Primeiro número do espetacular Rosebud Pop Media. Entrevistas emocionantes com críticos de música, criticando sua própria crítica. http://www.oerratico.com
2. EDITORIAIS Rosebud Pop Media é uma publicação sem qualquer periodici-
LOUCOS MAS FELIZES dade, mas tentaremos fazê-lo semestralmente.
Sempre me pareceu absolutamente normal pensar na músi-
Quem fez:
ca como um elemento importantíssimo para a manutenção
Renato Grimbaum - Sun City Girls, Década de 90, Críticos
de quase todas as atividades humanas que envolvessem um
certo teor de inspiração e autenticidade (por conseqüência, a Ricardo Amaral - Internet, Gravadoras, Sebadoh,Críticos
música deveria ser sempre autêntica e inspirada, é claro). Rodrigo Villalba - algo aqui e lá...
Não só na minha vida, mas na de todo mundo, em todas as
sociedades, em todas as épocas, nas garagens, clubes e
Quem ajudou:
carros; a música sempre estava lá, ajudando as pessoas a
colocar os pensamentos em ordem, dando coragem aos Rodrigo Lucianetti
amantes amedrontados, aos soldados confusos, inflamando
discursos de intelectuais e revolucionários, influenciando
email: rosebudpopmedia@zipmail.com.br
decisões de todo tipo.
Em breve: homepage. Aguardem.
Minha idéia a respeito da importância da música nunca
esbarrou na visão obtusa que teima em perceber a arte ape- Rua João de Lery 117
nas como entretenimento, um passatempo. Lembro-me da
Jd. Aeroporto - São Paulo/SP
primeira vez que ouvi “so, central rain”, do R.E.M., e me
CEP 04653-030
emocionei, assim como lembro-me de outras centenas de
vezes pessoais demais, piegas demais para colocar num
texto, em que determinadas melodias ditaram o ritmo e a
forma de viver a minha vida. Na verdade, eu preferiria acre-
CRÉDITO A QUEM MERECE
ditar que toda essa pieguice, todo essa “trilha sonora perma-
nente” com a qual fiz questão de rechear grande parte dos
vinte e dois, serviram ao menos para ajudar na formação de
Pra que um zine? Essa talvez é a pergunta número um que deve
um cara um pouco menos alienado. Um pouco mais sensí-
vir à cabeça de alguns de vocês e particularmente à minha. A
vel, talvez. O problema todo veio à tona, no entanto, quando
resposta até que é simples: porque é necessário. Minha intenção
comecei a desconfiar que toda essa sensibilidade e con-
sempre foi informar as pessoas do que acontece e infelizmente,
sciência crítica seriam apenas sintomas de um grande dese-
quilíbrio mental... nenhum canal conhecido por aqui permite ou faz algo do gênero.
Explico. Lendo revistas especializadas nacionais, ouvindo os Mesmo canais ditos alternativos no Brasil são mais maquiagem
últimos “lançamentos” das rádios brasileiras e assistindo à do que qualquer outra coisa.
televisão descobri que o conceito de música como instru- Existem duas origens para esse desejo de colocar esse novo
mento transformador e enriquecedor da realidade humana
canal no ar. O primeiro surgiu depois de alguns anos. Como
estava totalmente ultrapassado, se é que um dia tinha vinga-
nunca fui muito fã da modinha ou de axé/pagodinho/country
do realmente. Zanzando pelos bares da vida, encontrei três
dance, não foram poucas as vezes que ouvia a seguinte frase:
camaradas (Ricardo, Renato e Lucianetti) que pareciam tam-
bém deveras transtornados. “Você é muito radical!”, “Você é muito limitado!”. Confesso que
“Por que as grandes gravadoras amam o Brasil?”, pergunta- por um momento (ou uns anos), até acreditava nisso, que deve-
va um. “Será que há espaço para a ironia inteligente num ria “abrir mais minha cabeça” e ouvir de tudo. Só que notei que
cenário musical tão grande?”, questionava outro. “Ninguém quem estava errado não era eu: afinal, eu ouvia de tudo e não
se incomoda com tanta mediocridade latente, tanta
me limitava a ouvir somente o que as rádios (e por trás delas, as
repetição, sendo que há uma porção de coisas boas apare-
gravadoras) jogavam. Todos nós do Rosebud ouvimos de música
cendo e se perdendo na obscuridade?”, indagava um ter-
clássica a hardcore, mas primamos acima de tudo por duas
ceiro (coitado) totalmente desgostoso.
coisas: qualidade e inteligência. E isso efetivamente não está nas
Reunimo-nos algumas vezes mais, tentando aliciar críticos
musicais da grande imprensa, DJ´s e celebridades do meio rádios.
para uma conversa séria, sem resultados. Parávamos pes- A segunda origem foi ao descobrir os verdadeiros zines.
soas na rua e berrávamos: “Você não vê o que está aconte- Confesso que zine para mim lembrava “coisa mal feita”, “trabalho
cendo?!? Eles não querem que a gente pense!!!”. Algumas
de fã-clube” e panfleto político. Mas ao passar a ler coisas como
riam, outras gritavam ainda mais e havia aquelas que não
Poptopia, Popwatch, Bucketfull of Brains, Beer Frame, No
diziam nada pois o volume de seus walkmans não permitiam
Depression, Sound Collector, Pop Culture Press, The Bob,
que ouvissem nada além de Shakira e Whitesnake nas FMs
Magnet e duas clássicas: Ptoleimac Terrascope e Wire, notei que
sintonizadas.
