Este artigo discute os principais desafios e oportunidades da era do conhecimento para países como o Brasil. Aponta que a nova base econômica é intensiva em conhecimento e inovação, exigindo novas políticas, formatos organizacionais e capacitação contínua. Também destaca os riscos de uma economia dominada pelas finanças e a importância de gerar conhecimentos próprios para aproveitar as oportunidades dessa era.
Cedeplar sistema de inovacao em goias luciano e leandro 2005 #inovacao #c&t
Desafios e oportunidades da era do conhecimento
1. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3): 2002 2002
ÃO AULO EM ERSPECTIVA 16(3) 60-66,
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA
ERA DO CONHECIMENTO
HELENA MARIA MARTINS LASTRES
SARITA ALBAGLI
CRISTINA LEMOS
LIZ-REJANE LEGEY
Resumo: Este artigo discute a necessidade de identificar as principais características da era do conhecimento,
assim como de monitorar e orientar as conseqüências das transformações associadas ao novo padrão de acu-
mulação em difusão. Aponta-se para a urgência de desenhar novas políticas e instrumentos que minimizem os
desafios e potencializem as oportunidades associadas à inserção de países como o Brasil na era do conheci-
mento.
Palavras-chave: era do conhecimento; políticas de desenvolvimento; Brasil.
Abstract: This article addresses the need to identify the main characteristics of the information age, as well as
to monitor and guide the new standards for accumulating and disseminating knowledge. It further underscores
the urgency of developing new policy tools to manage the challenges and enhance the opportunities associated
with Brazil’s entrance into the information age.
Key words: information age; development policies; Brazil.
A
passagem do milênio caracteriza-se pela alta in- portância de entender as especificidades da atual transi-
tensidade de mudanças de relevante importância e ção e os novos espaços que podem ser aproveitados, na
impactos econômicos, políticos e sociais. Em épo- perspectiva de um projeto de desenvolvimento nacional
cas de transformações tão radicais e abrangentes como essa, capaz de articular e mobilizar esforços, bem como supe-
caracterizada pela transição de uma era industrial para uma rar problemas estruturais – sobretudo as desigualdades
baseada no conhecimento, aumenta-se, em muito, o grau de sociais e regionais – que representam importante obstá-
indefinições e incertezas. Há, portanto, que se fazer esforço culos a seu desenvolvimento.
redobrado para, em primeiro lugar, identificar e entender
esses novos desafios – o que exige o desenvolvimento de NOVA BASE TECNO-PRODUTIVA
um novo quadro conceitual e analítico que permita captar, INTENSIVA EM CONHECIMENTO
mensurar e avaliar os elementos que são determinantes de
tais mudanças.1 E, em segundo lugar, é necessário um es- No novo padrão técnico-econômico nota-se a crescente
forço para distinguir, entre as características e tendências intensidade e complexidade dos conhecimentos desenvol-
emergentes, as que são mais duradouras das que são transi- vidos e a acelerada incorporação de conhecimentos nos bens
tórias. Ou seja, lidar com a necessidade do que Milton San- e serviços produzidos e comercializados. Destaca-se, sobre-
tos resumiu como distinguir o modo da moda. tudo, a maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de
O objetivo deste artigo é exatamente o de, sob esta transmissão, armazenamento e processamento de enormes
orien- tação, discutir o conjunto de oportunidades e desa- quantidades de conhecimentos codificados e de outros ti-
fios que se colocam para países, regiões, setores, institui- pos de informação. O avanço desse processo ocorre pari-
ções e indivíduos associados à emergência e difusão de passu com o aumento das possibilidades de privatização e
uma era, sociedade ou economia do conhecimento. “comodificação” desses conhecimentos e informações.
