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Álvaro Vieira Pinto

SETE LIÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DE ADULTOS
Documento consultado a 22.11.2013
Disponível em
http://scholar.google.pt/scholar_url?hl=ptPT&q=http://www.cefetsp.br/edu/eja/sete_licoes.doc&sa=X&scisig=AAGBfm1deuARZgqw02dWEFymg1MD4l_
l1g&oi=scholarr&ei=HLGPUvm4Oueg7Aaz_4C4BA&ved=0CC4QgAMoADAA

SUMÁRIO
Introdução

2

1ª Lição: Conceito de Educação

11

2ª Lição: Forma e conteúdo da Educação

16

3ª Lição: As concepções ingênuas e críticas da educação

24

4ª Lição: Educação infantil e educação de adultos

28

5ª Lição: Estudo particular do problema da educação de adultos

32

6ª Lição: O problema da alfabetização

38

7ª Lição: A formação do educador

45

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1
INTRODUÇÃO
Meu primeiro contato direto com a obra de Álvaro Vieira Pinto se deu no início de 1972
quando, perambulando por livrarias do centro de São Paulo, encontrei, numa banca de livros
com 50% de desconto, a obra Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa
científica (Rio, Paz & Terra, 1969). A leitura do índice me indicava que o texto tratava de
assuntos que me interessavam vivamente. Adquiri o livro, certo de ter feito duplamente um
bom negócio: comprara um livro valioso e pela metade do preço. Cerca de um mês depois,
retornei à mesma livraria e encontrei a mesma obra numa banca de ofertas a 25% do preço
de capa.
No segundo semestre daquele mesmo ano de 1972, indiquei alguns capítulos do livro como
texto de apoio a uma unidade da disciplina "Problemas da Educação I" que comecei a
ministrar no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Educação em São Paulo e
Piracicaba. A partir daí o livro passou a ser indicado pelos alunos que eram professores em
diferentes instituições de ensino superior. A obra voltou a ser comercializada pelo preço
normal, acabando por se esgotar. Após relutâncias da Editora, a insistência de pedidos
levou-a a lançar a segunda edição.
Narro esse episódio porque as vicissitudes da referida obra espelham, de uma certa maneira,
as vicissitudes pelas quais passou seu autor. Na verdade, ao que eu saiba, Ciência e
existência é o único livro de Vieira Pinto lançado por uma editora comercial. A época em que
entrei em contato com esse livro eu já dispunha de algumas informações sobre seu autor.
Sabia que ele havia sido Diretor do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que havia
desempenhado importante papel na mobilização político-social do início da década de 60,
que provocara o seu exílio em decorrência do golpe militar de 1964. Conhecia também
algumas referências e comentários à sua obra, como por exemplo a de Antônio Paim, para
citar uma apreciação desfavorável, e a de Paulo Freire, para citar uma apreciação favorável.
Paim, em História das idéias filosóficas no Brasil, a despeito das ressalvas e objeções,
resultantes, a meu ver, do fato de que se coloca numa posição filosófico-ideológica oposta
àquela em que se situa A. V. Pinto, nem por isso deixa de reconhecer o lugar proeminente
que Vieira Pinto ocupa no âmbito do pensamento filosófico brasileiro. Já Paulo Freire, em
diversas passagens de Educação como prática da liberdade, registra a influência e ressalta a
importância da obra de Álvaro Vieira Pinto, a quem ele chama de "mestre brasileiro".
Apesar das informações de que dispunha, persistia em mim uma grande curiosidade a
respeito daquele polêmico pensador que era apresentado, na quarta capa do livro Ciência e
existência, como sendo, na opinião de muitos, "o primeiro universalmente importante
filósofo brasileiro". Quem era ele? Como se tinha tornado filósofo? O que tinha sido feito
dele? Onde estaria ele e o que estaria fazendo?
A oportunidade para responder a essas indagações surgiu em 1977, quando fui informado
que o Professor Álvaro V. Pinto estava morando no Rio de Janeiro. Consegui, então, visitá-lo
em companhia de três colegas, a época minhas colaboradoras na Universidade Federal de
São Carlos. Essa visita nos causou um forte impacto. Impressionou-nos a determinação com
que o professor (assim costumamos chamá-lo) se dedicava a um trabalho intelectual
anônimo, solitário, porém sistemático. Eram vários livros cujos manuscritos já estavam
prontos, constituindo um considerável número de volumes.
Soubemos, então, que o professor Vieira Pinto partiu para o exílio em setembro de 1964.
Passou um ano na Iugoslávia, vivendo amargamente a experiência de exilado. Transferiu-se,
depois, para o Chile, onde produziu vários trabalhos, entre eles Ciência e existência,
publicado no Brasil em 1969, e Sete lições sobre educação de adultos, que só agora temos a
satisfação de apresentar ao público brasileiro. As saudades do Brasil, contudo, precipitaram
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sua volta, o que ocorreu em fins de 1968, portanto no período mais negro da ditadura
militar, quando desabou sobre o país o famigerado AI-5. V. Pinto se recolheu em seu
apartamento, onde se dedicou exclusivamente à incansável tarefa de redigir os manuscritos
de um conjunto de obras até agora inéditas.
Em julho de 1981 retornei à sua casa, agora munido de um gravador. Minha intenção era
colher um depoimento para a “ANDE — Revista da Associação Nacional de Educação". A esta
altura a anistia tinha tornado possível a regularização da sua situação. Ele obtivera a
aposentadoria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que absorvera a
Faculdade Nacional de Filosofia onde Vieira Pinto havia obtido, por concurso, a cadeira de
História da Filosofia. As precárias condições de saúde do professor, o cansaço, o pouco
tempo de que dispus não permitiram a realização de uma entrevista estruturada, acabada.
Considero, porém, importante transcrevê-la tal como foi possível obtê-la, não só pelas
informações que contém, mas principalmente porque constitui um documento de quem
resistiu de forma peculiar ao arbítrio e sobreviveu a ele. O professor Álvaro e Dona Maria
estão lá bem vivos. Ele, revelando um ar de superior indiferença, própria dos intelectuais
que atingiram a maturidade, quando afirma que, se tinha alguma contribuição a dar, já a
tinha dado. Mas não se furta a discorrer com lucidez e firmeza sobre os temas a respeito dos
quais é solicitado a se manifestar. Ela, recordando com entusiasmo seu trabalho no ISEB, do
qual foi a primeira funcionária, responsabilizando-se pelos serviços de secretaria. Foi lá que
ela conheceu Vieira Pinto, com quem - afirma agora amorosamente - ela implicava porque
era quem mais lhe dava trabalho; aparecia freqüentemente com longos manuscritos para
ela datilografar. Mas envolve-se com o mesmo entusiasmo nas tarefas do presente,
datilografando os manuscritos e se propondo a registrar os "insights" do marido para
eventuais publicações posteriores.
Segue, pois, a transcrição da entrevista que se desenrolou de maneira informal, sem
questões prévias ou roteiro preestabelecido. Não se pretendeu discutir as idéias do autor; o
objetivo foi reconstituir, na medida do possível, a sua trajetória intelectual.
Dermeval Saviani - O senhor poderia falar um pouco sobre sua vida, sua formação
intelectual?
Álvaro Vieira Pinto - Minha origem é de um rapaz de classe média pobre, que teve
necessidade de trabalhar logo cedo. Fui aluno do colégio dos jesuítas, o Santo Inácio no Rio
de Janeiro. Naquele tempo, os exames eram feitos no Pedro II, para passar de um ano para
outro no colégio. Quando terminei os estudos no Colégio Santo Inácio fiquei um ano
disponível, sem poder entrar na faculdade, pois era muito jovem. Tinha decidido estudar
medicina. Minha família morou algum tempo em São Paulo onde fiquei um ano, mas sem
estudar nada de ciências. Foi um ano importante, porque foi um ano de formação literária e
filosófica. Muito moço, com 14 anos, foi quando vim para o Rio de Janeiro, fazer o concurso
vestibular para a Faculdade Nacional de Medicina. Passei em penúltimo lugar na turma e
depois fui ser um dos primeiros alunos, porque eu não tinha formação nenhuma
preparatória para aquele concurso: em São Paulo estudei muito e fiz relações com alguns
intelectuais que naquele tempo estavam saindo da agitação do período da Semana de Arte
Moderna. Eu já os peguei quando eles se reuniam todas as semanas, todas as noites, todos
os dias quase, no café do Largo do Ouvidor, se não me engano, em São Paulo. Segui a
carreira médica com muita dificuldade, porque logo depois meu pai teve um fracasso
econômico e fiquei sem apoio, tendo que trabalhar para sustentar a família. Perdi minha
mãe nesse período e ficamos quatro irmãos. Ficamos sem apoio e sem condições de fazer
alguma coisa. Comecei a dar aulas num colégio de freiras, aulas de filosofia, de física, curso
primário. Apesar disso ia fazendo aos poucos os meus estudos de medicina muito mal, para
terminar o 5º. e 6º. anos e me formar. Quando me formei, tentei fazer Clínica, justamente
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em São Paulo, em Aparecida, mas não tive sucesso nenhum e não havia a menor condição
para isso. Meu consultório era num quarto de hotel. Voltei para o Rio e aqui, com apoio de
um amigo que me apresentou ao Álvaro Osório de Almeida, que naquele tempo estava com
grande fama, porque estava fazendo pesquisas sobre o câncer, e trabalhos submetendo
pacientes a pressões atmosféricas elevadas, com câmaras especiais. Fiquei trabalhando
nisso, mas os resultados foram nulos. Assim trabalhei 16 anos, mas já nesse tempo com a
minha inclinação filosófica, eu estava dando aulas também na Faculdade de Filosofia, que
tinha sido fundada no Distrito Federal naquele tempo, mas logo depois essa faculdade
fechou e criou-se a Faculdade Nacional de Filosofia, para onde eu passei na qualidade de
professor adjunto. Comecei a dar cursos sobre lógica matemática, mas um ano depois veio a
guerra, houve a vaga na cadeira de História da Filosofia por causa de uma mudança de
professores que saíram porque eram alemães e eu era o único assistente na cadeira de
Filosofia, sendo então nomeado professor substituto em História da Filosofia.
Saviani — Mas o senhor não tinha feito curso de Filosofia...
Vieira Pinto - Não tinha feito nenhum curso de Filosofia, tinha apenas estudado muito, em
livros todos eles de orientação tomista evidentemente, porque fiz o curso que havia no
Colégio Santo Inácio, com a duração de um ano de Filosofia, coisa que era uma novidade
naquela época. Depois de quatro anos na Faculdade Nacional de Filosofia, pude então ir à
Europa onde fui estudar na Sorbonne, o tempo suficiente para ver e sentir o ambiente
filosófico de Paris.
Saviani — Isso foi em que época?
Vieira Pinto Isso foi em 1949.
Saviani — O senhor ficou quantos anos na França?
Vieira Pinto — Na França fiquei quase um ano estudando; aí eu já tinha em mente o tema da
minha tese, para defesa da cátedra na Faculdade de Filosofia na volta. Foi a tese sobre a
cosmologia de Platão. Dei duas conferências sobre essa tese lá em Paris que foi discutida,
muito comentada. Recolhi material e com isso fiz o meu trabalho aqui no Brasil para
apresentá-lo na Faculdade. Afinal, fui aprovado e nomeado para a Faculdade de Filosofia.
Logo depois terminou o meu trabalho no laboratório de Biologia, porque o laboratório foi
transformado em instituição privada, com o que não concordei. Fiquei então na Faculdade
como professor, mas aí não mais de Lógica e sim de História da Filosofia, onde permaneci
vários anos.
Saviani - O seu estudo na Europa foi só na França ou em algum outro país mais?
Vieira Pinto Não. Visitei outros países: Itália, Espanha, Portugal, mas estudo só na França.
Saviani — E os seus conhecimentos de línguas?
Vieira Pinto - Bom, isso aí foi um pouco inclinação natural que eu tive sempre pelas línguas e
fui aprendendo com a leitura, não tive professor particular, fui aprendendo quase que
sozinho, decorando palavras e aprendendo textos, exceto o grego que aprendi com um
rapaz ex-seminarista que sabia muito bem o grego e que me deu aulas, uma vez por semana,
durante 2 anos.
Saviani - No Colégio Santo Inácio o senhor não estudava línguas?
Vieira Pinto - Só inglês e francês e foi mesmo a única base que tive, porque eu estudava
seriamente e a prova está que só com aquele estudo pude me preparar para o trabalho de
leitura e conversação em inglês e francês. O alemão foi por acaso. Estudei sozinho lendo
gramáticas e livros de textos. O russo, eu tive por professor um começo de ensino com um
velho oficial de marinha, refugiado, que me dava aulas gratuitamente e depois sozinho com
dicionários e textos fui aos poucos me desenvolvendo.
Saviani — Mais uma coisa sobre as línguas. E o latim o senhor estudou no Colégio Santo
Inácio?
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Vieira Pinto — Sim, o latim estudei no Colégio Santo Inácio. Era um bom estudo.
Saviani — O senhor então domina o latim, o grego, o francês, o inglês, o alemão, o russo, o
espanhol e o italiano?
Vieira Pinto — Sim. Tenho conhecimentos suficientes desses idiomas. Mais tarde aprendi um
pouco de sérvio-croata, quando estive no exílio na Iugoslávia, mas isso foi uma coisa
efêmera, pois sabia que não precisava mais daquele estudo. Estudei para ler o jornal
daquele país para saber as, notícias da nossa terra.
Saviani — O senhor fez curso de Matemática?
Vieira Pinto - Sim. Fiz o curso de matemática superior, porque tinha um amigo, que depois
foi meu colega de faculdade, hoje falecido, que me incentivou para fazer o curso de
matemática. Era professor de mecânica superior. Fiz o curso na Universidade do Distrito
Federal, que então existia. Mas o curso tinha dois alunos só, eu e um repetente. No meio do
ano encerrou-se o curso, pois a escola fechou. As aulas eram dadas em um café. Mas com
professores da melhor qualidade, homens de grande valor, 2 ou 3 só. Fiquei num dilema,
pois precisava da matemática para entender o problema do raio-X. Como eu usava muito o
raio-X no tratamento de doentes e de animais, eu precisava conhecer bem a física
corpuscular e daí a necessidade que tive de me fazer competente também nessas questões.
Saviani - E a Física, o senhor chegou a fazer algum curso regular dentro da própria Medicina?
Vieira Pinto - Dentro da Medicina não. O curso de Física foi feito juntamente com o curso de
Matemática.
Saviani — Então o senhor estudou Matemática e Física na época em que o senhor trabalhava
no laboratório?
Vieira Pinto — Sim, no laboratório de Biologia.
Saviani — O laboratório pertencia ao hospital?
Vieira Pinto — Não, não pertencia ao hospital, apenas funcionava lá.
Saviani — O senhor era assistente no laboratório e também médico no hospital?
Vieira Pinto - O laboratório também era um hospital, porque tínhamos uma parte de
pesquisa e outra de enfermaria.
Saviani - Paramos quando o senhor, voltando da Europa, assumiu a cadeira de História da
Filosofia.
Vieira Pinto — Eu já era professor adjunto na Faculdade quando saí com uma licença
especial para ir à Europa estudar. Fui, fiquei um tempo, voltei e reassumi a cadeira de
História da Filosofia.
Saviani — Isto já era 1951?
Vieira Pinto — Sim, pois foi em 1951 que fiz o concurso e fui aprovado e nomeado professor
catedrático.
Saviani — Como professor de História da Filosofia qual era a orientação filosófica que o
senhor desenvolvia nos cursos?
Vieira Pinto — Era uma orientação exclusivamente pragmática, quer dizer, eu dava o curso
seguindo os manuais da filosofia comum, idealista, mas sempre num nível superior e
elevado, desenvolvia cronologicamente o pensamento. Porque eram 3 anos de filosofia
grega, medieval, moderna e contemporânea. Isso tinha que ser dado em condições
precárias, eu não tinha assistente algum. Mais tarde um ex-aluno tornou-se meu assistente,
José Américo Pessanha, que dividiu comigo um pouco as atividades. Depois entra outro
período, que é o do aparecimento do ISEB, e o convite casual que recebi de Roland Corbisier,
para ser professor de Filosofia no ISEB. Isto em 1955. Com a entrada para o ISEB fui
mudando aos poucos de orientação, fui tomando uma orientação mais objetivista, menos
idealista e deixando de lado toda aquela forma clássica de ensinar História da Filosofia, que
era puramente repetir o que o outro disse. Passei a fazer uma exposição sobre o autor e
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depois a crítica, o que me dava oportunidade de alargar mais o meu campo de pensamento,
embora sem jamais ter chegado a impor a ninguém qualquer idéia extremista, ou qualquer
idéia que julgava tal, que fosse considerada indevida num currículo de Filosofia. Na
Faculdade de Filosofia jamais saí da linha puramente ortodoxa do ensino da Filosofia; o que
fazia era seguir os autores, naturalmente que se o autor dissesse alguma coisa com a qual eu
não concordava tinha que dizer o mesmo, porque a minha obrigação era ensinar, não o que
eu pensava, mas o que os outros pensavam. Então eu tinha que repetir, resumir, repetir e
depois fazer alguma crítica, mas muito pouco elaborada, porque senão eu perderia muito
tempo na crítica e acabava não podendo adiantar a matéria.
Saviani — O senhor assumiu a perspectiva existencialista?
Vieira Pinto - Realmente, nessa época, como estava numa transição rápida, eu assumi muitas
das posições existencialistas que não conhecia até então, e assim tive oportunidade de
sentir o que havia de verdade nelas, não apenas no sistema que apresentavam, mas nos
conceitos que se podiam aproveitar e procurava formular por mim novas maneiras de expor
certas idéias de ordem humanista, de ordem historicista e nacionalista; e acabou sendo o
oposto do próprio existencialismo, mas que tinha tirado do existencialismo, no sentido de
que via a realidade do homem passando por aquela situação e chegando a outras
conclusões. Depois, quando fecharam o ISEB, fui para o exílio.
Saviani - Sobre o ISEB, o senhor chegou a tomar conhecimento de alguns estudos posteriores
a respeito do ISEB quando estava no exílio?
Vieira Pinto - Não, não cheguei.
Saviani - Nem do Nelson Werneck Sodré?
Vieira Pinto — Não.
Saviani — E o exílio na Iugoslávia?
Vieira Pinto — Fui para a Iugoslávia e lá fiquei um ano totalmente inativo, sem poder dar
aula, pois conhecia muito mal a língua. Depois de um ano fui para o Chile, por sugestão de
Paulo Freire. Ele conseguiu arranjar alguma coisa que eu pudesse fazer e de fato recebi
convite para fazer conferências, organizadas por professores do Ministério da Educação
juntamente com o Paulo Freire.
Saviani - Esse curso de conferências que o senhor preparou sobre educação em 1966, o
senhor se lembra dos itens?
Vieira Pinto - Educação, origem, base, finalidade, significado, técnicas, recursos, meios, como
a realidade é modificada pela educação, todo problema geral da educação para adultos, para
professores que educavam adultos, analfabetos, homens do campo geralmente. Dei
conferências também para professores. Eram cursos extras de verão.
Saviani — O senhor ficou quanto tempo no Chile?
Vieira Pinto — Fiquei quase três anos no Chile, em fins de 68 voltei.
Saviani — O trabalho principal que o senhor fez no Chile, foram esses cursos?
Vieira Pinto — Esses cursos e ao mesmo tempo também tinha conseguido que um amigo
brasileiro que trabalhava no CELADE (Centro Latino-Americano de Demografia) me
apresentasse à Diretora que me deu trabalho de tradução de alguns pequenos panfletos.
Depois a Diretora resolveu me contratar a fim de escrever um livro sobre Demografia para o
CELADE. Eu não sabia o que fazer porque não sabia nada sobre Demografia, mas acabei
estudando e escrevi um livro sobre o pensamento crítico em Demografia, que dois anos
depois o CELADE mandou editar, mas que não teve entrada no Brasil. Está difundido na
América toda, menos no Brasil.
Saviani — Foi editado só em espanhol?
Vieira Pinto — Sim, só em espanhol.
Saviani — E o senhor não tem exemplares desse livro?
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Vieira Pinto — Tenho ainda dois exemplares. Você já viu o livro?
Saviani — Ainda não vi.
Vieira Pinto — Escrevi o livro em 8 meses. Considero um livro de grande importância para o
meu pensamento; é um livro de grande significação.
Saviani - Gostaria de ler esse livro.
Vieira Pinto — Tenho apenas 2 exemplares. No CELADE talvez haja ainda outros, deve haver.
No México foi muito lido, teve muita repercussão, foi muito procurado. Quando acabei esse
livro, no ano seguinte a Diretora do CELADE me deu outro contrato para fazer outro livro. Aí
é que eu escrevi o livro sobre Ciência e existência que não interessava ao CELADE publicar.
Publiquei-o quando voltei ao Brasil, pela Editora Paz & Terra. E agora fico só com o que
tenho guardado para publicar, mas é muita coisa! Tenho um livro sobre Tecnologia, que é
muito grande, vários volumes para abranger a matéria toda. Tenho pronto um livro sobre a
Filosofia Primeira; outro com o título A educação para um país oprimido. Tenho outro sobre
os roteiros do curso de Educação de Adultos feito no Chile. Considerações éticas para um
povo oprimido, livro sobre a ética que considero de grande valor no meu pensamento,
porque não se dá à ética a importância que ela tem e centralizo um grande número de
questões em torno de problemas éticos. Daí, desenvolvi um livro que trata exatamente da
ética, mas da ética concreta, da ética real, de um País como o nosso, não é ética abstrata dos
valores, das teorias, ou noções abstratas do dever, obediência, finalidade, nada disso. A ética
real que funciona no mundo. A sociologia do povo subdesenvolvido é outro livro que tenho
pronto. Cada livro tem 3 ou 4 volumes. A crítica da existência é outro livro que está
guardado, um volume só, incompleto, pois não pude continuar escrevendo o que desejava
porque estava cansado.
Saviani — Esse foi o último livro?
Vieira Pinto — É o último e talvez o primeiro, porque eu comecei escrevendo o texto quando
estava na Iugoslávia. Nada de maior a dizer, nada de maior a esperar a não ser que não se
percam, que vocês jovens professores cuidem de procurar um dia talvez publicar essas
coisas se merecerem.
Saviani — Uma questão ainda que desperta alguma curiosidade é sobre aquele seu livro a
respeito da Questão da Universidade.
Vieira Pinto — Sei, aquele livro foi uma conferência que fiz em Belo Horizonte e depois a
diretoria da antiga UNE me pediu para publicar.
Como se vê, trata-se de um intelectual que se caracteriza, praticamente, pelo
autodidatismo. Não nos apressemos, entretanto, a ver nesse fato um indicador de uma
suposta pouca importância da escola na formação dos intelectuais. Lembremo-nos,
conforme está registrado na entrevista, que V. Pinto estudou no Colégio Santo Inácio, dos
jesuítas, que era, à época, um dos melhores do Rio de Janeiro, além de ter feito os exames
no Colégio Pedro II. É, pois, pelo menos plausível a suposição de que o autodidatismo
produziu bons frutos porque se desenvolveu sobre a base de uma sólida formação geral
propiciada pela escolarização fundamental. De qualquer forma, não é possível ignorar a
importância educacional de Álvaro Vieira Pinto. De um lado, porque é um testemunho do
modo como eram formados os intelectuais brasileiros até início dos anos 50. De outro lado,
porque exerceu importante influência na formação e no trabalho de outros intelectuais.
Entretanto, é preciso registrar, além disso, que o professor Álvaro Vieira Pinto se preocupou
explicitamente com a questão pedagógica. Essa preocupação fica evidenciada no
depoimento obtido pela professora Betty Oliveira, em 13/03/82, cuja transcrição é
reproduzida a seguir.
Betty — O senhor poderia resumir a sua visão sobre educação?