Abatidos, voltamos ao circuito de bares da cidade e, após a função do zine era muito mais importante do que acreditava.
uma noite regada a cervejas e divagações, formulamos a Mas dois zines em particular foram os que me motivaram mais:
nossa teoria conspiratória: um grupo nefasto de “extrater- Escargot, da Kathleen Billus e Jeanne McKinney e Stay Free!, da
restres” infiltrados em todos os segmentos da mídia planeja- Carrie McLaren. É para elas que dedico este zine.
va imbecilizar a população terrestre, minimizando ao máximo
os efeitos positivos causados pela boa música. E o pior é
Ricardo Amaral
que eles estavam conseguindo!!!
Bem, aqui estamos. Bem vindos(as) à leitura do Rosebud.
Brincadeiras à parte, sei que nem sempre nossas obser-
vações e comentários serão uma unanimidade mas assim
mesmo resta a certeza de que todos concordamos em dois
pontos:
1- Alguns caras que tocam guitarras e cantam ajudam as
engrenagens da nossa cabeça e do coração a funcionar Bizarre - Rua 24 de Maio 116 - Rua Alta (220 7933)
melhor e; Velvet - Rua 24 de Maio 116 - Rua Alta (221 8947)
2- Um pouco da nossa atenção e interesse a respeito das
Parasol - http://www.parasol.com
coisas que tornam essas pessoas tão especiais para nós e
Vinyl Ink - http://www.vinylink.com
para o mundo (mesmo que quase ninguém se dê conta) é o
Forced Exposure - http://www.forcedexposure.com
mínimo que podíamos fazer.
Rodrigo Villalba CDNow - http://www.cdnow.com
CDUniverse - http://www.cduniverse.com
ou em alguma Saraiva MegaStore (que surpreende às vezes)
3. NASCE UM NOVO TEMPO ca, desde a década de 60: Beatles, Who, Yes, Pink Floyd, Black
Sabbath, Whitesnake, Queen, Motorhead, Sex Pistols, Joy
Porque Rosebud? Responderei no final, mas adianto o quan- Division, Echo & the Bunnymen, Oasis, Kula Shaker e Guided by
to é difícil descrever tal missão em tão curtas palavras. Mas Voices. São inúmeros os exemplos. Mas todas devem algo a
cumpre-nos o dever de tentar. Rosebud existe para informar. Stone Roses. Eu a chamaria de banda aranha, que consegue
Para ser crítico. Para integrar, disseminar cultura. juntar em sua teia as mais diversas influências, e ao mesmo
Pretendemos ao longo do tempo instruir, mostrar o que é tempo tributear-las em um som ao mesmo tempo diverso e
importante musicalmente. Isto é ser crítico, e inteligente. único. O seu pop é o t empo todo inédito, embora cheio destas
Mostrar aspectos ocultos dos grandes mestres do indie pop, referências. A banda tem um punch, uma vibração que progrediu
aspectos que talvez você nem imaginava que existissem. durante os anos 90 como terremotos secundários. Tudo o que
Mais importante que descrições, vamos mais à frente, à práti- se fez na década de 90 reverenciou os Roses. O que fizeram no
ca com pequenos exemplos - as bandas mais importantes de primeiro álbum foi estonteante. Eles nem precisavam ter gravado
rock dos últimos anos segundo toda a crítica mundial (Falarei o segundo disco. E uma vez gravado, não deveriam ter lançado,
de techno e hip hop no próximo número - aguardem!). Estes mas tudo bem. Quem provocou o vagalhão que eles provo-
pequenos mas expressivos exemplos são feitos para que caram, tem seu desconto.
você entenda. E não só isto, para que melhor enxergue a
Esta banda tem três características (4AD,
posição da crítica e do seu novo expoente, este zine. É
Cleopatra, Hyperion) que a coloca no nosso topo. Em primeiro
óbvio, você vai ficar com raiva quando eu falar mal da sua
lugar, o etéreo, a viagem constante e o conhecimento supremo.
banda predileta. Azar. Para nós, críticos especializados, o
É uma banda culta, com raízes em música medieval, árabe, ori-
gosto pouco importa. Você é que deve se adaptar aos con-
ental, africana, gótica e semiótica. Com tanta cultura, seu cantar
ceitos mais atuais, e não nós a você. Você é quem deve
é nosso prazer, conhecimento. Em segundo lugar, ela é perfeita
saber o que é a dificuldade do pensamento de Nietzche, de
tecnicamente. Com som claro, bem produzido, sem um só arran-
Adorno. Do pós-moderno. E porque você deve se adaptar?
hão. A minha vontade é a de mandar o mundo se calar para
Por questão de formação. Porque se estuda? Em geral, a
ouvir DCD. Em último lugar, a banda expressa o mais verdadeiro
maioria dos críticos faz parte de uma classe organizada, edu-
sentimento humano: a tristeza, a depressão. A lamúria, o canto
cada, estudada. Muitos de nós temos boas referências e
triste. As noites silentes, a vagar pela noite calada, com a músi-
antecedentes, pós-graduação na França em onanologia.
ca na cabeça até que a pilha do walkman se acabe. Somente os
Afinal, somos pagos para passar horas em casa fazendo o
ingleses têm esta capacidade, a de trazer a dor profunda para
quê? E se tudo isto fosse pouco, algo me dá sustento. O que
fora, o sofrimento para a claridade, onde podemos, mais que
falo não é diferente do que escrevem a Rolling Stone e o
resolvê-los, senti-los em toda a sua profundidade.
