Este documento fornece um resumo sobre estreptococos. Estreptococos são bactérias Gram-positivas que se dividem em apenas um plano e formam cadeias. Eles são classificados de acordo com seu tipo de hemólise e grupo sorológico de Lancefield. Estreptococos piogênicos como o Streptococcus pyogenes causam infecções como faringite e impetigo, enquanto Streptococcus pneumoniae causa infecções como pneumonia e meningite.
1. ESTREPTOCOCOS
Introdução
Os estreptococos são bactérias Gram-positivas em forma de cocos que
se dividem em apenas um plano. Como as bactérias não se separam
facilmente após o plano de divisão, elas tendem a formar cadeias e, assim,
podem diferenciar-se dos estafilococos que comumente se dividem em
diferentes planos formando grupamentos semelhantes a cachos de uva. São
catalase-negativos, o que também os diferencia dos estafilococos que são
catalase positivos. Constituem a principal população de microrganismos da
cavidade oral (Streptococcus sanguis, Streptococcus mutans), além de
estarem envolvidos em diversas doenças.
Entre os sistemas de nomeclatura desenvolvidos para os estreptococos
destacam-se aqueles baseados características hemolíticas (de acordo com o
tipo de hemólise observado quando estreptococos são colocados em meios de
cultura contendo ágar sangue) e antigênicas (de acordo com a composição
antigênica, que é a base da classificação em grupos sorológicos de Lancefield).
Hemólise e estreptococos
Estudos mostraram que estreptococos isolados de doenças infecciosas
de garganta e de pele freqüentemente provocam lise completa das células
vermelhas do sangue (hemólise). Este fenômeno era identificado em meio ágar
sangue como uma zona clara ao redor das colônias. Outros estreptococos
provocavam um tipo de lise incompleta, na qual as células vermelhas se
2. retraem e se tornam esverdeadas (ocorre somente na presença de oxigênio
devido à redução da hemoglobina). A hemólise incompleta é denominada alfa
hemólise (α-hemólise) e os estreptococos que a produzem foram denominados
Streptococcus viridans, enquanto que a lise completa das células vermelhas foi
denominada beta hemólise (β-hemólise) e os organismos que a provocam
foram denominados Streptococcus hemolyticus. Atualmente sabemos que
esses nomes são inadequados e que existem muitas espécies que causam
hemólise alfa, outras causam hemólise beta e algumas espécies produzem os
dois tipos de hemólise dependendo da cepa e das condições de crescimento.
Existem também muitos estreptococos que não são hemolíticos, os chamados
de estreptococos gama (γ).
Esquema Sorológico de Grupagem de Lancefield
Como a hemólise não era suficiente para distinguir estreptococos
causadores de doença, a Dra. Rebecca Lancefield desenvolveu um método
sorológico para a distinção dos estreptococos beta hemolíticos. A classificação
dos estreptococos em grupos sorológicos baseia-se nas características
antigênicas de um polissacarídeo de composição variável chamado carboidrato
C, localizado na parede da célula, que pode ser detectado por diferentes
técnicas imunológicas como a precipitação em tubo capilar. Tomando por base
esse polissacarídeo, os estreptococos foram divididos em 20 grupos
sorológicos (grupos de Lancefield) designados por letras maiúsculas do
alfabeto ( A, B, C, D, E, F, G, H, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U e V). Esse
método de identificação é amplamente aceito para a identificação dos
estreptococos beta hemolíticos. Entretanto, salvo raras exceções, não se
3. mostrou de utilidade prática para a identificação de estreptococos não beta
hemolíticos.
Os estreptococos de importância médica são divididos em :
estreptococos beta-hemolíticos ( ou estreptococos piogênicos), pneumococos,
estreptococos do grupo D e estreptococs viridans.
STREPTOCOCCUS PYOGENES
O Streptococcus pyogenes é caracterizado pela presença do
polissacarídeo do grupo A de Lancefield que é um polímero de N-
acetilglicosamina e ramnose. Ele pode ser dividido em grupos sorológicos
graças à presença de duas proteínas na sua parede celular, a proteína M e a
proteína T.