Em sua última parte o artigo volta-se para a discussão Esse novo padrão de acumulação apresenta soluções
do caso brasileiro, reforçando o argumento sobre a im- para alguns dos problemas relacionados ao referido esgo-
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2. DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO
tamento do padrão anterior, abrindo novas possibilidades autores a qualificar a nova economia como “economia da
de retomada do crescimento. Notadamente, no novo pa- inovação perpétua”.
drão são oferecidas formas que possibilitam a continui- A capacidade de gerar e absorver inovações é, portan-
dade da produção e do consumo em massa de novos bens to, vista como elemento-chave da competitividade dinâ-
e serviços, minimizando os aspectos relacionados à exis- mica e sustentável. Incrementar o processo de inovação
tência de espaços de armazenamento; ao consumo de in- requer o acesso aos conhecimentos e a capacidade de
sumos e materiais e energéticos não-renováveis; bem como apreendê-los, acumulá-los e usá-los. O caráter complexo
ao descarte – também em massa – da produção e consu- e dinâmico dos novos conhecimentos requer ênfase espe-
mo e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. cial no aprendizado permanente e interativo, como forma
Uma das características distintivas desse novo padrão é de indivíduos, empresas e demais instituições tornarem-
a tendência à desmaterialização. Isso é, à diminuição abso- se aptos a enfrentar novos desafios e capacitarem-se para
luta e relativa da importância da parte material usada na pro- uma inserção mais positiva no novo cenário.
dução de bens e serviços. Um exemplo são os softwares,
que podem ser desenvolvidos, produzidos, adquiridos, NOVOS FORMATOS ORGANIZACIONAIS
distribuídos, consumidos e descartados sem necessariamente
Os formatos organizacionais que estimulam os proces-
envolver a criação de novas formas materiais.
sos de aprendizagem coletiva, cooperação e dinâmica
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
inovativa assumem importância ainda mais fundamental
exercem papel central como fatores de dinamismo do novo
para o enfrentamento de novos desafios colocados pela
padrão, impulsionando um conjunto de inovações técni-
difusão da era do conhecimento.
co-científicas, organizacionais, sociais e institucionais e
Por um lado, ressalta a tendência à maior integração
gerando novas possibilidades de retorno econômico e so-
das diferentes funções e unidades – pesquisa, produção,
cial nas mais variadas atividades. Por isso são atualmente
administração, marketing, etc. – de uma mesma organiza-
consideradas como as principais difusoras de progresso
ção. De outro, destacam-se os novos padrões de coopera-
técnico. Sua importância no novo padrão torna a capa-
ção e competição entre os diversos agentes políticos, so-
citação na produção e desenvolvimento das TIC um ele-
ciais e, sobretudo, econômicos, interligados em escala
mento estratégico das políticas de diferentes países.
planetária. Os novos formatos organizacionais com base
De fato, as mudanças introduzidas pelo novo padrão na interligação de empresas produtoras, fornecedoras,
de acumulação têm caráter bastante amplo, adotando no- comercializadoras e prestadoras de serviços e delas com
vas práticas de produção, comercialização e consumo de outras instituições, requerem também equipamentos e
bens e serviços, novos saberes e competências, novos metodologias operacionais inovadores e, nesse sentido, são
aparatos e instrumentais científicos e produtivos. Tudo isso crescentemente dependentes tanto das TIC, como de in-
acompanhado de mudanças significativas nas formas de formação e conhecimento.
organização, gestão e de atuação de empresas e demais Esses novos formatos organizacionais que privilegiam
instituições encarregadas de atividades de ensino, pesquisa a interação e a atuação conjunta dos mais variados agen-
e desenvolvimento, promoção, financiamento, etc. tes – como redes, arranjos e sistemas produtivos e
inovativos – vêm-se consolidando como os mais adequa-
A INOVAÇÃO COMO FATOR ESTRATÉGICO dos para promover o aprendizado intensivo e a geração
DE SOBREVIVÊNCIA E COMPETITIVIDADE de conhecimento e inovações. Além disso, tais formatos
detêm elevado potencial de ao mesmo tempo mobilizar e
Nesse novo contexto, a inovação – entendida em suas proteger as capacitações e, sobretudo, os conhecimentos
dimensões tecnológica, organizacional e institucional tácitos acumulados.
