Este texto discute como o espaço e a comunicação não-verbal moldam as relações interpessoais. Aponta que a proximidade física em ambientes lotados causa mais estresse, especialmente para homens, e que o contato corporal contribui significativamente para esse estresse. No entanto, a exposição repetida a outros reduz os níveis de estresse com o tempo.
Além da sociedade os dramas e os conflitos do espaço social
Paper sociologia urbana
1. A nossa linguagem pode ser vista como uma cidade antiga: um labirinto de travessas e largos, casas antigas
e modernas e casas com reconstruções de diversas épocas; tudo isto rodeado de uma multiplicidade de
novos bairros periféricos com ruas regulares e as casas todas uniformizadas.
L. Wiettgenstein, Tratado Lógico-Filosófico
Resumo
Este texto põe em causa a crença dominante de que o comportamento humano é o
resultado de escolhas livres feitas pelo indivíduo enquanto ser autónomo. Através de uma
pesquisa teórica nas áreas da Sociologia, Psicologia Social e Sociologia Urbana,
tentaremos mostrar de que forma os factos sociais moldam a vida individual de maneira
subtil, mas inevitável, através do uso directo de símbolos culturais, as pressões do grupo, a
influência da família, o impacto da classe social, o amplo alcance do capitalismo global e
da própria globalização, ou seja, tudo o que caracteriza a acção colectiva dentro dos
grandes centros urbanos. O fio condutor deste trabalho é a premissa de que os seres
humanos são seres fundamentalmente sociais. Até mesmo as partes da nossa vida que
tendemos a pensar como privadas, tais como a identidade, a cognição e a emoção, são
condicionados e estruturados por uma rede de intersecção das relações sociais. Ao
reconhecermos os limites da actuação individual, poderemos alcançar uma perspectiva
informativa mais duradoura sobre os problemas sociais e pode, eventualmente, dar-se
início ao processo de desenvolvimento de uma nova perspectiva sociológica, abarcando
outras áreas até agora pouco consideradas pela sociologia, como é o caso da comunicação
não-verbal.
Palavras-Chave: Espaço Social; Individualismo; Comunicação não-verbal.
2. Introdução
A dificuldade em estudar o fenómeno urbano do individualismo prende-se com o
facto de existir uma complexidade de dimensões inerentes à própria cidade; aos espaços
que a representam, aos fenómenos que daí advém, aos actores sociais que a compõem... à
condição que a cidade tem de poder ser considerada como objecto de estudo. Dentro deste
estudo salientamos o conceito de espaço, que é abordado por vários autores ao longo dos
tempos, e o conceito de comunicação.
Conceito(s) e Enquadramento teórico
Durkheim dá-nos uma definição da especificidade do espaço enquanto realidade
social; como um produto do pensamento colectivo, indissociável das relações que se
estabelecem com a sociedade que a habita, ou seja, um ordenamento de diversidades em
termos de produtividade, a cidade enquanto representação colectiva do espaço, e como
realidade material onde a morfologia social assenta. Nesta perspectiva, o espaço torna-se
numa dupla realidade, inerente também ao pensamento de Lévi-Strauss, associando-o à
organização social do grupo e por conseguinte à problemática das identidades colectivas,
caracterizada igualmente pela conformidade nas representações. Contudo, contrariamente a
Durkheim, Lévi-Strauss salienta o facto de não existir homogeneidade nem nas sociedades
tradicionais nem nas outras, pelo que a diferenciação social deverá corresponder a uma
delimitação das representações do espaço, ou seja, demarcam-se a partir de factores sub-
grupais.
Similarmente, Simmel aborda as características das relações sociais de produção e a
passagem da base das relações interpessoais de uma economia baseada no valor de uso
para uma baseada em valor de troca, acentuando desta forma o elemento racional do
indivíduo. A dinâmica do dinheiro dá o tom às relações sociais, baseando o seu estudo na
alienação do indivíduo e na redução do seu potencial enquanto individual. Apresenta esta
indiferença e isolamento na lógica da quantidade: quanto mais concentração singular
houver num espaço diminuto, mais distantes os indivíduos se tornam, sendo o egoísmo
considerado como o princípio elementar da sociedade actual. A atitude blasé é qualificada
pelo rápido movimento de descaracterização do objecto e do seu valor, na adopção de uma
insensibilidade no que respeita ao dinheiro e ao que este pode comprar.
3. Mais tarde, Wirth inspira-se nas propostas da morfologia social, estabelecendo a
dicotomia urbano/rural, criando três propostas de abordagem na contextualização minimal
da cidade: os efeitos de dimensão (do agregado), densidade (social) e heterogeneidade (das
funções); dando ênfase ao carácter anónimo, superficial e efémero das relações sociais …
essencialmente segmentadas, utilitárias e racionais, na substituição dos laços comunitários
primitivos pela associação de base racional … nivelamento e massificação das opiniões e
comportamentos … (Silvano 2010: 40). No que diz respeito à caracterização do meio de
vida urbano e aos modelos de comportamento em massa, transmitido por meio de
simbologia adstrita às classes superiores, tudo é tratado a nível superficial.