NME. Porque questionar? O que falamos está embasado. O
Aos vivos. Das maiores pro-
que nos falta, talvez, é uma linguagem única, um modo de
fundidades. Um CD de grandes talentos.
classificar similar. Embora de forma não totalmente dis-
Mas nada lentos. Poéticos. Pô: éticos!
cutida, o grupo de críticos tem parâmetros bem rígidos
Junto com Cuscuz clã, CC traz a mais bela
para avaliação dos CDs que você um dia irá ouvir.
perspectiva de uma fusão inteligente entre
Estes quesitos são: 1. Bandas que influenciaram; 2.
a MPB e o pop, embora ele ainda não
Presença de ritmos exóticos e samplers; 3. Postura
tenha feito pop. O regionalismo ao seu
do líder; 3. Profundidade do intróito filosófico; 4.
mais extremo valor. Neste misto de cul-
Relações epistemológicas com o paradigma da esco-
turas, fico imaginando nosso pequeno
la musical e atemporalidade; 5. Tema; 6.
Guimarães Rosa cantando covers de
Composição; 7. Evolução; 8. Harmonia; 9. Enredo.
pop. Seria delicioso ouvi-lo cantando
Enfim, chega de conversa. Vamos à exposição clara
Stone Roses: “I wanna be adored”. Chico
e simplista das bandas abordadas. Ocasionalmente,
César é aquilo que o Brasil precisa: caris-
se você ficar irritado com as opiniões, escreva para o
ma e poesia. Vamos reviver Caetano, Gil,
editor. É importante que você saiba o quanto é impor-
a tropicália. CC traz para todos nós os
tante é a polêmica. Ela é mais rica que a informação. É
bons tempos de volta, a lambreta e a sensi-
a polêmica que faz o meio, que garante empregos e ven-
bilidade. Seus efeitos poéticos trazem mais
das. Portanto, escreva!
percepção que Paulo Coelho. E sua musicalidade
Nirvana trouxe duas coisas importantes para a inédita só nos fazem lembrar nossos grandes ícones, nossas
cena indie. Em primeiro lugar, popularizou a cena indie. Isto estrelas. Brasil, terra eterna da musicalidade.
é importante. Nós não estaríamos hoje ouvindo bandas como
Outra banda britânica excelente. E traz de volta algo
TFUL, Guided by Voices se não houvesse Nirvana. Sua
importante: banda de referência única, Wire. Lembra-se?
entrada para a Geffen, sua veiculação pela MTV foi como um
Monkeys? Eram os novos Beatles. Bad Religion? Os novos
trabalho de conversão e conscientização: milhões de pes-
Buzzcocks. Rancid? O novo Clash. Elastica é como a chama
soas passaram a entender o espírito indie, a questionar a
olímpica, que por gerações leva a mensagem original, preserva-
indústria fonográfica e todo o poder no seu dia a dia. O
da sem distorções, lembrando ao mundo seus votos de paz e
mundo passou a ser mais honesto depois do Nirvana. O
prosperidade.
segundo ponto é mais tocante. Nirvana toca o público mais
Esta banda é uma lição de vida. Uma emoção à parte.
adolescente, adultos jovens em momentos críticos, de confli-
Pense bem: U2 é uma banda veterana, e seu grande mérito é a
to. É aqui que transmitem sua maior identidade. A revolta, a
coerência. Há tantos anos na estrada, e continua dando a
transformação pelo grito. Eu me lembro das notícias de
mesma lição, a mesma garra, a mesma música. Não se deixou
Cobain dopado, quebrando o quarto de hotel em Sampa. Ato
corromper no caminho, nada mudou seu destino. Além disto, U2
da mais legítima transgressão e profundidade. Eles utilizaram
nunca se vendeu. Tem todo o ativismo político incorruptível. Ela
o doping como protesto, o chapado como bandeira. Foram a
nos dá a luta das grandes causas: a Anistia, a Bósnia, as cri-
banda mais revolucionária da década. Viva Nirvana!
anças carentes. Ela canaliza toda a boa vontade das pessoas
Esta é provavelmente a mais importante
numa... boa causa! Caridosa e enérgica, a banda esteve recen-
banda do rock, depois de Love. Apesar de carregar o peso
temente no Brasil e no seu megashow, um espetáculo à parte,
de ser britânica, a banda superou as expectativas. A
competente e profissional, com lindíssimos efeitos sonográficos
Inglaterra é um país onde muito se cobra das bandas, afinal
que deixam a música quase como coadjuvante, a banda deu
o rock está na veia. É o continente onde melhor se faz músi-
4. uma lição de democracia, de comunicação. Com toda sinceri- Watt mostrou ao mundo que os indies podem ter cargos de
dade, eu, todo o público, todo o país se emocionou quando no confiança, que não são levianos. São sérios e coerentes.
estádio do Morumbi Bozo Vox se expressando com dificuldade Merecem o poder que têm.
falou em nossa língua mãe : “Oi! Boa noite! Rio de Janeiro!” ou Esta banda foi de importância suprema.
