Ride the Storm: Navigating Through Unstable Periods / Katerina Rudko (Belka G...
Entrevista Lucas Ciavatta[1]
1. 1 - Lucas, a execução desta obra, "Saltos no Tempo", como muitas obras musicais, é um trabalho
de muita precisão e coordenação de movimentos, que pressupõe muita atenção de cada no que faz o
outro, todos os outros. Vendo com olhos de educador de outra área que não a música, chama-me a
atenção a evidente intensidade da colaboração que há entre os participantes, da parceria entre eles.
Este é um trabalho que tem origem escolar, essas moças e esses rapazes foram seus alunos no
ensino
fundamental. Como se consegue isso com jovens estudantes em um trabalho escolar?
Não podemos esquecer que o Bloco do Passo é um grupo profissional.
Mas o interessante é constatar que o profissionalismo dos
integrantes do Bloco não nasceu com a profissionalização nos
palcos, ele nasceu de uma postura "profissional" já em sala de
aula. Seriedade. É um jogo, uma diversão, mas eles sempre tentaram
fazer o melhor. A meu ver, esse movimento em direção de ser o
melhor que você puder ser é um movimento natural. O que acontece é
uma série de obstáculos frearem este movimento natural até que ele
simplesmente cesse. Estes obstáculos normalmente surgem de uma,
digamos assim, inabilidade dos responsáveis pelo processo
educativo de uma determinada pessoa. Quando alguém diz: "Esse aí
não quer nada", se esquece que todo mundo sempre quer alguma
coisa. Talvez essa pessoa não queira o que a gente quer que ela
queira, mas, certamente, algo ela quer. Assim a potência para
realizar com maestria já está. O que vejo em todas as ações que
envolvem O Passo, e isto está muito forte neste número do Bloco do
Passo, é a crença de que vale a pena se esforçar para aprender.
Vejo a autoconfiança daqueles que estão tentando vencer seus
desafios, pois O Passo nos ajuda a nomear estes desafios e fornece
ferramentas para vencê-los. Quando um estudante percebe isso, ele
faz algo como o “Saltos no Tempo” e muito mais.
2 - Este é um trabalho que exige muita disciplina e, ao mesmo tempo, é muito criativo. Disciplina e
criatividade: na sua opinião, como essas coisas andam juntas, como “conversam” disciplina e
criatividade? Há criatividade também no momento da execução desta peça? Ou ela terminou no
momento da composição? E nos ensaios, a peça muda? Quando é que ela fica "pronta"?
Há de fato um perigoso não esclarecimento por parte do senso comum
a respeito do quanto é preciso se preparar para, primeiro, ter
boas idéias (elas não chegam do nada), depois, para ter boas
idéias de como colocar as boas idéias em prática, e depois, para
ter habilidade para colocar as boas idéias em prática.
O “Saltos no Tempo”, por exemplo, tem uma história comprida. Esse
número tem como origem primeira o filme “Encontro com Homens
Notáveis” de Peter Brook, lá, num mosteiro aonde o personagem
principal chega ao final do filme, há uma série de danças
meditativas e a imagem de uma delas ficou adormecida na minha
cabeça durante quase vinte e cinco anos. Um dia, junto com uma
outra professora comecei a experimentar alguns movimentos e assim
criei uma série de exercícios para aproximar os integrantes do
Bloco do Passo daquilo que havia descoberto. Percebi rapidamente
que precisaríamos de marcas claras no chão caso quiséssemos saltar
2. em diferentes direções, assim teci eu mesmo a rede que pode ser
vista no vídeo (não há redes com células de meio metro à venda).
Após todo um entendimento do que eu queria e um trabalho de
convencimento da riqueza do que poderíamos construir (que era uma
certeza apenas para mim) passei para o arranjo em si, que pela
complexidade precisou envolver um tipo qualquer de partitura.
Criei as partituras no Power Point. Pensei estas partituras não só
para que eu lembrasse do que estava compondo, mas também para que
os integrantes do Bloco pudessem efetivamente se guiar por elas.
Depois ainda havia todo o trabalho de aprender a fazer algo
“motoramente” tão diferente para todos nós. E mais tarde ainda,
com tudo já acontecendo, houve ainda um grande trabalho de avaliar
se o que havíamos feito estava bom. Até hoje mudamos coisas em
termos de som e em termos de espaço. Neste sentido, mesmo depois
de todo o trabalho, o “Saltos no Tempo” é uma obra aberta, ainda
em composição.
3 – Dois temas são bastante candentes hoje em educação e eles estão presentes de forma muito
nítida neste trabalho de vocês: projetos de trabalho e trabalho colaborativo ou aprendizagem
colaborativa. Como é que é o desenvolvimento de um projeto como esse? Todos aprendem as
mesmas coisas? A aprendizagem de uns ajuda a aprendizagem dos outros? Aprendem com o
professor ou com os colegas?