A concepção de uma consciência colectiva, definida por Durkheim, como o conjunto
das maneiras de agir, de pensar e de sentir, comum à média dos membros de uma
determinada sociedade e que compõe a herança própria dessa sociedade, constitui o
conceito de exterioridade dos factos sociais. A vida social baseia-se na premissa da
interacção entre as consciências individuais e os factos exteriores a elas. O sistema
formado pela associação destes representa uma realidade específica que tem as suas
características próprias, como a imitação e a generalização. (Durkheim 2010:129) No
entanto, o poder de coerção externa exercido sobre o individual, traduz-se por uma reacção
directa da sociedade, através da criação de normas, manutenção das crenças e também,
através da moral instituída. Combinadas, a generalidade e a objectividade, podem, então,
ser mais fáceis de estabelecer (Durkheim 2010:44), sendo certo que, se a vida social fosse
um mero prolongamento do ser individual, não a veríamos, assim, retornar à sua fonte e
invadi-la impetuosamente. (Durkheim 2010:127).
Esta troca de “informação” leva-nos a um outro conceito que se considera
interligado. Conforme designado pelo dicionário da Porto Editora, a comunicação é
caracterizada pela troca de informação entre indivíduos através da fala, da escrita, de um
código comum ou do próprio comportamento, no estabelecimento de uma relação com
algo ou alguém. A comunicação pressupõe, desta forma, que algo passe do individual ao
colectivo, embora não se esgote nesta noção, uma vez que é possível a um ser humano
comunicar consigo mesmo. A partilha de experiências, sensações e emoções é, igualmente,
acto comunicativo. A comunicação é um processo dinâmico e evolutivo e essencial à
socialização, à aculturação e à formação-educação do indivíduo. É comunicando -
pensando-se, aqui, a comunicação como uma troca de mensagens e experiências com
significado - que uma pessoa adquire consciência de si e dos outros e interioriza os
4. comportamentos, os valores, as normas e os conhecimentos e a sua significação na
sociedade e na cultura onde se insere. Os processos de produção, reprodução e transmissão
sociais e culturais dependem, assim, da comunicação.
Existem várias modalidades de comunicação. Por exemplo, fala-se de comunicação
colectiva ou social quando a comunicação se dirige a um conjunto numeroso e heterogéneo
de pessoas, sendo, normalmente, desenvolvida por profissionais da produção de conteúdos
e veiculada pelos meios de comunicação social (mass media). A comunicação interpessoal
traduz-se na comunicação directa entre pessoas, a comunicação intragrupal, a intergrupal e
a comunicação nas organizações. Podemos falar também de comunicação não-verbal para
designar as formas de comunicar que não passam pela palavra. A própria organização
espacial de pessoas e objectos propiciam determinados estados que podem conduzir a
situações tanto agradáveis como ao seu contrário. A comunicação não-verbal desempenha
um papel de maior relevância na comunicação humana e aproveita vários suportes tais
como o corpo, a disposição das pessoas no espaço e uma série de outros sinais, sendo um
meio privilegiado de sinalização de qualquer atitude nas relações interpessoais.
Todos ocupamos um espaço físico pessoal, uma espécie de bolha cujas dimensões
variam de acordo com a organização cultural da sociedade onde nos inserimos. Todo o tipo
de comportamento, sinais ou gestos desprovidos de palavras escritas ou faladas, tal como a
percepção e o uso do espaço, numa conjuntura de interacção tem o valor de mensagem, ou
seja, é impossível não comunicarmos. O homem, tal como os animais, utiliza os seus
sentidos para diferenciar as distâncias e os espaços. A distância escolhida depende das
relações estabelecidas, dos sentimentos e actividades dos indivíduos envolvidos na
situação.
As relações humanas, tais como descritas por Park, podem ser analisadas, com mais
ou menos exactidão, em termos de distância, não sendo contudo, garante de proximidade
social pois nem sempre estes elementos são mensuráveis. A proximidade espacial pode
promover as relações de intimidade entre as proximidades, como as tensões e os conflitos
entre os indivíduos provocando efeitos ambivalentes e distâncias que atravessam o
contexto urbano. A definição das posições dos indivíduos e dos grupos no meio do espaço
social é caracterizada pelos estatutos socioeconómicos, as etnias; a natureza das relações
designadamente, as familiares e de vizinhança, as configurações espaciais associadas à
localização dos edifícios, a distribuição territorial dos parentescos e das redes de
5. sociabilidade, os modelos de apropriação de espaço que têm a ver, também, com lógicas de
povoamento e regras de gestão de território. (Grayfmeyer 1994:53,61)
Metodologia
Um dos contributos do princípio do séc. XX, para a Psicologia Social, foi a utilização
do sociograma, uma técnica quantitativa que permite a descrição, por métodos estatísticos,
dos laços e das repulsas existentes entre os indivíduos de um grupo de pequenas
dimensões. A sociometria foi amplamente utilizada para descrever a acção das forças que
nos aproximam e afastam dos outros indivíduos com os quais estamos em contacto, e
representadas em diagramas explicativos da rede de inter-relações do grupo.
