1. O documento discute o conceito de "jeitinho brasileiro", que é uma forma criativa de resolver problemas ou situações difíceis contornando regras existentes de forma sutil.
2. O jeitinho depende mais de fatores individuais como simpatia e habilidade interpessoal do que de atributos sociais como status ou dinheiro. Ele busca igualdade entre as pessoas envolvidas.
3. A sociedade brasileira enfatiza a igualdade radical entre todos os grupos sociais, negando qualquer diferenciação baseada em mérito ou desemp
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O Jeitinho Brasileiro – A arte de ser mais igual
do que os outros. (Texto 03)
Lívia Barbosa – Resumo e comentários de
Marcelo Loyola Fraga
O que é o jeitinho
O jeitinho é sempre uma forma especial de se
resolver algum problema ou situação difícil ou
proibida; ou uma solução criativa para alguma
urgência, seja sob a forma de burla a alguma regra
ou norma preestabelecida, seja sob a forma de
conciliação, esperteza ou habilidade. O jeitinho
demais pode levar à corrupção. O que caracteriza a
passagem de uma categoria para outra é muito
mais o contexto em que a situação ocorre e o tipo
de relação existente entre as pessoas envolvidas
do que, propriamente, uma natureza peculiar a
cada uma. Por exemplo, o favor é uma situação
que, para a maioria das pessoas, implica
reciprocidade direta. Quem recebe um favor fica
“devedor de que o fez” e se sente “obrigado” a
retribuí-lo na primeira oportunidade. Essa noção de
reciprocidade é tão forte que, muitas vezes, a
pessoa que faz o favor procura evitar quem o
recebeu para que não se julgue “obrigada” ou
“constrangida”. Os argumentos a favor da prática
do jeitinho são normalmente “todo mundo faz, não
vou ficar de fora”, “uso o jeitinho forçado pelas
circunstâncias” etc.
Os idiomas do jeitinho
O jeito é um elemento “universalmente” conhecido
na sociedade brasileira. Além disso, em termos de
representação simbólica, é “utilizado”
indistintamente por todos os segmentos sociais e
depende, portanto, para concessão e sucesso, de
fatores que não fazem parte da identidade social de
cada um. Um dos fatores que mais mobilizam as
pessoas para darem um jeitinho para alguém é ser
simpático. Outro aspecto que pode ser mencionado
é status, a maneira de se vestir e dinheiro. Embora
todas as pessoas reconheçam que esses fatores
influem, nunca chegam a ser apontados como
elementos decisivos. São importantes sim, mas até
certo ponto, e podem ser utilizados contras as
pessoas, caso elas manipulem essas categorias de
forma autoritária. Afirmações do tipo “só porque
tem dinheiro, pensa que é melhor, está enganado”
ou “quis bancar a grã-fina e quebrou a cara” são
bastante utilizadas para exemplificar pessoas que
tentaram lançar mão desse atributo social para
obterem um jeitinho ou qualquer outra coisa. Por
outro lado, se as pessoas souberem canalizar esses
atributos sociais de uma forma que enfatize
justamente a sua “não-importância”, serão alvos
de comentários justamente opostos. Por exemplo,
“ele é tão simples” ou “nem parece rica, é tão
simpática”, “você não dá nada por ele, mas é
milionário”. É de bom tom para o rico, no Brasil,
proceder como a sua situação social nem contasse
como fato relevante, apesar de ser uma situação a
que todos almejam. Ou seja, essa situação social
nunca pode ser bem explicitada ou admitida por
quem a possui. Um rico que se comporta de acordo
com a sua condição de riqueza é caracterizado
negativamente, embora seja visto de forma
positiva caso se comporte como se “não fosse rico”.
Admitir o sucesso de forma clara, seja de que tipo
for, não é bem-visto. Isso contrasta com os países
anglo-saxões que passaram por uma reforma
protestante. Por exemplo, nos EUA os bens
materiais não são vistos como culpa, mas como
recompensa pelo trabalho duro e bom desempenho
da pessoa. Não é motivo de justificativas. No Brasil
o sucesso material tem implicações de ordem
moral bastante negativas e intimamente ligadas à
religião católica, que atribui características
perversas a situações de sucesso material. O rico
foi bem-sucedido do ponto de vista material,
portanto, não deve sê-lo moral e espiritualmente.