Fatores de virulência
Entre os fatores de virulência relacionados aos Streptococcus pyogenes
temos:
- fímbria: possibilita a fixação da bactéria à mucosa faringoamigdalina;
- toxina eritrogênica: responsável pelo eritema da escarlatina;
- cápsula: confere resistência a fagocitose;
- proteína M: interfere com a fagocitose de modo que amostras ricas nesta
proteína são resistentes, tornando-se sensíveis na presença de anticorpos
anti-M;
- ácidos lipoteicóicos: importantes componentes da superfície dos
estreptococos do grupo A, formando fímbrias juntamente com a proteína M;
- peptideoglicano: é tóxico para células animais in vitro e in situ;
4. - estreptolisina S: é a responsável pelo halo de hemólise. Estudos recentes
sugerem que ela é responsável pela morte de uma parte dos leucócitos que
fagocitam o S. pyogenes;
- estreptolisina O: também é uma hemolisina, mas só é ativa na ausência de
oxigênio. Parece contribuir com a virulência do S. pyegenes porque pode
lesar outras células além das hemácias.
- estreptoquinase, desoxirribonuclease e hialuronidase: são enzimas
produzidas pela maioria dos S. pyogenes estando provavelmente
envolvidas na patogênese das infecções estreptocócicas.
Tipos de infecções
a) Faringite Estreptocócica:
O Streptococcus pyogenes é responsável por mais de 90% das
faringoamigdalites bacterianas. A doença é caracterizada por um curto
período de incubação (2 a 3 dias), febre alta (39 a 40ºC), calafrio, dor de
cabeça e, frequentemente, vômitos. As tonsilas ficam avermelhadas
podendo apresentar exudado supurativo e os nódulos linfáticos cervicais
aumentam de tamanho tornando-se doloridos. Sugere-se que cerca de 20%
dos casos são assintomáticos (infecção subclínica).
Duas fases caracterizam o estabelecimento da infecção. Na primeira
ocorre a aderência dos microrganismos mediada pelo ácido lipoteicóico, o
qual se liga à superfície das células epiteliais via seus lipídios terminais.
Existem evidências de que a proteína M e talvez o polissacarídeo C estejam
envolvidos na aderência. A seguir, a bactéria tem acesso aos tecidos
conjuntivos adjacentes, provavelmente via rompimento microscópico do
5. epitélio, promovendo uma resposta inflamatória imediata e vigorosa
desencadeada pelo hospedeiro para eliminar a bactéria. Essa resposta é
caracterizada por um exudato fluido (edema) e principalmente, por um
infiltrado celular de leucócitos polimorfonucleares (PMN). Na segunda fase
da infecção ocorre o espalhamento, onde os estreptococos se multiplicam
rapidamente no tecido conjuntivo. A viscosidade do exudado supurativo
mantém a infecção localizada, porém, o S. pyogenes produz DNAses,
proteases e estreptoquinases que hidrolizam esses componentes e
permitem o espalhamento dos microrganismos. Se a infecção não for
controlada pela administração de antibióticos apropriados ou através da
produção de quantidades suficientes de anticorpos para a proteína M, os
microrganismos podem penetrar os nódulos linfáticos cervicais ou nos seios
paranasais, chegando a causar septicemia, ou seja, circulação de bactérias
virulentas no sangue.
b) Piodermites
Fazem parte do grupo das piodermites estreptocócicas a erisipela, o
impetigo e a ectima.
• impetigo: a mais característica é o impetigo, que se inicia como uma
vesícula que progride rapidamente para uma lesão recoberta por crosta
espessa. Aparentemente o S. pyogenes penetra pela pele através de
lesões determinadas por trauma, mordedura de insetos ou por
dermatoses. O impetigo não costuma deixar cicatrizes por ser uma
infecção superficial e não atingir o tecido subepitelial. O impetigo ocorre
com muita freqüência em crianças no verão, sendo de localização
6. preferencialmente facial, embora muitas vezes predomine nas
extremidades, espalhando-se para outras áreas do corpo por auto
contaminação. Mesmo nas formas extensas raramente o impetigo é
acompanhado de manifestações gerais.