– assume importância ainda mais destacada. A intensi- Assim, considera-se que a competitividade de empresas
ficação dos processos de adoção, difusão de inovações e outras organizações depende crescentemente da amplitude
e sua posterior superação, implica que o tempo neces- das redes em que participam, bem como de seu uso. Isso é
sário para lançar e comercializar novos produtos tem-se que justifica o fato de os novos empreendimentos instalados
reduzido e que os ciclos de vida dos produtos e processos no mundo inteiro realizarem-se em bloco, sob a forma de
estão também menores. Tal percepção tem levado alguns arranjos produtivos, incluindo particularmente redes de for-
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3. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3) 2002
necedores e de outros insumos e serviços estratégicos em ramentas que permitem ampliar e aprofundar outras for-
torno dos empreendimentos-âncora. mas mais pró-ativas de interação entre agentes.
A aglomeração de empresas e o aproveitamento das É preciso, sobretudo, realizar esforços concentrados de
sinergias coletivas geradas por suas interações, e delas com pesquisa e desenvolvimento (P&D) e criar competências
o ambiente onde se localizam, vêm, de fato, fortalecendo nas diferentes etapas desde a concepção, desenvolvimen-
suas chances de sobrevivência e crescimento, constituin- to e produção até a comercialização de equipamentos e
do-se em importante fonte geradora de vantagens compe- sistemas adequados a tais finalidades. Trata-se ainda de
titivas duradouras. A participação em tais formatos ser capaz de prover conteúdos próprios para as novas
organizacionais é estratégica para empresas de todos os mídias e redes digitais, bem como de promover o apren-
tamanhos, mas, em especial, empresas de pequeno porte, dizado e a capacitação de trabalhadores, cidadãos, em-
ajudando-as a superar barreiras em seu crescimento e a presas e organizações para fazerem o melhor uso possível
produzir e comercializar seus produtos em mercados na- dessas tecnologias.
cionais e até internacionais. Arranjos produtivos locais que
reunem empresas desse tipo são especialmente importan- NOVA CENTRALIDADE DO TRABALHO
tes em regiões pouco desenvolvidas e de baixo nível de E DO APRENDIZADO
emprego.
Há, no entanto, que se cuidar para que nessa tentativa A transformação da informação e do conhecimento em
perpétua de aumentar a competitividade siga-se uma tra- força produtiva determinante, de um lado, e a evidência
jetória que reforce a solidariedade entre agentes e re- de crescente informacionalização e desmaterialização das
giões, em vez de a destroçar. economias, de outro, indicam também modificação subs-
tantiva na forma e no conteúdo do trabalho, que assume
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E caráter cada vez mais “informacional”, com implicações
ACESSO AO CONHECIMENTO significativas sobre o perfil do emprego.
No entanto, e contrariamente às teses que indicam que
Países e blocos dedicam-se a traçar estratégias e a o trabalho, ou o trabalho vivo, já não se constitui em re-
promover iniciativas orientadas para enfrentar os no- curso produtivo fundamental, argumenta-se aqui que, na
vos desafios e alcançar os benefícios que tem a ofere- verdade, ele investe-se de uma centralidade ascendente na
cer a difusão das Tecnologias da Informação e Comu- dinâmica econômica, produtiva e inovativa. O trabalho é
nicação (TIC), assim como da própria sociedade da cada vez mais intensivo em conhecimentos e informações.
informação. No entanto, dar acesso a essas novas Nesse contexto, observa-se a tendência à automação cres-
tecnologias e promover seu uso é essencial, mas ainda cente do trabalho menos especializado, com implicações
insuficiente. Mais grave do que não possuir acesso às significativas sobre o perfil do emprego e, conseqüente-
novas tecnologias e às informações é não dispor de mente, sobre as necessidades de formação e capacitação.
dados suficientes para desenvolver e produzir conheci- Para acompanhar as rápidas mudanças em curso é de
mentos, que permitam dominar novas tecnologias e ge- extrema relevância a aquisição de novas capacitações e
rar conteúdos para novas redes eletrônicas. conhecimentos, o que significa intensificar a capacidade
Fala-se atualmente em era da ignorância (como o re- de aprender e interagir. Para além de garantias de acesso
vés da era do conhecimento), chamando-se a atenção para ao emprego e viabilização de novas formas de consumo,
os riscos associados à hiperinformação, resultante do alto o aprendizado continuado torna-se condição fundamental
volume de informação em circulação e ao relativo des- na era do conhecimento para a inserção dos indivíduos
cuido com a geração e acumulação de conhecimentos. não só como trabalhadores e consumidores, mas como
Tais questões requerem uma reflexão cuidadosa com cidadãos.