Isso permite que as pessoas se compensem,
acionando diferentes sistemas de valores.
Um exemplo interessante de como isso funciona é
o caso do motorista de táxi que, ao deixar uma
passageira em frente a um prédio de luxo, afirmou
que quem morava ali não poderia tê-lo conseguido
pelo trabalho, mas só roubando. Implicitamente
dizia que ele era pobre, mas honesto, e o outro
rico, mas ladrão. E não é só isso. A carência
material das pessoas tem um significado bastante
distinto aqui no Brasil e, por exemplo, nos EUA. A
miséria, a pobreza do cidadão no Brasil, o exime de
qualquer responsabilidade individual na alteração
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da situação em que se encontra. Diante de
mendigos dormindo nas ruas, a reação normal é de
pena pelo indivíduo e indignação pelo governo, que
não toma providências e não faz nada para alterar
esse quadro. Para um norte-americano a reação
seria de forma inversa: essa tarefa é de alçada
pessoal e que não deve ser compartilhada com
terceiros. Por outro lado, o jeitinho não está ligado
à esfera da identidade social como dinheiro, status,
nome da família, religião, cor etc. Um indivíduo que
não ocupe posição social privilegiada, está
igualmente habilitado a pedir um jeitinho, desde
que saiba pedir, tenha um bom “papo”, seja
simpático ou charmoso. Por outro lado, um general
poderá ficar sem o “seu jeitinho” se tentar valer-se
de sua patente de forma autoritária. Para sair da
situação, terá de recorrer fatalmente ao “Você sabe
com quem está falando?”, que poderá ser, tanto ou
mais eficaz que o jeito, mas que depende de você
ser “alguém” dentro do universo social brasileiro.
Portanto, tanto o “João-ninguém” como o
deputado, desde que tenham as condições
individuais, estão qualificados para utilizar o jeito.
Dizer não no Brasil é aventura no terreno
desconhecido. A esse respeito, a revista Veja
(07/11/1984), na seção “Ponto de Vista”, publicou
ensaio intitulado “É preciso dizer não”, de Fernando
de Oliveira”, no qual o autor, baseado na sua
experiência como administrador de recursos
públicos, afirmava que o Brasil precisava ter um
governante um brasileiro com vocação para não
autorizar certos gastos e perder amigos. E mais, tal
indivíduo deveria recusar convites para simpósios,
jantares, inaugurações e outros eventos sociais...
“se tiver cara de poucos amigos tanto melhor”. O
que o articulista queria dizer é, para se cumprir a
lei, seria preciso dizer não aos amigos e depois
evitar ou cortar todos os laços com a sociedade.
Essa postura está alicerçada numa visão de mundo
em que a ênfase na sociedade é colocada nas
relações que se estabelecem entre as pessoas,
mais do que qualquer outra. Isso torna o Brasil um
país em que todos querem ser pessoas e não
indivíduos. Qualquer vantagem ou desvantagem
social que a pessoa tenha pode ser utilizada para
promovê-la a tal categoria. Confirmando ainda
mais essa situação, temos o próprio sistema
burocrático brasileiro, extremamente rígido,
ineficiente e intransigente, não dando espaço à
prática do que se costuma chamar de “bom senso”.
Isso permite que os próprios executores desse
sistema, na ausência de alguma regulamentação
específica, regulem, não tendo como base o bom
senso ou os chamados direitos do cidadão ou o
espírito que instrui esta ou aquela regulamentação,
mas a própria vontade pessoal. Isso nos permite
mergulhar num verdadeiro emaranhado de
decretos autoritários e personalistas que diluem
quase que completamente qualquer possibilidade
de funcionamento do sistema com um espírito
universalizante.
Fazendo um paralelo entre o “Você sabe com quem
está falando?” enfatizado por Roberto DaMatta e o
“jeitinho”, pode-se afirmar que enquanto o
primeiro é um ritual de separação, radical e
autoritário, de duas posições sociais bem distintas,
o segundo “o jeitinho” identifica-se com a
cordialidade e a simpatia, sendo visto como um
ritual de aglutinação. Ele procura justamente
juntar, e não separar, os participantes da situação.