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Vieira Pinto — O caminho que o professor escolheu para aprender foi ensinar. No ato do
ensino ele se defronta com as verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, concretos, que
precisa superar. Nessa situação ele aprende. No meu livro sobre tecnologia trato da teoria
da comunicação que contribui para a análise desse processo. Fiz a crítica da cibernética
encontrando algumas noções que, se não são originais, precisam ser consideradas
fundamentais. Por exemplo: é indispensável o caráter de encontro de consciências no ato da
aprendizagem, porque a educação é uma transmissão de uma consciência a outra, de
alguma coisa que um já possui e o outro ainda não. A teoria dialética do conhecimento é
fundamentalmente cibernética, no sentido dialético da palavra. Não a cibernética empírica
que é essa aí que se faz. Não se trata da entrega de um embrulho de uma pessoa para outra,
mas de possibilitar uma modificação no modo como essa outra pessoa, que é o aluno, está
capacitado para receber embrulhos. Na pedagogia, o princípio é a teoria da recepção do
sabido, porque é preciso que se modifique a outra consciência. Isso tem muita importância
porque permite estudar a educação do ponto de vista cibernético, não material, como se
costuma fazer (quer dizer, só com dados estatísticos, com método e técnicas, etc.), mas
avaliando o resultado pela transformação que a educação imprime à consciência do aluno.
Se ela não fizer isso, de nada adianta seu esforço. Um dos graves erros na pedagogia
alienada é esse. É avaliar o resultado da prática educacional pela devolução do embrulho,
sem compreender que isso não é educação. A educação implica uma modificação de
personalidade e é por isso que é difícil de se aprender, porque ela modifica a personalidade
do educador ao mesmo tempo que vai modificando a do aluno. Desse modo, a educação é
eminentemente ameaçadora. Ela consiste em abalar a segurança, a firmeza do professor,
sua consciência professoral (que teme perder o estabelecido, que é o seu forte no plano da
prática empírica) para se flexionar de acordo com as circunstâncias. A resistência do aluno
ao aprendizado é um fator de modificação da consciência do educador, e não uma
obstinação, uma incompetência. Mostrar e trazer a educação para o domínio da cibernética
é uma imposição causada por duas ordens de fatores: 1) as massas educadas cada vez
maiores; 2) e ao mesmo tempo a mecanização dos processos pedagógicos. Se o educador
não se preparar, não terá condições para introduzir o verdadeiro fator, decisivo, no ato
educativo, que é o papel da consciência. Fica prisioneiro do que a cibernética chama de
hard-ware (todo o material, toda a parte mecânica, instrumental). É evidente que o
professor não pode transmitir flexibilidade ao seu ensino se não a possui ele próprio na sua
formação e na sua prática. Não escrevi nenhum livro de pedagogia, embora tenha muitas
observações a fazer sobre ela.
Betty - Em outra ocasião o senhor falou sobre "pedagogia filosófica". Em que consiste?
Vieira Pinto — Para construção de uma pedagogia filosófica é preciso reunir dados ou
elementos provenientes de quatro setores do saber: 1) da teoria do pensamento (dialética);
2) da organização dos atos do conhecimento em seus diversos pontos; 3) do estudo
fisiológico ideal da psicologia; 4) da teoria do desenvolvimento humano, essencialmente
histórico, marcado pelas diferentes culturas e civilizações. Esses aspectos que abordei fazem
parte do material para um livro sobre pedagogia que pensei em escrever. A política, a
técnica, a ciência, têm que ser consideradas na pedagogia, na teoria da pedagogia, para
poder unificar e ao mesmo tempo inspirar a verdade pedagógica nos diversos campos em
que ela se desdobra. O grande defeito que encontro nos educadores é principalmente o de
procurar uma pedagogia pronta, quando não existe essa pedagogia pronta. E se existisse
seria imprestável. A pedagogia nasce (aí teria que se dizer em grego paidos agogos, que é o
ato, o verbo paida-gogen, isto é, como é preciso saber, como conduzir a criança à escola) no
tempo da escravidão antiga, onde o escravo era o educador que tinha que ser educado com
o próprio ato de tratar as crianças que lhe eram confiadas. Atualmente, de uma certa
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maneira, isso tem que ser feito, pelo educador, mas com uma consciência científica. É isso
que falta compreender. A educação é um ato intransitive quer dizer, o educador não pode
transformar a outrem que não esteja se transformando no próprio trabalho de ensinar. Por
isso é que ele, ao ensinar, ele aprende.
Betty – O senhor poderia explicitar melhor a sua frase: "A resistência do aluno ao
aprendizado é um fator de modificação da consciência do educador e não uma obstinação,
uma incompetência"?
Vieira Pinto — O que quero dizer é que não há uma rigidez, não há um a priori em educação.
É o caso de repetir com Leibniz, quando corrigiu Aristóteles, "exceto a própria educação".
Este é o único a priori que existe. Isso serve de aforismo. (Isso corresponde a pequenos
enunciados de verdade que o educador emite a propósito de um determinado ponto que
serve para condensar o pensamento exposto, de maneira mais geral, na aula ou no livro. O
aforismo é sempre uma verdade condensada. Ao mesmo tempo é simbólica. De modo que
há o risco das interpretações errôneas. Isto é preciso evitar.)
A prática pedagógica é contraditória. É duplamente contraditória porque ela supõe que
quem ensina sabe, quando não sabe e quem aprende não sabe, quando, na verdade, sabe.
Essa é a contradição da pedagogia. Os erros que o educador comete só criticamente podem
ser chamados de erros, e tem que se verificar até que ponto é ele o autor desses erros, É
preciso entrar aí toda a teoria de Bacon sobre os eidola (tribus, specus, fori e teatri). Os
ídolos são os erros que os homens fazem. Todas essas condições interferem no ato da
educação. Têm que ser depuradas. Mas só a dialética consegue. É o que Bacon não podia
fazer. Toda a minha idéia consiste em criar uma teoria da educação que não seja teórica, no
sentido em que fica desfigurada como teoria, e sim corrigida pela prática da aula, pelo
próprio ato de ensinar. E por outro lado que seja uma prática que não se confunda com um
mero exercício, porque tem que valer como compreensão teórica. Dessa forma a teoria
responde às dúvidas da prática. Sem essas dúvidas não haveria teoria. A teoria seria uma
coisa sem maior significado, estéril. Essa relação entre teoria e prática é outro aforismo
muito importante. O professor deve praticar a organização crítica de sua aula, em todos os
aspectos. Por conseguinte, precisa buscar os fundamentos, os pressupostos para cada coisa
que faz e também respostas para todas as objeções. É uma justificativa, um ato de buscar os
fundamentos, continuamente, do seu fazer. Aí é que entra o papel da teoria da abstração.
Um aluno traz consigo todos os problemas que só são dele (enquanto educando) porque ele
está se formando. Quero mostrar aqui a identidade de educação e formação. Como ele está
se formando, tem aqueles problemas que são dele; porque está se formando para ser ele
mesmo e não outra pessoa. Logo, na fase de educação é que se dá a fase de formação. É um
crescimento que tem dois aspectos: o aluno cresce como aluno porque aprende e com isso
se forma. Quer dizer, o adulto educando é aquele que aprendeu o conjunto de
conhecimentos que o formaram. É a noção de formação ligada à de educação.
Seria importante agora tratar do aforismo sobre o papel da escola que é uma coisa
fundamental, muito complexa, para o qual a filosofia tem muito a contribuir. A escola é o
meio que o aluno vai viver como aluno. É preciso aí estudar a relação entre os aspectos
peculiares desse meio — a escola — com os demais. A escola representa a sociedade do
aluno para o educador crítico, para o qual a sociedade representa a escola do educador.
Quer dizer, a escola é um ambiente e, ao mesmo tempo, um processo. E como tal precisa ser
entendida dinamicamente.
O ato de ensinar apresenta muitos obstáculos. Tudo vai depender de como se considera
esses obstáculos. Podem ser de natureza material (falta de dinheiro, por exemplo) ou de
outro tipo de natureza, como uma incompreensão de um colega para outro. Isso também
são formas de obstáculos. Pode-se dizer que a pedagogia reproduz a sociologia; que não há
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problema pedagógico que não seja sociológico, e vice-versa. Toda transformação sociológica
é fonte de modificações pedagógicas. Eu gostaria de tratar desse assunto unindo ao máximo
a sociologia dialética com a pedagogia. É necessário levar também em conta a evolução do
conteúdo da ciência.
A pedagogia não se torna científica por vontade do pesquisador ou do educador, mas
quando as condições da prática social permitem uma determinada explicação do ensino
tornar-se científica. A ciência tem sua evolução própria e a pedagogia tem que se adaptar a
essa evolução, mas de uma perspectiva crítica que permita estabelecer o jogo de
contradições.
Existe a ciência que também é uma forma de consciência e tem influência decisiva para
construir a representação do objeto ou da atividade. É preciso também dar o máximo valor à
noção de finalidade. Não há teoria da educação sem teoria da finalidade da educação.
É preciso que o êxito de uma determinada atitude pedagógica não se transforme em
obstáculo ao prosseguimento do curso da própria educação. Os métodos bem sucedidos,
como o do Paulo Freire, podem acabar se tornando um quisto, uma coisa que impede o
prosseguimento do seu próprio desenvolvimento.
Penso que a afirmação de Vieira Pinto "não escrevi nenhum livro de pedagogia, embora
tenha muitas observações a fazer sobre ela", decorre do fato de que as Sete lições sobre
educação de adultos foram aulas-conferências que ele proferiu no Chile em 1966. Os textos
que escreveu então, ele os redigiu como roteiros das aulas que ministrou. No seu entender,
um livro exigiria maior desenvolvimento e aprofundamento. Entretanto, Betty e eu o
convencemos a publicar os referidos roteiros na forma original. E isto não apenas pelas
importantes contribuições que este pequeno livro contém, e que reputamos ser de grande
utilidade para os educadores brasileiros de hoje, mas também como testemunho de um
trabalho que vem se desenvolvendo já há muitos anos e que permanece vivo e atuante.
Hoje, quando diversos estudos já surgiram reconstituindo o momento histórico em que A. V.
Pinto se configurou como um intelectual militante, pode-se fazer reparos a conceitos por ele
emitidos e, mesmo, ao conjunto do seu pensamento filosófico. É impossível, porém, não
reconhecer a sua importância e a envergadura intelectual de um trabalho desenvolvido em
condições bastante adversas.
Após as considerações feitas, penso ter ficado claro o sentido da afirmação que fiz no início
desta Introdução, quando disse que as vicissitudes da obra Ciência e existência espelham as
vicissitudes pelas quais passou seu autor. Com efeito, assim como a referida obra correu o
risco de cair no esquecimento, mas se impôs, tornando obrigatória a sua reedição, assim
também seu autor, que parecia já ter-se retirado do cenário cultural brasileiro, resistiu e
retorna agora através da presente obra.
A publicação deste livro é, pois, ao mesmo tempo uma contribuição à cultura brasileira e
uma homenagem a um dos intelectuais que mais se empenhou na consolidação da referida
cultura.
A presente Introdução pretendeu trazer alguns subsídios que facilitassem ao leitor situar as
Sete lições sobre educação de adultos no contexto da vida e da obra do autor. Espero ter
atingido esse objetivo.
Dermeval Saviani São Paulo, abril de 1982

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1º. TEMA: CONCEITO DE EDUCAÇÃO
Que é a educação?
Deixaremos de lado as numerosas definições eruditas, que não vamos mencionar, nem
podemos discutir e consideraremos a educação em seus dois significados: restrito e amplo.
Em significado restrito, o da pedagogia clássica, convencional, sistematizada, refere-se a
educação às fases infantil e juvenil da vida do ser humano. Não se deve, no entanto, reduzila a esses limites. Seria um erro lógico, filosófico e sociológico.
Em sentido amplo (e autêntico) a educação diz respeito à existência humana em toda a sua
duração e em todos os seus aspectos. Desta maneira deve-se justificar lógica e
sociologicamente o problema da educação de adultos. Daqui sai a verdadeira definição de
educação.
A educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em
função de seus interesses.
Por conseqüência, educação é formação (Bildung) do homem pela sociedade, ou seja, o
processo pelo qual a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do ser
humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e
buscar os fins coletivos.
Caráter histórico-antropológico da educação
Partindo da definição exposta, podemos explicitar os caracteres da educação:
a) A educação é um processo, portanto é o decorrer de um fenômeno (a formação do
homem) no tempo, ou seja, é um fato histórico. Todavia, é histórico em duplo sentido:
primeiro, no sentido de que representa a própria história individual de cada ser humano;
segundo, no sentido de que está vinculada à fase vivida pela comunidade em sua contínua
evolução. Sendo um processo, desde logo se vê que não pode ser racionalmente
interpretada com os instrumentos da lógica formal, mas somente com as categorias da
lógica dialética.
b)
A educação é um fato existencial. Refere-se ao modo como (por si mesmo e pelas
ações exteriores que sofre) o homem se faz ser homem. A educação configura o homem em
toda sua realidade. Pode-se dizer (em outra versão da definição) que é o processo pelo qual
o homem adquire sua essência (real, social, não metafísica). É o processo constitutivo do ser
humano.
c) A educação é um fato social. Refere-se à sociedade como um todo. É determinada pelo
interesse que move a comunidade a integrar todos os seus membros â forma social vigente
(relações econômicas, instituições, usos, ciências, atividades, etc.). É o procedimento pelo
qual a sociedade se reproduz a si mesma ao longo de sua duração temporal. Contudo, neste
processo de auto-reprodução está contida, desde logo, uma contradição: a sociedade
desejaria fazer-se no tempo futuro o mais igual possível a si mesma; porém, a dinâmica da
educação atua em sentido oposto, uma vez que engendra necessariamente o progresso
social, isto é, a diferenciação do futuro em relação ao presente. Daí deriva o duplo aspecto
do fato social da educação: incorporação dos indivíduos ao estado existente (a intenção de
perpetuidade, de conservação, de invariabilidade, inércia pedagógica, estabilidade
educacional) e progresso, isto é, necessidade de ruptura do equilíbrio presente, de
adiantamento, de criação do novo. Esta contradição pertence à própria essência da
educação dada sua natureza histórico-antropológica. Por ser contraditória é que a educação
é instrumental (no sentido em que a consciência crítica emprega este qualificativo). Quando
se verifica a simultaneidade consciente de incorporação e progresso, tem-se a educação em
sua forma integrada, isto é, a plena realização da natureza humana.