“Nós gostamos de ustedes”. A resposta do público foi suprema, Conseguiu trazer o punk o lugar devido da música: diversão.
emocionante. Mesmo em língua estrangeira, o público se O punk errou por décadas, trazendo questionamentos e con-
esforçou e cantou lindamente a letra do refrão da ultra-romântica testações, desviando o caminho de pessoas que iam aos
“In the name of love”. shows com o único intento de se divertir. Agora as coisas
O que se poderia esperar de uma banda com nome estão em seus devidos lugares. O honesto punk do Green
como este? Experimental Day é a mais absoluta
audio research? Genial. Eu, diversão, entretenimento
um reles Experimental (*) lis- garantido para pessoas de
tener me sinto um aprendiz todas as idades.
cósmico. Ouvindo as mais O pop compe-
avançadas técnicas de loop, tente dos Sundays trouxe
drone, collage e marriage aos anos 90 mais atribu-
sonoros, ecoando infinito tos: a pureza. Emoções
num ritmo infinitamente mini- claras e limpas, na voz
malístico e hipnótico consigo cristalina, quase infantil da
atingir o Nirvana tão pre- sua vocalista, que veio a
tendido por gerações e ban- influenciar importantes
das. Uma viagem. EAR con- bandas como Cranberries,
seguiu o que já se acreditava Cardigans e Drugstore. A
impossível: a fusão das EXPERIMENTAL A UDIO RESEARCH doçura e candice desta
filosofias orientais e ocidentais, banda só tem paralelos na
o conhecimento interior através da tecnologia. Consigo com a música mineira, na apologia pastoral à natureza e ao
banda, além do mais, me sentir dialético: ouvir música com quem romance. É a música do nascer do dia, canção do por do
busca sua paz interior, e ao mesmo tempo delirar de prazer com sol, das abelhinhas, dos pássaros e aves, dos campos, e do
as mais recentes conquistas tecnológicas da guitarra eletrônica. sentimento forte, o amor. Sundays é, antes de tudo, beleza.
Bravo! Melancólica e bucólica. Mas beleza.
Mike Watt é uma lenda viva do indie rock, um ver- Este compositor foi aclamado pela críti-
dadeiro ícone. Aquele pelo qual reverenciamos, e todas as vezes ca americana como um dos mais importantes da música pop
que necessitarmos de apoio, nele encontraremos. Tudo o que dos últimos anos. Com músicas absolutamente perfeitas, de
sonho na vida é ter seu autógrafo. Proveniente de uma banda composição clara, com letras irônicas e divertidas, foram
obscura dos anos 80, Minutemen, Watt teve seu talento reconhe- gravadas inicialmente por diversas bandas, entre elas Yo La
cido e lançou, em 95 o álbum conceitual da década, com a par- Tengo. Existem também gravações caseiras, não oficiais,
ticipação de todo mundo que interessa no indie, de Pearl Jam a em fita, que ocasionalmente foram transformadas em CD
Lemonheads. O álbum é o marco básico, um testamento do indie com o momento de inspiração do compositor, com seu
com toda a sua estética gravada em sulcos magnetizados. Um órgão Casio. Para ser sincero, este brilhante lofi é um exce-
álbum destes tem seu lugar na galeria dos imperdíveis, no Indie lente compositor, mas nunca li nenhum comentário a
Rock Hall of Fame, que ainda virá a ser criada. Watt é o elo per- respeito das suas espontâneas interpretações.
dido, o fio comum entre as diversas tendências. Se eu tivesse
que pensar na figura que mais me faz lembrar os anos 90, pen-
saria em Watt ou Bowie. Mais Watt, pois ele deu ao indie este ar Renato Grinbaum
de coisa séria, de instituição adulta, e por isto mesmo confiável.
EXPLICAÇÕES
Quando o Ricardo, o Renato e o Villalba me convidaram para fazer parte deste projeto, que já estava em andamento, descreve-
ram-no rapidamente como um zine basicamente crítico. Informativo, porém buscando a reflexão do leitor. Animado, aceitei o con -
vite e já fui pedindo a minha pauta, além dos textos que eles já haviam terminado e nos quais ainda estavam trabalhando. Qual
não foi a minha surpresa quando, após ler com grande entusiasmo a enxurrada de palavras que invadiram o meu email-box, dei-
me por conta de que a tarefa a que me propus seria um desafio muito maior do que eu imaginara inicialmente. Informações
providas de análise, críticas ácidas, humor refinado, emoção, vontade de transgredir e transformar. Anseios de todos os que não
querem e principalmente não conseguem ficar apáticos com relação a mediocridade do cenário musical brasileiro e com o nivela -
mento por baixo da nossa cultura. Chega de ficar se sentido um alienígena por não se enquadrar no gosto da massa. E se você
também pensa desta maneira está convidado a participar desta conspiração. No entanto, não pense que será fácil ou mesmo
agradável ler estas páginas. A nossa intenção é chocá-lo, incomodá-lo, fazer com que você perceba o mal estar que nós senti -
mos por estarmos rodeados de tanto lixo. Enfim, nós queremos aguçar o seu senso crítico e testar o seu humor. A regra aqui é
ler nas entrelinhas, retirar o tapete que esconde a sujeira. Alternativas a esse cenário existem aos montes e nós também iremos
mostrá-las com todo o prazer, pois, hoje, não há mais desculpas para aceitar o que nos é imposto por falta de opção. O acesso
à informação está cada vez mais facilitado. Ou, se não, como um cara vivendo na insólita e provinciana capital do Estado de
Santa Catarina pôde se juntar a três cidadãos paulistanos para, à distância, criar este canal? Por fim, gostaria de pedir inspi -
ração ao nosso mentor, Orson Welles, para que nos dê a arrogância e pretensão necessárias a nossa missão.
