O documento discute a elaboração da Constituição brasileira de 1988. A transição política após o regime militar levou a uma constituição de perfil liberal-conservador, mantendo o status quo econômico. Ainda assim, novos direitos populares foram incluídos. A efetividade destes direitos depende da atuação de partidos e da sociedade civil.
Nota Pública: Não se combate corrupção corrompendo a Constituição
hidrografia
1. Colégio Estadual Ariston Gomes Da Silva
Aluno: Rodrigo Felix Gonçalves Nº 25
Série: 3ºC
Disciplina: História
Constituição de 1988
Iporá, 21/11/2012
2. A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O processo de elaboração constitucional esteve condicionado pelas particularidades da
transição política que se caracterizou por ser nem um simples continuísmo, nem uma
efetiva ruptura, mas uma transição pelo alto, pactada inclusive com o Estado autoritário.
Lassalle tinha assim razão quando afirmava que a essência da Constituição são os
fatores reais de poder, as relações de forças políticas existentes na sociedade. A
Constituição formal ou jurídica representa, num primeiro instante, a racionalização
jurídica de uma determinada ordem social, convertendo em instituições jurídicas os
fatores reais de poder. A Constituição adequada seria então aquela que correspondesse
no fundamental à Constituição real e efetiva. Por tudo isto, "os problemas
constitucionais não são primariamente problemas de direito, mas de poder". Entretanto,
a Constituição formal ou jurídica não pode ser uma simples fotografia da realidade,
traduzindo em disposições escritas os fatos, a reboque dos fatos, portanto. Ela é mais do
que uma simples "folha de papel" como afirmava Lassalle. Deve-se obedecer no
essencial às condições sociais, ela deve também pretender elevar-se acima das práticas
condenáveis e ultrapassadas. Em suma, não podemos desconhecer a força ativa da
Constituição formal ou jurídica, sua eficácia renovadora e até, em determinadas
circunstâncias, transformadora, apontando para um horizonte histórico mais avançado.
Assim como podemos distinguir entre uma Constituição formal ou jurídica, por um
lado, e uma Constituição real e efetiva, os fatores reais de poder, por outro, devemos
igualmente diferenciar o poder constituinte material do poder constituinte formal. O
poder constituinte material identifica-se com a força política protagonista da mudança
institucional, enquanto que o poder constituinte formal confunde-se com a entidade
responsável pela elaboração da Constituição formal ou jurídica. De acordo com Jorge
Miranda, o poder constituinte material representa "um poder de autoconfirmação do
Estado segundo certa ideia de Direito"; o poder constituinte formal "um poder de
decretação de normas com a forma e a força jurídica próprias das normas
constitucionais (MIRANDA, Jorge, in Manual de Direito Constitucional, v. II -
Introdução à Teoria da Constituição. Coimbra, Coimbra Editora Limitada, 2a edição
revista, 1983, pp. 62-63)". Neste sentido, o poder constituinte material precede e
conforma o poder constituinte formal, embora este último confira juridicidade ao poder
constituinte material. Porém, o poder constituinte formal não pode ser automaticamente
deduzido do poder constituinte material. Os princípios genericamente enunciados pelo
poder constituinte material devem sofrer por parte do poder constituinte formal as
necessárias determinações que inevitavelmente comportam opções e alternativas
jurídico-políticas fundamentais. Mas não apenas isto: as circunstâncias políticas podem
eventualmente favorecer, sobretudo tratando-se de um processo onde a hegemonia
política não esteja ainda cristalizada, o papel e a importância do poder constituinte
formal na própria definição daqueles princípios.
