O documento discute as anemias carenciais, focando na anemia ferropriva. Define anemia, apresenta os nutrientes necessários para a eritropoiese e as cinéticas do ferro, folato e cobalamina. Detalha os quadros clínicos, exames laboratoriais e tratamento da anemia ferropriva e da anemia megaloblástica. Discorre sobre as implicações sociais da anemia ferropriva no Brasil.
2. Objetivos da aula
Conhecer o quadro clínico-laboratorial das anemias
carenciais
Reconhecer a deficiência de ferro e a anemia ferropriva
como situação de grande prevalência populacional
Tratar as anemias carenciais
Promover as práticas de impacto social na prevenção
de anemia ferropriva
3. Definição
Anemia: segundo a Organização Mundial da Saúde, a
anemia é definida segundo a concentração sanguínea de
hemoglobina:
a) Do nascimento aos 6 meses de vida: valores inferiores a 9
g/dL
b) Dos 6 meses aos 6 anos e também gestantes: valores
inferiores a 11 g/dL
c) Dos 6 aos 14 anos e mulheres adultas: valores inferiores a
12 g/dL
d) Homens adultos: valores inferiores a 13 g/dL
6. Eritropoiese
Dura em média 7 dias, e a taxa de produção pode ser
aumentada em até 8 vezes.
Tempo de vida da hemácia: +/- 118 dias
Regulação: eritropoietina
Secretada pelos rins (90 a 95%) e pelo fígado
Age diretamente nas linhagens precursoras
(reticulócitos)
Produção relacionada ao nível de oxigenação nos
tecidos. Se deficiente = anemia hipoproliferativa
7. Necessidades nutricionais
A formação das hemácias exige:
Aminoácidos
Ferro (componente heme)
Ácido fólico (essencial para formação de ácidos
nucléicos)
Cianocobalamina (cofator contendo cobalto)
Vitaminas A, B2 (riboflavina), C
8. Cinética da cianocobalamina
Uma vez ingerida, forma complexo com glicoproteína
gástrica
Absorvida na região ileal
Armazenada no fígado
Causas de deficiência:
-> dieta veganista
-> erro genético: não-produção da proteína gástrica
(anemia perniciosa)
-> ressecção, lesão do íleo.
9. Cinética do ácido fólico
Encontrado naturalmente em alimentos crus,
principalmente folhas
Absorvido no íleo
Armazenado nos tecidos
Degradado e excretado: necessidade de ingestão diária
Causas de deficiência:
-> alimentação desbalanceada
-> situações de hipercatabolismo (hemoglobinopatia,
infecções, neoplasias, etc.)
10. Cinética do ferro
Absorção de ferro: ou pela forma iônica (menos
eficiente) ou por formas orgânicas
Formas orgânicas: ferro ligado ao grupo heme ou
formando quelatos com aminoácidos
Formas inorgânicas: íon Fe 3+ não é absorvível, há
necessidade de redução ao íon Fe 2+
11. Cinética do ferro
Fatores que aumentam a disponibilidade do íon
ferroso: ácidos, vitamina C
Fatores que diminuem a disponibilidade do íon
ferroso: ftatos e oxalatos (presentes em certos vegetais
crus).
12. Cinética do ferro
Absorvido principalmente no duodeno
Deficiências nutricionais de cobre e zinco podem
reduzir a absorção do ferro.
No sangue: liga-se à transferrina, proteína carreadora
de ferro e produzida pelo fígado.
13. Cinética do ferro
Na medula óssea, e nos tecidos, o ferro é ativamente
absorvido
O excedente de ferro é armazenado na ferritina,
proteína do sistema reticuloendotelial.
A ferritina: duas formas: uma tissular e outra sérica
(em equilíbrio constante)
14. O laboratório
Hemograma: dosa-se o número de eritrócitos por mL,
a hemoglobina por dL e o hematócrito
O hematócrito é sempre aproximadamente 3 vezes o
valor da hemoglobina
DADO VALOR NORMAL
Hemácias (Hm) 4 – 6 milhões
Hemoglobina (Hb) 12 – 17 g/dl
Hematócrito (Ht) 36 – 50%
15. Índices hematoscópios
ÍNDICE CÁLCULO SIGNIFICADO
VCM Ht/GV ; 80 – 100 fl Tamanho da hemácia
Volume corpuscular médio
HCM ( pg ) Hb/GV ; 28 – 32 pg Cor da hemácia
Hemoglobina corpuscular
média
CHCM ( % ) Hb/Ht ou HCM/VCM ; 32 Cor da hemácia
Concentração de – 35 g/dl
hemoglobina corpuscular
média
RDW (% ) 10 – 14% Anisocitose (discrepância
Cell distribution width entre tamanhos)
*RDW é caracteristicamente elevado nas anemias.
16. Causas na infância
Pouca reserva ao nascimento
Desmame precoce (leite de vaca)
Doença celíaca
Ancilostomíase (anemia + eosinofilia)
Pico de utilização
Baixa ingesta
17. Quadro clínico
Varia de formas graves a formas silentes
Formas graves: insuficiência cardíaca (dispneia progressiva,
astenia).
