1. Ensino Superior Particular no Brasil: Histórico e Desafios
Deise Elen Abreu do Bom Conselho1
Dr. Pedro Pires Bessa2
Resumo
As instituições de ensino superior particulares têm um papel relevante na história
do ensino superior brasileiro, tendo em vista a sua abrangência e velocidade de
expansão, notadamente na década de 60. A trajetória do ensino superior particular
é analisada por alguns autores como uma possibilidade de democratização do
acesso e criticada por outros como uma política privatista e de vocação
mercantilista. Ambas as interpretações são necessárias à formação de uma visão
crítica sobre a importância da complementariedade entre o setor público e privado
na busca de um delineamento histórico da expansão do ensino superior privado
no Brasil.
Palavras-chave: Ensino superior. Setor privado. Expansão. Reforma educacional.
Introdução
A trajetória do ensino superior privado no Brasil lembra um avião
decolando em terreno pedregoso, sob atmosfera nebulosa e
olhares incrédulos. O motor resfolega, mas impulsiona; o trem de
pouso tropeça, mas sustenta; a fuselagem trepida, mas integra-se;
as asas hesitam, mas conduzem; anônimo, o piloto usa o bom
senso e a intuição à medida que os governos lhe permitem evoluir;
cada manobra é um exame final. A educação superior particular
faria seu vôo inaugural em 1896, dez anos antes do 14-Bis de
Alberto Santos Dumont (BOAS, 2004, p. 10).
Conforme o censo da educação superior realizado em 2004, pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 86,2% dos
1
Supervisora Pedagógica - Senac Minas. Mestranda em Educação, Cultura e Organizações Sociais
da Fundação Educacional de Divinópolis FUNEDI/UEMG.
2
Pós-Doutor em lingüística pela Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Professor-
pesquisador da FUNEDI/UEMG.
1
2. estudantes universitários estão matriculados em Instituições de Ensino Superior
(IES) particulares. Percentual semelhante a este também é anunciado por Boas
(2004), com base em dados do Sindicato das Entidades Mantenedoras de
Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo – SEMESP.
Segundo Boas (2004), as IES particulares no Brasil são responsáveis por 88% das
vagas nesse segmento educacional.
Esses percentuais denotam a importância do setor privado no que se refere à
expansão quantitativa de alunos de baixa ou média renda, matriculados no ensino
superior. A posição majoritária do setor privado em número de matrículas e
estabelecimentos tornou-se uma realidade a partir de meados da década de 60,
conforme afirma Sampaio (2000).
Para Bicalho (2004), diferentemente do que ocorreu em outros níveis de ensino, a
expansão do ensino superior, por meio da iniciativa privada, pode ser considerada
um fator de democratização, à medida que amplia o acesso. Entretanto, autores
como Picanço (2003) e Pimenta3 (citado por Bicalho, 2004) afirmam que o
crescimento das IES particulares no Brasil não pode ser considerado um sintoma
de democratização do acesso, mas uma mercantilização do ensino, caracterizada
como não democrática e perversa, pois ofereceu aos alunos de baixa renda uma
educação de baixo nível e altas mensalidades.
3
PIMENTA, Aluísio. Diário da Tarde. Belo Horizonte, 08 nov. 2003.
2
3. A demanda por formação tem despertado, em especial, o interesse de
grupos que vêem na educação as características de um grande mercado
potencial. Esses são os ‘sacoleiros do ensino’ para os quais é difícil fazer
uma distinção entre conhecimento e ‘mercadoria’, estudantes e ‘clientes’,
escola e ‘empresa’. (PICANÇO, 2003 p. 78)
Cabe ressaltar que este artigo não tem como objetivo traçar uma análise de
oposição entre o setor público e privado no segmento educacional. No entanto, a
dicotomia do público/ privado perpassa a história do ensino superior no Brasil, por
isso serão mencionados alguns aspectos atinentes a essa questão ao longo deste
artigo. O que se busca ao longo desta produção é traçar um histórico da fundação
das IES particulares, priorizando o caráter complementar do setor privado em
relação ao público, conforme propõe a pesquisadora Sampaio (2000).
As primeiras instituições de ensino superior no Brasil
Considerando-se a trajetória do ensino superior, Boas (2004) destaca que as
raízes desse nível educacional encontram-se no século XIX e que foi um longo
percurso para se chegar a uma concepção de “setor privado de ensino superior”,
marcado notadamente pela conquista de relevância, especificidades e incertos
cenários macroeconômicos.