E mais, em vez de marcar as diferenças existentes
entre as pessoas, que podem ou não existir do
ponto de vista social, ele procura justamente
anulá-las, invocando a igualdade entre todos e da
própria condição humana – “afinal somos todos
irmãos”, “filhos de Deus” ou “hoje sou eu, amanhã
pode ser ele” etc. O próprio vocabulário utilizado
em situações de jeitinho enfatiza o seu aspecto
aglutinador e igualitário: “meu irmão”, “meu
amigo”, “companheiro”, “gente boa”, “minha tia”
etc. O jeitinho, também, pode estar associado
simultaneamente ao nosso lado cordial, simpático,
malandro e também país que não é sério,
incompetente, subdesenvolvido que prefere o papo
à briga, a conciliação à disputa. Outro traço
importante do jeitinho é que qualquer pessoa pode
lançar mão dele, independente de sua identidade
social, rico ou pobre, esposa de deputado ou
diarista, patrão ou operário. O anonimato das
pessoas envolvidas gera uma situação de igualdade
entre indivíduos que, em outras circunstâncias,
poderiam estar em situações desiguais e/ou
complementares. É verdade e é importante
perceber que de “jeitinho” a situação pode partir
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para o “Você sabe com quem está falando?”, toda
vez que o coronel, tendo seu pedido rejeitado,
declara a sua identidade exercendo pressão sobre o
caixa, estabelecendo-se assim o confronto.
Provavelmente, este mandará chamar o gerente,
que apaziguará a situação, providenciando para
que o cheque do cliente seja descontado, sem o
custo de o mesmo entrar na fila, mas, ao mesmo
tempo, sem obrigar o caixa a descontá-lo.
Em resumo:
“Você sabe com quem está falando”
1. Faz uso da autoridade e do poder.
2. Parte do pressuposto que as desigualdades
sociais têm valor.
3. Não é acessível a todos da sociedade em
todas as situações.
4. Baseia-se, para a sua eficácia, na identidade
social.
5. A identidade social dos participantes sempre
termina desvendada.
6. É um rito de separação.
7. A reação ao uso da expressão é sempre
enfática e negativa.
8. Estabelece sempre uma relação negativa.
“Jeitinho”
1. Faz uso da barganha e da argumentação.
2. Parte do pressuposto igualitário.
3. É acessível a todos da sociedade.
4. Não depende, exclusivamente, de laços
mais profundos com a sociedade. Depende
basicamente de atributos individuais, da
personalidade.
5. Pode começar e terminar anonimamente.
6. É um rito aglutinador.
7. A reação ao uso da expressão é
predominantemente positiva; a negativa é
sempre expressa de forma branda.
8. Estabelece sempre uma relação positiva.
A ideologia da igualdade radical
Pode-se exemplificar este item, por meio do
sistema universitário público brasileiro. Nele
observa-se, cada vez mais, o estabelecimento de
idéias que negam e condenam a existência de
qualquer tipo de proposta de diferenciação. Por
exemplo, dois professores que iniciaram a carreira
em 1980, chegarão juntos em 1990 ao mesmo
nível funcional, a despeito do fato de que um tenha
publicado livros, artigos, participado de congressos,
reuniões científicas e realizado pesquisas, e o outro
tenha se limitado apenas a escrever algumas linhas
no quadro-negro. Ambos receberão o mesmo
salário, terão os mesmos direitos e obrigações. Em
relação aos alunos, a situação não é diferente. Um
bom desempenho acadêmico não abrirá para o
aluno qualquer porta no que diz respeito a bolsas
de estudo, oportunidade de iniciação profissional,
associações culturais e de pesquisa. O mesmo se
aplica aos funcionários em relação às promoções
por mérito. Com relação aos corpos sociais que
compõem a comunidade acadêmica – professores,
alunos e funcionários -, a ideologia igualitária se
coloca como a moldura básica pela qual se
orientam todas as relações. A todos são atribuídos
o mesmo status e a mesma importância, de modo
que, do ponto de vista da representação e também
da prática social, nenhum grupo tenha mais
direitos do que os outros. Isso fica evidente no
processo eleitoral que se disseminou após 1985,
para escolher desde chefes de departamento até o
reitor, no qual alunos, funcionários e professores
são chamados a votar, mesmo sendo pessoas com
as mais diferentes responsabilidades, como
professores, a quem cabem a responsabilidade do
ensino e da pesquisa e cujo desempenho dá
prestígio à instituição; os alunos, membros
transitórios numa instituição permanente e os
funcionários que são elementos não especializados
chamados a opinar num foro de debate
especializado. Outro exemplo vem de uma
universidade renomada, onde o Departamento de
Antropologia propôs que a partir de uma
determinada data, todos os trabalhos acadêmicos
individuais fossem assinados em conjunto.