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d) A educação é um fenômeno cultural. Não somente os conhecimentos, experiências, usos,
crenças, valores, etc. a transmitir ao indivíduo, mas também os métodos utilizados pela
totalidade social para exercer sua ação educativa são parte do fundo cultural da comunidade
e dependem do grau de seu desenvolvimento. Em outras palavras, a educação é a
transmissão integrada da cultura em todos os seus aspectos, segundo os moldes e pelos
meios que a própria cultura existente possibilita. O método pedagógico é função da cultura
existente. O saber é o conjunto dos dados da cultura que se têm tornado socialmente
conscientes e que a sociedade é capaz de expressar pela linguagem. Nas sociedades iletradas
não existe saber graficamente conservado pela escrita, contudo, há transmissão do saber
pela prática social, pela via oral e, portanto, há educação.
e) Nas sociedades altamente desenvolvidas, com divisões internas em classes opostas, a
educação não pode conectar na formação uniforme de todos os seus membros, porque: por
um lado, é excessivo o número de dados a transmitir; e, por outro, não há interesse nem
possibilidade e formar indivíduos iguais, mas se busca manter a desigualdade social
presente. Por isso, em tais sociedades, a educação pelo saber letrado é sempre privilégio de
um grupo ou dá-se, no sentido que se segue:
—
somente este grupo tem assegurado o direito (real, concreto) de saber (p. ex.,
alfabetização);
—
somente membros desse grupo se especializam na tarefa de educar;
—
somente e se o grupo tem o direito e o poder de legislar sobre a educação, ou seja,
de definir aquilo em que deva consistir a educação institucionalizada, escolarizada. É
conseqüência, essa minoria unicamente reconhecerá com educação a deste último tipo.
Todo o restante do saber não letrado, e as demais formas de cultura que a sociedade
transmite a seus outros membros, é considerado incultura e ausência de educação.
f)
A educação se desenvolve sobre o fundamento do processo econômico da sociedade.
Porque é ele que:
—
determina as possibilidades e as condições de cada fase cultural;
—
determina a distribuição das probabilidades educacionais na sociedade, em virtude
do papel que atribui a cada indivíduo dentro da comunidade;
—
proporciona os meios materiais para a execução do trabalho educacional, sua
extensão e sua profundidade;
—
dita os fins gerais da educação, que determina em uma dada comunidade serão
formados indivíduos de níveis culturais distintos, de acordo com sua posição no trabalho
comum (na sociedade fechada, dividida) ou se todos devem ter as mesmas oportunidades e
possibilidades de aprender (sociedades democráticas).
g) A educação é uma atividade teleológica. A formação do indivíduo sempre visa a um fim.
Está sempre "dirigida para". No sentido geral esse fim é a conversão do educando em
membro útil da comunidade. No sentido restrito, formar, escolar, é a preparação de
diferentes tipos de indivíduos para executar as tarefas específicas da vida comunitária (daí a
divisão da instrução em graus, em carreiras, etc.). O que determina os fins da educação são
os interesses do grupo que detêm o comando social.
h) A educação é uma modalidade de trabalho social. Para compreendê-la é necessário
utilizar as categorias histórico-antropológicas dialéticas, que definem o conceito de
"trabalho". A educação é parte do trabalho social porque:
- trata de formar os membros da comunidade para o desempenho de uma função de
trabalho no âmbito da atividade total;
- o educador é um trabalhador (reconhecido como tal);
- no caso especial da educação de adultos, dirige-se a outro trabalhador, a quem tenciona
transmitir conhecimentos que lhe permitam elevar-se em sua condição de trabalhador.
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i) A educação é um fato de ordem consciente. É determinada pelo grau alcançado pela
consciência social e objetiva suscitar no educando a consciência de si e do mundo. É a
formação da autoconsciência social ao longo do tempo em todos os indivíduos que
compõem a comunidade. Parte da inconsciência cultural (educação primitiva, iletrada) e
atravessa múltiplas etapas de consciência crescente de si e da realidade objetiva (mediante
o saber adquirido, a cultura, a ciência, etc.) até chegar à plena autoconsciência. Esta será a
etapa em que todos os indivíduos alcançam igualmente o máximo de consciência crítica de si
e de seu mundo permitida pelo estado de adiantamento do processo da realidade (máxima
consciência historicamente possível).
j) A educação é um processo exponencial, isto é, multiplica-se por si mesma com sua própria
realização. Quanto mais educado, mais necessita o homem educar-se e, portanto exige mais
educação. Como esta não está jamais acabada, uma vez adquirido o conhecimento existente
(educação transmissiva) ingressa-se na fase criadora do saber (educação inventiva).
k) A educação é por essência concreta. Pode ser concebida a priori, mas o que a define é sua
realização objetiva, concreta. Esta realização depende das situações históricas objetivas, das
forças sociais presentes, de seu conflito, dos interesses em causa, da extensão das massas
privadas de conhecimento, etc. Por isso, toda discussão abstrata sobre educação é inútil e
prejudicial, trazendo em seu bojo sempre um estratagema da consciência dominante para
justificar-se e deixar de cumprir seus deveres culturais para com o povo.
I) A educação é por natureza contraditória, pois implica simultaneamente conservação (dos
dados do saber adquirido) e criação, ou seja, crítica, negação e substituição do saber
existente. Somente desta maneira é profícua, pois do contrário seria a repetição eterna do
saber considerado definitivo e a anulação de toda possibilidade de criação do novo e do
progresso da cultura.
Historicidade da educação
A historicidade pertence à essência da educação. Não se confunde com a temporalidade
(que é o fato de haver tido um passado), porém se define por sua essencial transitividade (o
fato de haver futuro). Por isso, a história da educação favorece a compreensão do processo
educacional; é indispensável, mas não a esgota. Porque o exercício da tarefa educativa
conduz à sua própria modificação, ao desenvolvimento de abertura para o futuro, ao
adiantamento do processo como um todo. Por isso, todo "programa de educação" é por
natureza, inconcluso e, até se poderia dizer, irrealizável, pois sua própria execução altera a
qualidade dos elementos que o compõem (o aluno, o professor, os métodos, as finalidades,
etc.) e determina a necessidade de um segundo programa, mais perfeito, mais adiantado. A
educação é histórica não porque se executa no tempo, mas porque é um processo de
formação do homem para o novo da cultura, do trabalho, de sua autoconsciência. A
educação como acontecimento humano é histórica não somente porque cada homem é
educado em um determinado momento do tempo histórico geral - aquele em que lhe cabe
viver (historicidade extrínseca) — mas porque o processo de sua educação, compreendido
como o desenvolvimento de sua existência, é sua própria história pessoal (historicidade
intrínseca).
Dependência do conceito de "homem"
A educação é necessariamente intencional. Não se pode pretender formar um homem sem
um prévio conceito ideal de homem. Este modelo, contudo, é um dado de consciência e,
portanto pertence à consciência de alguém; concretamente, de alguém que está num dado
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tempo, num espaço, em definida posição social. De acordo com a natureza (posição,
interesse, fins) da consciência que comanda o processo educacional, tal será o tipo social de
educação. Nas formas elementares de consciência (sociedades aristocráticas ou oligárquicas)
o grupo dominante acredita que cabe a ele ditar a seu gosto o processo educativo, porque
acredita também que o educando é um ser que não possui ainda consciência e por isso
necessita recebê-la pela educação. Nas formas superiores de consciência (autoconsciência) o
legislador, assim como o educador, sabe que se enfrenta com uma outra consciência e que
seu papel consiste em trazê-la ao conhecimento dos interesses gerais da sociedade
mediante um permanente diálogo entre consciências. Na forma elementar, ingênua, a
educação é considerada como o procedimento de transformação do não-homem em
homem. Na forma superior, crítica, a educação se concebe como um diálogo entre dois
homens, na verdade entre dois educadores. Daí que a educação seja uma forma particular
de responsabilidade da ação entre os homens.
Fundamentos sociais do conceito de educação
Excetuando a etapa primitiva, todos os tipos de sociedade têm produzido um conceito de
educação, que naturalmente reflita as peculiaridades de sua estrutura e os interesses de
seus grupos dirigentes. Por isso, não é possível conceber em abstraio um "modelo" de
educação e pretender levá-lo à prática. A educação real tem sido sempre a educação que era
possível em determinada formação histórico-social, dada a etapa em que se encontrava o
processo de seu desenvolvimento (qualidade e quantidade das forças de trabalho,
adiantamentos técnicos, natureza e fins dos objetos produzidos, etc.). Todo o empenho de
uma sociedade subdesenvolvida num esforço de crescimento, como a nossa, deve consistir
em desenvolver seus fundamentos materiais para que sobre estes se possa edificar uma
educação mais adiantada, que reverterá em maior desenvolvimento destes mesmos
fundamentos.
A educação como fenômeno da cultura
A educação pertence à cultura em dois sentidos:
—
primeiramente, no sentido de que o mesmo conceito de educação é um dos
produtos ideológicos da cultura. Como tal reflete e resume a totalidade cultural que o
enuncia;
—
em segundo lugar, a educação pertence ao campo cultural por ser o processo
produtor (e transmissor) da cultura.
Por conseqüência a educação é a cultura simultaneamente como feita (porém não como
acabada) no educador que a transmite, e como fazendo-se no educando, que a recebe
(refazendo-a), por conseguinte, capacitando-se a se tornar o agente da ampliação dela.
Esta é uma indicação sumária. Há necessidade de um debate mais amplo sobre o tema da
"cultura", sobre as noções ingênuas e críticas de "cultura". O analfabeto não é um ignorante,
não é um inculto, mas apenas o portador de formas pré-letradas de cultura (as quais
coexistem às vezes com uma nascente consciência crítica de seu estado, de seu papel social,
de seu trabalho).
A educação como possibilidade humana
A espécie e a extensão da educação distribuída por uma sociedade a seus membros são
função de seu estado de desenvolvimento material e cultural. Este é que determina as
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possibilidades da educação tanto em qualidade (conteúdo e métodos) como em quantidade
(a quem e a quantos será distribuída).
Do ponto de vista do indivíduo, as probabilidades de receber educação diferenciada e de
recebê-la em determinado grau dependem de sua posição no contexto social, da natureza
de seu trabalho e do valor atribuído a este pelos interesses da consciência social dominante.
Para que aumentem as possibilidades individuais de educação, e para que se tornem
universais, é necessário que mude o ponto de vista dominante sobre o valor do homem na
sociedade, o que só ocorrerá pela mudança de valoração atribuída ao trabalho. Quando o
trabalho manual deixar de ser um estigma e se converter em simples diferenciação do
trabalho social geral, a educação institucionalizada perderá o caráter de privilégio e será um
direito concretamente igual para todos.
Nas sociedades divididas as possibilidades do indivíduo de receber educação
institucionalizada dependem:
a) do grau de desenvolvimento geral de tal sociedade, que determina a necessidade de
incorporação de seus membros a formas superiores de cultura para o fim de executar tipos
mais complexos e mais produtivos de trabalho;
b) consciência de si, de seus grupos dirigentes, que os conduz a criar seu "modelo" de
homem e a nutrir a exigência de incorporação de maior número de indivíduos às formas
letradas do saber;
c) atribuído a cada indivíduo ou que a cada indivíduo cumpre no todo social, de onde deriva
sua capacidade de pressão coletiva (associado a outros da mesma condição) sobre o centro
de decisão social, no sentido de que lhes seja distribuída educação em graus sempre mais
elevados;
d) daí, a importância dos movimentos de educação conjunta de grandes grupos sociais
(campanhas de alfabetização) pois determinam o fenômeno histórico da passagem da
quantidade à qualidade. De fato, a exigência de muitos (educandos) se converte em
exigência de mais e de melhor educação.
A educação como função social permanente
a) A educação é apenas o aspecto prático, ativo, da convivência social. Na sociedade todos
educam a todos permanentemente. Como o indivíduo não vive isolado, sua educação é
contínua. Mais particularmente, considerando-se apenas a transmissão dos conhecimentos
compendiados, a educação também é permanente, pois o grupo dominante tem todo
interesse em reproduzir-se nas gerações sucessivas, o que faz transmitindo às novas
gerações seu estilo de vida, seu saber, seus hábitos, seus valores, etc. Não existe sociedade
sem educação, ainda que nas formas primitivas possa faltar a educação formalizada,
institucionalizada (que aí é representada pelos ritos sociais). Por conseqüência, nenhum
membro da comunidade é absolutamente ignorante, do contrário não poderia viver.
b) A sociedade está continuamente equipando seus membros com conhecimentos e atitudes
que permitem a sobrevivência do grupo humano. O equívoco das concepções
instrumentalistas da educação (J. Dewey, behaviorismo em geral) está em proceder segundo
uma perspectiva individualista, acreditando que o motor da educação está no interesse do
indivíduo de adaptar-se ao meio social, aprendendo as respostas úteis aos desafios do
ambiente, adquirindo o saber como um instrumento que lhe permitirá resolver os
problemas criados para si pelas experiências com que haverá de enfrentar-se. Esta é uma
concepção que supõe que a sociedade é naturalmente hostil ao homem e que esse terá de
preparar-se para defender-se, o que faz por meio da educação (sociedade onde impera a
competência desenfreada e a luta de todos contra todos).
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Na verdade, o motor da educação está no interesse da sociedade em aproveitar para seus
fins coletivos (sempre estabelecidos, nas sociedades divididas, pelas camadas dirigentes) a
força do trabalho de cada um de seus membros (sua capacidade criadora). Por isso, a
educação não é uma conquista do indivíduo (o que seria dar-lhe um fundamento ou
princípio subjetivo), mas uma função da sociedade e como tal sempre dependente de seu
grau de desenvolvimento. Onde há sociedade há educação: logo, esta é permanente.
A educação é um processo histórico de criação do homem para a sociedade e
simultaneamente de modificação da sociedade para benefício do homem
a) O homem é por essência um ser inacabado, pois se constitui a si mesmo ao longo de sua
existência social. A sociedade configura todas as experiências individuais do homem,
transmite-lhe resumidamente todos os conhecimentos adquiridos no passado do grupo, e
recolhe as contribuições que o poder criador de cada indivíduo engendra e que oferece à sua
comunidade. Neste sentido, a sociedade cria o homem para si.
b) Mas, sendo o homem um ser livre e criador (por suas faculdades intelectuais) de cultura,
as criações que produz, as inovações técnicas, artísticas, as idéias originais que descobre são
incorporadas à cultura geral do grupo e logo transmitidas a outros indivíduos (da mesma ou
das gerações seguintes) que não as descobriram. Vão ser parte da educação desses novos
membros da sociedade, e deste modo o saber e a cultura se desenvolvem e a educação se
revela como um processo expansivo incessante. O homem, educado pela sociedade,
modifica esta mesma sociedade como resultado da própria educação que tem recebido dela.
Nisso consiste o progresso social, no processo de auto-geração da cultura.
c) Verifica-se assim que a sociedade desempenha um papel de mediação entre os homens
no processo de criação e transmissão da cultura, no qual consiste a educação. Entre o
educador e o educando se interpõe a sociedade, que, de uma parte constitui o educador (e o
institucionaliza) para educar, e de outra, pressiona o educando para educar-se. Mas essa
transmissão da cultura pela educação, justamente porque supõe a mediação (dialética) da
sociedade, na realidade, pelo trabalho concreto dos homens, não é mecânica, e por isso o
saber não se comunica inalterado de um indivíduo ao outro. Ao contrário, na passagem de
um ao outro, altera-se, torna-se maior pela contribuição da criação intelectual do educador,
recebida pela sociedade e considerada por ela como um acréscimo indispensável para ser
comunicado ao educando.
2º. TEMA: FORMA E CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO
Diferença entre conteúdo e forma da educação
a) O que constitui o conteúdo da Educação comporta duas respostas distintas:
a.1) Segundo o conceito ingênuo (o mais comum), o conteúdo da Educação está definido
pela totalidade dos conhecimentos que se transmitem do professor ao aluno. São as
disciplinas, o currículo do curso, aquele que enche as lições e são objeto da aprendizagem,
A Pedagogia convencional, oficial (alienada), concentra toda sua atenção na discussão deste
conteúdo, com a intenção de o fazer mais adequado mais funcional possível para cada fase
da vida do educando, de modo a escolher como assunto a transmitir somente aquele que
será desejável para a formação da criança, do adolescente, do universitário. Percebe-se,
desde logo, que esta escolha (na qual se resume todo o trabalho dos pedagogos de
gabinete) terá que ser ditada pelas concepções (estas mesmas dependentes dos interesses)
do pedagogo em relação ao tipo de homem que convém formar mediante a educação.
É aqui onde se coloca o grande problema, a divergência (de larga repercussão histórica)
entre educação "humanista" e educação "tecnológica". O que se decide, com isto, é o
conceito que o pedagogo tem da natureza do homem, de seu papel na sociedade, em última
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análise, do conceito de sociedade para a qual deve preparar o educando. O debate persiste
até hoje, agora com marcada preponderância dos defensores da educação "técnica",
"educação para o mundo de amanhã", etc.
Mostrar o vício de ingenuidade que afeta toda esta discussão: não existe a diferenciação em
tela, quando se parte do conceito crítico unitário do "homem" e de sua realidade num
mundo em processo de desenvolvimento, com o qual está indissoluvelmente ligado.
Porém a origem deste vício está na própria deficiência da noção ingênua de "conteúdo" da
educação (tal como acima exposto).
É que:
Em primeiro lugar, a educação, como temos mostrado, não deve se reduzir à transmissão
escolar dos conhecimentos.
Em segundo lugar, o conteúdo da educação não está constituído somente pela "matéria" do
ensino, por aquilo que se ensina, mas incorpora a totalidade das condições objetivas que
concretamente pertencem ao ato educacional; assim, são parte do conteúdo da educação: o
professor, o aluno, ambos com todas suas condições sociais e pessoais, as instalações da
escola, os livros e materiais didáticos, as condições locais da escola, etc. Não aceitar este
ponto de vista, é deliberadamente se colocar à margem do mundo real, e raciocinar sobre
uma reduzida e arbitrária abstração (a "matéria" do ensino).
Em terceiro lugar, o conteúdo da educação está submetido ao processo em que ela consiste,
não se pode considerá-lo como um volume estático, delimitado de conhecimentos como se
fora uma carga a ser transportada de um lugar a outro, porém é algo dinâmico, é
fundamentalmente histórico por isso não tem contornos definidos, é variável, não se repete
e só se realiza parcialmente em cada ato educativo pois cada aluno absorve diferentemente
a matéria de ensino distribuída à classe comum.
Em quarto lugar, o conteúdo não pode ser considerado desligado da forma. Ora, o conceito
ingênuo do "conteúdo" o destaca da "forma" e pretende tratá-lo por si mesmo à parte,
valorizá-lo em sua significação e utilidade intrínseca.
Em conseqüência, vê-se que é necessário alcançar o conceito crítico do conteúdo da
educação.
a.2) 0 conceito crítico do conteúdo envolve a totalidade do processo educativo, a qual está
sempre presente em cada ato pedagógico (em uma lição, por exemplo). Não está constituído
somente por "aquilo que" se ensina, mas igualmente por aquilo "que" ensina, "aquilo que" é
ensinado, com todo o complexo de suas condições pessoais, pelas circunstâncias reais
dentro das quais se desenvolve o processo educacional. Unicamente nos graus mais
elementares, a "matéria" do ensino se apresenta com qualidade de fixação e de limitação,
ainda que relativa. Ao passar a planos mais elevados do saber, o ensino se torna cada vez
mais objeto da compreensão pessoal do professor, do autor de livros de texto, do legislador,
etc.
O conteúdo da educação — tal como a forma —, tem caráter eminentemente social e,
portanto, histórico. É definido para cada fase e para cada situação da evolução de uma
comunidade. Por conseguinte, deve atender primordialmente aos interesses da sociedade.
Se esta é democrática, os interesses dominantes têm que ser os do povo, e se consideramos
um país em esforço de crescimento, tem que ser o de suas populações que anseiam por
modificar sua existência.
A discussão propriamente pedagógica sobre a conveniência desta ou daquela "matéria" em
um currículo escolar não pode se fazer abstratamente, nem estar sujeita aos preconceitos
do pedagogo. Deve refletir os objetivos gerais mais prementes da sociedade como um todo,
o que significa os interesses das grandes massas e não os de uma elite letrada e afortunada.

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O conteúdo da educação é "popular" por excelência. Só deixa de sê-lo de fato em condições
de alienação cultural (praticamente dominantes nas sociedades subdesenvolvidas).
O conteúdo da educação não é um adorno do espírito, mas um "instrumento de realização
do homem" dentro de seu ambiente social. Daí a denúncia do exibicionismo cultural,
ingenuidades típicas das elites que a si mesmas se denominam "cultas", dos países
atrasados.
b) O que constitui a forma da Educação?
Igualmente duas respostas distintas:
b.1) Segundo o conceito ingênuo, a forma da educação são os procedimentos pedagógicos, o
método (com todos seus implementos técnicos) de acordo com o qual é administrado o
ensino. É a maneira de transmitir o conhecimento.
Neste aspecto, a forma adquire importância capital na pedagogia corrente, porque neste
campo é onde se travam de preferência os debates ociosos que caracterizam a pedagogia
ingênua. A forma é entendida aqui como realidade à parte, destacada do conteúdo. Daí a
tendência a concentrar a atenção sobre a melhoria dos procedimentos da técnica
pe¬dagógica, como se isso representasse o essencial no progresso do ensino.
Esta orientação se faz sentir especialmente no que se refere à Educação de Adultos, muito
particularmente no problema da alfabetização. O afã (ingênuo) de buscar o "melhor"
método de produzir a "melhor" cartilha é típico desta consciência.
b.2) Existe, evidentemente, um problema de forma, de método, de transmissão do saber.
Porém não deve ser entendido ingenuamente e sim de maneira crítica.
Para começar, é necessário compreender que forma e conteúdo são apenas aspectos —
distintos, mas unidos — de uma mesma realidade, que é o ato educacional como um todo
concretamente indivisível e só analiticamente separável - as partes. Por isso, estão
interrelacionados e se condicionam um ao outro. São aspectos e não componentes
autônomos.
Em segundo lugar, a forma da educação é função de seus fins sociais. Tem que ser em cada
caso aquela que se adapta ao conteúdo, isto é, à condição do educando, suas possibilidades
imediatas de ascensão cultural, Ê empírica e segue apenas a regra de ser a melhor possível
para aquele a quem é dada a educação, no sentido de ser a mais adequada para fazê-lo subir
de sua condição humana presente para outra melhor, imediatamente e concretamente
possível. A forma da educação tem que ser aquela que permita a grandes camadas da
população passarem à etapa imediatamente seguinte em seu processo de desenvolvimento.
É inútil decretar, in-abstrato, que a educação escolarizada deve ser obrigatória, universal e
gratuita. A sociedade não está capacitada para realizá-la concretamente dessa maneira. A
forma da educação, incluindo sua extensão e distribuição, deve tender para esse ideal,
porém não se institucionalizar desde agora desse modo, como se já existissem as condições
para tanto. Faltando estas, a forma social da educação tem que ser ditada pelo grau de
adiantamento do processo de desenvolvimento.
Relação de interdependência entre forma e conteúdo
Já temos indicado a relação mútua entre estes aspectos da Educação. Esta, como realização
concreta em um Processo objetivo, é um todo no qual conteúdo e forma se distinguem e se
opõem apenas como fatores. Só se diferenciam pela análise conceitual à luz da qual
aparecem como opostos, porém se identificam na constituição de um ato real único.
Conteúdo e forma da educação significam mais que a simples coexistência e justaposição
dos fatores. Representam uma unidade real, isto é, a dependência recíproca de um ao outro.
Assim, o conteúdo determina a forma da educação na qual é ministrada, porém esta por sua
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vez determina a possibilidade da variação do conteúdo, aumentando-o, em um processo
sem fim. A execução formal da transmissão de certo conteúdo instrutivo possibilita a
abertura desse mesmo conteúdo para se incluir em algo mais, como adiantamento e
progresso do saber.
Por isso, o método educacional - em particular, o método de alfabetização — tem que ser
definido como dependência de seu conteúdo (e significado) social, ou seja, o elemento
humano ao qual vai ser aplicado, de quem o deve executar, dos recursos econômicos
existentes, das condições concretas nas quais será levado à prática. Fora disso, é apenas
obra imaginativa (cartilhas, campanhas de alfabetização, etc.), é pensamento em abstrato, é
projeto no vácuo social.
Quatro questões primordiais:
A quem educar? Quem educa? Com que fins? Por que meios?
Nestas questões, resume-se todo o processo educacional em sua essencial inter-relação de
conteúdo e forma. Todo projeto pedagógico tem que as considerar, compreendendo o
seguinte:
Constituem uma unidade, são aspectos de uma só totalidade.
Não se pode resolver quaisquer delas sem que esta solução influa sobre as demais.
A atenção conjunta de todas elas não quer dizer uniformidade, senão, simplesmente
reconhecimento de sua interconexão.
É a sociedade, como fundamento e agente, quem, em última análise, as resolve, em função
da consciência de si possui (esta, por sua vez, na dependência de seu estado de
desenvolvimento).
A questão "A quem educar?" se refere ao lado principal do conteúdo humano da educação
(o outro lado é o educador). A resposta a esta pergunta é proporcionada peia sociedade
como um todo. A sociedade onde imperam desigualdades nas oportunidades, pela força de
seu estado presente de desenvolvimento e de seus interesses, está continuamente
procedendo a um julgamento de seus elementos humanos, destinando uns à educação
sistematizada, escolarizada, erudita; e outros à educação informal, livre, não letrada.
Ainda entre os que recebem educação escolar (e universitária) a distribuição das
oportunidades e favores deriva do jogo de influências sociais que fazem uns mais
afortunados que outros.
A idéia do direito igual para todos de receber educação escolar começa por ser exigência de
visionários políticos e sociais e só passa a ser uma demanda da consciência geral quando se
dão as condições objetivas que fundamentam esse intento.
A exigência de educação para um maior número (e por fim para todos) só chega a ser
irresistível quando parte da própria massa que começa a recebê-la. Porque de agora em
diante se constitui em fato político. Não é mais o projeto bem intencionado de alguns
pedagogos generosos.
É necessário distinguir entre o ponto de vista ingênuo e o crítico na resposta a esta pergunta.
A consciência ingênua, ainda que não o declare, não deseja que todos sejam instruídos. A
consciência crítica, ao contrário, compreende que todos devem ser instruídos e hão de sê-lo.
Porém fica no engano de acreditar que possa fazê-lo de imediato, por isso é dócil aos
estímulos da realidade. Sabe que só é possível forçar a realidade com auxílio dela mesma, ou
seja, que só é possível fazer a educação total do povo pela ação da fração deste que se vai
educando. Daí que a consciência crítica seja imediatamente realista, não utópica.
À pergunta "Quem educa?" responde-se: a fração ilustrada da sociedade, nas pessoas de
seus professores, para tal, devidamente preparados. A função de educar é um atributo da
elite social. Deriva de seu status de possuidora do saber e da cultura.
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Nas sociedades onde não há oportunidades e o poder econômico se acha concentrado, a
função de educar é delegada a um pequeno grupo de indivíduos instruídos e deles se espera
que sirvam aos objetivos de tal sociedade. O educador é concebido sempre como um
funcionário, um servidor e não como portador de uma consciência. Daí a necessidade de
despertar nos educadores o sentimento de dignidade e autonomia, sendo esta concebida
não como desligamento do solo social e sim como poder de escolha pessoal, crítica, livre das
forças sociais a que se identifica.
A preparação do educador é permanente e não se confunde com a aquisição de um tesouro
de conhecimentos que lhe cabe transmitir a seus discípulos. É um fato humano que se
produz pelo encontro de consciências livres, a dos educadores entre si e os destes com os
educandos.
O educador deve ser o portador da consciência mais avançada de seu meio (conjuntamente
com o filósofo, o sociólogo). Necessita possuir antes de tudo a noção crítica de seu papel,
isto é, refletir sobre o significado de sua missão profissional, sobre as circunstâncias que a
determinam e a influenciam, e sobre as finalidades de sua ação.
A questão "Com que finalidade?" é respondida diversamente de acordo com o ponto de
vista do educador ou do legislador.
A finalidade da educação está implícita no conteúdo e na forma como é executada. É próprio
da consciência crítica fazer clara a finalidade que concebe para o processo educativo,
enquanto a consciência ingênua, porque devem muitas vezes proceder de má fé (contra os
interesses populares), oculta ou dissimula as finalidades da educação sob os mais diversos e
sutis disfarces.
A finalidade da educação tem que ser nacional em sua plena significação. Deve visar à
transformação da nação, se é atrasada, em país progressista, no mesmo plano das
comunidades nacionais mais desenvolvidas.
A educação tem que ser popular, por sua origem, por seu fim e por seu conteúdo. O país é
atrasado em virtude do modo de vida de suas massas (não de suas elites). Por isso, a
transformação da existência do povo é o que constitui a substância da mudança na realidade
da nação.
Para ser popular, a educação tem que ser uma possibilidade igual para todos, em qualidade
e quantidade. Por isso, a alfabetização é apenas o início de um processo educacional que de
direito deve sempre visar aos graus mais altos do saber.
A finalidade da educação não se limita à comunicação do saber formal, científico, técnico,
artístico, etc. Esta comunicação é indispensável, está claro, porém o que se intenta por meio
dela é a mudança da condição humana do indivíduo que adquire o saber. Por isso, a
educação é substantiva, altera o ser do homem. A não ser assim, seria apenas adjetiva, mero
ornamento da inteligência. O homem que adquire o saber, passa a ver o mundo e a si
mesmo deste outro ponto de vista. Por isso se torna um elemento transformador de seu
mundo. Esta é a finalidade essencial da educação. Tal é a razão de que todo movimento
educacional tenha conseqüências sociais e políticas.
A questão "Por que meios?" se refere fundamentalmente ao método e, acessoriamente, às
circunstâncias materiais nas quais se cumpre o processo educacional. Tudo aquilo que influi
executivamente no trabalho educacional, deste Ponto de vista é educador.
Devemos acentuar a importância das condições materiais (instalações e prédio da escola),
em duplo sentido: por seu efeito psicológico e por sua significação sociológica. Neste último
sentido, a escola representa a primeira revelação à criança de seu status social (a escola rica,
a escola pobre), porque é no edifício escolar que pela primeira vez a criança toma contato
com a capacidade da sociedade de atendê-la. A escola é o primeiro "produto" social que está
feito exclusivamente para ela.
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A questão do método é decisiva. Não vamos debatê-la neste momento. Basta assinalar que
possui dois aspectos: o técnico e o ideológico. É importante distingui-los bem, pois o
educador freqüentemente procura encobrir com roupagens técnicas os interesses que não
deseja discutir. Existe, está claro, um problema muito sério de técnica pedagógica, desde a
alfabetização até a organização dos currículos universitários, porém o que desejamos
advertir é que toda solução técnica de um problema pedagógico contém uma atitude
ideológica.
Não se deve superestimar a significação do método, como faz a consciência ingênua. Não é
admissível considerá-la como a única realidade do processo educacional, até o ponto de
admitir que as virtudes de um determinado método podem suprir as deficiências dos demais
fatores. Isso seria a artificialização do método.
Caráter ideológico da educação
Temos ressaltado várias vezes o caráter ideológico da educação. Aqui desejamos apenas
deixar explícito que esse caráter, sendo dado pela consciência social, traz a marca de sua
origem, isto é, em termos concretos, refere-se à consciência de alguém. É um dos modos do
pensar social, porém se expressa pela consciência dos indivíduos que se ocupam desta
questão, que são indivíduos vivos, dotados de condições materiais e intelectuais, com
interesses confessados e implícitos, com desejos e intenções, etc.
A discussão completa deste assunto só pode ser feita depois de se estudar o problema da
consciência geral, sua forma coletiva e individual, suas modalidades (ingênua e crítica), etc.
Por ora, desejamos estabelecer que não há educação sem idéia da educação. Nas sociedades
primitivas, de educação não institucionalizada, esta idéia é inconsciente e se cumpre
mediante os ritos sociais. Nas sociedades civilizadas, esta idéia pode continuar implícita ou
alcançar o nível da plena consciência (ingênua ou crítica), na mentalidade dos educadores e
legisladores educacionais.
A idéia da educação (implícita ou explícita) dirige o processo educacional. Por isto é que este
tem caráter ideológico. Daqui esta tese fundamental: Não há educação sem teoria da
educação (implícita ou explícita).
Igualmente, por isso é que constitui um processo social (histórico-antropológico) e não um
processo material. São objetivos tanto um como o outro processo, porém as leis, os
momentos do primeiro são ditados pela consciência humana, enquanto as leis e fatos do
segundo são independentes da consciência do homem.
A educação é um fenômeno social total. Para atendê-la é indispensável empregar a categoria
de totalidade. Significa que não se pode interpretá-la (nem planejá-la) se não se tem em
vista todo o conjunto de valores reais (sociais) que sobre ela influem e dos efeitos gerais que
dela resultam sobre os demais aspectos da realidade social. A educação é parte de um
conjunto de interações e de interconexões recíprocas e não pode ser dissociada dele,
tratada isoladamente. É parte de um todo, porém este todo sendo um processo, só a noção
de totalidade permite compreender a inter-relação de cada parte com as demais, pois não
se trata de um todo estático, e sim de uma realidade total em movimento, na qual a
alteração de qualquer elemento influi sobre todos os demais. A noção de totalidade introduz
uma nova percepção de fatos sociais, como são as campanhas de alfabetizado e de educação
de adultos. Porque coloca estes fatos à luz do princípio de totalidade e mostra como
repercutem necessariamente sobre todos os aspectos da sociedade, ao mesmo tempo que
as mudanças ocorridas nos demais campos, como efeito daquelas campanhas, revertem
sobre a compreensão, a valoração e o curso destas mesmas campanhas.