vista na definição de estratégias capazes de alavancar o
desenvolvimento econômico, político e social. Por exem- NOVO REGIME DE ACUMULAÇÃO
plo, o comércio eletrônico constitui-se em importante fer- DOMINADO PELAS FINANÇAS
ramenta de compra e venda entre empresas e entre elas e
o consumidor final. Todavia, urge também explorar o Talvez o desafio mais sério a uma inserção positiva na
potencial dessas novas tecnologias e sistemas como fer- era do conhecimento refira-se à aceleração da transição
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4. DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO
para um regime de acumulação em que a lógica financei- acentua a importância da diferenciação concreta entre os
ra orienta as mudanças técnicas, econômicas e sociais. Ao lugares.
mesmo tempo é o setor financeiro no mundo inteiro aque- O desafio é considerar essas duas dimensões do espa-
le que mais amplo e intenso uso vem fazendo das TIC, até ço – o virtual e o local – como complementares e igual-
porque suas principais transações envolvem transferênci- mente relevantes no âmbito das novas políticas na era do
as não-materiais. conhecimento.
O novo regime emerge e encontra suporte institucional
nas maiores e mais ricas economias. O domínio do capi- GLOBALIZAÇÃO:
tal financeiro, dos investidores institucionais, dos novos CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
métodos de valorização do capital, da preferência por
liquidez e do foco na lucratividade financeira de curto A difusão das tecnologias da informação propiciou os
prazo vêm contribuindo para inviabilizar investimentos de meios técnicos para que se articulem em tempo real orga-
alto risco, custo e maturação – como particularmente aque- nizações, indivíduos e instâncias geograficamente distan-
les em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e em for- tes. O advento e difusão do novo paradigma tecno-econô-
mação e capacitação de recursos humanos. mico, assim como a correlata aceleração do movimento
Ao mesmo tempo, cresce a tendência à conformação de globalização, associam-se centralmente a mudanças
de quadros macroeconômicos que desafiam, senão anu- político-institucionais originárias dos países mais desen-
lam, a possibilidade de implementar políticas nessas e volvidos do mundo. Mudanças que induziram ao progres-
outras áreas. A instabilidade e vulnerabilidade macroeco- sivo movimento de liberalização e desregulação dos mer-
nômicas – resultantes de déficits externos elevados e al- cados mundiais e, sobretudo, a desregulação dos sistemas
tas taxas de juros – representam importantes políticas “im- financeiros e dos mercados de capitais. Isto tudo suposta-
plícitas” que minam o investimento em capital real e mente associado às crescentes exigências de maior
intelectual de longo prazo. competitividade tanto em nível nacional, quanto interna-
cional por parte de países e empresas. Como uma decor-
NOVA DIMENSÃO DO ESPAÇO rência, abrir, estabilizar, desregular e privatizar tornaram-
se as palavras de ordem no âmbito da maior parte das
Com a aceleração da globalização, o espaço geográfico políticas macroeconômicas implementadas desde então.
também conquistou novos contornos, características e defi- No entanto, ao contrário de se caminhar em direção
nições. As novas tecnologias e sistemas modificam a antiga ao apregoado mundo sem fronteiras, global e homogê-
trajetória da evolução territorial e introduzem novas lógicas. neo, com a aceleração da globalização, na verdade, as-
Juntamente com o avanço da “desmaterialização” da siste-se ao aprofundamento das diferenças entre dife-
economia, o desenvolvimento de novas formas de paga- rentes países e regiões do planeta, em detrimento dos
mento, a conformação de comunidades virtuais ativas, o países que se situam na periferia do sistema de poder
desenvolvimento de novos sistemas informatizados em global. As análises sobre o atual processo de globa-
todos os campos de atividade – saúde, educação, segu- lização geralmente não incluem duas grandes regiões
rança, entre outros – e da expansão de redes que operam do planeta, que juntas comportam mais de sessenta paí-
em tempo real, assiste-se ao alargamento da importância ses, a África e a América Latina. O comércio mundial
do espaço informacional. dessas regiões vem apresentando uma tendência decres-
As tecnologias da informação e comunicação vêm re- cente, representando, em 1996, apenas 6% do global.