AS "CONSTITUIÇÕES" DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O fato de o perfil da nova Constituição revelar-se predominantemente liberal-
conservador não impediu, porém, que novos e importantes direitos populares fossem
previstos, atendendo inclusive ao caráter compromissório das Constituições. Assim,
observamos alguns avanços significativos. A começar pela alternativa de redação de
3. uma Constituição analítica, evitando o equívoco conservador de elaboração de uma
Constituição concisa, limitada apenas à declaração dos direitos, sobretudo os direitos
individuais e os direitos políticos, e ao estatuto do poder, temas clássicos. Incorporando
então novas questões que passaram a ter uma importância cada vez maior na atualidade,
merecendo por isto mesmo um estatuto constitucional. A declaração dos direitos, além
de suceder ao preâmbulo e aos princípios fundamentais, alterando a sistemática adotada
pelas Constituições anteriores, amplia-se consideravelmente; mecanismos mais
eficientes e aperfeiçoados de controle do poder foram alcançado; o fortalecimento do
Legislativo foi visado. Entretanto, pouco se alterou no atinente à ordem econômica,
mantendo-se intacto o modo de acumulação vigente. Neste sentido, não se
instrumentalizaram suficientemente aqueles direitos de forma a torná-los mais efetivos,
além de simples declaração de intenções, tentativa permanente das elites. Aliás, em
comparação com a atividade prévia das subcomissões e comissões temáticas da
Constituinte, mais sensíveis à demanda popular, retrocedeu-se significativamente. Além
disto, tendeu-se a optar, em questões polêmicas e críticas, pelo subterfúgio ou pelo
artifício de remeter a solução final da matéria ao legislador ordinário. O uso e o abuso
das definições genéricas e vagas, das fórmulas vazias, das normas programáticas se
pretendeu muitas vezes contornar conflitos e impasses políticos, evitando, por exemplo,
os denominados "buracos negros", atendeu principalmente aos objetivos e interesses
conservadores, comprometendo a eficácia e salientando ainda mais o caráter liberal-
conservador da nova Constituição. De qualquer forma, o processo constituinte serviu
pelo menos para desmistificar a ideia da norma jurídica, e, sobretudo a norma
constitucional, como mandamento objetivo, neutro e imparcial, revelando ao contrário o
conflito de interesses a sinalizar sua elaboração.
Identificamos nas modernas Constituições pelo menos três grandes segmentos: uma
Constituição social, fundamentalmente a declaração dos direitos, tanto os clássicos e
tradicionais, como os novos e modernos, uma Constituição política, basicamente a
estrutura do poder, seja no plano horizontal (o sistema de governo), seja no plano
vertical (a forma de Estado) e uma Constituição econômica, o modo de acumulação no
essencial. Os avanços obtidos dizem prioritariamente respeito às duas primeiras, a
Constituição econômica tendo sofrido inclusive alguns retrocessos. A Constituição
social inspirou-se em grande parte da Constituição portuguesa de 1976, embora tendo
ainda ficado bastante aquém dela. Criaram-se novos institutos ou remodelaram-se
anteriores institutos como a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos
e garantias fundamentais, o mandado de injunção, a inconstitucionalidade por omissão,
o mandado de segurança coletivo, o "habeas data", o direito a receber dos órgãos
públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no
prazo da lei, sob pena de responsabilidade. Aliás, o artigo 5o, dos direitos e deveres
individuais e coletivos, talvez seja o ponto alto, mais libertário da nova Constituição.
Introduziram-se mecanismos da democracia direta; alargaram-se os direitos sociais.
Rompeu-se parcialmente com a tradição individualista do nosso direito, entendendo-se
os conflitos jurídicos não mais como exclusivamente interindividuais, mas como cada
vez mais como conflitos intergrupais, e reconhecendo-se o papel fundamental na
atualidade dos novos sujeitos sociais como sindicatos, entidades e associações da
sociedade civil. O presidencialismo foi reformado, fortalecendo-se o Legislativo,
inclusive através da adoção de alguns corretivos parlamentaristas, sistemática, aliás, já
inaugurada pela Constituição de 1934. Da mesma forma, o Estado Federal foi
redimensionado, alcançando-se talvez pela primeira vez uma efetiva autonomia
municipal. Entretanto, no que se refere especificamente ao Poder Judiciário, não se
4. chegou, conforme inicialmente cogitado, tanto à criação de uma verdadeira Corte
Constitucional, nos moldes europeus, como à organização de um Conselho Nacional de
Justiça, de ampla representação, que significariam um inequívoco progresso. Além
disto, poucos avanços houve no sentido de um controle social do poder mais amplo,
como a criação de um Conselho Econômico e Social. Os maiores atrasos estiveram por
conta, porém, da Constituição econômica. Além de manter intacto o modo de
acumulação vigente, retrocedeu-se nitidamente com relação à reforma agrária e ao papel
do Estado na economia, ficando aquém mesmo do anterior estatuto autoritário.
Afinal, a nova Constituição antes serviu à legitimação da vontade das elites e à
preservação do "status quo" ou poderá significar um instrumento de efetiva
modernização da sociedade? A assinalar-se inicialmente que o trabalho constituinte não
se encerra propriamente com a promulgação da Constituição. A regulamentação do
novo texto constitucional, assim como a adaptação da legislação ordinária, representam
um prolongamento inevitável e necessário do processo constituinte. A maior ou menor
amplitude dos direitos constitucionalmente previstos depende consideravelmente da
atividade legislativa pós-constituinte. Além disso, a efetividade destes direitos depende
igualmente da atuação dos partidos políticos e das entidades e associações da sociedade
civil, bem como da consciência e da participação populares. Como vemos, a resposta
àquela questão fica em grande parte em aberto. Independentemente das limitações
apresentadas pela nova Constituição, cabe explorar ao máximo suas virtualidades no
sentido da modernização da sociedade.