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A alienação educacional como característica da atividade pedagógica do país em vias de
desenvolvimento.
Que é a alienação? Em sua expressão mais geral, filosófica, é um conceito que define a
condição de um ser que se encontra privado de sua essência, ou porque se encontre
separado dela ou porque ela não se realiza completamente, perfeitamente em tal ser. Este é
o aspecto antropológico do conceito de alienação.
Em sentido mais restrito, histórico, social, a alienação se refere ao estado do indivíduo, ou
da comunidade, que não retira de si mesma, de seus fundamentos objetivos, os motivos, os
determinantes (as matrizes) com que constitui sua consciência, e sim os recebe
passivamente de fora, de outros indivíduos ou comunidades (para os quais são válidos), e se
comporta de acordo com esses motivos e determinantes como se fossem seus. Neste
sentido é que o indivíduo ou a comunidade perdem sua essência. O homem perde sua
dignidade de ser livre, a sociedade perde suas características de autonomia, de capacidade
criadora de si, material e culturalmente. A essência que exibem não é a sua, é emprestada,
quase sempre imposta a eles por outro indivíduo ou sociedade mais forte que os submete.
Assim, a essência de tais seres está deslocada, eles são estranhos (alheios) a ela, ao que
deveriam ser, perdem por isso a condição, a dignidade antropológica, existencial, de sujeitos
de si, tornando-se objetos de outro.
A consciência alienada não se sente ligada à sua realidade autêntica (a seu ser nacional), à
sua condição na sociedade, e sim se comporta como indiferente à sua realidade ou alheio a
ela, e se transporta em pensamento a um mundo que não é o seu, ao qual passa a
pertencer, adotando suas atitudes, seu estilo de vida, seus valores, etc. É a transferência
imaginária do indivíduo para um mundo alheio, no qual vai buscar inspiração para seus atos
e suas idéias desprezando o autêntico fundamento de sua realidade (que lhe parece pobre,
feia, atrasada, suja, enferma, etc.). Pretende modificar sua realidade com o auxílio de idéias
e procedimentos que não foram induzidos do seu próprio mundo e sim importados de
realidades sociais e culturais alheias.
A alienação é um fato social objetivo e se refere à consciência toda (por isso é um fenômeno
total). O indivíduo alienado repele totalmente sua inserção em seus fundamentos históriconacionais e pretende resolver os problemas de sua sociedade, de seu mundo (em particular
o problema da educação) por meio de critérios e métodos que não foram extraídos de sua
realidade, e sim recebidos de fora, venerados justamente por ter esta origem. Vê-se assim
que a consciência alienada se impermeabiliza à sua realidade objetiva Entre os dados de sua
alienação figura evidentemente o desconhecimento da mesma alienação e a repulsa a
aceitar esta acusação.
A alienação é característica da pedagogia nos países em vias de desenvolvimento. Tratandose de países economicamente dependentes de um centro poderoso e também
culturalmente dependentes desse centro, é natural que sua consciência social comum seja
do tipo ingênuo e por isto sua visão de si mesmos e do mundo não se origina de sua
realidade, e sim é parte da dominação cultural que recebem dos centros dominantes. Não
possuem óptica própria, vendo-se a si mesmos e a toda a realidade com olhos alheios.
Somente quando se inicia o processo de tomada de consciência por uma sociedade, surge a
possibilidade da denúncia da alienação cultural da qual se encontra imbuída.
A pedagogia é naturalmente um dos campos prediletos de exercício da consciência alienada.
Os pedagogos desta espécie não buscam extrair de sua realidade as idéias com as quais
devem compor sua visão do processo educacional (que teria então por tarefa principal a
denúncia e o término da alienação), e sim, aceitam docilmente e sem críticas as fórmulas
que lhes são oferecidas ou insufladas pelas áreas culturalmente e economicamente mais
adiantadas, porque acreditam ser a última palavra do progresso científico.
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A possibilidade da implantação das idéias alienadas deriva do prestígio dos centros que as
produzem. O pedagogo do país pobre (o intelectual em geral) julga inconscientemente que
não está à altura, não tem condições de produzir o saber, a arte, o gosto, o estilo de
existência, crendo que isso só é patrimônio de nações ricas. E por isso julga que só lhe cabe
imitar o que estas produzem, "aproveitando" (como diz) o que de bom e de grande se
produz, se descobre e se usa em outras partes. Temos assim os fenômenos do mimetismo e
da transplantação cultural, que caracterizam a existência das áreas atrasadas. Num período
inicial do desenvolvimento social, estes fenômenos são inevitáveis (e podem então até
desempenhar um papel útil). Quando a sociedade adquire suficiente consciência de si,
baseada em um já substancial desenvolvimento material, a alienação não mais se justifica e
traz o mais nefasto obstáculo à livre expansão da força criadora do povo.
O imperativo da desalienação
Compreende-se, portanto que a principal tarefa do educador dotado de consciência crítica
seja o incessante combate a todas as formas de alienação que afetam a sua sociedade,
particularmente aquelas que imperam no terreno da educação.
Para isso é imprescindível que o educador se converta à sua realidade, seja antes de tudo do
seu próprio povo, ou melhor, das camadas populares de sua nação. Aceitar "ser do" país é o
primeiro passo para compreender o "ser" do pais.
Isso significa que toda a produção cultural estrangeira tem que ser recebida, estudada,
assimilada, porém submetida a um exame crítico, de maneira que se conserve aquilo que se
revela útil à tarefa nacional, e isso apenas em virtude de razões internas (não por efeito de
prestígio). Esta é a fase de assimilação crítica. Por isso se vê que não deve existir (não tem
sentido) nenhuma atitude de xenofobia, de nacionalismo cego e estreito.
Depois desta conversão à sua própria realidade, a essência do educador se transforma de tal
modo que começa a discernir por si mesmo um sem-número de verdades, a criar idéias e
lançar-se a iniciativas originais, que antes não seriam possíveis em razão do respeito e da
dependência que o paralisavam.
Mesmo o conceito de educação mudará. Compreenderá que a educação é antes de tudo
prática social, e por isso intransferível (no que tem de essencial) de uma sociedade a outra.
Terá que inventar os procedimentos técnicos e as concepções diretrizes de sua atividade
pedagógica, em função da resposta que dará às quatro questões antes formuladas. Estas
serão agora respondidas de modo autêntico, não alienado.
Somente a educação não alienada pode servir aos objetivos da sociedade em luta pelo seu
desenvolvimento, e pela transformação da vida do homem. E isto pela razão de que se funda
nas próprias condições de atraso e de miséria, não as rechaça, e sim as aceita como um dado
histórico-antropológico que terá que suprimir. Pelo contrário, se assume a postura alienada,
destacando-se de sua base social, o educador passará a construir no abstrato, no vácuo, seu
trabalho não teria possibilidade de reverter em proveito de sua sociedade.
A busca e a definição de critérios autênticos para a orientação da educação e para o
desenvolvimento da cultura numa sociedade em esforço de ascensão histórica
A denúncia e a supressão da alienação constituem as condições prévias para o trabalho
fecundo no campo da educação. Antes disso, qualquer trabalho educativo só parcialmente,
incompletamente se adaptará à realidade e dificilmente contribuirá para transformá-la.
Quando o educador se conscientiza do fenômeno da alienação e se liberta dela pela
identificação com a essência histórica de seu próprio povo, está capacitado a produzir o
correto delineamento da educação.
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Para isso é necessário buscar e definir critérios autênticos que devem regular seu trabalho.
Sabe agora que não poderá recebê-los de fora, pois só tem validade se forem desalienados.
Terá então que se voltar para seu país, seu povo e construir (com sua personalidade) a
resposta para a realidade que o circunda.
Poderá cometer enganos, porém estes não se identificam com a alienação (que é essencial,
enquanto os erros nas investigações são acidentais).
Terá que se valer da experiência alheia, porém agora com visão crítica e somente disposto a
utilizar o que for comum a seu povo e a outro.
Em termos gerais, o critério autêntico da educação desalienada é o interesse do povo.
Porém como não se pode alterar a existência do homem do povo sem alterar os
fundamentos dessa existência, é atuando sobre as condições econômicas do país, sobre as
condições sociais do trabalho, que a educação irá adquirindo o caráter de autenticidade, de
desalienação que assegurará sua utilidade para o bem do homem.
Deste modo, o pedagogo dotado de consciência desalienada compreende que terá que se
unir aos pensadores e sociólogos de mesma orientação para, num esforço comum, descobrir
o procedimento mais conveniente a adotar em sua tarefa específica e de criar um sistema
pedagógico adequado, em conteúdo e forma, às necessidades das populações a que se
destinam. Somente assim poderá assentar bases culturais fecundas para que sobre elas o
trabalho de todo o povo se unifique num esforço consciente de ascensão histórica.
3º. TEMA:
AS CONCEPÇÕES INGÊNUA E CRÍTICA DA EDUCAÇÃO
Noção de consciência: representação mental da realidade exterior, do objeto, do mundo, e
representação mental de si, do sujeito, autoconsciência.
A concepção ingênua
A concepção ingênua é aquela que procede de uma consciência ingênua. Portanto, é
necessário definir esta:
a) Consciência ingênua é aquela que — por motivos que cabe à análise filosófica examinar —
não inclui em sua representação da realidade exterior e de si mesma a compreensão das
condições e determinantes que a fazem pensar tal como pensa. Não inclui a referência ao
mundo objetivo como seu determinante fundamental. Por isso julga-se um ponto de partida
absoluto, uma origem incondicional, acredita que suas idéias vêm dela mesma, não provêm
da realidade, ou seja, que têm origem em idéias anteriores. Assim, as idéias se originam das
idéias. A realidade é apenas recebida ou enquadrada em um sistema de idéias que se cria
por si mesmo.
b) A consciência ingênua pode refletir sobre si, tomar-se a si mesma como objeto de sua
compreensão, porém não chega a ser uma autoconsciência. A simples reflexão sobre si pode
ser apenas introspecção, porém não se identifica com a autoconsciência, porque esta só
existe quando a percepção do estado presente da consciência (por ela mesma) é
acompanhada da idéia clara de todos seus determinantes, vale dizer, da totalidade da
realidade objetiva que sobre ela influi (o que só ocorre com a consciência crítica).
c) A consciência crítica é a representação mental do mundo exterior e de si, acompanhada
da clara percepção dos condicionamentos objetivos que a fazem ter tal representação. Inclui
necessariamente a referência à objetividade como origem de seu modo de ser, o que implica
compreender que o mundo objetivo é uma totalidade dentro da qual se encontra inserida.
Refere-se a si mesma sempre necessariamente no espaço e no tempo em que vive. É, pois,
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por essência, histórica. Concebe-se segundo a categoria de processo, pois está ligada a um
mundo objetivo que é um processo e reflete em si esta objetividade nas mesmas condições
lógicas que definem um processo.
d) A consciência crítica, quando reflete sobre si (sobre seu conteúdo), torna-se
verdadeiramente autoconsciência, não pelo simples fato de chegar a ser objeto para si, e sim
pelo fato de perceber seu conteúdo acompanhado da representação de seus determinantes
objetivos. Estes pertencem ao mundo real, material, histórico, social, nacional, no qual se
encontra. A autoconsciência é, portanto uma consciência justificativa de si (em sua forma ou
procedimento, em seu conteúdo ou aquilo que percebe em função das condições históricas
e sociais de sua realidade, em particular, do grau de desenvolvimento do processo nacional
ao qual pertence).
A concepção ingênua da educação
No campo da educação — como em todos os demais — a consciência ingênua é sempre
nociva, pois engendra as mais equivocadas idéias, que se traduzem em ações e juízos que
não coincidem com a essência do processo real, que não são, pois verdadeiras. Não podem
levar à completa e rápida solução dos problemas que considera, e somente se torna uma
fonte de equívocos, de desperdício de recursos, de intentos frustrados.
Unicamente a título de exemplo, consideraremos a seguir algumas amostras do pensar
pedagógico ingênuo:
a) O educando como "ignorante" em sentido absoluto. Noção falsa em relação à criança, e
muito mais, todavia em relação ao adulto. A educação escolar ou a de adultos sempre toma
o educando já como portador de um acervo de conhecimentos (por exemplo, a linguagem
na criança ou o trabalho no adulto). Estes conhecimentos prévios são o resultado da prática
social do homem (criança ou adulto) e de sua formação até o momento em que começar a
receber educação institucionalizada. A criança e o adulto vêm à escola já preparados
(inclusive para desejar vir à escola) por uma outra escola geral, que é a sociedade, o meio
onde vivem.
b) O educando como puro "objeto" da educação. É a atitude ingênua mais freqüente: supor
que cabe ao educador formar, plasmar o aluno (como se costuma dizer), concebendo-o
como massa amorfa à qual compete dar a forma viva, o saber. As concepções alienadas da
educação têm precisamente esse caráter de alienação, porque concebem o educando como
objeto, e por isso não reconhecem nele a dignidade de sujeito, de consciência autônoma
(para si), que só pode ser educada, instruída, em um diálogo esclarecedor e não em uma
imposição de idéias, procedimento que parte do suposto de direito de domínio de uma
consciência sobre outra.
c) A educação como transferência de um conhecimento finito. Esta ingenuidade se refere à
noção de conteúdo e forma da educação. Supõe que o professor é apenas o transmissor de
uma mensagem definitivamente escrita, de um conjunto de noções, de acordo com
determinado método, e que essa mensagem não se modifica com as condições de tempo e
lugar, com os interesses do educador e com o mesmo ato de ser transmitida. A principal
nocividade desta atitude está em preceituar limites ao processo pedagógico, em dar caráter
absoluto às divisões em graus, níveis, carreiras, etc. A educação como dever moral da fração
adulta, educada e dirigente da sociedade. Esta ingenuidade é grave, porque converte a
educação em ato caritativo e transfere para o plano dos valores éticos (inteiramente alheios
a este problema) a essência, o significado e a valoração eminentemente sociais da educação.
e) Para a consciência ingênua, a criança ou o adulto a educar são absolutamente
"ignorantes". Porém a noção de ignorância é tomada aqui em sentido abstrato, isto é, não é
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concebida como "ignorância de algo", de algum conhecimento (sempre concreto).
Absolutiza-se o conceito de "ignorante" para as classes populares, enquanto se relativiza
esse mesmo conceito para as elites (a fim de que os representantes dessa elite possam
aparecer como não ignorantes). Vê-se a duplicidade de critérios, que revela o caráter
interessado da noção de ignorância: o homem do povo é ignorante porque não sabe alguma
coisa, enquanto o membro da elite é culto porque sabe alguma coisa. Um indivíduo não
pode ignorar assim alguma coisa, que é concretamente sabida por outro. Como, porém, este
outro ignora muitas coisas que o primeiro sabe, o caráter da ignorância é sempre relativo. A
consciência ingênua necessita absolutizar a ignorância, o que só pode fazer convertendo-a
em uma noção irreal.
A concepção crítica da educação
A concepção crítica da educação procede segundo as categorias que definem o modo crítico
de pensar. Particularmente há que mencionar as de: objetividade (caráter social do
processo pedagógico), concretidade (caráter vital da educação como transformação do ser
do homem), historicidade (a educação como processou e totalidade (a educação como ato
social que implica o ambiente íntegro da existência humana, o país, o mundo e todos os
fatores culturais e materiais que influem sobre ele).
A concepção crítica é a antítese da ingênua. Portanto, repudia os pontos de vista
anteriormente expostos, definidores desta última.
A concepção crítica é a única que está dotada da verdadeira funcionalidade e utilidade, pois
conduz à mudança da situação do homem e da realidade à qual pertence, em virtude de ser
a única que é capaz de oferecer o conteúdo e o método mais eficaz para a instrução
(alfabetização, escola secundária, universidade) da criança e do adulto, tendo em conta
aquelas finalidades.
Vejamos alguns aspectos específicos da concepção crítica da educação:
1) O educando como sabedor e desconhecedor. O educando evidentemente não sabe aquilo
que necessita aprender (por exemplo, ler e escrever), mas nem por isso pode ser
considerado como um desconhecedor absoluto.
O adulto analfabeto é em verdade um homem culto, no sentido objetivo (não idealista) do
conceito de cultura, posto que, se não fosse assim, não poderia sobreviver. Sua instrução
formal (alfabetização, escolarização) tem que se fazer sempre partindo da base cultural que
possui e que reflita o estado de desconhecimento (material e cultural) da sociedade à qual
pertence.
Aquilo que desconhece é o que até agora não teve necessidade de aprender. Se tem podido
viver até agora como analfabeto é porque as condições de sua sociedade não exigiam dele o
conhecimento da leitura e da escrita. Em conseqüência, o princípio fundamental de toda
campanha de educação de adultos tem que ser o da mudança das condições materiais da
existência das populações, para que: 1) por um lado os analfabetos recebam o estímulo (o
desafio) necessário para levá-los a buscar o saber letrado (o que de agora em diante vão
necessitar); 2) e, por outro lado, o esforço e o dispêndio que a sociedade como um todo faz
para instruí-los sejam recompensados, revertendo em benefício dela, pela aplicação social
que os recém-alfabetizados vão fazer do saber adquirido.
2) O educando é o "sujeito" da educação (nunca o objeto dela). Se necessita da ação do
outro, o professor, para se alfabetizar, instruir-se, isso não significa que seja o objeto "sobre
o qual" o educador atua, e sim unicamente que é componente indispensável de um processo
comum, aquele pelo qual a sociedade como um todo se desenvolve, se educa, se constrói,
pela interação de todos os indivíduos.
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  • 1. Álvaro Vieira Pinto SETE LIÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DE ADULTOS Documento consultado a 22.11.2013 Disponível em http://scholar.google.pt/scholar_url?hl=ptPT&q=http://www.cefetsp.br/edu/eja/sete_licoes.doc&sa=X&scisig=AAGBfm1deuARZgqw02dWEFymg1MD4l_ l1g&oi=scholarr&ei=HLGPUvm4Oueg7Aaz_4C4BA&ved=0CC4QgAMoADAA SUMÁRIO Introdução 2 1ª Lição: Conceito de Educação 11 2ª Lição: Forma e conteúdo da Educação 16 3ª Lição: As concepções ingênuas e críticas da educação 24 4ª Lição: Educação infantil e educação de adultos 28 5ª Lição: Estudo particular do problema da educação de adultos 32 6ª Lição: O problema da alfabetização 38 7ª Lição: A formação do educador 45 Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 1
  • 2. INTRODUÇÃO Meu primeiro contato direto com a obra de Álvaro Vieira Pinto se deu no início de 1972 quando, perambulando por livrarias do centro de São Paulo, encontrei, numa banca de livros com 50% de desconto, a obra Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica (Rio, Paz & Terra, 1969). A leitura do índice me indicava que o texto tratava de assuntos que me interessavam vivamente. Adquiri o livro, certo de ter feito duplamente um bom negócio: comprara um livro valioso e pela metade do preço. Cerca de um mês depois, retornei à mesma livraria e encontrei a mesma obra numa banca de ofertas a 25% do preço de capa. No segundo semestre daquele mesmo ano de 1972, indiquei alguns capítulos do livro como texto de apoio a uma unidade da disciplina "Problemas da Educação I" que comecei a ministrar no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Educação em São Paulo e Piracicaba. A partir daí o livro passou a ser indicado pelos alunos que eram professores em diferentes instituições de ensino superior. A obra voltou a ser comercializada pelo preço normal, acabando por se esgotar. Após relutâncias da Editora, a insistência de pedidos levou-a a lançar a segunda edição. Narro esse episódio porque as vicissitudes da referida obra espelham, de uma certa maneira, as vicissitudes pelas quais passou seu autor. Na verdade, ao que eu saiba, Ciência e existência é o único livro de Vieira Pinto lançado por uma editora comercial. A época em que entrei em contato com esse livro eu já dispunha de algumas informações sobre seu autor. Sabia que ele havia sido Diretor do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que havia desempenhado importante papel na mobilização político-social do início da década de 60, que provocara o seu exílio em decorrência do golpe militar de 1964. Conhecia também algumas referências e comentários à sua obra, como por exemplo a de Antônio Paim, para citar uma apreciação desfavorável, e a de Paulo Freire, para citar uma apreciação favorável. Paim, em História das idéias filosóficas no Brasil, a despeito das ressalvas e objeções, resultantes, a meu ver, do fato de que se coloca numa posição filosófico-ideológica oposta àquela em que se situa A. V. Pinto, nem por isso deixa de reconhecer o lugar proeminente que Vieira Pinto ocupa no âmbito do pensamento filosófico brasileiro. Já Paulo Freire, em diversas passagens de Educação como prática da liberdade, registra a influência e ressalta a importância da obra de Álvaro Vieira Pinto, a quem ele chama de "mestre brasileiro". Apesar das informações de que dispunha, persistia em mim uma grande curiosidade a respeito daquele polêmico pensador que era apresentado, na quarta capa do livro Ciência e existência, como sendo, na opinião de muitos, "o primeiro universalmente importante filósofo brasileiro". Quem era ele? Como se tinha tornado filósofo? O que tinha sido feito dele? Onde estaria ele e o que estaria fazendo? A oportunidade para responder a essas indagações surgiu em 1977, quando fui informado que o Professor Álvaro V. Pinto estava morando no Rio de Janeiro. Consegui, então, visitá-lo em companhia de três colegas, a época minhas colaboradoras na Universidade Federal de São Carlos. Essa visita nos causou um forte impacto. Impressionou-nos a determinação com que o professor (assim costumamos chamá-lo) se dedicava a um trabalho intelectual anônimo, solitário, porém sistemático. Eram vários livros cujos manuscritos já estavam prontos, constituindo um considerável número de volumes. Soubemos, então, que o professor Vieira Pinto partiu para o exílio em setembro de 1964. Passou um ano na Iugoslávia, vivendo amargamente a experiência de exilado. Transferiu-se, depois, para o Chile, onde produziu vários trabalhos, entre eles Ciência e existência, publicado no Brasil em 1969, e Sete lições sobre educação de adultos, que só agora temos a satisfação de apresentar ao público brasileiro. As saudades do Brasil, contudo, precipitaram Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 2