Um marco importante na história do ensino superior no Brasil é a transferência da
sede do governo português para o Rio de Janeiro em 1808. Nas embarcações,
segundo Boas (2004), entre objetos e documentos, havia também livros. Muitos
deles atualmente integram o acervo da Biblioteca Nacional.
3
4. Com a vinda da família real para o Brasil, algumas iniciativas de criações
intelectuais foram agilizadas, entre elas a criação do Jornal Gazeta do Rio de
Janeiro e a Imprensa Régia, que foi responsável pela edição e tradução de muitas
obras científicas. Tais providências contribuíram para o início da implementação
de várias escolas superiores no Brasil, conforme descrito abaixo.
Em penadas firmes, então, ele criou a Escola Médica da Bahia
(1808), a Escola de Medicina do Rio de Janeiro (1809), a Escola
Nacional de Engenharia (1810), um curso de ensino agrícola
(1812) e outro de farmácia (1814), ambos na Bahia; em 1816 no
Rio, fundava-se a Escola de Belas Artes. Todas essas escolas
atraíram cátedras (de química, botânica, filosofia, economia,
política e outras). Por isso dom João VI não poupou suas cartas
régias de atos, instruções e exigências para que essas instituições
não existissem apenas no papel, mas que funcionassem
efetivamente. (BOAS, 2004, p.14)
Com base em cartas régias de atos e determinações de Dom João VI, é dado
início à fundação das escolas superiores no Brasil, que tinham objetivos
estritamente profissionalizantes, embora a produção de conhecimento fosse
alienada da realidade local, até mesmo porque não havia articulação entre as
escolas e nem uma estrutura curricular com definições claras de disciplinas.
O distanciamento da realidade local é incompatível com o objetivo
profissionalizante, visto que a orientação para a profissionalização implica em uma
metodologia de ensino que tenha como conseqüência “o olhar voltado para fora da
universidade”. A interlocução entre a teoria e a prática também se tornam
premissas básicas, bem como uma aprendizagem orientada para o significado,
segundo Bicalho (2004).
4
5. A articulação entre as disciplinas e áreas do conhecimento, embora em menor
escala, significa ainda na atualidade, um desafio na educação. Após pesquisas
realizadas com estudantes universitários, Leite (1997) cita que elementos como o
superficialismo e a reprodução são freqüentes no processo de
ensino/aprendizagem nas universidades.
Outro fator desafiador no início das IES, que prevalece na contemporaneidade,
refere-se ao que tange à perspectiva elitista das universidades.
Por mais que o contexto das IES no Brasil, no início do século XIX, apresentasse
aspectos a serem reformulados, a existência dessas instituições educacionais
representava o atendimento à necessidade de uma educação superior laica, que
até então não havia no Brasil. Essa nova realidade concatenou uma ruptura
parcial da tradição de buscar uma formação superior na Europa como era de
costume. No entanto, continuou prevalecendo a influência francesa, tanto que os
colégios do Império possuíam uma estrutura de Liceus franceses, além de
usufruírem status e prestígio semelhante ao das escolas superiores.
Apesar da emergência de iniciarem-se as discussões acerca do ensino superior,
somente no período de D. Pedro II é que esses debates tornam-se mais
freqüentes, já que “dom Pedro I não foi benévolo com a educação de modo geral e
tampouco com a de nível superior” (BOAS, 2004, p.15). Cabe ressaltar que
durante a regência de D. Pedro II, embora houvesse um terreno fértil para as
5
6. reflexões sobre o ensino superior, poucas foram as ações concretas,
considerando-se que, em mais de 40 anos no poder, foram criadas apenas a
Escola de Minas de Ouro Preto (1875) e mais duas outras na Bahia.
No decorrer da história, outro aspecto imprescindível a ser mencionado refere-se à
reforma educacional do Brasil império, comandada por Leôncio de Carvalho, que
influenciado pelo pensamento liberal, declarou pela primeira vez apoio à educação
privada, conforme explicitado em Decreto-Lei: “é completamente livre o ensino
primário e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império, salvo
a inspeção necessária para garantir as condições de moralidade e hygiene (sic)”.
(DECRETO-LEI, 1879, art. I, p. 196).