Rodrigo Lucianetti
NOTA DOS EDITORES: LUCIANETTI REALMENTE ACHOU TUDO UM GRANDE DESAFIO: TANTO QUE SUMIU, COM MEDO DO TERRÍVEL EMBATE QUE IRIA
SOFRER. E O RENATO NEGA SEU STATUS DE CIDADÃO PAULISTANO.
5. PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES soas, como eu, esperaram tantos anos para conseguir estes CDs?
Algumas tediosas resenhas sobre alguns álbuns novos e outros Pere Ubu é uma das melhores bandas de rock que conheço. Nascida
nem tanto na década de 70 em Cleveland, ela antecipou todo o movimento punk,
pós-punk e mesmo o New Wave. Até hoje é uma banda que parece
estar à frente. Porque a importância? Porque foi uma banda, assim
Swell Maps - Jane From Occupied Europe (Mute)
como Modern Lovers, Television entre outras, que transgrediram a
Apesar do início dos anos 80 estarem normalmente associados no norma do pop tradicional dos anos 60 e 70, dos eruditismos do pro-
Brasil com góticos e Joy Division, havia muita coisa boa rolando por gressivo, para construir um rock novo, irônico, provocador e questio-
trás, tanto os pós-punks como bandas inclassificáveis como Wire, nador colocando em primeiro plano o tesão. Se você ouvir os dois
Young Marble Giants e Swell Maps. Teoricamente, ouvir um álbum do melhores álbuns desta caixa, “Modern Dance” e “Dub Housing” vai
Swell Maps de 1980 hoje poderia soar datado, mas não é o que acon- reconhecer sem grande esforço, características que foram
tece. A banda inglesa era formada por pessoas até hoje importantes aproveitadas posteriormente (sem nenhuma conotação negativa) por
no cenário alternativo, os irmãos Epic Soundtracks e Nikki Sudden quase todas as bandas atuais. A relação entre Pere Ubu e bandas das
(que formou o Jacobites), além de Richard Earl e Jowe Head, que décadas de 70 e 80, como Talkng Heads, Joy Division é muito evi-
mais tarde iria aparecer no grande Television Personalities. E como dente. Em alguns momentos, Pere Ubu transgrediu além, mais à
disse acima, é difícil explicar o som da banda a não ser como caótica. frente do que a maior parte das bandas fazem. Conseguem, em
Muitas guitarras, barulhos, efeitos sonoros de helicópteros, baixos momentos brilhantes (“Life stinks” e “Laughing”) serem irônicos,
martelando, beat tipicamente britânico bombas e coisas do tipo. A poe- acessíveis e ao mesmo tempo brincarem com free-jazz. Antes que a
sia da banda nas letras desesperadas de Sudden mesclava-se per- edição fique fora de catálogo, é imprescindível deixar claro: a caixa é
feitamente às experiências sonoras de Epic. essencial não tanto por ser importante, mas por ser um tesão mesmo.
Robot Factory, a faixa que abre o segundo álbum da banda, de 1980,
é um demolidor sonoro. Instrumental com todos os tipos de barulho RPQG - Quase todo o rock atual e desde os anos 70. De Talking
possíveis (nos créditos, todos aparecem tocando “brinquedos”). A Heads a Henry Cow. De Guided by Voices a Joy Division (RG)
segunda faixa segue um tema menos concreto e mais melodioso, mas
o assalto sonoro continua. Apesar disso, há um lado pop claríssimo na DJ Shadow - Endtroducing (Mo´Wax/ffrr)
banda (não tocam assim porque tocam mal, mas porque esta é a
forma que sentem para expressarem-se), como fica claro na maravi- O livreto que acompanha o álbum é bastante sugestivo.
lhosa Secret Island, o que acaba por explicar o status cult que a Agradecimentos aos pioneiros do hip-hop como Grandmaster Flash,
banda acabou alcançando. O álbum é recheado de fragmentos de DJ Premier, Pete Rock. Admiração e elogios à cultura do vinil. Bem,
músicas, coisas de curtíssima duração e drones enormes em faixas deve ser mais um disco de rap ou coisa parecida, certo? Muito errado.
de até 6 minutos, criando uma variedade e uma consistência para um Na verdade, este álbum praticamente representa a ressurreição do
álbum que jamais cansa. A versão em CD contém ainda 6 bonus hip-hop, da cultura de rua iniciada no fim da década de 70, início da
tracks, tão boas quanto o álbum (destaque para o single Let´s Build a década de 80. Mas não pense em hip-hop como rappers e gangsters.