  • 3. sua volta, o que ocorreu em fins de 1968, portanto no período mais negro da ditadura militar, quando desabou sobre o país o famigerado AI-5. V. Pinto se recolheu em seu apartamento, onde se dedicou exclusivamente à incansável tarefa de redigir os manuscritos de um conjunto de obras até agora inéditas. Em julho de 1981 retornei à sua casa, agora munido de um gravador. Minha intenção era colher um depoimento para a “ANDE — Revista da Associação Nacional de Educação". A esta altura a anistia tinha tornado possível a regularização da sua situação. Ele obtivera a aposentadoria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que absorvera a Faculdade Nacional de Filosofia onde Vieira Pinto havia obtido, por concurso, a cadeira de História da Filosofia. As precárias condições de saúde do professor, o cansaço, o pouco tempo de que dispus não permitiram a realização de uma entrevista estruturada, acabada. Considero, porém, importante transcrevê-la tal como foi possível obtê-la, não só pelas informações que contém, mas principalmente porque constitui um documento de quem resistiu de forma peculiar ao arbítrio e sobreviveu a ele. O professor Álvaro e Dona Maria estão lá bem vivos. Ele, revelando um ar de superior indiferença, própria dos intelectuais que atingiram a maturidade, quando afirma que, se tinha alguma contribuição a dar, já a tinha dado. Mas não se furta a discorrer com lucidez e firmeza sobre os temas a respeito dos quais é solicitado a se manifestar. Ela, recordando com entusiasmo seu trabalho no ISEB, do qual foi a primeira funcionária, responsabilizando-se pelos serviços de secretaria. Foi lá que ela conheceu Vieira Pinto, com quem - afirma agora amorosamente - ela implicava porque era quem mais lhe dava trabalho; aparecia freqüentemente com longos manuscritos para ela datilografar. Mas envolve-se com o mesmo entusiasmo nas tarefas do presente, datilografando os manuscritos e se propondo a registrar os "insights" do marido para eventuais publicações posteriores. Segue, pois, a transcrição da entrevista que se desenrolou de maneira informal, sem questões prévias ou roteiro preestabelecido. Não se pretendeu discutir as idéias do autor; o objetivo foi reconstituir, na medida do possível, a sua trajetória intelectual. Dermeval Saviani - O senhor poderia falar um pouco sobre sua vida, sua formação intelectual? Álvaro Vieira Pinto - Minha origem é de um rapaz de classe média pobre, que teve necessidade de trabalhar logo cedo. Fui aluno do colégio dos jesuítas, o Santo Inácio no Rio de Janeiro. Naquele tempo, os exames eram feitos no Pedro II, para passar de um ano para outro no colégio. Quando terminei os estudos no Colégio Santo Inácio fiquei um ano disponível, sem poder entrar na faculdade, pois era muito jovem. Tinha decidido estudar medicina. Minha família morou algum tempo em São Paulo onde fiquei um ano, mas sem estudar nada de ciências. Foi um ano importante, porque foi um ano de formação literária e filosófica. Muito moço, com 14 anos, foi quando vim para o Rio de Janeiro, fazer o concurso vestibular para a Faculdade Nacional de Medicina. Passei em penúltimo lugar na turma e depois fui ser um dos primeiros alunos, porque eu não tinha formação nenhuma preparatória para aquele concurso: em São Paulo estudei muito e fiz relações com alguns intelectuais que naquele tempo estavam saindo da agitação do período da Semana de Arte Moderna. Eu já os peguei quando eles se reuniam todas as semanas, todas as noites, todos os dias quase, no café do Largo do Ouvidor, se não me engano, em São Paulo. Segui a carreira médica com muita dificuldade, porque logo depois meu pai teve um fracasso econômico e fiquei sem apoio, tendo que trabalhar para sustentar a família. Perdi minha mãe nesse período e ficamos quatro irmãos. Ficamos sem apoio e sem condições de fazer alguma coisa. Comecei a dar aulas num colégio de freiras, aulas de filosofia, de física, curso primário. Apesar disso ia fazendo aos poucos os meus estudos de medicina muito mal, para terminar o 5º. e 6º. anos e me formar. Quando me formei, tentei fazer Clínica, justamente Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 3
  • 4. em São Paulo, em Aparecida, mas não tive sucesso nenhum e não havia a menor condição para isso. Meu consultório era num quarto de hotel. Voltei para o Rio e aqui, com apoio de um amigo que me apresentou ao Álvaro Osório de Almeida, que naquele tempo estava com grande fama, porque estava fazendo pesquisas sobre o câncer, e trabalhos submetendo pacientes a pressões atmosféricas elevadas, com câmaras especiais. Fiquei trabalhando nisso, mas os resultados foram nulos. Assim trabalhei 16 anos, mas já nesse tempo com a minha inclinação filosófica, eu estava dando aulas também na Faculdade de Filosofia, que tinha sido fundada no Distrito Federal naquele tempo, mas logo depois essa faculdade fechou e criou-se a Faculdade Nacional de Filosofia, para onde eu passei na qualidade de professor adjunto. Comecei a dar cursos sobre lógica matemática, mas um ano depois veio a guerra, houve a vaga na cadeira de História da Filosofia por causa de uma mudança de professores que saíram porque eram alemães e eu era o único assistente na cadeira de Filosofia, sendo então nomeado professor substituto em História da Filosofia. Saviani — Mas o senhor não tinha feito curso de Filosofia... Vieira Pinto - Não tinha feito nenhum curso de Filosofia, tinha apenas estudado muito, em livros todos eles de orientação tomista evidentemente, porque fiz o curso que havia no Colégio Santo Inácio, com a duração de um ano de Filosofia, coisa que era uma novidade naquela época. Depois de quatro anos na Faculdade Nacional de Filosofia, pude então ir à Europa onde fui estudar na Sorbonne, o tempo suficiente para ver e sentir o ambiente filosófico de Paris. Saviani — Isso foi em que época? Vieira Pinto Isso foi em 1949. Saviani — O senhor ficou quantos anos na França? Vieira Pinto — Na França fiquei quase um ano estudando; aí eu já tinha em mente o tema da minha tese, para defesa da cátedra na Faculdade de Filosofia na volta. Foi a tese sobre a cosmologia de Platão. Dei duas conferências sobre essa tese lá em Paris que foi discutida, muito comentada. Recolhi material e com isso fiz o meu trabalho aqui no Brasil para apresentá-lo na Faculdade. Afinal, fui aprovado e nomeado para a Faculdade de Filosofia. Logo depois terminou o meu trabalho no laboratório de Biologia, porque o laboratório foi transformado em instituição privada, com o que não concordei. Fiquei então na Faculdade como professor, mas aí não mais de Lógica e sim de História da Filosofia, onde permaneci vários anos. Saviani - O seu estudo na Europa foi só na França ou em algum outro país mais? Vieira Pinto Não. Visitei outros países: Itália, Espanha, Portugal, mas estudo só na França. Saviani — E os seus conhecimentos de línguas? Vieira Pinto - Bom, isso aí foi um pouco inclinação natural que eu tive sempre pelas línguas e fui aprendendo com a leitura, não tive professor particular, fui aprendendo quase que sozinho, decorando palavras e aprendendo textos, exceto o grego que aprendi com um rapaz ex-seminarista que sabia muito bem o grego e que me deu aulas, uma vez por semana, durante 2 anos. Saviani - No Colégio Santo Inácio o senhor não estudava línguas? Vieira Pinto - Só inglês e francês e foi mesmo a única base que tive, porque eu estudava seriamente e a prova está que só com aquele estudo pude me preparar para o trabalho de leitura e conversação em inglês e francês. O alemão foi por acaso. Estudei sozinho lendo gramáticas e livros de textos. O russo, eu tive por professor um começo de ensino com um velho oficial de marinha, refugiado, que me dava aulas gratuitamente e depois sozinho com dicionários e textos fui aos poucos me desenvolvendo. Saviani — Mais uma coisa sobre as línguas. E o latim o senhor estudou no Colégio Santo Inácio? Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 4
  • 5. Vieira Pinto — Sim, o latim estudei no Colégio Santo Inácio. Era um bom estudo. Saviani — O senhor então domina o latim, o grego, o francês, o inglês, o alemão, o russo, o espanhol e o italiano? Vieira Pinto — Sim. Tenho conhecimentos suficientes desses idiomas. Mais tarde aprendi um pouco de sérvio-croata, quando estive no exílio na Iugoslávia, mas isso foi uma coisa efêmera, pois sabia que não precisava mais daquele estudo. Estudei para ler o jornal daquele país para saber as, notícias da nossa terra. Saviani — O senhor fez curso de Matemática? Vieira Pinto - Sim. Fiz o curso de matemática superior, porque tinha um amigo, que depois foi meu colega de faculdade, hoje falecido, que me incentivou para fazer o curso de matemática. Era professor de mecânica superior. Fiz o curso na Universidade do Distrito Federal, que então existia. Mas o curso tinha dois alunos só, eu e um repetente. No meio do ano encerrou-se o curso, pois a escola fechou. As aulas eram dadas em um café. Mas com professores da melhor qualidade, homens de grande valor, 2 ou 3 só. Fiquei num dilema, pois precisava da matemática para entender o problema do raio-X. Como eu usava muito o raio-X no tratamento de doentes e de animais, eu precisava conhecer bem a física corpuscular e daí a necessidade que tive de me fazer competente também nessas questões. Saviani - E a Física, o senhor chegou a fazer algum curso regular dentro da própria Medicina? Vieira Pinto - Dentro da Medicina não. O curso de Física foi feito juntamente com o curso de Matemática. Saviani — Então o senhor estudou Matemática e Física na época em que o senhor trabalhava no laboratório? Vieira Pinto — Sim, no laboratório de Biologia. Saviani — O laboratório pertencia ao hospital? Vieira Pinto — Não, não pertencia ao hospital, apenas funcionava lá. Saviani — O senhor era assistente no laboratório e também médico no hospital? Vieira Pinto - O laboratório também era um hospital, porque tínhamos uma parte de pesquisa e outra de enfermaria. Saviani - Paramos quando o senhor, voltando da Europa, assumiu a cadeira de História da Filosofia. Vieira Pinto — Eu já era professor adjunto na Faculdade quando saí com uma licença especial para ir à Europa estudar. Fui, fiquei um tempo, voltei e reassumi a cadeira de História da Filosofia. Saviani — Isto já era 1951? Vieira Pinto — Sim, pois foi em 1951 que fiz o concurso e fui aprovado e nomeado professor catedrático. Saviani — Como professor de História da Filosofia qual era a orientação filosófica que o senhor desenvolvia nos cursos? Vieira Pinto — Era uma orientação exclusivamente pragmática, quer dizer, eu dava o curso seguindo os manuais da filosofia comum, idealista, mas sempre num nível superior e elevado, desenvolvia cronologicamente o pensamento. Porque eram 3 anos de filosofia grega, medieval, moderna e contemporânea. Isso tinha que ser dado em condições precárias, eu não tinha assistente algum. Mais tarde um ex-aluno tornou-se meu assistente, José Américo Pessanha, que dividiu comigo um pouco as atividades. Depois entra outro período, que é o do aparecimento do ISEB, e o convite casual que recebi de Roland Corbisier, para ser professor de Filosofia no ISEB. Isto em 1955. Com a entrada para o ISEB fui mudando aos poucos de orientação, fui tomando uma orientação mais objetivista, menos idealista e deixando de lado toda aquela forma clássica de ensinar História da Filosofia, que era puramente repetir o que o outro disse. Passei a fazer uma exposição sobre o autor e Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 5
  • 6. depois a crítica, o que me dava oportunidade de alargar mais o meu campo de pensamento, embora sem jamais ter chegado a impor a ninguém qualquer idéia extremista, ou qualquer idéia que julgava tal, que fosse considerada indevida num currículo de Filosofia. Na Faculdade de Filosofia jamais saí da linha puramente ortodoxa do ensino da Filosofia; o que fazia era seguir os autores, naturalmente que se o autor dissesse alguma coisa com a qual eu não concordava tinha que dizer o mesmo, porque a minha obrigação era ensinar, não o que eu pensava, mas o que os outros pensavam. Então eu tinha que repetir, resumir, repetir e depois fazer alguma crítica, mas muito pouco elaborada, porque senão eu perderia muito tempo na crítica e acabava não podendo adiantar a matéria. Saviani — O senhor assumiu a perspectiva existencialista? Vieira Pinto - Realmente, nessa época, como estava numa transição rápida, eu assumi muitas das posições existencialistas que não conhecia até então, e assim tive oportunidade de sentir o que havia de verdade nelas, não apenas no sistema que apresentavam, mas nos conceitos que se podiam aproveitar e procurava formular por mim novas maneiras de expor certas idéias de ordem humanista, de ordem historicista e nacionalista; e acabou sendo o oposto do próprio existencialismo, mas que tinha tirado do existencialismo, no sentido de que via a realidade do homem passando por aquela situação e chegando a outras conclusões. Depois, quando fecharam o ISEB, fui para o exílio. Saviani - Sobre o ISEB, o senhor chegou a tomar conhecimento de alguns estudos posteriores a respeito do ISEB quando estava no exílio? Vieira Pinto - Não, não cheguei. Saviani - Nem do Nelson Werneck Sodré? Vieira Pinto — Não. Saviani — E o exílio na Iugoslávia? Vieira Pinto — Fui para a Iugoslávia e lá fiquei um ano totalmente inativo, sem poder dar aula, pois conhecia muito mal a língua. Depois de um ano fui para o Chile, por sugestão de Paulo Freire. Ele conseguiu arranjar alguma coisa que eu pudesse fazer e de fato recebi convite para fazer conferências, organizadas por professores do Ministério da Educação juntamente com o Paulo Freire. Saviani - Esse curso de conferências que o senhor preparou sobre educação em 1966, o senhor se lembra dos itens? Vieira Pinto - Educação, origem, base, finalidade, significado, técnicas, recursos, meios, como a realidade é modificada pela educação, todo problema geral da educação para adultos, para professores que educavam adultos, analfabetos, homens do campo geralmente. Dei conferências também para professores. Eram cursos extras de verão. Saviani — O senhor ficou quanto tempo no Chile? Vieira Pinto — Fiquei quase três anos no Chile, em fins de 68 voltei. Saviani — O trabalho principal que o senhor fez no Chile, foram esses cursos? Vieira Pinto — Esses cursos e ao mesmo tempo também tinha conseguido que um amigo brasileiro que trabalhava no CELADE (Centro Latino-Americano de Demografia) me apresentasse à Diretora que me deu trabalho de tradução de alguns pequenos panfletos. Depois a Diretora resolveu me contratar a fim de escrever um livro sobre Demografia para o CELADE. Eu não sabia o que fazer porque não sabia nada sobre Demografia, mas acabei estudando e escrevi um livro sobre o pensamento crítico em Demografia, que dois anos depois o CELADE mandou editar, mas que não teve entrada no Brasil. Está difundido na América toda, menos no Brasil. Saviani — Foi editado só em espanhol? Vieira Pinto — Sim, só em espanhol. Saviani — E o senhor não tem exemplares desse livro? Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 6
  • 7. Vieira Pinto — Tenho ainda dois exemplares. Você já viu o livro? Saviani — Ainda não vi. Vieira Pinto — Escrevi o livro em 8 meses. Considero um livro de grande importância para o meu pensamento; é um livro de grande significação. Saviani - Gostaria de ler esse livro. Vieira Pinto — Tenho apenas 2 exemplares. No CELADE talvez haja ainda outros, deve haver. No México foi muito lido, teve muita repercussão, foi muito procurado. Quando acabei esse livro, no ano seguinte a Diretora do CELADE me deu outro contrato para fazer outro livro. Aí é que eu escrevi o livro sobre Ciência e existência que não interessava ao CELADE publicar. Publiquei-o quando voltei ao Brasil, pela Editora Paz & Terra. E agora fico só com o que tenho guardado para publicar, mas é muita coisa! Tenho um livro sobre Tecnologia, que é muito grande, vários volumes para abranger a matéria toda. Tenho pronto um livro sobre a Filosofia Primeira; outro com o título A educação para um país oprimido. Tenho outro sobre os roteiros do curso de Educação de Adultos feito no Chile. Considerações éticas para um povo oprimido, livro sobre a ética que considero de grande valor no meu pensamento, porque não se dá à ética a importância que ela tem e centralizo um grande número de questões em torno de problemas éticos. Daí, desenvolvi um livro que trata exatamente da ética, mas da ética concreta, da ética real, de um País como o nosso, não é ética abstrata dos valores, das teorias, ou noções abstratas do dever, obediência, finalidade, nada disso. A ética real que funciona no mundo. A sociologia do povo subdesenvolvido é outro livro que tenho pronto. Cada livro tem 3 ou 4 volumes. A crítica da existência é outro livro que está guardado, um volume só, incompleto, pois não pude continuar escrevendo o que desejava porque estava cansado. Saviani — Esse foi o último livro? Vieira Pinto — É o último e talvez o primeiro, porque eu comecei escrevendo o texto quando estava na Iugoslávia. Nada de maior a dizer, nada de maior a esperar a não ser que não se percam, que vocês jovens professores cuidem de procurar um dia talvez publicar essas coisas se merecerem. Saviani — Uma questão ainda que desperta alguma curiosidade é sobre aquele seu livro a respeito da Questão da Universidade. Vieira Pinto — Sei, aquele livro foi uma conferência que fiz em Belo Horizonte e depois a diretoria da antiga UNE me pediu para publicar. Como se vê, trata-se de um intelectual que se caracteriza, praticamente, pelo autodidatismo. Não nos apressemos, entretanto, a ver nesse fato um indicador de uma suposta pouca importância da escola na formação dos intelectuais. Lembremo-nos, conforme está registrado na entrevista, que V. Pinto estudou no Colégio Santo Inácio, dos jesuítas, que era, à época, um dos melhores do Rio de Janeiro, além de ter feito os exames no Colégio Pedro II. É, pois, pelo menos plausível a suposição de que o autodidatismo produziu bons frutos porque se desenvolveu sobre a base de uma sólida formação geral propiciada pela escolarização fundamental. De qualquer forma, não é possível ignorar a importância educacional de Álvaro Vieira Pinto. De um lado, porque é um testemunho do modo como eram formados os intelectuais brasileiros até início dos anos 50. De outro lado, porque exerceu importante influência na formação e no trabalho de outros intelectuais. Entretanto, é preciso registrar, além disso, que o professor Álvaro Vieira Pinto se preocupou explicitamente com a questão pedagógica. Essa preocupação fica evidenciada no depoimento obtido pela professora Betty Oliveira, em 13/03/82, cuja transcrição é reproduzida a seguir. Betty — O senhor poderia resumir a sua visão sobre educação? Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 7
  • 8. Vieira Pinto — O caminho que o professor escolheu para aprender foi ensinar. No ato do ensino ele se defronta com as verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, concretos, que precisa superar. Nessa situação ele aprende. No meu livro sobre tecnologia trato da teoria da comunicação que contribui para a análise desse processo. Fiz a crítica da cibernética encontrando algumas noções que, se não são originais, precisam ser consideradas fundamentais. Por exemplo: é indispensável o caráter de encontro de consciências no ato da aprendizagem, porque a educação é uma transmissão de uma consciência a outra, de alguma coisa que um já possui e o outro ainda não. A teoria dialética do conhecimento é fundamentalmente cibernética, no sentido dialético da palavra. Não a cibernética empírica que é essa aí que se faz. Não se trata da entrega de um embrulho de uma pessoa para outra, mas de possibilitar uma modificação no modo como essa outra pessoa, que é o aluno, está capacitado para receber embrulhos. Na pedagogia, o princípio é a teoria da recepção do sabido, porque é preciso que se modifique a outra consciência. Isso tem muita importância porque permite estudar a educação do ponto de vista cibernético, não material, como se costuma fazer (quer dizer, só com dados estatísticos, com método e técnicas, etc.), mas avaliando o resultado pela transformação que a educação imprime à consciência do aluno. Se ela não fizer isso, de nada adianta seu esforço. Um dos graves erros na pedagogia alienada é esse. É avaliar o resultado da prática educacional pela devolução do embrulho, sem compreender que isso não é educação. A educação implica uma modificação de personalidade e é por isso que é difícil de se aprender, porque ela modifica a personalidade do educador ao mesmo tempo que vai modificando a do aluno. Desse modo, a educação é eminentemente ameaçadora. Ela consiste em abalar a segurança, a firmeza do professor, sua consciência professoral (que teme perder o estabelecido, que é o seu forte no plano da prática empírica) para se flexionar de acordo com as circunstâncias. A resistência do aluno ao aprendizado é um fator de modificação da consciência do educador, e não uma obstinação, uma incompetência. Mostrar e trazer a educação para o domínio da cibernética é uma imposição causada por duas ordens de fatores: 1) as massas educadas cada vez maiores; 2) e ao mesmo tempo a mecanização dos processos pedagógicos. Se o educador não se preparar, não terá condições para introduzir o verdadeiro fator, decisivo, no ato educativo, que é o papel da consciência. Fica prisioneiro do que a cibernética chama de hard-ware (todo o material, toda a parte mecânica, instrumental). É evidente que o professor não pode transmitir flexibilidade ao seu ensino se não a possui ele próprio na sua formação e na sua prática. Não escrevi nenhum livro de pedagogia, embora tenha muitas observações a fazer sobre ela. Betty - Em outra ocasião o senhor falou sobre "pedagogia filosófica". Em que consiste? Vieira Pinto — Para construção de uma pedagogia filosófica é preciso reunir dados ou elementos provenientes de quatro setores do saber: 1) da teoria do pensamento (dialética); 2) da organização dos atos do conhecimento em seus diversos pontos; 3) do estudo fisiológico ideal da psicologia; 4) da teoria do desenvolvimento humano, essencialmente histórico, marcado pelas diferentes culturas e civilizações. Esses aspectos que abordei fazem parte do material para um livro sobre pedagogia que pensei em escrever. A política, a técnica, a ciência, têm que ser consideradas na pedagogia, na teoria da pedagogia, para poder unificar e ao mesmo tempo inspirar a verdade pedagógica nos diversos campos em que ela se desdobra. O grande defeito que encontro nos educadores é principalmente o de procurar uma pedagogia pronta, quando não existe essa pedagogia pronta. E se existisse seria imprestável. A pedagogia nasce (aí teria que se dizer em grego paidos agogos, que é o ato, o verbo paida-gogen, isto é, como é preciso saber, como conduzir a criança à escola) no tempo da escravidão antiga, onde o escravo era o educador que tinha que ser educado com o próprio ato de tratar as crianças que lhe eram confiadas. Atualmente, de uma certa Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 8