volucionando as relações espaço-temporais, assim como Estima-se, também, que empresas multinacionais par-
a aceleração da globalização torna mais sensíveis as ticipem em dois terços das trocas comerciais, com 40%
especificidades e vantagens comparativas nacionais, re- do comércio mundial que é realizado internamente aos
gionais e locais. As diferenças entre os territórios consti- grupos multinacionais. Outros indicadores mostram-nos,
tuem elemento básico no movimento de constante atuali- por exemplo, que cerca de 80% de toda a produção mun-
zação dos termos que regem a divisão internacional do dial ainda são consumidos nos países em que são pro-
trabalho e a expansão dos mercados em escala global. duzidos; e que a poupança doméstica financia 95% da
Desse modo, há uma revalorização da dimensão espa- formação de capital. Ressalta ainda como distorção tal-
cial e, particularmente do espaço local, à medida que se vez mais flagrante a constatação de aumento nas bar-
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5. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3) 2002
reiras à mobilidade de pessoas, e especificamente tra- de equipamentos, tecnologias e conteúdos, quando muito
balhadores. se dedicando à manufatura de produtos com base em tec-
As desigualdades nas condições de provisão, acesso e nologias já maduras, projetados nos países centrais.
uso de novas tecnologias, sistemas e conteúdos podem até
gerar novas e mais complexas disparidades entre indiví- NOVO PAPEL DO ESTADO
duos, empresas e organizações, regiões, países e blocos. ANTE A GLOBALIZAÇÃO
Na sociedade e economia do conhecimento, mais sério que
a divisão digital, entre os que possuem ou não acesso às Com a aceleração da globalização, os Estados-Nações
novas tecnologias, é a divisão do aprendizado, pois isso são desafiados em sua soberania como locus de hegemonia,
pode contribuir para ampliar a polarização existente na diante da projeção de novos atores no cenário mundial –
distribuição de poder, riqueza e conhecimento, expandin- blocos regionais, organismos multilaterais e, particular-
do as disparidades entre e até mesmo dentro de países, mente, os grandes grupos financeiros e multinacionais.
regiões e sociedades. É fundamental, sobretudo, promo- A pretensa necessidade de retração do Estado não en-
ver a capacidade de aprender e de gerar, absorver e acu- contra, porém, correspondência alguma nos países cen-
mular novos conhecimentos. trais. Apesar de o espaço e condições diferenciarem-se do
Por um lado, a globalização vem provocando, portan- passado, os governos dos países desenvolvidos vêm man-
to, a polarização crescente entre blocos, países, regiões e tendo sua legitimidade e capacidade de intervir pro-ati-
grupos sociais. Por outro, tende-se a incorporar, nesse pro- vamente. Observa-se, na verdade, a implementação de
cesso, aos mercados dos que se situam em posição mais ampla gama de instrumentos cada vez mais complexos (e
estratégica no cenário mundial, seja por seu poderio polí- muitas vezes ainda invisíveis) como forma de contraba-
tico-econômico-militar, seja no caso de alguns países em lançar os efeitos do grau elevado de exposição das eco-
que a periferia é menos desenvolvida – porque adota nor- nomias ao novo ambiente externo.
mas trabalhistas, ambientais, tributárias, entre outras, con- Desse modo, embora a globalização implique maior
sideradas como mais “flexíveis” ou “competitivas”, e, condicionamento externo das políticas econômicas nacio-
portanto, mais “atrativas” para os grandes capitais inter- nais e, portanto, menor grau de liberdade dos governos
nacionalizados. nacionais – em particular em face da acelerada globaliza-
ção financeira ocorrida no último quartel do século XX –,
NOVAS HIERARQUIAS GEOPOLÍTICAS agora, mais do que nunca, impõe-se a necessidade de no-
vas estratégias e políticas.