Uma característica marcante d’O Passo é a autonomia. Quem aprende
se apropria não apenas do conhecimento, mas também do processo
pelo qual adquiriu o conhecimento. Quem aprende sabe exatamente
como aprendeu. Assim, imediatamente, como se fosse tudo uma coisa
só, quem aprende pode em seguida ensinar. Estamos vendo isso o
tempo todo, nossos estudantes ensinam aos irmãos, aos amigos, aos
pais e aos outros estudantes. O trabalho no “Saltos no Tempo” é
polifônico, várias vozes falando coisas diferentes, mas num mesmo
discurso. Cada um segue um trajeto diferente para compor a riqueza
que se tem ao final. O interessante é que vários integrantes sabem
várias frases. Há em alguns momentos uma simetria nas frases que
ajuda quem está indo a entender seu próprio caminho a partir do
caminho daquele que está vindo. Contudo, o mais importante, o que
permite este diálogo, é a vontade de dialogar (que está
diretamente relacionada à capacidade de dialogar). Os arranjos
compostos na perspectiva que O Passo propõe, a exemplo do “Saltos
no Tempo”, evidenciam a necessidade do diálogo (quanto melhor
alguém ao meu lado toca, melhor eu toco), e O Passo fornece as
ferramentas necessárias para que este diálogo se dê. Assim, com O
Passo, fica clara a diferença entre “tocar ao lado” e “tocar
junto”.
4 – Esta obra pode parecer tudo, menos primitiva. Os sons são produzidos só com movimentos de
corpos, corpos em movimento, nenhum outro instrumento fabricado pelo homem. Mas tem
tecnologia por trás disso, você me disse. Por que fazer a partitura usando um programa de edição
de
apresentações? Por que não usou uma partitura tradicional com suas claves de sol e fá sobre as
3. cinco linhas da pauta? Isso já é tão conhecido, por que mudar? Só para ser ou parecer
contemporâneo? Ou o uso do instrumento, da tecnologia, neste caso, também contribui para mudar
a música que vocês fazem?
No caso do “Saltos no Tempo” usar um outro tipo de partitura foi
uma necessidade e não uma opção. O uso da tecnologia viabilizou
nossa música. Com uma partitura tradicional não teríamos como
deixar claro o espaço, e ele aqui é fundamental. O uso do Power
Point foi importante também para que com o recurso “apresentação
de slides” pudéssemos ter uma idéia de como espacialmente a peça
se desenvolveria.
5 – Você diria que qualquer um toca isso? Quanto tempo e que tipo de trabalho foi necessário para
chegar até aí?
Acho, sim, que qualquer um pode chegar a tocar isso. Mas é
importante ter me mente que todos os que estão ali construíram
através d’O Passo uma base musical extremamente sólida. Neste
sentido, para os integrantes do Bloco do Passo esse não é, no
nosso show, nosso maior desafio. Certamente houve muito trabalho
para ensaiar o “Saltos no Tempo”, mas houve muito mais trabalho
anteriormente para potencializá-lo.
6 – Esta nossa conversa é para ser apresentada em um curso de formação de educadores para uso de
tecnologias. Fará parte da unidade em que tratamos de “prática pedagógica e mídias digitais”. Você
diria que há alguma coisa a aprender com este trabalho do “Saltos no tempo” que seja útil para
quem vai trabalhar com tecnologia?
Voltando um pouco à sua primeira pergunta, eu diria que o “Saltos
no Tempo” é um bom exemplo de como a tecnologia se desenvolve. No
início havia apenas uma idéia cênico-musical, uma imagem. Não
havia partitura para organizar a idéia, não havia ferramentas
didáticas para compartilhar a idéia, e não havia nem mesmo a rede
para realizar a idéia. Todos os meios para se alcançar o objetivo
de ver soar aquela música tiveram que ser criados. Tudo certamente
a partir minhas experiências anteriores, mas dentro de um
movimento de firme propósito de ir onde fosse necessário e
abertura para experimentar vários caminhos até achar um que fosse
satisfatório.
7 – O que mais você gostaria de dizer sobre este seu trabalho para colegas nossos, professores?
Não nos esqueçamos de que todos os nossos estudantes estão sempre
dispostos a vencer um desafio, desde que entendam que vale a pena
vencer este desafio e desde que tenham a certeza de que possuem e
sabem usar as ferramentas necessárias para vencê-lo. Essa
compreensão é a que me move cada vez mais em direção a essa nossa
profissão que, quando bem feita, é única.