Propunha-se que um trabalho feito individualmente
fosse publicado como de autoria coletiva – de todos
os membros do departamento. Um outro caso cita
uma matéria do Jornal do Brasil, em novembro de
1985, em que os servidores das universidades
federais entrariam em greve se a gratificação de
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nível superior não fosse estendida para servidores
de ensino médio. Ora, sabemos que a gratificação
de nível universitário é uma das únicas formas de
se premiar, de forma capenga, o desempenho da
melhor qualificação pessoal. É uma verdadeira
síndrome da isonomia, o que pode ser chamada de
igualdade radical.
Um outro aspecto que ilustra a ênfase no ideal
igualitário é a negação da universidade como uma
instituição de elite. Em todos os países do mundo,
independentemente do sistema político vigente, o
ensino universitário é o mais caro e de mais difícil
acesso. Entretanto, no Brasil, afirmar que este não
deve ser um ensino de massa, mesmo
resguardando a possibilidade de livre acesso a
todos, é quase sinônimo de suicídio profissional
para quem é do ramo. Admitir a existência de
diferenciações internas, de hierarquias, em
formações sociais fascinadas com o igualitarismo
do ponto de vista simbólico, é associar-se aos
piores tipos de representações políticas e sociais. É
arriscar-se a ser visto, no mínimo, como “Fascista”.
E ainda, no Brasil, exigir que os alunos se dirijam
aos professores pelos seus respectivos títulos ou
outro termo que não seja o seu próprio nome soa
extremamente antipático, desagradável e
autoritário, quando não tem conotações jocosas.
Essa forma só é alterada pela idade do professor
ou professora. Se esta for mais idosa, poderá ser
contemplada com um “Professora” ou sra.; caso
contrário será chamada pelo seu próprio nome.
O atributo da igualdade e da liberdade nos
EUA
O self-reliance é o princípio de que cada indivíduo é
o seu próprio mestre, tem controle absoluto de seu
próprio destino e, portanto, absolutamente livre.
Os avanços e os recuos na vida de cada pessoa
estão condicionados aos seus próprios méritos. O
self-reliance nega a importância de outros
indivíduos na vida de cada um e acredita que a
capacidade de se valer de si mesmo é fundamental.
Qualquer traço ou indício de dependência, em que
domínio for, econômico, emocional etc. é
considerado altamente humilhante. A pessoa
possuidora de um caráter dependente não só é
socialmente malvista, como considerada
necessitada de algum tipo de assistência
psiquiátrica. Dentro da família, a busca de
independência é estimulada desde cedo pelos pais.
A criança é induzida a desempenhar pequenas
tarefas que lhe forneçam algum tipo de ganho
pecuniário. A permanência na casa dos pais depois
de uma determinada idade não é estimulada nem
desejada. Basta verificarmos as estatísticas
universitárias para constar que, a maioria dos
jovens não estudam em lugares próximos a sua
casa e sim em lugares bem distantes.
Igualdade moral e igualdade legal
A igualdade nos EUA é percebida como um direito e
não como um fato. Consequentemente funciona
como uma moldura para o desenrolar de todos os
dramas sociais. Na sociedade norte-americana,
igualamos para diferenciar. Um melhor
desempenho por parte dos indivíduos ou de um
grupo os intitula a uma posição diferenciada em
relação aos demais. Assim, na sociedade norte-
americana, a partir de sua idéia de igualdade –
concebida como um direito consubstanciado na
existência de uma lei universalizante que, em
determinado nível e momento, iguala todos -, os
indivíduos diferenciam-se uns dos outros. Por outro
lado, a igualdade no Brasil se apresenta sob outras
formas. Principalmente na igualdade biológica do
gênero humano, quando dizemos “quando morrer,
vai todo mundo para o mesmo lugar”, “meu sangue
é tão vermelho quanto o dele”, “gente é tudo igual”
etc. expressam a idéia de que a existência de uma
constituição física comum a todos os seres
humanos e um destino final idêntico e inexorável
para todos conferem-lhes uma humanidade no
sentido de valor. Ao contrário da concepção da
igualdade norte-americana, a brasileira se coloca
como um fato, como algo dotado de substância, e
não apenas e exclusivamente como um direito.