A reorganização espacial da atividade econômica Em vez de perderem sentido, na verdade, as políticas
direciona a uma clara re-hierarquização de seus centros nacionais passam a ter seu alcance, desenho, objetivos e
decisórios. Observa-se a tendência ao reforço do denomi- instrumentos reformulados, visando ao atendimento de
nado policentrismo econômico tripolar (países da Europa novos requisitos da era do conhecimento. Sobretudo no
Ocidental, Japão e EUA), e, sobretudo, da posição caso de economias em desenvolvimento, políticas nacio-
hegemônica dos EUA. Estabelecem-se igualmente novas nais de promoção da capacitação e do desenvolvimento
hierarquias geopolíticas, com base em novos diferenciais econômico e social são condição indispensável a inser-
socioespaciais, e que refletem fundamentalmente as desi- ção menos subordinada no cenário internacional.
guais disponibilidades de informações e conhecimentos
estratégicos e estabelecem claras linhas divisórias entre SISTEMAS INOVATIVOS LOCAIS
os que estão capacitados a promover ou a participar ati- VERSUS TECNO-GLOBALISMO
vamente em uma dinâmica ininterrupta de inovação e
aprendizado, e os que tendem a ser deslocados e subordi- Contrariamente à visão sobre pretensa internaciona-
nados. lização dos esforços e resultados do desenvolvimento
É preciso superar a nova divisão internacional do tra- científico e tecnológico, observa-se uma concentração
balho, em que países e regiões desenvolvidos tendem a nitidamente nacional de tais atividades, com articula-
especializar-se na criação e comercialização de projetos, ções sendo efetuadas quase exclusivamente entre os
produtos e conteúdos, enquanto países e regiões menos países e empresas tecnologicamente mais avançados. Ou
desenvolvidos restringem seu papel ao de consumidores seja, a geração e difusão de conhecimentos e de inova-
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6. DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA ERA DO CONHECIMENTO
ções representa exatamente um dos casos de não-glo- forma integrada as questões políticas, econômicas,
balização, contrariamente ao que se denomina de ambientais, científico-tecnológicas e sociais em uma es-
tecno-globalismo. tratégia mais ampla de desenvolvimento nacional e das
Se os progressos no campo das tecnologias da infor- diferentes regiões ricas em biodiversidade.
mação e comunicação abrem novas possibilidades de
codificação e difusão de informações e conhecimentos – DESAFIOS PARA O BRASIL
os conhecimentos tácitos, que são enraizados em indiví-
duos, instituições e ambientes locais, logo difíceis (senão Para lidar com as profundas mudanças vividas na tran-
impossíveis) de serem transferidos –, permanecem de gran- sição do milênio, colocam-se novas exigências quanto ao
de importância estratégica na era do conhecimento. papel dos distintos agentes econômicos, governamentais
Longe, portanto, de significar um mundo integrado e sem e da sociedade em geral, bem como apresentam-se novas
fronteiras, no qual o conhecimento flui livremente, a nova demandas para políticas e instrumentos de regulação, tanto
ordem mundial exige níveis de qualificação e capacitação públicos, como privados.
locais ainda mais elevados do que no passado. É premente a formulação de novas estratégias e alter-
nativas de desenvolvimento, em níveis mundial, nacional
A URGÊNCIA DE UM e local, para trabalhar com os desafios sugeridos, exigin-
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL do novos modelos e instrumentos institucionais, norma-
tivos e reguladores que sejam capazes de solucionar ques-
A passagem de um padrão técnico-econômico intensi- tões que se apresentam diante da emergência da era do
vo em recursos naturais para o atual, com base na utiliza- conhecimento e do padrão de acumulação dominado pe-
ção crescente de conhecimento e informação, impediu uma las finanças. Deve-se considerar também as mudanças
aceleração da crise, mas não reduziu as pressões sobre o associadas aos novos mecanismos de governança em ní-
meio ambiente. A sustentabilidade dos modelos de desen- vel mundial, que incluem as condições estabelecidas pela
volvimento coloca-se hoje como um dos mais sérios de- Organização Mundial do Comércio (OMC) e outras insti-
safios da humanidade, o que requer novas orientações para tuições e agências internacionais.
