozes
ca, estilo, capa de disco, participação em programas de TV, nada   com personalidade. Nenhum conjunto (era o termo
disso. Então, isso é parecido, mas agora serei dona do master.     que a gente usava) se parecia com os outros. Convém
Tive uma boa proposta de uma excelente distribuidora, que era      lembrar que chegamos a pessoas de todas as classes, em
um problema antigo para os independentes. Já que entrei nessa      todo o Brasil. Até hoje, sou igualmente bem recebida
corrente de novas estréias, por que não mais uma?                  nos subúrbios e lugares da alta burguesia.

                                                                                                                              55

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Violet Massacre Zine 2ª edição Fevereiro/2013
 

Paula Toller: a diva em seu melhor momento

  • 2. A musa Paula Toller vivencia um momento iné- dito em sua carreira. Enquanto colhe os bons re- sultados de seu segundo e aclamado trabalho solo, “Sónós”, a cantora finaliza a produção de seu pri- meiro DVD, feito de forma independente em parce- ria com seu marido, o cineasta Lui Farias. Sem a presença dos companheiros do Kid Abelha nem as canções enérgicas da sua banda, Paula assume Lançado nove anos após sua primeira aventura uma postura mais intimista e introspectiva na nova tur- sem o Kid Abelha, o disco apresenta a faceta mais nê e experimenta uma relação diferente com o público. criativa da artista. Diferente do primeiro álbum “Tenho experimentado a sensação de estar sendo homônimo, que trazia apenas duas composições admirada, avaliada, ouvida, enfim. Um incômodo e próprias, seu mais recente trabalho, que recebeu delicioso desafio”, conta. elogios da crítica e dos fãs, é totalmente autoral. A boa fase não se restringe apenas à sua carrei- Foi durante a fase de preparação para o lan- ra: a beldade está de bem com a vida e mostra mui- çamento de seu primeiro DVD solo que Paula ta maturidade, não só como cantora, mas também Toller conversou com a L’UOMO BRASIL sobre como compositora, mãe e esposa. A loira parece ter esse momento tão importante em sua carreira. alcançado a paz interior, pelo menos temporaria- Veja nessa entrevista exclusiva, que contou so- mente, como ela prefere dizer. bre sua carreira, suas inspirações, sua família, Apesar de tal maturidade, Paula esbanja tanta jo- seu passado e seus desejos. vialidade que tem dificuldade para convencer os in- cautos de que já atingiu os 46 anos (mais da metade O tempo passa e você consegue ficar dos quais dedicados à música popular brasileira). sempre melhor, está mais bonita, elegante Longe de se preocupar com rótulos, ela aceita e incor- e sofisticada do que nunca, continua uma pora devidamente o título de sex symbol, sem que isso ótima cantora e se mostrou uma compo- lhe ofusque o talento para compor, comprovado com sitora talentosa. O que tem feito para ter o mais recente “Sónós”. esta convivência proveitosa com o tempo? Eu faço valer bem o meu tempo. Quando come- cei, isso se manifestava como uma energia juvenil, P intuitiva. Após observar e viver as pancadas que a vida dá, con- cluo que não há outro jeito a não ser viver da melhor maneira possível, realizar o máximo possível, com as pessoas queridas sempre perto e, claro, sempre de olho no impossível. Você aceita o título de sex symbol? Isso te incomo- da hoje? Aceito. Outro dia vivi uma situação bizarra: fui fazer show em Buenos Aires e o oficial da imigração do aeroporto quase me impe- diu de entrar no país porque não acreditou na data de nascimento do meu passaporte e desconfiou que era falso. Não sabia se ficava com raiva pela demora ou lisonjeada pelo espanto dele. aula Toller Para eXCITar a INTelIGÊNCIa POR JACKSON GUEDES 53