Implicações de igualdade moral para a
sociedade brasileira
A noção de igualdade – entendida no Brasil como
um fato, e não como um direito, imprime a essa
categoria um caráter radical e absoluto que não
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permite gradações e hierarquias com base em
valores calcados no desempenho individual. Isso
tem como conseqüência lógica a anulação do
indivíduo enquanto caráter uno e irrepetível,
permitindo a formação de totalidades mais amplas,
da quais o melhor exemplo seria a nossa idéia de
Estado. A nação-estado, em vez de ser concebida
como uma coleção de indivíduos, como no caso
francês, ao qual se acrescenta o exemplo norte-
americano, é aprendida como um superindivíduo,
ou melhor, como um indivíduo coletivo, com
superdireitos e deveres, hierarquicamente superior
ao nosso indivíduo-cidadão, podendo dispor em
todas as suas dimensões.
A segunda conseqüência da nossa ênfase igualitária
no plano simbólico é que, almejamos não o
reconhecimento dos aspectos individuais de cada
um e sim o estabelecimento de um estado
igualitário, em que o que é concedido a um deve
ser estendido a todos, independentemente do
desempenho individual, pois, caso contrário,
estaríamos estabelecendo desigualdades,
gradações, em suma hierarquias, que vão de
encontro ao próprio objetivo do sistema. O único
valor a estabelecer graduações é o da antiguidade
ou senioridade. Isso quer dizer que, se permitimos
que o princípio da antiguidade seja o único a
diferenciar os indivíduos, temos a certeza que o
ideal da igualdade será mantido, pois este critério é
algo que está ao alcance de todos e pode ser
estendido a todas as categorias. Já o desempenho
(mérito) depende dos indivíduos e suas
especificidades.
Jeitinho e identidade nacional
Identidade social é o conceito utilizado para se
pensar teoricamente, o processo de formação de
um grupo e a auto-atribuição de uma imagem,
maneira de ser ou característica que serve de
moldura para a compreensão do mundo e de
outros grupos sociais. O conceito de identidade
social é um rótulo geral para designar diversas
modalidades dessa dinâmica. Isto é, diferentes
formas de percepção que se constroem no interior
das sociedades e norteiam as relações entre grupos
e das pessoas enquanto membros do grupo.
Nenhum grupo possui uma identidade acabada. As
identidades sociais são, portanto, construções
culturais. São categorias que funcionam como
sistema codificador de uma vasta teia de relações.
É um sistema de classificação que separa e ordena
uma população numa série de categorias que se
opõem e se complementam. Os mecanismos de
poder e dominação são aspectos fundamentais na
construção de identidades sociais, pois hierarquias
econômicas, políticas e simbólicas são constitutivas
dessas respectivas atribuições e construções. A
identidade social, segundo Roberto Cardoso de
Oliveira, pode ser comparada à consciência
coletiva, por meio da manipulação de uma série de
símbolos sociais que a formam, portanto, e
tornam-se a sua identidade. Neste estudo, Lívia
Barbosa está mais interessada num tipo particular
de identidade social – a identidade nacional. A
identidade nacional abarca uma série de
identidades menores e é por meio dela que nos
definimos e ao país em que vivemos. É o tipo de
identidade que vemos emergir na época dos jogos
de futebol da Copa do Mundo. Nesse momento toda
a diversidade interna da sociedade brasileira é
dissolvida e anulada em face da nossa identificação
com 11 jogadores, que durante 90 minutos,
sintetizam milhões de brasileiros e uma unidade
geográfica de mais de 8,5 milhões de Km2. Nesse
momento, as outras identidades construídas tendo
como base a etnia, o gênero ou a classe são
englobadas pela identidade construída tendo como
base a nação, isto é, o Brasil. Isso quer dizer que,
num jogo entre Brasil e Argentina as diferenças
entre patrão e empregado dão lugar às diferenças
entre argentinos e brasileiros. Por outro lado, o
movimento englobador da identidade nacional não
significa que ela promova sempre uma
homogeneização positiva, como no caso do futebol,
mas, ao contrário, ela pode emergir em situações
de identificação negativa quando reprovamos ou
nos envergonhamos de ser parte deste país:
“decididamente, este país não tem jeito”, “não
adianta, isso aqui não vai pra frente”, “com esse
povo só matando”, “êta povinho ruim”. Neste caso,
diante de um acontecimento negativo, toda a
sociedade brasileira é homogeneizada a partir de
um ângulo negativo. Um aspecto importante da
identidade nacional é que, para os seus membros,
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ela caracteriza o que o indivíduo é, ao invés do que
ele faz, como acontece com identidade de
coletividade de funções específicas, como por
exemplo de uma classe trabalhadora. É justamente
nesse contexto que se insere o jeitinho enquanto
elemento definidor de nossa “brasilidade”. Quando
qualificamos determinado tipo de ação e
comportamento como jeitinho brasileiro, estamos
anulando toda a diversidade interna da nossa
sociedade, e adotando uma classificação
homogeneizante, a partir da qual definimos
milhões de pessoas.