esforços de crescimento econômico e de avanço do co- O Brasil dispõe de importantes potencialidades para
nhecimento científico-tecnológico, subordinando-as a prin- capitalizar em seu favor, sobretudo por meio da correta
cípios de inclusão, eqüidade e coesão social, de susten- identificação e aproveitamento de novos espaços que se
tabilidade ambiental e de caráter ético. abrem nesse período de transformações. Para tanto, deve
A proteção do capital natural, por sua vez, adquire nova ser capaz de articular e mobilizar forças em torno de um
relevância estratégica, não apenas por sua importância para projeto nacional, bem como superar seus problemas es-
o equilíbrio ecológico planetário, mas também como ma- truturais – sobretudo as desigualdades sociais e regionais
téria-prima para as tecnologias avançadas. Este é o caso – que representam um pesado obstáculo a seu desenvol-
da biodiversidade, que apresenta amplo potencial para vimento.
países ricos nesses recursos. No caso do Brasil, primeiro Acima de tudo, recomenda-se a definição e implemen-
país em megadiversidade em nível mundial, ela pode vir tação de novo projeto de desenvolvimento que reforce
a tornar-se uma vantagem comparativa do país no âmbito mutuamente a articulação entre política macroeconômica
da geopolítica global, considerando sua ampla disponibi- e política de desenvolvimento social, produtivo e, parti-
lidade de recursos biogenéticos, a tradição de sua ciência cularmente, de ciência, tecnologia e inovação, para uma
na área biológica, além do acervo de conhecimentos tra- inserção mais competitiva e autônoma, que assegure a
dicionais acumulados pelas populações locais e pertinen- coexistência entre o avanço do processo de globalização
tes para o acesso e as aplicações dessa biodiversidade. e a construção de bases produtivas modernas e dinâmicas
No entanto, a importância ecológica e econômica das e fortalecimento do capital social.
reservas biogenéticas existentes no país só farão da Aponta-se, particularmente, para a necessidade de es-
biodiversidade uma questão de fato estratégica para nós, tabelecer instrumentos financeiros que reduzam o impac-
caso o país capacite-se a destacar-se nessa área, tratando- to negativo de políticas macroeconômicas, em particular,
a não como ônus, mas como oportunidade. Para isso, no das altas taxas de juros, para permitir (em vez de anular)
entanto, o Estado brasileiro traz como desafio tratar de a implementação dessas políticas. Indica-se, portanto, ur-
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7. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(3) 2002
gente implementação de uma estratégia de transição em LEGEY, L-R. “A dinâmica e o ambiente de comércio eletrônico”. In:
PEREIRA, M.F. e PINHEIRO, L.V. (orgs.). O sonho de Otlet:
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nômica e construção de uma rota de desenvolvimento sus- Janeiro, IBICT, 2000.
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/www.dgz.org.br>.
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e ALBAGLI, S. (orgs.). Informação e globalização na era do co-
Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada na Reunião Re- nhecimento. Rio de Janeiro, Campus, 1999. Reproduzido em Re-
gional Sudeste – Rio de Janeiro e Minas Gerais – da Conferência Na- vista Parcerias Estratégicas. Brasília, Centro de Estudos Estra-
cional de Ciência, Tecnologia e Inovação, Rio de Janeiro, 16 e 17 de tégicos, n.8, p.157-79, maio 2000.
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denominados “gratuitos”. Para detalhes, ver, entre outros, Lastres e SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à
Albagli, 1999. consciência universal. Rio de Janeiro, Record, 2001.
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1991.
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In: CASSIOLATO, J.E. e LASTRES, H.M.M. (eds.). Globalização (hlastres@ie.ufrj.br).
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localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul. Brasília, (albagli@dep.ibict.br).
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óbvio papel?” Parcerias Estratégicas. Centro de Gestão Estraté-
gica, n.9, out. 2000. LIZ-REJANE LEGEY: Economista, Pesquisadora do MCT, Professora do
LASTRES, H.M.M. e ALBAGLI, S. Informação e globalização na era Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFRJ/ECO
do conhecimento. Rio de Janeiro, Campus, 1999. – MCT/IBICT (llegey@rjnet.com.br).
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