Apesar da permissão supra citada havia o empecilho do reduzido número de
formandos, pois quem teria a ousadia de abrir uma escola superior em um país
cujo índice de pessoas formadas no nível secundário era insignificante? Percebe-
se, portanto, que a demanda é um fator decisivo na fundação das IES particulares,
visto que o ensino superior particular é todo aquele que depende majoritariamente
da cobrança de mensalidades, visando auto sustentabilidade.
O incentivo ao setor privado no ensino superior gerou várias críticas, pois as idéias
liberais de José Leôncio, que fundamentavam o apoio às IES particulares, eram
contrárias às de Rui Barbosa, defensor da escola pública, que acreditava na maior
propensão de as escolas públicas originarem as inovações pedagógicas, visto que
as escolas particulares eram regidas pelas leis do mercado. Análise semelhante a
6
7. esta é feita por Sguissardi (2003), ao afirmar que apenas as instituições estatais
podem atender aos objetivos plenos das atividades do ensino superior em razão
da sua estrutura e de sua forma de gestão.
O ponto de vista de Rui Barbosa mostrava-se procedente, no que se refere à
interferência do mercado nas IES particulares. No entanto, o conceito de mercado,
definido por Sampaio, pode ser traduzido como “a equação oferta/demanda,
admitindo sua influência determinante na ocorrência dos grandes movimentos de
expansão e estagnação que se verificam na trajetória do setor privado no país nos
últimos trinta anos” (SAMPAIO, 2000, p. 24). A partir dessa definição, conclui-se
que a relação do ensino privado com o mercado fundamenta-se na capacidade de
suprir uma demanda utilizando recursos privados.
Apesar dos embates entre os liberais, incentivadores das faculdades particulares,
e os conservadores, defensores das IES públicas, somente no período da
República Velha é que surgem experiências mais concretas da iniciativa privada
no ensino superior. Segundo Boas (2004), havia apenas 14 escolas de nível
superior no Brasil, todas públicas. Nos 20 anos seguintes, porém, foram criadas
56 instituições de ensino superior, na sua maioria privadas.
De acordo com o mesmo autor acima citado, as instituições particulares dessa
época eram, basicamente, confessionais católicas ou laicas, fundadas por
senhores da elite agroexportadora da burguesia industrial insipiente.
7
8. Ao longo da trajetória do ensino superior, percebe-se a interferência explícita da
política no sistema educacional, argumento que pode ser exemplificado com a
influência dos latifundiários no aumento das matrículas nos cursos superiores,
sobretudo nos de direito. O título acadêmico transformou-se no sonho de várias
famílias brasileiras. Para as classes mais humildes, como os colonos, o curso
superior significava ascensão social e conseqüentemente uma garantia de
emprego. Para os filhos de latifundiários, o aumento do prestígio familiar é uma
nova alternativa em caso de falência. Embora o curso superior fosse desejado por
muitos, era realidade para poucos, pois apenas um número reduzido de alunos
conseguia arcar com as despesas.
Além do Decreto-Lei 7247, anteriormente citado, destaca-se também como
apoiador à abertura de instituições particulares de ensino superior, a Constituição
de 1891. Neste documento estava explícito que o ensino era livre à iniciativa
privada e que as pessoas jurídicas de direito privado poderiam ministrar cursos
superiores, mediante autorização do governo. Além disso, era exigido o
compromisso de ministrar as matérias contidas no programa de curso das
instituições federais. Essa política privatista é interpretada por Chaves e Camargo
(2003) como uma liberdade excessiva de atuação do setor privado, transformando
a educação superior em um negócio altamente rentável.
O incentivo à abertura de faculdades particulares era quase sempre acompanhado
da tentativa de fazer com que essas faculdades tivessem a mesma estrutura das
instituições federais de ensino superior, tanto que das 24 escolas superiores
8
9. particulares fundadas antes de 1900 várias se tornaram públicas, conforme
informação apresentada por Boas (2004). A transformação de algumas instituições
privadas em públicas denota uma dificuldade de os órgãos legisladores
contemplarem nas leis, resoluções e pareceres, as especificidades das IES
particulares no que se refere à infra-estrutura, corpo docente, perfil do aluno e
outros.