• erisipela: é uma infecção estreptocócica aguda de pele envolvendo a
mucosas adjacentes algumas vezes. Os locais mais freqüentemente
comprometidos são a perna e a face. A lesão é dolorosa, de coloração
vermelha intensa, aparência lisa e brilhante e forma e extensão
variáveis. Muitas vezes a epiderme se descola, formando bolhas
volumosas e tensas com conteúdo amarelo-citrino não-purulento
podendo evoluir para ulceração superficial. O mecanismo de
transmissão não é conhecido mas a bactéria parece originar-se das vias
aéreas superiores do próprio paciente. A duração natural do processo é
de alguns dias, raramente atingindo uma semana, quando então começa
o período de regressão da doença até o retorno da pele ao aspecto
normal. Em indivíduos idosos, a erisipela pode ser acompanhada de
bacteremia.
Seqüelas
- Febre Reumática: caracteriza-se por lesões inflamatórias não supurativas
envolvendo coração, articulações, tecido celular subcutâneo e sistema
nervoso central. Os indivíduos que sofrem um episódio de febre reumática
são particularmente predispostos a outros episódios, em conseqüência de
infecções estreptocócicas subsequentes das vias aéreas superiores.
Evidências sugerem que a febre reumática é uma doença imunológica
7. sendo que infecções estreptocócicas não tratadas são seguidas de febre
reumática em até 3% dos casos.
- Glomerulonefrite: pode aparecer depois da faringoamigdalite e das
piodermites. Trata-se também de uma doença de natureza imunológica. A
freqüência de aparecimento é bastante variável, dependendo muito do
sorotipo M do estreptococo causador da infeção prévia. Quando a infeção
cutânea é causada por um tipo altamente nefritogênico, a freqüência pode
ser superior a 20%.
Tratamento
Vários antibióticos apresentam boa atividade contra o Streptococcus
pyogenes, mas o de escolha é a penicilina G. Um aspecto importante da
terapêutica pela penicilina é o fato de que, até agora, não ocorreu seleção de
amostras resistentes a esse antibiótico, pelo menos em escala significante.
Dessa maneira, infecções causadas pelo microrganismo podem ser tratadas
sem a necessidade de antibiograma para verificar se a amostra é resistente.
Recomenda-se o uso de eritromicina para pacientes alérgicos à penicilina.
STREPTOCOCCUS PNEUMONIAE
Essa espécie é composta por cocos Gram-positivos com forma de
chama de vela, agrupados aos pares. Os pneumococos, em geral, possuem
cápsula composta de polissacarídeos, cujas diferenças antigênicas
permitem caracterizar 84 tipos sorológicos distintos. A tipagem sorológica
contribui para o rastreamento epidemiológico das infecções pneumocócicas,
evidenciando variações geográficas e/ou temporais na prevalência de
diferentes sorotipos. O conhecimento da prevalência dos vários sorotipos
8. em uma determinada região serve de base para o desenvolvimento de
vacinas.
Fatores de Virulência
- cápsula: representa o principal fator de virulência conhecido dos
pneumococos em virtude de sua capacidade antifagocitária;
- substância C: não é um fator de virulência mas tem interesse médico;
- adesina: os pneumococos produzem uma adesina que fixa a bactéria a
receptores glicoprotéicos existentes nas células epiteliais dos aparelhos
respiratório e auditivo;
- pneumolisina: trata-se de uma hemolisina semelhante à estreptolisina O do
S. pyogenes cujo papel ainda não foi esclarecido;
- IgA1 Protease: enzima produzida pelos pneumococos capaz de degradar
imunoglobulinas que fazem parte de um importante mecanismo de defesa
do hospedeiro;
- neuraminidase: são substâncias com papel não definido na patogênese das
pneumococcias.
Tipos de infecções
O Streptococcus pneumoniae é um dos agentes bacterianos mais
frequentemente associados a infeções graves como pneumonia, meningite,
septicemia e otite média. Os pneumococos também têm sido relacionados a
infeções oculares e, ocasionalmente, isolados de fluido peritoneal, urina,
secreção vaginal, exsudatos de feridas entre outros espécimes clínicos.