Ao jeitinho brasileiro contraponho a falta de jogo
de cintura do anglo-saxão, a rigidez do alemão, a
sovinice do francês etc. Ao mesmo tempo, por
meio dessas categorias, que funcionam como
símbolo, expresso valores a respeito das demais a
partir do contexto que utilizo, produzindo um
discurso coerente e “ideológico” sobre um
determinado conjunto de relações que considero
como representativas daquilo que julgo ser
brasileiro. Quando nos referimos como jeitinho
brasileiro como um elemento de identidade social,
não significa dizer que acreditamos que ele
simbolize a totalidade da sociedade brasileira e
nem que seja uma exclusividade nossa. Significa
apenas, que em determinados contextos ele
sintetiza um conjunto de relações e procedimentos
que os brasileiros percebem como sendo deles. E
essa totalidade expressa na categoria brasileiro só
se mantém intacta, a uma certa distância de um
determinado ponto específico.
A Identidade social brasileira positiva
O jeitinho encarna o nosso espírito cordial, alegre,
simpático, caloroso, humano etc. de um país
tropical, bonito, sensual, jovem e cheio de
possibilidades. Justamente os aspectos que são
contrastados com os países anglo-saxões e que nos
fornecem uma leitura deles como frios, rígidos,
quadrados etc. Nesse contexto, nossa identidade
histórica é manipulada de forma bastante positiva,
pois a nossa mistura racial, o nosso clima, a
maneira de o português lidar com as outras etnias
são cotados como uma das causas possíveis desse
nosso modo de ser. Nesse sentido, o jeitinho
brasileiro promove uma homogeneização positiva,
anulando toda a nossa diversidade interna a partir
da enfatização de determinadas “qualidades” do
povo.
A Identidade social brasileira negativa
Em contraste com a frase atribuída ao presidente
De Gaulle “Esse não é um país sério”. Por que não
somos sérios? Não somos sérios porque permitimos
que a amizade tenha mais valor do que o
cumprimento da lei; porque relações pessoais, uma
vez estabelecidas, tomam precedência sobre
qualquer outro critério; porque o cidadão brasileiro
tem vários parentes próximos que não o deixam
reinar sozinho em nosso ambiente social. Em
suma, não somos sérios porque todos os
parâmetros da ideologia individualista,
consubstanciados num tratamento igualitário de
todos perante a lei, são permanentemente vazados
na prática social de vários domínios da sociedade
brasileira pela nossa perspectiva relacional, que
transforma o público em privado e, assim, torna
legítimo o que seria espúrio sob aquela
perspectiva. Somos originários de um país que
sempre foi incompetente e inepto na condução de
seus próprios negócios e na nossa colonização.
Sintetizando, utilizamos o jeitinho como símbolo da
nossa desordem institucional, incompetência,
ineficiência e da pouca presença do cidadão no
nosso universo social, reafirmando nosso eterno
casamento com uma visão de mundo relacional.
Exercício: Segundo Lívia Barbosa “As identidades sociais são,
portanto construções culturais. São categorias que funcionam
como sistema codificador de uma vasta teia de relações”. De
acordo com a ampla discussão em sala de aula sobre a
identidade social brasileira, trace os principais aspectos que
melhor representam a cultura do brasileiro, e como o
conhecimento dessas características pode contribuir como
estratégia eficaz de um Gestor nas empresas.