AS "VIRTUALIDADES MODERNIZANTES" DA CONSTITUIÇÃO
DE 1988
Em todo processo de elaboração constitucional identificamos elementos de continuidade
e elementos de descontinuidade com relação à herança constitucional nacional. A maior
ou menor ruptura com o direito anterior dependerá em grande parte, embora não
exclusivamente, das condições e da natureza da mudança institucional ou, na linguagem
dos juristas, das hipóteses de exercício do poder constituinte originário que são aqueles
fenômenos políticos, sociais, extrajurídicos, portanto, que tornam necessária a
elaboração constitucional. Historicamente, a revolução constituiu a hipótese clássica,
marca do constitucionalismo moderno. Entretanto, ocorreram igualmente mudanças do
regime político, que está na base do exercício do poder constituinte originário, sem
ruptura revolucionária. Aliás, torna-se muitas vezes difícil estabelecer concretamente
uma nítida fronteira entre estas duas hipóteses de exercício do poder constituinte
originário.
Já salientamos acima que, exatamente em decorrência das características e das
limitações de nossa transição política, prevaleceram na nova Constituição os elementos
de continuidade, seu perfil revelando-se predominantemente liberal-conservador, entre
outras coisas através da manutenção praticamente intacta do modo de acumulação
vigente. Mas que, em função inclusive do caráter compromissório das Constituições,
encontramos ao mesmo tempo virtualidades modernizantes. Assim, em que pese poder
servir fundamentalmente à legitimação da vontade das elites e à preservação do "status
quo", não podemos, porém desconhecer que ela poderá também representar um
instrumento, limitado e parcial é verdade, de modernização da sociedade. E que, neste
5. particular, cabe, por parte das forças populares, a luta pela preservação e pela ampliação
de espaços constitucionais.
Uma leitura determinista, não dialética, portanto, da célebre conferência de Lassalle
realizada no século passado (Sobre a Essência da Constituição), leitura esta talvez
sugerida pelo próprio texto, mas a favor do qual pesam, entretanto, as circunstâncias da
época de sua redação, favoreceu uma relativização indevida do papel e das funções das
Constituições, tendendo a torná-las meras "folhas de papel", um simples epifenômeno
das determinações econômicas e sociais, dos denominados "fatores reais de poder".
Desconhecendo-se, embora a conexão com a realidade seja o seu elemento principal, a
dialética existente, primeiro, entre Constituição formal e jurídica e Constituição real e
efetiva e, depois, entre poder constituinte formal e poder constituinte material, e
ignorando-se ao mesmo tempo a dimensão prospectiva das modernas Constituições.
Assim, não podendo as Constituições nada mais do que refletir a realidade, pouco
restaria no sentido de apontar-se para um horizonte histórico mais avançado. Este
pretenso ou falso realismo, cuja outra face parece ser o ceticismo político, tem muitas
vezes como corolário a desmobilização e o desarme das forças populares durante o
processo constituinte e, posteriormente à elaboração constitucional, na luta para
assegurar a efetividade do texto constitucional no que se refere aos direitos populares
eventualmente conquistados e consagrados. Desertando a dimensão jurídica da disputa
política e inviabilizando, num certo sentido, a luta pela atualização, isto é pela
concretização das virtualidades modernizantes porventura existentes. Tão mais grave
torna-se isto quanto mais tratar-se de concessões apenas em princípio por parte das
classes dominantes, remetendo, portanto a uma decisão política ulterior o problema da
integralização ou não das normas constitucionais atinentes a direitos populares. Aliás,
do ponto de vista das classes dominantes, a legitimação da ordem estabelecida revela-se
uma das principais funções do Direito, cabendo às forças populares lutar pela
efetividade daqueles direitos, algo mais do que simples retórica legitimadora. Em suma,
a possibilidade de a Constituição, no respeitante a direitos populares, deixar de ser uma
Constituição-programa, de reduzida efetividade, e passar a ser uma Constituição-lei, de
relativa efetividade, dependerá basicamente da relação de forças políticas existente em
cada conjuntura precisa.