As exigências impostas pelo governo foram caracterizando-se por uma
verticalidade das reformas e das leis. Segundo Boas (2004), muitas das
sucessivas reformas no período da República Velha foram decorativas, além das
propostas apresentadas serem distantes da realidade da sala de aula, fazendo
com que houvesse uma incompatibilidade entre o escrito, o dito e o feito.
As reformas implementadas no período da República Velha ocorreram nos anos
de 1890, 1901, 1911,1915 e 1925. Em 1890, foi idealizada por Benjamim
Constant. Entre as propostas apresentadas, destaca-se a realização de três
diferentes tipos de exames, sendo o de “suficiência”, que habilitaria o candidato
para as matérias no ano seguinte. Os “finais” para as matérias concluídas. Os de
“madureza”, que possibilitavam aos alunos matricularem-se nas faculdades
federais. Os alunos que continuariam seus estudos em escolas superiores
particulares realizariam os exames em escolas oficiais, visto que o exame de
madureza concedia o título de bacharel em Ciências e Letras.
9
10. No que tange a reforma de 1901 liderada por Epitácio Pessoa, esta culmina na
elaboração e aprovação do código dos Institutos Oficiais do Ensino Superior, que
além de incentivar as IES particulares, instituiu a figura do professor particular,
responsável por ministrar cursos livres.
A reforma de 1911 caracteriza-se pelo seu liberalismo e favorecimento explícito ao
ensino particular superior, pois, segundo Boas (2004), aboliu a ingerência do
Estado no que se refere ao ensino, embora tenha sido criado o Conselho Superior
de Ensino com caráter fiscalizador. Além desse aspecto, foi ampliada a liberdade
de ensino, bem como a reformulação dos exames superiores como sendo de
responsabilidade das faculdades. Essa medida tinha como objetivo evitar que o
curso secundário se transformasse em um pré-vestibular, situação que pode ser
percebida atualmente em muitas escolas de ensino médio. A partir dessa decisão
surge o vestibular.
Os resultados dessa reforma, que ficou conhecida como Lei Rivadávia Corrêa,
foram desastrosos, segundo análise de especialistas. As facilidades de ingresso
no ensino superior, a banalização do ensino e os poucos investimentos na
formação de professores foram agravantes nesse período.
Na seqüência de reformas, surge Carlos Máxiliano, que em 1915 foi o responsável
por mais uma reforma que pouco contribuiu para a definição de diretrizes e
melhoria da qualidade do ensino superior. A essa reforma é concedido o mérito de
“reoficializar” o ensino e o vestibular.
10
11. Outra contribuição da reforma de 1915 refere-se à sugestão de reunir três
faculdades federais existentes no Rio de Janeiro em Universidade, que se torna
efetiva em 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), a
primeira universidade brasileira. Após sete anos foi fundada a Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). O Brasil demorou um século para fundar duas
universidades, tendo sido uma das últimas nações da América Latina a fundar
universidades.
Apesar da fundação das universidades, permanecia uma visão fragmentada das
ciências, pois não havia articulação entre o ensino nas três faculdades que
constituíam a UFRJ. Além dessa característica, o perfil do ensino superior
apresentava as seguintes características, de acordo com o educador Anísio
Teixeira4 (citado por Boas, 2004, p. 81):
No ensino superior dessa época, a didática se baseava no livro, na
confiança, e no autodidatismo. Muitas vezes tal processo era ainda
mais empobrecido pelo uso de apostilas, contendo resumos ou
textos das aulas, lembrando a universidade medieval, ainda sem
livros.
Desse modo, os cursos eram uma introdução às profissões, visando oferecer um
preparo profissional que seria adquirido na prática, fora da escola. Apenas os
cursos de medicina, é que aos poucos escaparam a esse tipo de ensino oral e,
gradualmente, introduziram uma formação com prática profissional.
4
TEIXEIRA, Anísio. Uma perspectiva da educação superior no Brasil. In:Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, vol. 50, n.111, 1968, p.21-82.
11
12. Apesar de o Brasil já ter passado por várias reformas, as orientações mais
consistentes para o ensino superior começam a ser delineadas a partir da reforma
do Ministro Francisco Campos, pois abrangem as questões administrativas,
escolha dos docentes e organização estudantil, tanto das IES particulares quanto
públicas.
Sampaio (2000) apresenta uma retrospectiva histórica que destaca o período de
1933 a 1965 como o momento de consolidação e participação relativa do setor
privado. Já o período de 1965 a 1980, como um momento correspondente à
mudança de patamar das matrículas privadas, bem como de predominância desse
setor no sistema de ensino superior.