Neste trabalho utilizar-se-á um estudo realizado em finais dos anos 1970,
considerando que a sua aplicação terá efeitos para fazer a ponte de ligação entre os
resultados obtidos e a crença de que, apesar de apontar para uma maior individualização do
indivíduo, tendo em conta as características globalizantes do mundo contemporâneo, este
trabalho leva-nos para um âmbito de proximidade. Contrariando a tendência, as relações
que existem e coexistem na sociedade são auferidas através de um auto-controlo
individual, que conduz a existência humana para uma manutenção da vivência urbana.
Apresentação e discussão
O estudo feito por Nicosia e outros, examinaram os efeitos do contacto corporal num
ambiente, cuja capacidade de ocupação está cheia. Inicialmente, os níveis de condutância
da pele (SCL, ou informações da pele através da sua actividade psico-fisiológica
electrodermal) de 160 homens e mulheres: A análise considerou os indivíduos em
determinadas circunstâncias, nomeadamente: (a) numa grande sala, (b) numa sala pequena,
sujeitos a contacto físico inevitável, ou (c) num quarto pequeno, que foi dividido para
reduzir ou evitar o contacto corporal, permitindo apenas o acesso visual. Medidas de
tolerância de humor, para a frustração, o desempenho de tarefas cognitivas, e auto-
relatórios de aborrecimento e angústia somática foram tidos em consideração.
Os resultados mostraram que a aglomeração é stressante, tanto para homens como
para mulheres e que o contacto corporal tem uma contribuição significativa para a
6. quantidade de stress experimentado. Na sua generalidade, os indivíduos na posição b)
mostraram os maiores aumentos no SCL, sentiram-se mais irritados, foram mais
incomodados por uma invasão espacial (a denominada invasão de privacidade) durante a
aglomeração, e tiveram uma menor tolerância à frustração após a exposição.
As diferenças no padrão de comportamento dos géneros, tendo em conta a
aglomeração e as reacções ao ambiente oposto foram observadas, e parecem ser mediadas
por um diferencial de preocupações sociais. Os homens reagem mais negativamente ao
efeito da aglomeração do que as mulheres, sendo que estas, são capazes de exteriorizar e
partilhar o stress pela interacção com os outros, diminuindo assim os seus efeitos; os
homens não o fazem por motivos culturais e de educação, pois iria pôr em causa a
territorialidade associada aos machos e a agressividade subentendida em resposta a um
possível agressor. Apesar de tudo, após repetidas experiências e contactos constantes com
outros, os níveis de stress masculinos diminuíram com o passar do tempo, apesar da
ansiedade sentida relacionada com as implicações sexuais subjacentes a um toque
masculino ou feminino.
Conclusão
O uso do espaço e da comunicação pelo homem, a proximidade estabelecida entre si
e os outros desempenham um papel fundamental nas relações interpessoais. Os problemas
referenciados pela pesquisa teórica, apesar de não serem recentes, coadunam-se com os
efeitos cada vez mais sentidos hoje em dia. Pelas palavras de Durkheim, um certo nível de
anomia será inevitável… pelas mudanças rápidas e contínuas na sociedade. Podemos
referenciar, ainda, o que Baudrillard designa de alienação dos códigos culturais de
identificação individual, ou seja, o progressivo desaparecimento dos espaços de relação
numa situação alheia ao indivíduo em termos emotivos e culturais, está a criar um hiato
entre as formas de organização física das sociedades e as estruturas sociais e simbólicas
que as constituem. Torna-se desta forma imprescindível, uma análise da comunicação não-
verbal em complementaridade com uma válida planificação em termos de configuração
urbanística como forma de percepcionar e promover a reciprocidade entre os indivíduos e,
aumentar a verdadeira comunicação entre os grupos, população e o poder. Para que este
processo de investigação fique mais completo, ter-se-á de o complementar por forma a que
se proceda a uma (re)definição de conceitos que têm vindo a ser usados nos estudos
7. urbanos, na geografia humana e social, bem como nos estudos sobre psicologia social e
comunicação, englobando as suas várias vertentes..
Referências Bibliográficas
Baudrillard, Jean. 2010 A Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições 70, Lda.
Delle Donne, Marcela. 1979 Teorias sobre a Cidade, Lisboa, Edições 70, Lda.
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Grafmeyer, Ives, 1994, Sociologia Urbana, Mem Martins, Publicações Europa América,
Lda.
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em Sociologia, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de
Lisboa
Silvano, Filomena. 2010. Antropologia do Espaço. Lisboa, Assírio & Alvim
Simmel, George. 1997 “A Metrópole e a Vida do Espírito” in Carlos Fortuna (org.),
Cidade, Cultura e Globalização, Oeiras, Celta Editora