  • 9. maneira, isso tem que ser feito, pelo educador, mas com uma consciência científica. É isso que falta compreender. A educação é um ato intransitive quer dizer, o educador não pode transformar a outrem que não esteja se transformando no próprio trabalho de ensinar. Por isso é que ele, ao ensinar, ele aprende. Betty – O senhor poderia explicitar melhor a sua frase: "A resistência do aluno ao aprendizado é um fator de modificação da consciência do educador e não uma obstinação, uma incompetência"? Vieira Pinto — O que quero dizer é que não há uma rigidez, não há um a priori em educação. É o caso de repetir com Leibniz, quando corrigiu Aristóteles, "exceto a própria educação". Este é o único a priori que existe. Isso serve de aforismo. (Isso corresponde a pequenos enunciados de verdade que o educador emite a propósito de um determinado ponto que serve para condensar o pensamento exposto, de maneira mais geral, na aula ou no livro. O aforismo é sempre uma verdade condensada. Ao mesmo tempo é simbólica. De modo que há o risco das interpretações errôneas. Isto é preciso evitar.) A prática pedagógica é contraditória. É duplamente contraditória porque ela supõe que quem ensina sabe, quando não sabe e quem aprende não sabe, quando, na verdade, sabe. Essa é a contradição da pedagogia. Os erros que o educador comete só criticamente podem ser chamados de erros, e tem que se verificar até que ponto é ele o autor desses erros, É preciso entrar aí toda a teoria de Bacon sobre os eidola (tribus, specus, fori e teatri). Os ídolos são os erros que os homens fazem. Todas essas condições interferem no ato da educação. Têm que ser depuradas. Mas só a dialética consegue. É o que Bacon não podia fazer. Toda a minha idéia consiste em criar uma teoria da educação que não seja teórica, no sentido em que fica desfigurada como teoria, e sim corrigida pela prática da aula, pelo próprio ato de ensinar. E por outro lado que seja uma prática que não se confunda com um mero exercício, porque tem que valer como compreensão teórica. Dessa forma a teoria responde às dúvidas da prática. Sem essas dúvidas não haveria teoria. A teoria seria uma coisa sem maior significado, estéril. Essa relação entre teoria e prática é outro aforismo muito importante. O professor deve praticar a organização crítica de sua aula, em todos os aspectos. Por conseguinte, precisa buscar os fundamentos, os pressupostos para cada coisa que faz e também respostas para todas as objeções. É uma justificativa, um ato de buscar os fundamentos, continuamente, do seu fazer. Aí é que entra o papel da teoria da abstração. Um aluno traz consigo todos os problemas que só são dele (enquanto educando) porque ele está se formando. Quero mostrar aqui a identidade de educação e formação. Como ele está se formando, tem aqueles problemas que são dele; porque está se formando para ser ele mesmo e não outra pessoa. Logo, na fase de educação é que se dá a fase de formação. É um crescimento que tem dois aspectos: o aluno cresce como aluno porque aprende e com isso se forma. Quer dizer, o adulto educando é aquele que aprendeu o conjunto de conhecimentos que o formaram. É a noção de formação ligada à de educação. Seria importante agora tratar do aforismo sobre o papel da escola que é uma coisa fundamental, muito complexa, para o qual a filosofia tem muito a contribuir. A escola é o meio que o aluno vai viver como aluno. É preciso aí estudar a relação entre os aspectos peculiares desse meio — a escola — com os demais. A escola representa a sociedade do aluno para o educador crítico, para o qual a sociedade representa a escola do educador. Quer dizer, a escola é um ambiente e, ao mesmo tempo, um processo. E como tal precisa ser entendida dinamicamente. O ato de ensinar apresenta muitos obstáculos. Tudo vai depender de como se considera esses obstáculos. Podem ser de natureza material (falta de dinheiro, por exemplo) ou de outro tipo de natureza, como uma incompreensão de um colega para outro. Isso também são formas de obstáculos. Pode-se dizer que a pedagogia reproduz a sociologia; que não há Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 9
  • 10. problema pedagógico que não seja sociológico, e vice-versa. Toda transformação sociológica é fonte de modificações pedagógicas. Eu gostaria de tratar desse assunto unindo ao máximo a sociologia dialética com a pedagogia. É necessário levar também em conta a evolução do conteúdo da ciência. A pedagogia não se torna científica por vontade do pesquisador ou do educador, mas quando as condições da prática social permitem uma determinada explicação do ensino tornar-se científica. A ciência tem sua evolução própria e a pedagogia tem que se adaptar a essa evolução, mas de uma perspectiva crítica que permita estabelecer o jogo de contradições. Existe a ciência que também é uma forma de consciência e tem influência decisiva para construir a representação do objeto ou da atividade. É preciso também dar o máximo valor à noção de finalidade. Não há teoria da educação sem teoria da finalidade da educação. É preciso que o êxito de uma determinada atitude pedagógica não se transforme em obstáculo ao prosseguimento do curso da própria educação. Os métodos bem sucedidos, como o do Paulo Freire, podem acabar se tornando um quisto, uma coisa que impede o prosseguimento do seu próprio desenvolvimento. Penso que a afirmação de Vieira Pinto "não escrevi nenhum livro de pedagogia, embora tenha muitas observações a fazer sobre ela", decorre do fato de que as Sete lições sobre educação de adultos foram aulas-conferências que ele proferiu no Chile em 1966. Os textos que escreveu então, ele os redigiu como roteiros das aulas que ministrou. No seu entender, um livro exigiria maior desenvolvimento e aprofundamento. Entretanto, Betty e eu o convencemos a publicar os referidos roteiros na forma original. E isto não apenas pelas importantes contribuições que este pequeno livro contém, e que reputamos ser de grande utilidade para os educadores brasileiros de hoje, mas também como testemunho de um trabalho que vem se desenvolvendo já há muitos anos e que permanece vivo e atuante. Hoje, quando diversos estudos já surgiram reconstituindo o momento histórico em que A. V. Pinto se configurou como um intelectual militante, pode-se fazer reparos a conceitos por ele emitidos e, mesmo, ao conjunto do seu pensamento filosófico. É impossível, porém, não reconhecer a sua importância e a envergadura intelectual de um trabalho desenvolvido em condições bastante adversas. Após as considerações feitas, penso ter ficado claro o sentido da afirmação que fiz no início desta Introdução, quando disse que as vicissitudes da obra Ciência e existência espelham as vicissitudes pelas quais passou seu autor. Com efeito, assim como a referida obra correu o risco de cair no esquecimento, mas se impôs, tornando obrigatória a sua reedição, assim também seu autor, que parecia já ter-se retirado do cenário cultural brasileiro, resistiu e retorna agora através da presente obra. A publicação deste livro é, pois, ao mesmo tempo uma contribuição à cultura brasileira e uma homenagem a um dos intelectuais que mais se empenhou na consolidação da referida cultura. A presente Introdução pretendeu trazer alguns subsídios que facilitassem ao leitor situar as Sete lições sobre educação de adultos no contexto da vida e da obra do autor. Espero ter atingido esse objetivo. Dermeval Saviani São Paulo, abril de 1982 Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 10
  • 11. 1º. TEMA: CONCEITO DE EDUCAÇÃO Que é a educação? Deixaremos de lado as numerosas definições eruditas, que não vamos mencionar, nem podemos discutir e consideraremos a educação em seus dois significados: restrito e amplo. Em significado restrito, o da pedagogia clássica, convencional, sistematizada, refere-se a educação às fases infantil e juvenil da vida do ser humano. Não se deve, no entanto, reduzila a esses limites. Seria um erro lógico, filosófico e sociológico. Em sentido amplo (e autêntico) a educação diz respeito à existência humana em toda a sua duração e em todos os seus aspectos. Desta maneira deve-se justificar lógica e sociologicamente o problema da educação de adultos. Daqui sai a verdadeira definição de educação. A educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses. Por conseqüência, educação é formação (Bildung) do homem pela sociedade, ou seja, o processo pelo qual a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos. Caráter histórico-antropológico da educação Partindo da definição exposta, podemos explicitar os caracteres da educação: a) A educação é um processo, portanto é o decorrer de um fenômeno (a formação do homem) no tempo, ou seja, é um fato histórico. Todavia, é histórico em duplo sentido: primeiro, no sentido de que representa a própria história individual de cada ser humano; segundo, no sentido de que está vinculada à fase vivida pela comunidade em sua contínua evolução. Sendo um processo, desde logo se vê que não pode ser racionalmente interpretada com os instrumentos da lógica formal, mas somente com as categorias da lógica dialética. b) A educação é um fato existencial. Refere-se ao modo como (por si mesmo e pelas ações exteriores que sofre) o homem se faz ser homem. A educação configura o homem em toda sua realidade. Pode-se dizer (em outra versão da definição) que é o processo pelo qual o homem adquire sua essência (real, social, não metafísica). É o processo constitutivo do ser humano. c) A educação é um fato social. Refere-se à sociedade como um todo. É determinada pelo interesse que move a comunidade a integrar todos os seus membros â forma social vigente (relações econômicas, instituições, usos, ciências, atividades, etc.). É o procedimento pelo qual a sociedade se reproduz a si mesma ao longo de sua duração temporal. Contudo, neste processo de auto-reprodução está contida, desde logo, uma contradição: a sociedade desejaria fazer-se no tempo futuro o mais igual possível a si mesma; porém, a dinâmica da educação atua em sentido oposto, uma vez que engendra necessariamente o progresso social, isto é, a diferenciação do futuro em relação ao presente. Daí deriva o duplo aspecto do fato social da educação: incorporação dos indivíduos ao estado existente (a intenção de perpetuidade, de conservação, de invariabilidade, inércia pedagógica, estabilidade educacional) e progresso, isto é, necessidade de ruptura do equilíbrio presente, de adiantamento, de criação do novo. Esta contradição pertence à própria essência da educação dada sua natureza histórico-antropológica. Por ser contraditória é que a educação é instrumental (no sentido em que a consciência crítica emprega este qualificativo). Quando se verifica a simultaneidade consciente de incorporação e progresso, tem-se a educação em sua forma integrada, isto é, a plena realização da natureza humana. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 11
  • 12. d) A educação é um fenômeno cultural. Não somente os conhecimentos, experiências, usos, crenças, valores, etc. a transmitir ao indivíduo, mas também os métodos utilizados pela totalidade social para exercer sua ação educativa são parte do fundo cultural da comunidade e dependem do grau de seu desenvolvimento. Em outras palavras, a educação é a transmissão integrada da cultura em todos os seus aspectos, segundo os moldes e pelos meios que a própria cultura existente possibilita. O método pedagógico é função da cultura existente. O saber é o conjunto dos dados da cultura que se têm tornado socialmente conscientes e que a sociedade é capaz de expressar pela linguagem. Nas sociedades iletradas não existe saber graficamente conservado pela escrita, contudo, há transmissão do saber pela prática social, pela via oral e, portanto, há educação. e) Nas sociedades altamente desenvolvidas, com divisões internas em classes opostas, a educação não pode conectar na formação uniforme de todos os seus membros, porque: por um lado, é excessivo o número de dados a transmitir; e, por outro, não há interesse nem possibilidade e formar indivíduos iguais, mas se busca manter a desigualdade social presente. Por isso, em tais sociedades, a educação pelo saber letrado é sempre privilégio de um grupo ou dá-se, no sentido que se segue: — somente este grupo tem assegurado o direito (real, concreto) de saber (p. ex., alfabetização); — somente membros desse grupo se especializam na tarefa de educar; — somente e se o grupo tem o direito e o poder de legislar sobre a educação, ou seja, de definir aquilo em que deva consistir a educação institucionalizada, escolarizada. É conseqüência, essa minoria unicamente reconhecerá com educação a deste último tipo. Todo o restante do saber não letrado, e as demais formas de cultura que a sociedade transmite a seus outros membros, é considerado incultura e ausência de educação. f) A educação se desenvolve sobre o fundamento do processo econômico da sociedade. Porque é ele que: — determina as possibilidades e as condições de cada fase cultural; — determina a distribuição das probabilidades educacionais na sociedade, em virtude do papel que atribui a cada indivíduo dentro da comunidade; — proporciona os meios materiais para a execução do trabalho educacional, sua extensão e sua profundidade; — dita os fins gerais da educação, que determina em uma dada comunidade serão formados indivíduos de níveis culturais distintos, de acordo com sua posição no trabalho comum (na sociedade fechada, dividida) ou se todos devem ter as mesmas oportunidades e possibilidades de aprender (sociedades democráticas). g) A educação é uma atividade teleológica. A formação do indivíduo sempre visa a um fim. Está sempre "dirigida para". No sentido geral esse fim é a conversão do educando em membro útil da comunidade. No sentido restrito, formar, escolar, é a preparação de diferentes tipos de indivíduos para executar as tarefas específicas da vida comunitária (daí a divisão da instrução em graus, em carreiras, etc.). O que determina os fins da educação são os interesses do grupo que detêm o comando social. h) A educação é uma modalidade de trabalho social. Para compreendê-la é necessário utilizar as categorias histórico-antropológicas dialéticas, que definem o conceito de "trabalho". A educação é parte do trabalho social porque: - trata de formar os membros da comunidade para o desempenho de uma função de trabalho no âmbito da atividade total; - o educador é um trabalhador (reconhecido como tal); - no caso especial da educação de adultos, dirige-se a outro trabalhador, a quem tenciona transmitir conhecimentos que lhe permitam elevar-se em sua condição de trabalhador. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 12
  • 13. i) A educação é um fato de ordem consciente. É determinada pelo grau alcançado pela consciência social e objetiva suscitar no educando a consciência de si e do mundo. É a formação da autoconsciência social ao longo do tempo em todos os indivíduos que compõem a comunidade. Parte da inconsciência cultural (educação primitiva, iletrada) e atravessa múltiplas etapas de consciência crescente de si e da realidade objetiva (mediante o saber adquirido, a cultura, a ciência, etc.) até chegar à plena autoconsciência. Esta será a etapa em que todos os indivíduos alcançam igualmente o máximo de consciência crítica de si e de seu mundo permitida pelo estado de adiantamento do processo da realidade (máxima consciência historicamente possível). j) A educação é um processo exponencial, isto é, multiplica-se por si mesma com sua própria realização. Quanto mais educado, mais necessita o homem educar-se e, portanto exige mais educação. Como esta não está jamais acabada, uma vez adquirido o conhecimento existente (educação transmissiva) ingressa-se na fase criadora do saber (educação inventiva). k) A educação é por essência concreta. Pode ser concebida a priori, mas o que a define é sua realização objetiva, concreta. Esta realização depende das situações históricas objetivas, das forças sociais presentes, de seu conflito, dos interesses em causa, da extensão das massas privadas de conhecimento, etc. Por isso, toda discussão abstrata sobre educação é inútil e prejudicial, trazendo em seu bojo sempre um estratagema da consciência dominante para justificar-se e deixar de cumprir seus deveres culturais para com o povo. I) A educação é por natureza contraditória, pois implica simultaneamente conservação (dos dados do saber adquirido) e criação, ou seja, crítica, negação e substituição do saber existente. Somente desta maneira é profícua, pois do contrário seria a repetição eterna do saber considerado definitivo e a anulação de toda possibilidade de criação do novo e do progresso da cultura. Historicidade da educação A historicidade pertence à essência da educação. Não se confunde com a temporalidade (que é o fato de haver tido um passado), porém se define por sua essencial transitividade (o fato de haver futuro). Por isso, a história da educação favorece a compreensão do processo educacional; é indispensável, mas não a esgota. Porque o exercício da tarefa educativa conduz à sua própria modificação, ao desenvolvimento de abertura para o futuro, ao adiantamento do processo como um todo. Por isso, todo "programa de educação" é por natureza, inconcluso e, até se poderia dizer, irrealizável, pois sua própria execução altera a qualidade dos elementos que o compõem (o aluno, o professor, os métodos, as finalidades, etc.) e determina a necessidade de um segundo programa, mais perfeito, mais adiantado. A educação é histórica não porque se executa no tempo, mas porque é um processo de formação do homem para o novo da cultura, do trabalho, de sua autoconsciência. A educação como acontecimento humano é histórica não somente porque cada homem é educado em um determinado momento do tempo histórico geral - aquele em que lhe cabe viver (historicidade extrínseca) — mas porque o processo de sua educação, compreendido como o desenvolvimento de sua existência, é sua própria história pessoal (historicidade intrínseca). Dependência do conceito de "homem" A educação é necessariamente intencional. Não se pode pretender formar um homem sem um prévio conceito ideal de homem. Este modelo, contudo, é um dado de consciência e, portanto pertence à consciência de alguém; concretamente, de alguém que está num dado Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 13
  • 14. tempo, num espaço, em definida posição social. De acordo com a natureza (posição, interesse, fins) da consciência que comanda o processo educacional, tal será o tipo social de educação. Nas formas elementares de consciência (sociedades aristocráticas ou oligárquicas) o grupo dominante acredita que cabe a ele ditar a seu gosto o processo educativo, porque acredita também que o educando é um ser que não possui ainda consciência e por isso necessita recebê-la pela educação. Nas formas superiores de consciência (autoconsciência) o legislador, assim como o educador, sabe que se enfrenta com uma outra consciência e que seu papel consiste em trazê-la ao conhecimento dos interesses gerais da sociedade mediante um permanente diálogo entre consciências. Na forma elementar, ingênua, a educação é considerada como o procedimento de transformação do não-homem em homem. Na forma superior, crítica, a educação se concebe como um diálogo entre dois homens, na verdade entre dois educadores. Daí que a educação seja uma forma particular de responsabilidade da ação entre os homens. Fundamentos sociais do conceito de educação Excetuando a etapa primitiva, todos os tipos de sociedade têm produzido um conceito de educação, que naturalmente reflita as peculiaridades de sua estrutura e os interesses de seus grupos dirigentes. Por isso, não é possível conceber em abstraio um "modelo" de educação e pretender levá-lo à prática. A educação real tem sido sempre a educação que era possível em determinada formação histórico-social, dada a etapa em que se encontrava o processo de seu desenvolvimento (qualidade e quantidade das forças de trabalho, adiantamentos técnicos, natureza e fins dos objetos produzidos, etc.). Todo o empenho de uma sociedade subdesenvolvida num esforço de crescimento, como a nossa, deve consistir em desenvolver seus fundamentos materiais para que sobre estes se possa edificar uma educação mais adiantada, que reverterá em maior desenvolvimento destes mesmos fundamentos. A educação como fenômeno da cultura A educação pertence à cultura em dois sentidos: — primeiramente, no sentido de que o mesmo conceito de educação é um dos produtos ideológicos da cultura. Como tal reflete e resume a totalidade cultural que o enuncia; — em segundo lugar, a educação pertence ao campo cultural por ser o processo produtor (e transmissor) da cultura. Por conseqüência a educação é a cultura simultaneamente como feita (porém não como acabada) no educador que a transmite, e como fazendo-se no educando, que a recebe (refazendo-a), por conseguinte, capacitando-se a se tornar o agente da ampliação dela. Esta é uma indicação sumária. Há necessidade de um debate mais amplo sobre o tema da "cultura", sobre as noções ingênuas e críticas de "cultura". O analfabeto não é um ignorante, não é um inculto, mas apenas o portador de formas pré-letradas de cultura (as quais coexistem às vezes com uma nascente consciência crítica de seu estado, de seu papel social, de seu trabalho). A educação como possibilidade humana A espécie e a extensão da educação distribuída por uma sociedade a seus membros são função de seu estado de desenvolvimento material e cultural. Este é que determina as Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 14