Car, um clássico, e Mining Village, tocada com concreto, máquina de Hip-hop é bem mais profundo que isso, tanto é que não há rappers no
escrever e kazoos - nem adianta me perguntar do que se álbum. Tratam-se de colagens, samplers
trata). Álbum obrigatório para sua coleção de essenciais do bem sacados, com influências que vão do
indie rock. É bastante clara a influência da banda sobre os drone-rock a Björk e jazz. Um disco de um
trabalhos iniciais do Sonic Youth, Thinking Fellers, entre out - instrumentista das pick-ups. Segundo
ros. alguns, DJ Shadow é uma espécie de DJ
Resta complementar comentando a triste morte de Epic virtuoso, pegando qualquer disco que esti-
Soundtracks em 1997, presumidamente por suicídio, causa- ver na frente dele e montando músicas a
do pela separação com sua namorada. Em futuras oportu- partir daí, na hora. É nesse ideal do-it-your-
nidades, comentaremos mais sobre seus álbuns solos, que self que está um forte elemento da cultura
seguiram um caminho bem diferente da proposta do Swell hip-hop. O mais interessante é que, apesar
Maps. de ser um DJ de San Francisco, a única
gravadora que lhe deu uma chance foi a já
RPQG: Wire, Sonic Youth, Thinking Fellers Local Union 282, célebre britânica Mo´Wax de James Lavelle
Fall, Mekons, Swans (RA) (também conhecido por seu trabalho como
U.N.K.L.E.), com outros ótimos artistas em
seu catálogo, como o japonês DJ Krush,
Pere Ubu - Datapanik In The Year Zero - (Geffen Records)
Air, Dr. Octagon e Luke Vibert, um dos
Qual o interesse de se falar de álbuns da década de setenta? remixers do Tortoise.
Inúmeros. Contar somente com novidades é insuficiente. Mas a razão Em faixas como The Number Song, Shadow se utiliza de batidas
principal é o fato de que esta edição dos primeiros, e melhores álbuns jazzísticas em alta rotação, com várias quebradas e mudanças
desta banda estarem disponíveis em edição limitada. Quantas pes- durante os seus minutos de duração. Midnight In The Perfect World é
6. outro destaque, com batidas mais pesadas, mas ainda assim via-
jantes. What is Killing Hip-Hop In The 90´s é uma brincadeira com o Euphone - Euphone - (Hefty)
mela-cueca do R&B moderno, o que já responde (parcialmente) o títu-
lo em questão. The Organ Song é uma criativa colagem de sons de O termo “pós-rock” é uma das coisas mais difíceis de se definir. tudo
órgão que acabam criando uma cara e identidade própria, muito dife- virou pós-rock, todo mundo quer ser pós-rock. Na verdade, se há uma
rente de um sampler comum, onde este é repetido ad nauseum. Em definição ela é vaga, mas em geral as bandas de pós-rock se apegam
momentos como esse, DJ Shadow se aproxima muito mais de uma à mistura de diversos estilos e tendências sob a roupagem mais rock.
banda do circuito Chicago/Louisville, coisa que apenas DJ Premier
Em geral os estilos mais mesclados são dub, jazz (sem nunca se
(Gangstarr) e Rakim conseguiam fazer. Um álbum que certamente
parecer com fusion), erudito e música eletrônica, incluindo o techno.
marca uma nova era de possibilidades para o hip-hop. Esperem ver
Além disto, não há tanto punch, as músicas são mais calmas e há
este álbum citado como um dos mais influentes da década em breve.
uma grande valorização do conteúdo instrumental sem solos exagera-
dos. Ao contrário, a textura e timbre são mais importantes aqui do que
RPQG: Tortoise remixes, U.N.K.L.E., DJ Krush, Eric B & Rakim, Folk
a habilidade técnica. Entre as melhores bandas de pós-rock, Tortoise,
Implosion (em KIDS), Gangstar, Air (RA)
Bark Psychosis e UI. Euphone é uma banda nova, ainda obscura, mas
com inúmeros méritos. Fazem um pós-rock simples, acessível, de
É o Tchan! - É o Tchan do Brasil! (PolyGram)
sonoridade fácil e rapidamente assimilável sem cair em lugares-
comuns. Todas as faixas são instrumentais, relativamente curtas, sem
Mais um trabalho do grupo afropop que vem conquistando cada vez
nenhuma enrolação. O que chama atenção é a diversidade e a varia-
mais espaços no Brasil e no exterior. E desta vez, eles voltaram com
bilidade. Em cada canção o arranjo, o conjunto de instrumentos é dife-
várias novidades. Primeiramente, a triste saída da Débora Brasil, que
rente, de solo percussão à estranha combinação de órgão-baixo-bate-
deve estar agora preparando trabalho solo. Com isso, a banda deu
ria, passando pela guitarra solo. A referência mais imediata é Durutti
uma virada para a entrada da mineira Scheila, estrela da Playboy de
Column, uma vez que o timbre da guitarra, o eco são bem parecidos.
fevereiro, onde demonstra todas suas qualidades musicais para felici-
Mas Euphone tem maior variabilidade e soa mais espontâneo. O som
dade dos fãs do grupo.
da banda é calmo e tranquilo, sem cair nos excessos viajantes ou
Neste que é o segundo trabalho da
esotéricos. O principal defeito do álbum é sua duração reduzida,
banda com o nome atual, a banda
defeito pequeno perante à qualidade do som.