O sinal semiológico de palidez cutâneo-mucosa tem baixa
sensibilidade e reprodutibilidade, mas é útil para casos extremos.
Formas moderadas: possibilidades de expressão:
-> baixo rendimento intelectual
-> redução na velocidade de crescimento
-> maior suscetibilidade a infecções
Ou seja: silente, mas que insidiosamente prejudica o pleno
desenvolvimento da criança.
18. Deficiência de folato e
cianocobalamina (B12)
Anemia megaloblástica: hemácias com volume corpuscular
médio acima de 95 fL.
Assincronismo de maturação núcleo-citoplasma
Megaloblastos destruídos na MO = eritropoiese ineficaz
QC:
Sintomas anêmicos
Glossite
Sds Neurológicas (demencial, neuropatia periférica,
mielinólise transversa, etc)
Doenças autoimunes associadas (perniciosa) – vitiligo
19. Deficiência de folato e
cianocobalamina (B12)
Hemograma:
Baixos Hb, Ht; macrocítica (VCM > 120, somente ela)
normocrômica, alto RDW, pancitopenia
Leucograma: leucopenia, hipersegmentação de
neutrófilos (1 neutrófilo para diagnóstico)
Diagnóstico laboratorial:
Dosagem sérica de cianocobalamina e de folato (pouco
acessíveis no SUS).
Aumento do ácido metilmalônico (def de B12)
20. Tratamento da anemia carencial
megaloblástica
1) Reponha cianocobalamina por via parenteral
(intramuscular) antes da oferta de ácido fólico
-> Há relatos que a reposição isolada de ácido fólico em
meio a déficit de cianocobalamina desencadeia
neuropatias
2) Correção da dieta e suplementação com ácido fólico
21. Deficiência de ferro
Causa mais comum de anemia em cças
A deficiência de ferro precede à anemia.
Depleção: esgotamento das reservas
Deficiência: hemoglobina normal, mas sinais de
insuficiência de ferro
Por fim, anemia ferropriva
QC: anorexia e irritabilidade, prejuízo no
desenvolvimento, alterações comportamentais,
cansaço, dispnéia, disfagia, picacismo, etc.
22. Deficiência de ferro
É um diagnóstico laboratorial baseado, mais comumente,
nos seguintes exames:
-> Ferritina sérica baixa
-> Protoporfirina eritrocitária livre
-> Volume corpuscular médio (micro/hipo)
-> Poiquilocitose (hemac em forma de cigarro – grave)
Obs: a ferritina é também proteína de fase aguda (estados
infecciosos podem aumentar a ferritina sérica)
O diagnóstico epidemiológico exige pelo menos dois valores
reduzidos
23. Deficiência de ferro/Anemia
ferropriva
Hemograma: volume corpuscular médio inferior a 80
fL
Concentração de hemoglobina corpuscular média
inferior a 30%
Anisocitose: RDW (red cell width) maior que 14
24. Deficiência de ferro: causas
1) Aporte insuficiente na dieta.
Na criança, o rápido crescimento corporal pode não ser
acompanhado do aporte adequado de ferro.
2) Parasitoses intestinais
3) Perdas insensíveis (sangue oculto nas fezes por leite
de vaca)
>>>Grupo heterogêneo de doenças com investigação
laboratorial mais complexa
25. Anemia ferropriva: tratamento
A princípio, toda criança com anemia, sem outros
sintomas, deve ser abordada como carencial.
Já no adulto, anemia carencial é menos provável de
ocorrer
26. Anemia ferropriva: tratamento
1) Tratamento empírico com vermífugos
2) Suplementação com sulfato ferroso ou ferro quelato
4-6 mg/kg.dia
3) Realização de contagem de reticulócitos: há
aumento nos reticulócitos circulantes em 2-3 dias após
o início da suplementação
4) Espera-se um aumento de 1 g/dL nos níveis de
hemoglobina a cada 28 dias.
5) Casos muito graves podem exigir transfusão
sanguínea.
27. Anemia ferropriva: implicações
sociais
Prevalência de anemia ferropriva no Brasil: varia
conforme os grupos sociais
Varia de 25 a 50% das crianças como um todo
Varia de 35 a 65% nas crianças menores de três anos.
Até 10% dos casos de anemia hipocrômica microcítica
são devidos a défices vitamínicos (A, B, C).
28. Anemia ferropriva: implicações
sociais
1) Triagem laboratorial de rotina mostrou-se cara, ineficaz e
sem custo/benefício.
2) O que é eficaz:
a) Aleitamento materno exclusivo até os seis meses
b) Uso de fórmulas lácteas e também não usar leite de vaca
integral como único alimento no primeiro semestre
c) Acompanhamento de curvas de crescimento
d) Anamnese alimentar e orientação dietética
e) Saneamento básico
29. Anemia ferropriva: futuro
Discute-se, ainda, a indicação de suplementação de
ferro rotineira a partir do sexto mês de vida.
A resolução da Anvisa RDC número 344, de 13/12/2002
obriga a fortificação de ferro e ácido fólico das farinhas
de trigo e de milho.