O crescimento do número de matrículas foi superior a 700%. Percebe-se também
que nesse período houve uma modificação no perfil estudantil, pois com o curso
noturno e a oferta de cursos no interior, algumas pessoas das classes mais pobres
conseguiram ter acesso ao curso superior.
A expansão quantitativa do ensino superior também é enfatizada como notória,
por Boas (2004), que demonstra que, no período de 1960 a 1967, foram criadas
267 novas IES, das quais a maioria era privada. As matrículas somavam 180 mil,
sendo que 82 mil dessas eram das IES particulares.
Em 1966, o setor privado ultrapassou o público em relação ao número de alunos
matriculados, chegando a 50,5% do total em 1970. Esse acontecimento gerou
várias especulações a respeito da privatização deliberada do ensino superior. Na
12
13. análise de Sampaio (2000), fica nítida a velocidade do crescimento das IES
particulares com maior intensidade do que a do setor público. Para a autora, o
setor privado respondeu a duas demandas: a demanda da clientela estudantil por
ensino superior e a demanda do mercado ocupacional por pessoas portadoras de
diploma de ensino superior. Na década de 60 também houve um crescimento do
setor público, no entanto esse não se orientou necessariamente para uma
demanda de massa.
A expansão quantitativa das IES nem sempre é acompanhada por índices
qualitativos, principalmente porque o ensino superior teve que adaptar-se a varias
condições. Tais adaptações foram intensas para o setor privado que sempre teve
que se adequar às exigências do MEC. Anísio Teixeira, apud Boas (2004), faz
críticas a tantas adaptações necessárias.
[...] não é possível o professor cheio de honras, mas de tempo
parcial; não é possível estudante selecionado, mas ocupado com
seu trabalho, dando tempo parcial à escola; não é possível o
tempo escasso e obtido a custo em horas fugazes à tarde e à
noite; não é possível a falta de espaço para o professor, para o
aluno, para a biblioteca, para o equipamento, reduzido afinal a
simples espaço destinado a preleções orais; não é possível o
curso enciclopédico para aprender de tudo um pouco e nada em
profundidade (Boas 2004, p. 74)
Apesar das críticas relativas à situação das IES, Sampaio (2000) descreve que o
crescimento das IES particulares ocorreu, sobretudo em cursos, que em uma
análise mais superficial, não demandam infra-estrutura sofisticada, laboratórios e
que não exigem dedicação exclusiva, tanto de docentes quanto de discentes.
13
14. Além disso, devido à possibilidade de realização do curso em apenas um turno,
preferencialmente o noturno, tendo em vista que a demanda emergente
concentrava-se entre as mulheres de baixa renda e trabalhadores.
Em suma, o perfil do aluno no ensino superior privado, ao longo da década de 70,
inclui, além de “jovens recém-egressos do curso secundário, pessoas mis velhas,
já empregadas, que não tinham oportunidade de estudar e que viam no ensino
superior uma possibilidade de melhoria no mercado ocupacional” (Sampaio, 2004,
p. 63).
A análise da evolução da população discente em cursos de graduação por área de
conhecimento, entre os anos de 1995-1999, realizada pelo INEP, demonstra que
os maiores índices de alunos concentram-se nas áreas de ciências sociais
aplicadas e ciências humanas, respectivamente.
14
15. Evolução da população discente em cursos de graduação, por Área de
Conhecimento – 1995-1999
Áreas de conhecimento 1995(%) 1996 (%) 1998 (%) 1999 (%)
Ciências Exatas e da terra 9,9 10,3 12,6 10,0
Ciências Biológicas 1,7 1,6 1,8 1,9
Engenharia/Tecnologia 6,7 8,6 7,8 7,5
Ciências da Saúde 13,3 12,3 9,1 12,7
Ciências agrárias 2,2 2,7 2,7 2,6
Ciências Sociais Aplicadas 37,9 42,6 44,2 43,3
Ciências Humanas 20,8 15,5 15,3 15,4
Línguas, Letras e Artes 7,5 6,4 6,5 6,6
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: INEP (www.inep.gov.br)
A partir dos dados do INEP (2002), percebe-se que essas características
prevalecem na atualidade, visto que 67% dos alunos das IES particulares estão
matriculados em cursos noturnos. No que se refere às universidades públicas, o
percentual de alunos nos cursos noturnos varia de 15% a 23%.