  • 3. Ao longo dos anos, o que aprendeu em rela- ção à importância das coisas? Sua percepção do que era ou não importante mudou? Antigamente, trabalhava muito para conseguir que as músicas virassem hits. Vivia a cena musical de maneira muito pragmática. Hoje, penso na mi- nha carreira como um todo, não estou tão preocu- pada com o estouro de uma música, mas sim com o entendimento pelo público do que é o meu trabalho e minha atitude como artista e cidadã. Então, nessa nova postura, são mais importantes os shows, discos e entrevistas mais reflexivas. O que te dá mais alegria hoje? Ainda tem sonhos não realizados ou já conquistou o su- ficiente para sua paz interior? Desenvolve al- guma prática espiritual? Paz interior é como trem: vem vindo, fica um tem- pinho na estação, depois sai e você fica esperando o próximo, que, enquanto não vem, você tem um monte Era a fantasia do príncipe encantado, estava sempre esperando de coisas para fazer. Procuro um equilíbrio entre as a inspiração como aquele jovem lindo que vinha em um cavalo relações pessoais e profissionais e as vaidades com o branco para me salvar. Depois de muito suplício criativo, decidi corpo e a mente. Mas é um equilíbrio dentro do dese- que sabia fazer o que fazia e bastava olhar em volta e fazer, sem quilíbrio, sem querer ajustar tudo no meio-termo. esperar nada. Então, peguei o príncipe encantado e ordenei: ago- Eu mantenho algumas práticas místicas que vêm ra venha trabalhar para mim! da minha educação religiosa, embora há muito não Você citou em algumas entrevistas seus autores pre- siga mais religião. Gosto, por exemplo, de entrar feridos. De que forma os livros e autores que lê influen- em igrejas vazias e rezar, usar alguns símbolos, mas ciam em seu repertório? O que tem lido ultimamente? não sigo os dogmas, até porque, como boa brasilei- Meus livros são todos rabiscados, sublinhados... Relaciono-me ra, também observo rituais de outras religiões. Para com o objeto sem muito respeito. Leio todos do Michel Houellebe- mim, o mais importante de tudo é que meus amigos cq, do Pedro Juán Gutierrez; agora mergulhei na biografia do André e as pessoas próximas a mim tenham a certeza de Midani (Música, Ídolos e Poder) e em Uma breve história do futu- que estou pronta para ajudar quando precisarem. ro, de Jacques Attali. Também adoro os do Garcia Roza, acompanho igual novela. Às vezes, o livro me impressio- na de tal modo que influencia a minha vida “Peguei o príncipe pessoal e, conseqüentemente, a criação. E em relação à música atual, o que tem ouvido? encantado e ordenei: agora Rufus Wainwright, Amy Winehouse, Pet Sounds, dos Beach Boys, e as quatro venha trabalhar para mim!” sinfonias de Brahms estão no meu carro atualmente. Em casa, quando era criança, era uma mistura danada por causa do gos- to de meu avô, um homem culto: Carmem Em uma auto-análise, o que menos gosta? Miranda, Elis, Beatles, os BBBs (Bach, Beethoven e Brahms) e E o que mais aprecia? Chopin, etc. Eu ficava no meu quarto estudando e ouvia esses Eu sou exigente e minuciosa, o que pode ser defeito clássicos sem saber o que era de quem. Muitos anos depois, já e qualidade a depender da situação. Não sei fazer nada adolescente, aconteceu de eu ouvir um piano e cantarolar de cor, pela metade, vou pregar botão, tenho de pregar muito pensando: conheço isso. Eram as sonatas de Beethoven. Foi uma bem. Dá uma certa dor de cabeça, mas odeio negligen- boa maneira de me ensinar sem impor e sem que eu ficasse com ciar as coisas. O que mais gosto em mim, sem dúvida, um temeroso respeito. Agradeço ao meu avô por isto, inclusive é minha saúde. dediquei meu primeiro disco a ele. Ao olhar para trás, o que fez de errado que “Sónós” é um disco conceitual? Que tema representa hoje se lamenta e não o faria novamente? esse conceito que permeia o disco? Eu teria tido empresários melhores. O resto não Me coloquei como hub (centro), nó, pólo, tanto dos composi- dava para ser diferente do que foi, e foi legal. tores como dos sentimentos mostrados nas canções. Eu toquei Você mudou sua forma de compor? Onde pas- nos pontos sensíveis para mim naquele momento, vida em co- sou a buscar inspiração para suas músicas? mum, maternidade e feminilidade. A inspiração vem do ar que respiro, em todos os O disco, em minha opinião, é bem folk-jazz e chega sentidos. Vem do que penso diante de um aconteci- a lembrar certos momentos de Carole King e Joni Mi- mento, de um livro, um show, um disco de alguém... tchel. Elas foram inspiração direta? Fazem parte de Antes eu sacralizava o tal “momento de inspiração”. suas influências? 54