além da tradicional utilização
de diversos estilos afro-
RPQG: Oval, Neu, Tortoise, Roy Montgomery, Marilyn Decade, Durutti
brasileiros (como o axé, a
Column (RG)
lambada, a dança da
bundinha, a dança da
Kenny G - Love Will Tear Us Apart (My Love Records/Sony)
garrafa, a dança do
põe-põe, o pagode e
Kenny G é o sétimo na linhagem de uma família tradicionalmente
a dança da galinha)
musical. Kenny A, além de ser um dos inventores do jazz melódico e
resolveu inovar ao
emotivo, também inventou Burt Bacharach, Nat King Cole e Peninha.
incorporar a antiga
Kenny B Profunda, além de fazer uma música rítmica e sensual, foi
(mas como disse
uma das pessoas que melhor manipulou o sax alto. Kenny G, filho de
Carla Perez,
Kenny F drogado e prostituído, faz música voltada para o coração,
“ainda desconheci-
como uma apache, arrebatando o músculo com sua flecha,
da”) dança do ven-
despedaçando o querido órgão em mil estrelinhas, cada uma
tre em seu som.
refletindo uma diversa e brilhante influência musical. Seu ecletismo e
Com isso, a banda
cultura são pontuados com uma rígida noção de seu espaço: o amor,
acabou criando o
o sentimento, a espera, esta última no consultório do meu dentista.
world axé, que é a
Neste álbum, Kenny G está no auge da performance, tocando pérolas
mistura da world
de origens mais diversas como “Love hurts” (Nazareth), “Love bites”
music com o axé-
(Judas Priest), “Love is a many splendored thing” (This Mortal Coil),
pagode, uma deli-
“Love me Tender” (Chester), “Love, reign o’er me” (Nelson Ned) e
ciosa combinação de
“Who do I love?” (Smiths) e composições próprias como “Gimme my
elementos rítmicos. Isso
love back” e “Come my love” entre outras. Todas em versões adultas,
tudo faz deste um disco
classificadas com 3X. Hit certo para o inverno que se aproxima, e para
irresistível nas pistas de
a sua próxima viagem de elevador.
dança.
Não espere sutilezas nas letras:
RPQG: Ray Conniff, Richard Clayderman, Whitesnake, Black Sabbath
todas são salpicadas de malandragem
(circa “Changes”), Wando, Chico César (RG)
e malevolência, como convém a uma música tão contagiante. A voz
de Beto Jamaica no hit Ralando o Tchan (Dança do Ventre) pode ser
Bedhead - WhatFunLifeWas (TranceSyndicate)
comparada como duas poderosas caixas de som no alto de uma
ladeira do Pelourinho. Deve-se destacar que a mistura de ritmos é
Apesar de hoje em dia ser meio caído gostar de bandas compostas
constante e inovadora, como se vê nos detalhes do rock de Rock do
por baixo, guitarra e bateria, numa era onde o número de teclados
Tchan, na ginga de Dança do Põe-Põe e a bem humorada Mão Boba.
esquisitos e baterias eletrônicas conta muito, Bedhead consegue ser
Mas eles, apesar dos novos caminhos trilhados, não se esqueceram
ao mesmo tempo única no que faz, e agradar aos que procuram
de seu passado, já que fizeram um medley de sucessos de sambas
coisas mais “modernas”. Originária de Dallas, mas atualmente entre
baianos. Este é um álbum essencial para aquelas festas de sábado
New York e Austin, possui seu núcleo em dois irmãos (Matt e Bubba
regado a muito chopp e alegria.
Kadane) responsáveis pela bateria e guitarra, além de Kris Wheat e
A positiva influência deste álbum deverá se refletir ainda por muitos
Trini Martinez. Estamos aqui falando de seu disco de estréia, o fabu-
anos, como se nota pela explosão de bandas conterrâneas que
loso WhatFunLifeWas, de 1993. A banda consegue neste álbum se
bebem do mesmo rico caldeirão de ritmos musicais que é a Bahia,
utilizar de recursos que, normalmente, já são meio batidos, como
terra de Caetano, Bethânia e Gil. Aguarda-se agora ansiosamente o
drones (passagens repetitivas, como mantras) e build-ups (aquele tipo
que a carreira solo de Carla Perez irá nos apresentar.
de música que vai crescendo em intensidade durante sua execução).
Contudo, isto é feito de uma forma original, já que jogam uma pitada
RPQG: Gerasamba, Molejo, Asa de Águia, Kula Shaker, Karametade,
de country rock psicodélico (leia-se Gram Parsons, ou até
Grupo Raça, Malícia (RA)
mesmo David Roback do Mazzy Star) dentro disto tudo. O
que acontece é que se enriquece de melodia um tipo de
música que normalmente se retém na repetição de 2 ou 3
notas. Além disso, o uso de pedais de efeitos é reduzido a
um fuzz ou algo do gênero, o que faz o disco ganhar ainda
mais em emotividade, em detrimento de simples efeitos de
pedais. Aliás, noise não é algo aplicável ao Bedhead.