  • 15. possibilidades da educação tanto em qualidade (conteúdo e métodos) como em quantidade (a quem e a quantos será distribuída). Do ponto de vista do indivíduo, as probabilidades de receber educação diferenciada e de recebê-la em determinado grau dependem de sua posição no contexto social, da natureza de seu trabalho e do valor atribuído a este pelos interesses da consciência social dominante. Para que aumentem as possibilidades individuais de educação, e para que se tornem universais, é necessário que mude o ponto de vista dominante sobre o valor do homem na sociedade, o que só ocorrerá pela mudança de valoração atribuída ao trabalho. Quando o trabalho manual deixar de ser um estigma e se converter em simples diferenciação do trabalho social geral, a educação institucionalizada perderá o caráter de privilégio e será um direito concretamente igual para todos. Nas sociedades divididas as possibilidades do indivíduo de receber educação institucionalizada dependem: a) do grau de desenvolvimento geral de tal sociedade, que determina a necessidade de incorporação de seus membros a formas superiores de cultura para o fim de executar tipos mais complexos e mais produtivos de trabalho; b) consciência de si, de seus grupos dirigentes, que os conduz a criar seu "modelo" de homem e a nutrir a exigência de incorporação de maior número de indivíduos às formas letradas do saber; c) atribuído a cada indivíduo ou que a cada indivíduo cumpre no todo social, de onde deriva sua capacidade de pressão coletiva (associado a outros da mesma condição) sobre o centro de decisão social, no sentido de que lhes seja distribuída educação em graus sempre mais elevados; d) daí, a importância dos movimentos de educação conjunta de grandes grupos sociais (campanhas de alfabetização) pois determinam o fenômeno histórico da passagem da quantidade à qualidade. De fato, a exigência de muitos (educandos) se converte em exigência de mais e de melhor educação. A educação como função social permanente a) A educação é apenas o aspecto prático, ativo, da convivência social. Na sociedade todos educam a todos permanentemente. Como o indivíduo não vive isolado, sua educação é contínua. Mais particularmente, considerando-se apenas a transmissão dos conhecimentos compendiados, a educação também é permanente, pois o grupo dominante tem todo interesse em reproduzir-se nas gerações sucessivas, o que faz transmitindo às novas gerações seu estilo de vida, seu saber, seus hábitos, seus valores, etc. Não existe sociedade sem educação, ainda que nas formas primitivas possa faltar a educação formalizada, institucionalizada (que aí é representada pelos ritos sociais). Por conseqüência, nenhum membro da comunidade é absolutamente ignorante, do contrário não poderia viver. b) A sociedade está continuamente equipando seus membros com conhecimentos e atitudes que permitem a sobrevivência do grupo humano. O equívoco das concepções instrumentalistas da educação (J. Dewey, behaviorismo em geral) está em proceder segundo uma perspectiva individualista, acreditando que o motor da educação está no interesse do indivíduo de adaptar-se ao meio social, aprendendo as respostas úteis aos desafios do ambiente, adquirindo o saber como um instrumento que lhe permitirá resolver os problemas criados para si pelas experiências com que haverá de enfrentar-se. Esta é uma concepção que supõe que a sociedade é naturalmente hostil ao homem e que esse terá de preparar-se para defender-se, o que faz por meio da educação (sociedade onde impera a competência desenfreada e a luta de todos contra todos). Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 15
  • 16. Na verdade, o motor da educação está no interesse da sociedade em aproveitar para seus fins coletivos (sempre estabelecidos, nas sociedades divididas, pelas camadas dirigentes) a força do trabalho de cada um de seus membros (sua capacidade criadora). Por isso, a educação não é uma conquista do indivíduo (o que seria dar-lhe um fundamento ou princípio subjetivo), mas uma função da sociedade e como tal sempre dependente de seu grau de desenvolvimento. Onde há sociedade há educação: logo, esta é permanente. A educação é um processo histórico de criação do homem para a sociedade e simultaneamente de modificação da sociedade para benefício do homem a) O homem é por essência um ser inacabado, pois se constitui a si mesmo ao longo de sua existência social. A sociedade configura todas as experiências individuais do homem, transmite-lhe resumidamente todos os conhecimentos adquiridos no passado do grupo, e recolhe as contribuições que o poder criador de cada indivíduo engendra e que oferece à sua comunidade. Neste sentido, a sociedade cria o homem para si. b) Mas, sendo o homem um ser livre e criador (por suas faculdades intelectuais) de cultura, as criações que produz, as inovações técnicas, artísticas, as idéias originais que descobre são incorporadas à cultura geral do grupo e logo transmitidas a outros indivíduos (da mesma ou das gerações seguintes) que não as descobriram. Vão ser parte da educação desses novos membros da sociedade, e deste modo o saber e a cultura se desenvolvem e a educação se revela como um processo expansivo incessante. O homem, educado pela sociedade, modifica esta mesma sociedade como resultado da própria educação que tem recebido dela. Nisso consiste o progresso social, no processo de auto-geração da cultura. c) Verifica-se assim que a sociedade desempenha um papel de mediação entre os homens no processo de criação e transmissão da cultura, no qual consiste a educação. Entre o educador e o educando se interpõe a sociedade, que, de uma parte constitui o educador (e o institucionaliza) para educar, e de outra, pressiona o educando para educar-se. Mas essa transmissão da cultura pela educação, justamente porque supõe a mediação (dialética) da sociedade, na realidade, pelo trabalho concreto dos homens, não é mecânica, e por isso o saber não se comunica inalterado de um indivíduo ao outro. Ao contrário, na passagem de um ao outro, altera-se, torna-se maior pela contribuição da criação intelectual do educador, recebida pela sociedade e considerada por ela como um acréscimo indispensável para ser comunicado ao educando. 2º. TEMA: FORMA E CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO Diferença entre conteúdo e forma da educação a) O que constitui o conteúdo da Educação comporta duas respostas distintas: a.1) Segundo o conceito ingênuo (o mais comum), o conteúdo da Educação está definido pela totalidade dos conhecimentos que se transmitem do professor ao aluno. São as disciplinas, o currículo do curso, aquele que enche as lições e são objeto da aprendizagem, A Pedagogia convencional, oficial (alienada), concentra toda sua atenção na discussão deste conteúdo, com a intenção de o fazer mais adequado mais funcional possível para cada fase da vida do educando, de modo a escolher como assunto a transmitir somente aquele que será desejável para a formação da criança, do adolescente, do universitário. Percebe-se, desde logo, que esta escolha (na qual se resume todo o trabalho dos pedagogos de gabinete) terá que ser ditada pelas concepções (estas mesmas dependentes dos interesses) do pedagogo em relação ao tipo de homem que convém formar mediante a educação. É aqui onde se coloca o grande problema, a divergência (de larga repercussão histórica) entre educação "humanista" e educação "tecnológica". O que se decide, com isto, é o conceito que o pedagogo tem da natureza do homem, de seu papel na sociedade, em última Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 16
  • 17. análise, do conceito de sociedade para a qual deve preparar o educando. O debate persiste até hoje, agora com marcada preponderância dos defensores da educação "técnica", "educação para o mundo de amanhã", etc. Mostrar o vício de ingenuidade que afeta toda esta discussão: não existe a diferenciação em tela, quando se parte do conceito crítico unitário do "homem" e de sua realidade num mundo em processo de desenvolvimento, com o qual está indissoluvelmente ligado. Porém a origem deste vício está na própria deficiência da noção ingênua de "conteúdo" da educação (tal como acima exposto). É que: Em primeiro lugar, a educação, como temos mostrado, não deve se reduzir à transmissão escolar dos conhecimentos. Em segundo lugar, o conteúdo da educação não está constituído somente pela "matéria" do ensino, por aquilo que se ensina, mas incorpora a totalidade das condições objetivas que concretamente pertencem ao ato educacional; assim, são parte do conteúdo da educação: o professor, o aluno, ambos com todas suas condições sociais e pessoais, as instalações da escola, os livros e materiais didáticos, as condições locais da escola, etc. Não aceitar este ponto de vista, é deliberadamente se colocar à margem do mundo real, e raciocinar sobre uma reduzida e arbitrária abstração (a "matéria" do ensino). Em terceiro lugar, o conteúdo da educação está submetido ao processo em que ela consiste, não se pode considerá-lo como um volume estático, delimitado de conhecimentos como se fora uma carga a ser transportada de um lugar a outro, porém é algo dinâmico, é fundamentalmente histórico por isso não tem contornos definidos, é variável, não se repete e só se realiza parcialmente em cada ato educativo pois cada aluno absorve diferentemente a matéria de ensino distribuída à classe comum. Em quarto lugar, o conteúdo não pode ser considerado desligado da forma. Ora, o conceito ingênuo do "conteúdo" o destaca da "forma" e pretende tratá-lo por si mesmo à parte, valorizá-lo em sua significação e utilidade intrínseca. Em conseqüência, vê-se que é necessário alcançar o conceito crítico do conteúdo da educação. a.2) 0 conceito crítico do conteúdo envolve a totalidade do processo educativo, a qual está sempre presente em cada ato pedagógico (em uma lição, por exemplo). Não está constituído somente por "aquilo que" se ensina, mas igualmente por aquilo "que" ensina, "aquilo que" é ensinado, com todo o complexo de suas condições pessoais, pelas circunstâncias reais dentro das quais se desenvolve o processo educacional. Unicamente nos graus mais elementares, a "matéria" do ensino se apresenta com qualidade de fixação e de limitação, ainda que relativa. Ao passar a planos mais elevados do saber, o ensino se torna cada vez mais objeto da compreensão pessoal do professor, do autor de livros de texto, do legislador, etc. O conteúdo da educação — tal como a forma —, tem caráter eminentemente social e, portanto, histórico. É definido para cada fase e para cada situação da evolução de uma comunidade. Por conseguinte, deve atender primordialmente aos interesses da sociedade. Se esta é democrática, os interesses dominantes têm que ser os do povo, e se consideramos um país em esforço de crescimento, tem que ser o de suas populações que anseiam por modificar sua existência. A discussão propriamente pedagógica sobre a conveniência desta ou daquela "matéria" em um currículo escolar não pode se fazer abstratamente, nem estar sujeita aos preconceitos do pedagogo. Deve refletir os objetivos gerais mais prementes da sociedade como um todo, o que significa os interesses das grandes massas e não os de uma elite letrada e afortunada. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 17
  • 18. O conteúdo da educação é "popular" por excelência. Só deixa de sê-lo de fato em condições de alienação cultural (praticamente dominantes nas sociedades subdesenvolvidas). O conteúdo da educação não é um adorno do espírito, mas um "instrumento de realização do homem" dentro de seu ambiente social. Daí a denúncia do exibicionismo cultural, ingenuidades típicas das elites que a si mesmas se denominam "cultas", dos países atrasados. b) O que constitui a forma da Educação? Igualmente duas respostas distintas: b.1) Segundo o conceito ingênuo, a forma da educação são os procedimentos pedagógicos, o método (com todos seus implementos técnicos) de acordo com o qual é administrado o ensino. É a maneira de transmitir o conhecimento. Neste aspecto, a forma adquire importância capital na pedagogia corrente, porque neste campo é onde se travam de preferência os debates ociosos que caracterizam a pedagogia ingênua. A forma é entendida aqui como realidade à parte, destacada do conteúdo. Daí a tendência a concentrar a atenção sobre a melhoria dos procedimentos da técnica pe¬dagógica, como se isso representasse o essencial no progresso do ensino. Esta orientação se faz sentir especialmente no que se refere à Educação de Adultos, muito particularmente no problema da alfabetização. O afã (ingênuo) de buscar o "melhor" método de produzir a "melhor" cartilha é típico desta consciência. b.2) Existe, evidentemente, um problema de forma, de método, de transmissão do saber. Porém não deve ser entendido ingenuamente e sim de maneira crítica. Para começar, é necessário compreender que forma e conteúdo são apenas aspectos — distintos, mas unidos — de uma mesma realidade, que é o ato educacional como um todo concretamente indivisível e só analiticamente separável - as partes. Por isso, estão interrelacionados e se condicionam um ao outro. São aspectos e não componentes autônomos. Em segundo lugar, a forma da educação é função de seus fins sociais. Tem que ser em cada caso aquela que se adapta ao conteúdo, isto é, à condição do educando, suas possibilidades imediatas de ascensão cultural, Ê empírica e segue apenas a regra de ser a melhor possível para aquele a quem é dada a educação, no sentido de ser a mais adequada para fazê-lo subir de sua condição humana presente para outra melhor, imediatamente e concretamente possível. A forma da educação tem que ser aquela que permita a grandes camadas da população passarem à etapa imediatamente seguinte em seu processo de desenvolvimento. É inútil decretar, in-abstrato, que a educação escolarizada deve ser obrigatória, universal e gratuita. A sociedade não está capacitada para realizá-la concretamente dessa maneira. A forma da educação, incluindo sua extensão e distribuição, deve tender para esse ideal, porém não se institucionalizar desde agora desse modo, como se já existissem as condições para tanto. Faltando estas, a forma social da educação tem que ser ditada pelo grau de adiantamento do processo de desenvolvimento. Relação de interdependência entre forma e conteúdo Já temos indicado a relação mútua entre estes aspectos da Educação. Esta, como realização concreta em um Processo objetivo, é um todo no qual conteúdo e forma se distinguem e se opõem apenas como fatores. Só se diferenciam pela análise conceitual à luz da qual aparecem como opostos, porém se identificam na constituição de um ato real único. Conteúdo e forma da educação significam mais que a simples coexistência e justaposição dos fatores. Representam uma unidade real, isto é, a dependência recíproca de um ao outro. Assim, o conteúdo determina a forma da educação na qual é ministrada, porém esta por sua Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 18
  • 19. vez determina a possibilidade da variação do conteúdo, aumentando-o, em um processo sem fim. A execução formal da transmissão de certo conteúdo instrutivo possibilita a abertura desse mesmo conteúdo para se incluir em algo mais, como adiantamento e progresso do saber. Por isso, o método educacional - em particular, o método de alfabetização — tem que ser definido como dependência de seu conteúdo (e significado) social, ou seja, o elemento humano ao qual vai ser aplicado, de quem o deve executar, dos recursos econômicos existentes, das condições concretas nas quais será levado à prática. Fora disso, é apenas obra imaginativa (cartilhas, campanhas de alfabetização, etc.), é pensamento em abstrato, é projeto no vácuo social. Quatro questões primordiais: A quem educar? Quem educa? Com que fins? Por que meios? Nestas questões, resume-se todo o processo educacional em sua essencial inter-relação de conteúdo e forma. Todo projeto pedagógico tem que as considerar, compreendendo o seguinte: Constituem uma unidade, são aspectos de uma só totalidade. Não se pode resolver quaisquer delas sem que esta solução influa sobre as demais. A atenção conjunta de todas elas não quer dizer uniformidade, senão, simplesmente reconhecimento de sua interconexão. É a sociedade, como fundamento e agente, quem, em última análise, as resolve, em função da consciência de si possui (esta, por sua vez, na dependência de seu estado de desenvolvimento). A questão "A quem educar?" se refere ao lado principal do conteúdo humano da educação (o outro lado é o educador). A resposta a esta pergunta é proporcionada peia sociedade como um todo. A sociedade onde imperam desigualdades nas oportunidades, pela força de seu estado presente de desenvolvimento e de seus interesses, está continuamente procedendo a um julgamento de seus elementos humanos, destinando uns à educação sistematizada, escolarizada, erudita; e outros à educação informal, livre, não letrada. Ainda entre os que recebem educação escolar (e universitária) a distribuição das oportunidades e favores deriva do jogo de influências sociais que fazem uns mais afortunados que outros. A idéia do direito igual para todos de receber educação escolar começa por ser exigência de visionários políticos e sociais e só passa a ser uma demanda da consciência geral quando se dão as condições objetivas que fundamentam esse intento. A exigência de educação para um maior número (e por fim para todos) só chega a ser irresistível quando parte da própria massa que começa a recebê-la. Porque de agora em diante se constitui em fato político. Não é mais o projeto bem intencionado de alguns pedagogos generosos. É necessário distinguir entre o ponto de vista ingênuo e o crítico na resposta a esta pergunta. A consciência ingênua, ainda que não o declare, não deseja que todos sejam instruídos. A consciência crítica, ao contrário, compreende que todos devem ser instruídos e hão de sê-lo. Porém fica no engano de acreditar que possa fazê-lo de imediato, por isso é dócil aos estímulos da realidade. Sabe que só é possível forçar a realidade com auxílio dela mesma, ou seja, que só é possível fazer a educação total do povo pela ação da fração deste que se vai educando. Daí que a consciência crítica seja imediatamente realista, não utópica. À pergunta "Quem educa?" responde-se: a fração ilustrada da sociedade, nas pessoas de seus professores, para tal, devidamente preparados. A função de educar é um atributo da elite social. Deriva de seu status de possuidora do saber e da cultura. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 19
  • 20. Nas sociedades onde não há oportunidades e o poder econômico se acha concentrado, a função de educar é delegada a um pequeno grupo de indivíduos instruídos e deles se espera que sirvam aos objetivos de tal sociedade. O educador é concebido sempre como um funcionário, um servidor e não como portador de uma consciência. Daí a necessidade de despertar nos educadores o sentimento de dignidade e autonomia, sendo esta concebida não como desligamento do solo social e sim como poder de escolha pessoal, crítica, livre das forças sociais a que se identifica. A preparação do educador é permanente e não se confunde com a aquisição de um tesouro de conhecimentos que lhe cabe transmitir a seus discípulos. É um fato humano que se produz pelo encontro de consciências livres, a dos educadores entre si e os destes com os educandos. O educador deve ser o portador da consciência mais avançada de seu meio (conjuntamente com o filósofo, o sociólogo). Necessita possuir antes de tudo a noção crítica de seu papel, isto é, refletir sobre o significado de sua missão profissional, sobre as circunstâncias que a determinam e a influenciam, e sobre as finalidades de sua ação. A questão "Com que finalidade?" é respondida diversamente de acordo com o ponto de vista do educador ou do legislador. A finalidade da educação está implícita no conteúdo e na forma como é executada. É próprio da consciência crítica fazer clara a finalidade que concebe para o processo educativo, enquanto a consciência ingênua, porque devem muitas vezes proceder de má fé (contra os interesses populares), oculta ou dissimula as finalidades da educação sob os mais diversos e sutis disfarces. A finalidade da educação tem que ser nacional em sua plena significação. Deve visar à transformação da nação, se é atrasada, em país progressista, no mesmo plano das comunidades nacionais mais desenvolvidas. A educação tem que ser popular, por sua origem, por seu fim e por seu conteúdo. O país é atrasado em virtude do modo de vida de suas massas (não de suas elites). Por isso, a transformação da existência do povo é o que constitui a substância da mudança na realidade da nação. Para ser popular, a educação tem que ser uma possibilidade igual para todos, em qualidade e quantidade. Por isso, a alfabetização é apenas o início de um processo educacional que de direito deve sempre visar aos graus mais altos do saber. A finalidade da educação não se limita à comunicação do saber formal, científico, técnico, artístico, etc. Esta comunicação é indispensável, está claro, porém o que se intenta por meio dela é a mudança da condição humana do indivíduo que adquire o saber. Por isso, a educação é substantiva, altera o ser do homem. A não ser assim, seria apenas adjetiva, mero ornamento da inteligência. O homem que adquire o saber, passa a ver o mundo e a si mesmo deste outro ponto de vista. Por isso se torna um elemento transformador de seu mundo. Esta é a finalidade essencial da educação. Tal é a razão de que todo movimento educacional tenha conseqüências sociais e políticas. A questão "Por que meios?" se refere fundamentalmente ao método e, acessoriamente, às circunstâncias materiais nas quais se cumpre o processo educacional. Tudo aquilo que influi executivamente no trabalho educacional, deste Ponto de vista é educador. Devemos acentuar a importância das condições materiais (instalações e prédio da escola), em duplo sentido: por seu efeito psicológico e por sua significação sociológica. Neste último sentido, a escola representa a primeira revelação à criança de seu status social (a escola rica, a escola pobre), porque é no edifício escolar que pela primeira vez a criança toma contato com a capacidade da sociedade de atendê-la. A escola é o primeiro "produto" social que está feito exclusivamente para ela. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 20