  • 4. “eu tenho experimentado a Joni Mitchell eu admiro demais, mas não sou íntima, agora quanto a Carole King, você foi na mosca. Quando recebi as demos do Jesse Harris, ouvi a Carole que há nele, na voz e na compo- sição. Foi impressionante! Na hora de cantar “If you won’t” eu mantive esse “perfume”. sensação de estar Em seu site, diz que só vê graça em escrever tocan- do nos pontos que doem. Pode-se dizer que “Sónós” sendo admirada, avaliada e ouvida. é um disco intimista e confessional? Você se expõe bastante nas letras. Me exponho e não vejo como se possa ser artista sem fazê-lo. Os próprios shows têm sido mais intimistas do que os feitos com o Kid Abelha, certo? Como tem sido um incômodo e essa experiência? Eu tenho experimentado a sensação de estar sendo admira- da, avaliada e ouvida. Um incômodo e delicioso desafio. Mas há delicioso desafio”. compensações, como os aplausos em cena aberta, que estou ex- perimentando pela primeira vez. E também posso chegar mais perto das pessoas e interagir, você vê isso nas cenas do DVD em que canto na platéia. Como foi o processo de criação do disco? Pode falar um pouco sobre as parcerias? Uma versão que gostei muito foi a de Vicious World do Rufus Wanwright. Eu soube que ele gostou bastante do resultado. Você che- gou a participar dos shows com ele? Como conseguiu aproximar o universo dele, tão peculiar, com referên- cias próprias suas como a citação à Maysa? Ainda não cantei com Rufus; vai ser difícil com aquele monte de cantoras na família dele (risos). Tenho certeza que ele ado- raria Maysa, o ar aristocrático deprimido, a voz rouca. Usei as citações porque conheço bem as letras dele e ele abusa delas. “Sónós” traz composições suas em inglês. Compor em outro idioma lhe permite dar abordagem a temas que não conseguiria tratar em português? Eu consegui usar essa palavra que adoro – predation –, que é meio esquisita em português: predação. E a música ficava melhor mesmo em inglês, pois a acentuação da melodia não combinava com português. Até fiz uma versão, mas não pas- sou no “controle de qualidade”. Já gravou duas músicas para seu filho, outra para o marido, além de ter trabalhado diretamente com ele na gravação do DVD. Qual a importância da sua família hoje? Eu e Lui trabalhamos muito bem juntos. Contamos com a opinião e ajuda um do outro e sabemos quase sempre a hora de Em um momento em que vários movimentos desligar a chave “trabalho” e ligar a chave “casal”. A minha pe- musicais estão sendo relembrados e homenagea- quena família me suporta emocionalmente para tudo. Gostamos dos como a Tropicália e a Bossa-Nova, acha que de ficar juntos, damos risada juntos, mas somos independentes, sua geração será celebrada da mesma forma? sem chantagens emocionais. Qual a importância de ter liderado a mais signifi- Como foi a gravação do DVD? O que achou do re- cante banda pop dos anos 1980? sultado? Como foi a experiência de gravar de forma Não há como comparar com as gerações anteriores, independente? pois o regime militar criou um hiato e impediu a ligação O cenário diz tudo na dureza dos nós da madeira, na transpa- do pessoal anterior conosco. Essa troca só aconteceu de- rência do vidro, na brincadeira de reflexão dos espelhos distor- pois que já fazíamos sucesso. Minha geração tinha um cidos. Foi uma louca maratona. Ficou lindo, honesto, moderno nível alto em se tratando de música pop. No começo, e misturado. Na parte artística, sempre trabalhei com indepen- deixávamos a desejar tecnicamente, mas tínhamos ex- dência, em 27 anos nenhuma gravadora jamais me impôs músi- celentes idéias, éramos carismáticos e tínhamos vozes ca, estilo, capa de disco, participação em programas de TV, nada com personalidade. Nenhum conjunto (era o termo disso. Então, isso é parecido, mas agora serei dona do master. que a gente usava) se parecia com os outros. Convém Tive uma boa proposta de uma excelente distribuidora, que era lembrar que chegamos a pessoas de todas as classes, em um problema antigo para os independentes. Já que entrei nessa todo o Brasil. Até hoje, sou igualmente bem recebida corrente de novas estréias, por que não mais uma? nos subúrbios e lugares da alta burguesia. 55