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4 CULTURA
MATÉRIA DE CAPA
Com show em ginásio e festival ao ar livre, os Mutantes marcam a história da cultura
pop em Minas Gerais. Apresentação em BH terá os irmãos Dias Baptista e Zélia Duncan
Bons tempos de volta
DANIEL CAMARGOS
O CRUZEIRO/ARQUIVO EM
Conhecido pelo som potente, a parafer-
nália de equipamentos dos Mutantes
assustava. Pelo menos os administra-
dores das casas de espetáculo. O músico
Túlio Mourão conta que quando eram
marcados shows dos Mutantes no Tea-
tro Bandeirantes, em São Paulo, o pes-
soal da casa encomendava novas cadei-
ras e vidraças de antemão. Foi por isso
que o show Como nos velhos tempos,
última apresentação da banda em Belo
Horizonte, foi realizado no Ginásio do
Mackenzie e não em um teatro. O pro-
dutor do show, dono da Maravilha Pro-
duções na época e hoje radialista, Tutti
Maravilha, tem a cópia do release que o
produtor da banda em São Paulo, Mário
Buonfiglio, enviou para ele promover o
concerto em Minas.
O argumento de Buonfiglio coincide
com a história do tecladista: “Pensando
no grande público que ficou de fora,
quando milhares de pessoas não conse-
guiram ver o show, porque a lotação já
estava esgotada; centenas de jovens for-
çando as majestosas portas do Munici-
pal, tentando pelo menos ouvir o Som
(grafado com caixa alta) e ainda, os casos
de ‘repressão’, ‘Não fumar’ – ‘Não dançar’
– etc. etc. , nos motivaram a levar este es-
petáculo para um lugar mais amplo, e
nada melhor do que o Ginásio da Portu-
guesa, lá no Canindé”.
Os irreverentes Sérgio e Arnaldo Baptista e Rita Lee criaram os Mutantes, no final dos anos 60, mas se separaram antes mesmo que a década de 70 chegasse
PELA EUROPA O show foi preparado pa-
ra teatros – e chegou a ser realizado no
Municipal de São Paulo –, mas o ímpeto
PRODUÇÃO
roqueiro da juventude não combinou
com o ambiente. Tutti explica que quan-
do a banda saiu em turnê o melhor foi
fazer o tributo aos Beatles em ginásios.
Loucura, carrapatos e rock’n roll
“A repercussão foi ótima e os shows lo- O público da capital mineira nun- era muito louca. Todo mundo de cal- ausente é Liminha, antigo baixista e Além do tributo aos Beatles, a
taram”, lembra Tutti. Tanto que a maté- ca assistiu a um show com a forma- ça boca-de-sino e cabeludo. O festi- hoje produtor de discos de sucesso. grande atração do show de 1977
ria publicada pelo Estado de Minas no ção clássica dos Mutantes, com Ar- val ainda teve Raul Seixas e a Rita Lee Junto com eles estará Zélia Duncan e era o equipamento de som. Como
dia do espetáculo salientava logo no iní- naldo, Sérgio e Rita. Entretanto, an- com Tutti Frutti”. um time imenso de músicos novos noticiado antes da apresentação,
cio que a apresentação começaria às 20h, tes do show de abril de 1977, no Ma- No próximo mês será a primeira em um sem-fim de instrumentos, foi “necessário um pequeno
mas que os portões estariam abertos ckenzie, os Mutantes chegaram a se vez que o público poderá ver os ir- que nada lembra a crueza simples, batalhão de pessoas para que
desde as 18h. apresentar em Belo Horizonte. Túlio mãos Dias Baptista tocando e can- sincera e boa da banda de rock dos tudo saia a contento”. O arsenal
Depois dessa turnê conjunta com O Mourão lembra de um show no tando juntos. Porém, no lugar de Ri- anos 1960 e 1970. incluía oito amplificadores, três
Terço cantando Beatles, os Mutantes fo- Camping Pop, em 1974. Adriano Fa- ta Lee a voz feminina terá os graves O som produzido por essa turma mesas de som e duas equipes de
ram para a Itália e ficaram quatro meses labela, conhecido como Enciclopé- de Zélia Duncan. Quando a banda resultou em um CD duplo e em um iluminação. No show de 21 de abril
na Europa. Sérgio conheceu L. Shankar e dia do Rock, pelo quadro que apre- retomou as atividades para a apre- DVD gravado na apresentação do
John McLaughlin, que depois ajudaram deste ano, a produção irá dividir a
senta no programa Alto-Falante na sentação no Barbican Theatre, em Barbican. O repertório conta com os
o guitarrista mutante a se fixar nos Esta- Rede Minas, tinha 21 anos na época e Londres, em junho do no ano pas- principais sucessos da fase áurea da pista do Chevrolet Hall em dois
dos Unidos, onde ficou boa parte da dé- justifica o apelido com alguns deta- sado, Rita foi convidada, mas decli- banda e serve de base para os shows lances de cadeiras, além dos
cada de 1980. Porém, a banda ainda vol- lhes do show: “Foi no Serra Verde e nou. Depois chegou a classificar o que eles têm feito. Até agora foram ingressos de arquibancada e do
tou ao Brasil e com mais alterações ten- todo mundo voltou cheio de carra- retorno como uma volta de velhos seis nos Estados Unidos, um no ani- que sobrar da pista. O que mostra
tou tocar novamente, mas não teve su- pato. Naquela época só ia maluco e a atrás de dinheiro. versário da cidade de São Paulo, em que o rock’n roll está mudado.
cesso, em 6 de junho de 1978 realizou o maioria era macho. Os pais não dei- “Os velhos” em questão são Ar- janeiro, e outro na capital fluminen- Ou alguém quer ver um show
último show, para apenas 200 pessoas, xavam as mulheres saírem de casa. naldo, Sérgio e Dinho, o baterista ori- se, no mês passado, além do primei- dos Mutantes sentado após
em Ribeirão Preto (SP). A ditadura era brava e a rapaziada ginal da banda. Do passado, outro ro de Londres. esperar 30 anos?
JUAREZ RODRIGUES/EM - 15/2/05
Um gênio
em ação
Desde que pulou do terceiro andar do
setor de psiquiatria de um hospital pau-
lista, em janeiro de 1982, Arnaldo esco-
lheu Minas Gerais como refúgio. Primei-
ro Juiz de Fora, onde se recuperou das se-
qüelas graves da queda, e depois um
apartamento no Bairro Funcionários, on-
de vive quando cumpre a agenda da vi-
da de artista, que retomou com a grava-
ção do o disco Let it bed (2004).
Para Túlio Mourão, é por Arnaldo que
a volta dos Mutantes se justifica: “Só de
ter criado o clima e as condições para que
o Arnaldo voltasse a se apresentar já va-
leu. É muito importante que essas gera-
ções que tiveram acesso aos Mutantes
apenas em discos e internet vejam a ban-
da ao vivo”. Túlio considera o Arnaldo
um gênio e foi por meio dele que conse-
guiu o reconhecimento do próprio filho,
hoje com 20 anos.
Quando Kurt Cobain veio ao Brasil,
no início da década de 1990, e venerou os
Mutantes, em especial Arnaldo, publica-
mente, o filho de Túlio então deu o devi-
do valor à obra do pai. “Ele não ligava pa-
ra nada que eu fazia, mas quando viu o
vocalista do Nirvana falando da banda
que eu toquei, pegou meus discos para
Túlio Mourão tocou piano no disco de 1974 dos Mutantes escutar”, conta.