  • 21. A questão do método é decisiva. Não vamos debatê-la neste momento. Basta assinalar que possui dois aspectos: o técnico e o ideológico. É importante distingui-los bem, pois o educador freqüentemente procura encobrir com roupagens técnicas os interesses que não deseja discutir. Existe, está claro, um problema muito sério de técnica pedagógica, desde a alfabetização até a organização dos currículos universitários, porém o que desejamos advertir é que toda solução técnica de um problema pedagógico contém uma atitude ideológica. Não se deve superestimar a significação do método, como faz a consciência ingênua. Não é admissível considerá-la como a única realidade do processo educacional, até o ponto de admitir que as virtudes de um determinado método podem suprir as deficiências dos demais fatores. Isso seria a artificialização do método. Caráter ideológico da educação Temos ressaltado várias vezes o caráter ideológico da educação. Aqui desejamos apenas deixar explícito que esse caráter, sendo dado pela consciência social, traz a marca de sua origem, isto é, em termos concretos, refere-se à consciência de alguém. É um dos modos do pensar social, porém se expressa pela consciência dos indivíduos que se ocupam desta questão, que são indivíduos vivos, dotados de condições materiais e intelectuais, com interesses confessados e implícitos, com desejos e intenções, etc. A discussão completa deste assunto só pode ser feita depois de se estudar o problema da consciência geral, sua forma coletiva e individual, suas modalidades (ingênua e crítica), etc. Por ora, desejamos estabelecer que não há educação sem idéia da educação. Nas sociedades primitivas, de educação não institucionalizada, esta idéia é inconsciente e se cumpre mediante os ritos sociais. Nas sociedades civilizadas, esta idéia pode continuar implícita ou alcançar o nível da plena consciência (ingênua ou crítica), na mentalidade dos educadores e legisladores educacionais. A idéia da educação (implícita ou explícita) dirige o processo educacional. Por isto é que este tem caráter ideológico. Daqui esta tese fundamental: Não há educação sem teoria da educação (implícita ou explícita). Igualmente, por isso é que constitui um processo social (histórico-antropológico) e não um processo material. São objetivos tanto um como o outro processo, porém as leis, os momentos do primeiro são ditados pela consciência humana, enquanto as leis e fatos do segundo são independentes da consciência do homem. A educação é um fenômeno social total. Para atendê-la é indispensável empregar a categoria de totalidade. Significa que não se pode interpretá-la (nem planejá-la) se não se tem em vista todo o conjunto de valores reais (sociais) que sobre ela influem e dos efeitos gerais que dela resultam sobre os demais aspectos da realidade social. A educação é parte de um conjunto de interações e de interconexões recíprocas e não pode ser dissociada dele, tratada isoladamente. É parte de um todo, porém este todo sendo um processo, só a noção de totalidade permite compreender a inter-relação de cada parte com as demais, pois não se trata de um todo estático, e sim de uma realidade total em movimento, na qual a alteração de qualquer elemento influi sobre todos os demais. A noção de totalidade introduz uma nova percepção de fatos sociais, como são as campanhas de alfabetizado e de educação de adultos. Porque coloca estes fatos à luz do princípio de totalidade e mostra como repercutem necessariamente sobre todos os aspectos da sociedade, ao mesmo tempo que as mudanças ocorridas nos demais campos, como efeito daquelas campanhas, revertem sobre a compreensão, a valoração e o curso destas mesmas campanhas. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 21
  • 22. A alienação educacional como característica da atividade pedagógica do país em vias de desenvolvimento. Que é a alienação? Em sua expressão mais geral, filosófica, é um conceito que define a condição de um ser que se encontra privado de sua essência, ou porque se encontre separado dela ou porque ela não se realiza completamente, perfeitamente em tal ser. Este é o aspecto antropológico do conceito de alienação. Em sentido mais restrito, histórico, social, a alienação se refere ao estado do indivíduo, ou da comunidade, que não retira de si mesma, de seus fundamentos objetivos, os motivos, os determinantes (as matrizes) com que constitui sua consciência, e sim os recebe passivamente de fora, de outros indivíduos ou comunidades (para os quais são válidos), e se comporta de acordo com esses motivos e determinantes como se fossem seus. Neste sentido é que o indivíduo ou a comunidade perdem sua essência. O homem perde sua dignidade de ser livre, a sociedade perde suas características de autonomia, de capacidade criadora de si, material e culturalmente. A essência que exibem não é a sua, é emprestada, quase sempre imposta a eles por outro indivíduo ou sociedade mais forte que os submete. Assim, a essência de tais seres está deslocada, eles são estranhos (alheios) a ela, ao que deveriam ser, perdem por isso a condição, a dignidade antropológica, existencial, de sujeitos de si, tornando-se objetos de outro. A consciência alienada não se sente ligada à sua realidade autêntica (a seu ser nacional), à sua condição na sociedade, e sim se comporta como indiferente à sua realidade ou alheio a ela, e se transporta em pensamento a um mundo que não é o seu, ao qual passa a pertencer, adotando suas atitudes, seu estilo de vida, seus valores, etc. É a transferência imaginária do indivíduo para um mundo alheio, no qual vai buscar inspiração para seus atos e suas idéias desprezando o autêntico fundamento de sua realidade (que lhe parece pobre, feia, atrasada, suja, enferma, etc.). Pretende modificar sua realidade com o auxílio de idéias e procedimentos que não foram induzidos do seu próprio mundo e sim importados de realidades sociais e culturais alheias. A alienação é um fato social objetivo e se refere à consciência toda (por isso é um fenômeno total). O indivíduo alienado repele totalmente sua inserção em seus fundamentos históriconacionais e pretende resolver os problemas de sua sociedade, de seu mundo (em particular o problema da educação) por meio de critérios e métodos que não foram extraídos de sua realidade, e sim recebidos de fora, venerados justamente por ter esta origem. Vê-se assim que a consciência alienada se impermeabiliza à sua realidade objetiva Entre os dados de sua alienação figura evidentemente o desconhecimento da mesma alienação e a repulsa a aceitar esta acusação. A alienação é característica da pedagogia nos países em vias de desenvolvimento. Tratandose de países economicamente dependentes de um centro poderoso e também culturalmente dependentes desse centro, é natural que sua consciência social comum seja do tipo ingênuo e por isto sua visão de si mesmos e do mundo não se origina de sua realidade, e sim é parte da dominação cultural que recebem dos centros dominantes. Não possuem óptica própria, vendo-se a si mesmos e a toda a realidade com olhos alheios. Somente quando se inicia o processo de tomada de consciência por uma sociedade, surge a possibilidade da denúncia da alienação cultural da qual se encontra imbuída. A pedagogia é naturalmente um dos campos prediletos de exercício da consciência alienada. Os pedagogos desta espécie não buscam extrair de sua realidade as idéias com as quais devem compor sua visão do processo educacional (que teria então por tarefa principal a denúncia e o término da alienação), e sim, aceitam docilmente e sem críticas as fórmulas que lhes são oferecidas ou insufladas pelas áreas culturalmente e economicamente mais adiantadas, porque acreditam ser a última palavra do progresso científico. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 22
  • 23. A possibilidade da implantação das idéias alienadas deriva do prestígio dos centros que as produzem. O pedagogo do país pobre (o intelectual em geral) julga inconscientemente que não está à altura, não tem condições de produzir o saber, a arte, o gosto, o estilo de existência, crendo que isso só é patrimônio de nações ricas. E por isso julga que só lhe cabe imitar o que estas produzem, "aproveitando" (como diz) o que de bom e de grande se produz, se descobre e se usa em outras partes. Temos assim os fenômenos do mimetismo e da transplantação cultural, que caracterizam a existência das áreas atrasadas. Num período inicial do desenvolvimento social, estes fenômenos são inevitáveis (e podem então até desempenhar um papel útil). Quando a sociedade adquire suficiente consciência de si, baseada em um já substancial desenvolvimento material, a alienação não mais se justifica e traz o mais nefasto obstáculo à livre expansão da força criadora do povo. O imperativo da desalienação Compreende-se, portanto que a principal tarefa do educador dotado de consciência crítica seja o incessante combate a todas as formas de alienação que afetam a sua sociedade, particularmente aquelas que imperam no terreno da educação. Para isso é imprescindível que o educador se converta à sua realidade, seja antes de tudo do seu próprio povo, ou melhor, das camadas populares de sua nação. Aceitar "ser do" país é o primeiro passo para compreender o "ser" do pais. Isso significa que toda a produção cultural estrangeira tem que ser recebida, estudada, assimilada, porém submetida a um exame crítico, de maneira que se conserve aquilo que se revela útil à tarefa nacional, e isso apenas em virtude de razões internas (não por efeito de prestígio). Esta é a fase de assimilação crítica. Por isso se vê que não deve existir (não tem sentido) nenhuma atitude de xenofobia, de nacionalismo cego e estreito. Depois desta conversão à sua própria realidade, a essência do educador se transforma de tal modo que começa a discernir por si mesmo um sem-número de verdades, a criar idéias e lançar-se a iniciativas originais, que antes não seriam possíveis em razão do respeito e da dependência que o paralisavam. Mesmo o conceito de educação mudará. Compreenderá que a educação é antes de tudo prática social, e por isso intransferível (no que tem de essencial) de uma sociedade a outra. Terá que inventar os procedimentos técnicos e as concepções diretrizes de sua atividade pedagógica, em função da resposta que dará às quatro questões antes formuladas. Estas serão agora respondidas de modo autêntico, não alienado. Somente a educação não alienada pode servir aos objetivos da sociedade em luta pelo seu desenvolvimento, e pela transformação da vida do homem. E isto pela razão de que se funda nas próprias condições de atraso e de miséria, não as rechaça, e sim as aceita como um dado histórico-antropológico que terá que suprimir. Pelo contrário, se assume a postura alienada, destacando-se de sua base social, o educador passará a construir no abstrato, no vácuo, seu trabalho não teria possibilidade de reverter em proveito de sua sociedade. A busca e a definição de critérios autênticos para a orientação da educação e para o desenvolvimento da cultura numa sociedade em esforço de ascensão histórica A denúncia e a supressão da alienação constituem as condições prévias para o trabalho fecundo no campo da educação. Antes disso, qualquer trabalho educativo só parcialmente, incompletamente se adaptará à realidade e dificilmente contribuirá para transformá-la. Quando o educador se conscientiza do fenômeno da alienação e se liberta dela pela identificação com a essência histórica de seu próprio povo, está capacitado a produzir o correto delineamento da educação. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 23
  • 24. Para isso é necessário buscar e definir critérios autênticos que devem regular seu trabalho. Sabe agora que não poderá recebê-los de fora, pois só tem validade se forem desalienados. Terá então que se voltar para seu país, seu povo e construir (com sua personalidade) a resposta para a realidade que o circunda. Poderá cometer enganos, porém estes não se identificam com a alienação (que é essencial, enquanto os erros nas investigações são acidentais). Terá que se valer da experiência alheia, porém agora com visão crítica e somente disposto a utilizar o que for comum a seu povo e a outro. Em termos gerais, o critério autêntico da educação desalienada é o interesse do povo. Porém como não se pode alterar a existência do homem do povo sem alterar os fundamentos dessa existência, é atuando sobre as condições econômicas do país, sobre as condições sociais do trabalho, que a educação irá adquirindo o caráter de autenticidade, de desalienação que assegurará sua utilidade para o bem do homem. Deste modo, o pedagogo dotado de consciência desalienada compreende que terá que se unir aos pensadores e sociólogos de mesma orientação para, num esforço comum, descobrir o procedimento mais conveniente a adotar em sua tarefa específica e de criar um sistema pedagógico adequado, em conteúdo e forma, às necessidades das populações a que se destinam. Somente assim poderá assentar bases culturais fecundas para que sobre elas o trabalho de todo o povo se unifique num esforço consciente de ascensão histórica. 3º. TEMA: AS CONCEPÇÕES INGÊNUA E CRÍTICA DA EDUCAÇÃO Noção de consciência: representação mental da realidade exterior, do objeto, do mundo, e representação mental de si, do sujeito, autoconsciência. A concepção ingênua A concepção ingênua é aquela que procede de uma consciência ingênua. Portanto, é necessário definir esta: a) Consciência ingênua é aquela que — por motivos que cabe à análise filosófica examinar — não inclui em sua representação da realidade exterior e de si mesma a compreensão das condições e determinantes que a fazem pensar tal como pensa. Não inclui a referência ao mundo objetivo como seu determinante fundamental. Por isso julga-se um ponto de partida absoluto, uma origem incondicional, acredita que suas idéias vêm dela mesma, não provêm da realidade, ou seja, que têm origem em idéias anteriores. Assim, as idéias se originam das idéias. A realidade é apenas recebida ou enquadrada em um sistema de idéias que se cria por si mesmo. b) A consciência ingênua pode refletir sobre si, tomar-se a si mesma como objeto de sua compreensão, porém não chega a ser uma autoconsciência. A simples reflexão sobre si pode ser apenas introspecção, porém não se identifica com a autoconsciência, porque esta só existe quando a percepção do estado presente da consciência (por ela mesma) é acompanhada da idéia clara de todos seus determinantes, vale dizer, da totalidade da realidade objetiva que sobre ela influi (o que só ocorre com a consciência crítica). c) A consciência crítica é a representação mental do mundo exterior e de si, acompanhada da clara percepção dos condicionamentos objetivos que a fazem ter tal representação. Inclui necessariamente a referência à objetividade como origem de seu modo de ser, o que implica compreender que o mundo objetivo é uma totalidade dentro da qual se encontra inserida. Refere-se a si mesma sempre necessariamente no espaço e no tempo em que vive. É, pois, Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 24
  • 25. por essência, histórica. Concebe-se segundo a categoria de processo, pois está ligada a um mundo objetivo que é um processo e reflete em si esta objetividade nas mesmas condições lógicas que definem um processo. d) A consciência crítica, quando reflete sobre si (sobre seu conteúdo), torna-se verdadeiramente autoconsciência, não pelo simples fato de chegar a ser objeto para si, e sim pelo fato de perceber seu conteúdo acompanhado da representação de seus determinantes objetivos. Estes pertencem ao mundo real, material, histórico, social, nacional, no qual se encontra. A autoconsciência é, portanto uma consciência justificativa de si (em sua forma ou procedimento, em seu conteúdo ou aquilo que percebe em função das condições históricas e sociais de sua realidade, em particular, do grau de desenvolvimento do processo nacional ao qual pertence). A concepção ingênua da educação No campo da educação — como em todos os demais — a consciência ingênua é sempre nociva, pois engendra as mais equivocadas idéias, que se traduzem em ações e juízos que não coincidem com a essência do processo real, que não são, pois verdadeiras. Não podem levar à completa e rápida solução dos problemas que considera, e somente se torna uma fonte de equívocos, de desperdício de recursos, de intentos frustrados. Unicamente a título de exemplo, consideraremos a seguir algumas amostras do pensar pedagógico ingênuo: a) O educando como "ignorante" em sentido absoluto. Noção falsa em relação à criança, e muito mais, todavia em relação ao adulto. A educação escolar ou a de adultos sempre toma o educando já como portador de um acervo de conhecimentos (por exemplo, a linguagem na criança ou o trabalho no adulto). Estes conhecimentos prévios são o resultado da prática social do homem (criança ou adulto) e de sua formação até o momento em que começar a receber educação institucionalizada. A criança e o adulto vêm à escola já preparados (inclusive para desejar vir à escola) por uma outra escola geral, que é a sociedade, o meio onde vivem. b) O educando como puro "objeto" da educação. É a atitude ingênua mais freqüente: supor que cabe ao educador formar, plasmar o aluno (como se costuma dizer), concebendo-o como massa amorfa à qual compete dar a forma viva, o saber. As concepções alienadas da educação têm precisamente esse caráter de alienação, porque concebem o educando como objeto, e por isso não reconhecem nele a dignidade de sujeito, de consciência autônoma (para si), que só pode ser educada, instruída, em um diálogo esclarecedor e não em uma imposição de idéias, procedimento que parte do suposto de direito de domínio de uma consciência sobre outra. c) A educação como transferência de um conhecimento finito. Esta ingenuidade se refere à noção de conteúdo e forma da educação. Supõe que o professor é apenas o transmissor de uma mensagem definitivamente escrita, de um conjunto de noções, de acordo com determinado método, e que essa mensagem não se modifica com as condições de tempo e lugar, com os interesses do educador e com o mesmo ato de ser transmitida. A principal nocividade desta atitude está em preceituar limites ao processo pedagógico, em dar caráter absoluto às divisões em graus, níveis, carreiras, etc. A educação como dever moral da fração adulta, educada e dirigente da sociedade. Esta ingenuidade é grave, porque converte a educação em ato caritativo e transfere para o plano dos valores éticos (inteiramente alheios a este problema) a essência, o significado e a valoração eminentemente sociais da educação. e) Para a consciência ingênua, a criança ou o adulto a educar são absolutamente "ignorantes". Porém a noção de ignorância é tomada aqui em sentido abstrato, isto é, não é Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 25
  • 26. concebida como "ignorância de algo", de algum conhecimento (sempre concreto). Absolutiza-se o conceito de "ignorante" para as classes populares, enquanto se relativiza esse mesmo conceito para as elites (a fim de que os representantes dessa elite possam aparecer como não ignorantes). Vê-se a duplicidade de critérios, que revela o caráter interessado da noção de ignorância: o homem do povo é ignorante porque não sabe alguma coisa, enquanto o membro da elite é culto porque sabe alguma coisa. Um indivíduo não pode ignorar assim alguma coisa, que é concretamente sabida por outro. Como, porém, este outro ignora muitas coisas que o primeiro sabe, o caráter da ignorância é sempre relativo. A consciência ingênua necessita absolutizar a ignorância, o que só pode fazer convertendo-a em uma noção irreal. A concepção crítica da educação A concepção crítica da educação procede segundo as categorias que definem o modo crítico de pensar. Particularmente há que mencionar as de: objetividade (caráter social do processo pedagógico), concretidade (caráter vital da educação como transformação do ser do homem), historicidade (a educação como processou e totalidade (a educação como ato social que implica o ambiente íntegro da existência humana, o país, o mundo e todos os fatores culturais e materiais que influem sobre ele). A concepção crítica é a antítese da ingênua. Portanto, repudia os pontos de vista anteriormente expostos, definidores desta última. A concepção crítica é a única que está dotada da verdadeira funcionalidade e utilidade, pois conduz à mudança da situação do homem e da realidade à qual pertence, em virtude de ser a única que é capaz de oferecer o conteúdo e o método mais eficaz para a instrução (alfabetização, escola secundária, universidade) da criança e do adulto, tendo em conta aquelas finalidades. Vejamos alguns aspectos específicos da concepção crítica da educação: 1) O educando como sabedor e desconhecedor. O educando evidentemente não sabe aquilo que necessita aprender (por exemplo, ler e escrever), mas nem por isso pode ser considerado como um desconhecedor absoluto. O adulto analfabeto é em verdade um homem culto, no sentido objetivo (não idealista) do conceito de cultura, posto que, se não fosse assim, não poderia sobreviver. Sua instrução formal (alfabetização, escolarização) tem que se fazer sempre partindo da base cultural que possui e que reflita o estado de desconhecimento (material e cultural) da sociedade à qual pertence. Aquilo que desconhece é o que até agora não teve necessidade de aprender. Se tem podido viver até agora como analfabeto é porque as condições de sua sociedade não exigiam dele o conhecimento da leitura e da escrita. Em conseqüência, o princípio fundamental de toda campanha de educação de adultos tem que ser o da mudança das condições materiais da existência das populações, para que: 1) por um lado os analfabetos recebam o estímulo (o desafio) necessário para levá-los a buscar o saber letrado (o que de agora em diante vão necessitar); 2) e, por outro lado, o esforço e o dispêndio que a sociedade como um todo faz para instruí-los sejam recompensados, revertendo em benefício dela, pela aplicação social que os recém-alfabetizados vão fazer do saber adquirido. 2) O educando é o "sujeito" da educação (nunca o objeto dela). Se necessita da ação do outro, o professor, para se alfabetizar, instruir-se, isso não significa que seja o objeto "sobre o qual" o educador atua, e sim unicamente que é componente indispensável de um processo comum, aquele pelo qual a sociedade como um todo se desenvolve, se educa, se constrói, pela interação de todos os indivíduos. Apontamentos coligidos por Laura Alves, 903271 26