Em 2002, 70% dos alunos matriculados estudavam em IES particulares. Esse
dado demonstra a relevância do setor na formação de alunos nesse nível de
ensino. A alavancagem das IES particulares ocorre principalmente a partir de
1960, quando o número de alunos excedentes das universidades públicas chega a
28.728, segundo Boas (2004). Inicia-se, portanto, uma pressão social para o
aumento das vagas na rede pública. No entanto o governo, podendo atender a
15
16. essa solicitação, decidiu motivar o desenvolvimento das IES particulares, apoio
este manifestado principalmente pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e reforma
universitária em 1968.
A LDB de 1961 determinou que o ensino superior seria ministrado em
estabelecimentos agrupados ou não em universidades, com cooperação de
institutos de pesquisa e centros de treinamento profissional.
Apesar da abertura permitida pela legislação, percebe-se uma preocupação com a
expansão, mantendo a qualidade do ensino a ser ministrado por essas
instituições, tanto que a LDB estabeleceu três órgãos legisladores do ensino
superior: as universidades, conselhos estaduais e conselho federal.
As universidades tinham autonomia para criação de novos cursos, já as IES
particulares e faculdades isoladas tinham que submeter seus projetos
institucionais aos conselhos citados.
Autorizar cursos ou escolas experimentais bem como experiências
pedagógicas para os estabelecimentos isolados de ensino
superior, federais e particulares e de unidades não compreendidas
no artigo da Lei nº4.024/61; conceituar os cursos de pós-
graduação, fixar regras para o seu credenciamento e credenciá-los
caso por caso; fixar os currículos mínimos e a duração mínima dos
cursos superiores correspondentes a profissões reguladas por lei e
de outros necessários ao desenvolvimento nacional; aprovar os
regimentos das escolas isoladas de ensino superior e os estatutos
e regimentos gerais de universidades sujeitos à sua jurisdição
(Boas, 2004, p. 72 - 73).
16
17. A função exercida pelos conselhos é semelhante a dos órgãos legisladores do
ensino superior, ou seja, cabe a essas instituições na atualidade, assessorar,
legislar e acompanhar o desenvolvimento de cursos superiores nas mais variadas
áreas do conhecimento.
Considerações Finais
Diante do exposto, pode-se concluir que a expansão do ensino superior privado no
Brasil não significa necessariamente uma democratização do ensino, pois o
número de pessoas que ainda não possuem acesso a esse nível educacional
ainda é bastante significativo. Segundo o censo do IBGE (2001), o nível de
escolaridade dos brasileiros varia em média de 4 a 6 anos de estudos. No entanto,
a afirmação de que o crescimento do número de IES particulares tem unicamente
um caráter mercantilista também é precipitado, tanto que as políticas e programas
de incentivo e bolsas têm crescido, embora não sejam extensivos a toda
população de baixa renda.
Verifica-se, portanto, a partir dos principais aspectos históricos do ensino superior,
que a análise de vários pesquisadores sobre essa temática aponta para uma
noção de complementaridade entre os setores público e privado do ensino
superior brasileiro. O ensino público assume uma concepção educacional
intimamente ligada ao ensino e à pesquisa, o que gera altos custos e pode ser
interpretado como um dos fatores que impede a expansão dessas instituições. Já
o setor privado assume uma universidade que prima pela formação profissional e
por isso torna-se capaz de atender a um público maior.
Em ambos os setores, é fundamental que o processo educacional esteja
consoante com o perfil do aluno de cada instituição. Além disso, há que haver
coerência na articulação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão pelas
IES.
17
18. Abstract
Private tertiary schools have an important role in the history of Brazilian tertiary
education, considering their reach and expansion ratio tendo em vista a sua
abrangência e velocidade de expansão, notadamente na década de 60. A
trajetória do ensino superior particular é analisada por alguns autores como uma
possibilidade de democratização do acesso e criticada por outros como uma
política privatista e de vocação mercantilista. Ambas as interpretações são
necessárias à formação de uma visão crítica sobre a importância da
complementariedade entre o setor público e privado na busca de um delineamento
histórico da expansão do ensino superior privado no Brasil.
Keywords: Ensino superior. Setor privado. Expansão. Reforma educacional.
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