9. a) Pneumonia:
Os pneumococos podem ser normalmente encontrados no trato
respiratório superior de seres humanos. A partir daí, eles podem ser
aspirados para os alvéolos onde a bactéria prolifera e determina a reação
inflamatória característica da pneumonia. Isso só ocorre se a bactéria for
capaz de escapar da fagocitose. Nos paciente não-tratados e que
sobrevivem à infecção, a pneumonia segue curso típico que termina em
cura uma semana após o seu início. A cura coincide com o aparecimento de
opsoninas séricas específicas que promovem fagocitose do microrganismo
envolvido no processo. Cerca de 30% dos pacientes com pneumonia
apresentam bacteremia e, em alguns casos, a pneumonia pode causar
complicações como artrite, endocardite e meningite.
O indivíduo normal é geralmente bastante resistente à infeção pulmonar
pelo pneumococo devido a mecanismos de defesa que incluem o reflexo
epiglotal, movimento ciliar, reflexo da tosse, drenagem linfática e os
macrófagos que patrulham os alvéolos. Assim, os indivíduos que adquirem
pneumonia estão com os mecanismos de defesa comprometidos. A
meningite, além de surgir a partir de uma pneumonia bacteriana pode ser
complicação de otites, sinusites e endocardites.
b) Otites e sinusites pneumocócicas
São geralmente infeções secundárias a alterações funcionais no ouvido
médio e seios, sendo causados por pneumococos normalmente presentes
nas vias aéreas superiores.
10. Tratamento
A penicilina ainda é o antibiótico de escolha, em pacientes alérgicos à
penicilina usa-se a eritromicina. Nos últimos anos houve relatos de que
muitas cepa tornaram-se resistentes a múltiplos antibióticos, sugerindo
transferência mediada por plasmídeos. Devido ao surgimento de tais cepas
e à incapacidade de controle da doença em alguns pacientes, uma vacina
foi desenvolvida.
ESTREPTOCOCOS DO GRUPO D
Os estreptococos possuidores de antígeno do grupo D eram,
antigamente, divididos em duas categorias: os enterococos e os não-
enterococos. Com a alocação dos enterococos em uma novo gênero, os
estreptococos do grupo D são, atualmente, em termos de importância
médica, representados pelo Streptococcus bovis. Esses microrganismos
são positivos para o teste de bile-esculina, para os testes de crescimento na
presença de 6,5% de NaCl e produção de PYRase. Apresentam
suceptibilidade à antimicrobianos , sendo encontrados normalmente no trato
gastro intestinal. Existe uma tendência de se encontrar o S. bovis associado
ao câncer de intestino grosso embora não haja evidência de qualquer
relação etiopatogênica.
11. STREPTOCOCCUS VIRIDANS
Os Streptococcus viridans constituem um conjunto de microrganismos
de caracterização menos definida e padronizada que os demais
estreptococos. Entre suas principais características destaca-se: em geral
são alfa-hemolíticos, não possuem antígenos dos grupos B ou D, não são
solúveis em bile e a maioria não cresce em caldo contendo altas
concentrações de sal. Entre as principais espécies temos: Streptococcus
mutans, Streptococcus salivarius, Streptococcus sanguis, Streptococcus
mitis e Streptococcus anginosus. A maioria dessas espécies faz parte da
flora normal das vias aéreas superiores, em particular, dos diferentes nichos
ecológicos da cavidade oral. Como agentes etiológicos são associados à
bacteremia, endocardite subaguda , abscessos, infeções do trato
genitourinário e infeções de feridas. As espécies Streptococcus sanguis e
especialmente Streptococcus mutans tem papel importante na formação de
placa dental devido a sua capacidade de sintetizar glicanas a partir de
carboidratos.
QUESTÕES
1) Quais são os sistemas de nomeclatura desenvolvidos para os
estreptococos? Explique.
2) Quais os fatores de virulência do Streptococcus pyogenes?
3) Quais os tipos de piodermites estreptocócicas? Explique.
4) Qual a principal doença provocada pelo Streptococcus pneumoniae? Qual
o tratamento indicado?
12. 5) Quais as principais espécies que constituem os Streptococcus viridans?
Qual sua importância para a odontologia?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NISENGAND & NEWMAN. Microbiologia Oral e Imunologia, 2ª ed, Editora
Guanabara Koogan S. A. Rio de Janeiro,395p, 1997.
TRABULSI et a.l. Microbiologia, 3ª ed, Editora Atheneu. São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo horizonte, 586p, 1999.