Vocais sussurrados mas não inaudíveis ou forçosamente
bedhead “shoe-gazers” criam um clima bastante melancólico, prati-
8. Sun City Girls é uma banda única.
Daquelas incomparáveis, que você tem dificuldade para
descrever. Para começar as coisas estranhas, os girls
não contam com mulheres na sua formação. São três
marmanjos o Arizona. Na ativa desde 1984, com quase
uma dezena álbuns lançados por gravadoras bastante
obscuras, e diversas fitas caseiras. Como esperado,
quase não conhecidos no Brasil, onde se conhece o que
vende. Pelo menos em geral.
E como caracterizar o som? Bem, ai complica. Para
facilitar, vou traçar um paralelo entre os Girls e uma outra
banda que tem algo próximo: os Residents. Não que os
sons sejam tão parecidos. Não que eu esteja querendo dizer
que a música das duas bandas seja igual, mas algo em comum pode aju-
dar a descrever uma música tão complexa.
1. As duas bandas gostam de fazer álbuns temáticos, ou com assunto único. Residents fez o
Commercial Album e o Third Reich’n’roll, sobre a música pop. Fez Eskimo. Os Girls fizeram um
álbum sobre o pop/hard/blues comercial (Midnight Cowboys from Ipanema), outro sobre música lati-
na (Torch of Mystics) e também um sobre música pop oriental (3003 Crossdressers From Beyond
the Rig Veda).
2. As duas bandas ironizam a música pop tradicional. Ambas possuem uma visão critica
sobre a música que estamos acostumados a ouvir nas rádios. Esta visão crítica e irônica em
momento algum é grosseira ou ridícula. Não há infantilidade. Não se trata de “The killer mamonas”,
nem nada parecido. Ironia pode ser apenas um espelho.
3. A ironia esta basicamente na percepção da estrutura e na forma da música. Os Girls e os
Residents descarregam suas críticas nestes aspectos da música. Distorcem e transformam o pre-
visível. Evitam o formato canção-refrãozinho grudento. Quando os refrões surgem, eles sempre pas-
sam a impressão de estarem deslocados, mas propositadamente colocados ali para chocar. Da
mesma forma, a sonoridade é distorcida, torta mesmo, sem a clareza muitas vezes estupidamente
aberta da música tradicional. A transformação força que você entre na música para perceber sua
sonoridade, nada é imediato. Só que aí reside uma grande diferença entre as duas bandas. A ironia
dos Residents é intelectual, sofisticada e de difícil compreensão. E isto é um defeito. Eles distorcem
a música e seu formato até o ponto que você tem que se esforçar para perceber a proposta, para
assimilar e gostar. Eles mostram um lado distorcido e sarcástico da música, com covers bem estra-
nhas. Sua versão de Satisfaction, dos Stones, beira a perfeição, embora seja constituída mais de
neurônios que músculos. Residents é uma banda difícil. Os Girls não, a banda é descontraída.
Distorce mantendo o punch e a energia do rock. O formato da música não é tão brutalmente recorta-
do como nos Residents. Embora a banda possua momentos jazzísticos ou experimentais, com a
introdução de instrumentos bem pouco tradicionais, neste ponto sem ironia, é essa critica
descontraída que predomina na maior parte do tempo. Você entende a proposta, e gosta
logo na primeira vez que coloca o CD para tocar, embora você seja forçado a participar
da música de modo diferente que no pop tradicional, que entra até quando você está
desatento. Ao contrário dos Residents, SCG continua sendo rock, que apela para
o corpo, para o ritmo, antes de atingir o cérebro. Esta é uma diferença enorme
e marcante entre as duas bandas. Mas diferenças não querem dizer supe-
rioridade ou inferioridade. Das duas bandas, prefiro ambas.
4. Os Girls muitas vezes utilizam os mesmos vocais em
falsete bem estridente, característica muito peculiar dos vocais
dos Residents.
5. Um ponto de divergência: os Residents
abusam dos recursos eletrônicos. Os Girls em
alguns momentos são acústicos, mas na maior
parte das vezes utilizam formação tradicional
de guitarra/baixo/ bateria. Em outros momen-
tos, acrescentam instrumentos apropriados
para o tipo de som, como os sinos e outros
instrumentos orientais em “3003”. E também
improvisam, de um modo quase jazzístico. A
impressão que se tem é que os Girls estão
se divertindo muito enquanto gravam.
Com qual álbum começar? Certamente com o “3003 Crossdressers from Beyond the Rig
Veda” (Abduction Records, 1995). Neste álbum os Girls ironizam não o espirito e a filosofia oriental.
Aliás nem precisa. Estamos todos cansados desta ilusão da década de 60 de que o misticismo ori-
ental seria a salvação do mundo. E que os orientais seriam sempre pessoas sábias e viajantes.
Como se o Tibete fosse a capital do mundo; puro preconceito e desinformação. E reducionismo: cul-
tura oriental é muito mais rica e diversa que isso. E às vezes mais cruel. Os Girls ironizam as
canções pop orientais, ouvidas em radio. Em “Soi Cowboy”, as letras são incompreensíveis.
9. Aparentemente, os Girls não cantam em língua nenhuma, inventando sons, e o rock bem marcado e simples dá o tom de diver-
são. É um disco belo e divertido, com muito punch. Em todo o álbum algum clima de estranhamento e desconforto acontece.
Nas guitarras esquisitas, no vocal indiscretamente estranho, nos arranjos mais complexos. Mas é este estranhamento, este certo
desafio que agrada. Compreender o som do álbum requer atenção. Não basta ouvirmos ao mesmo tempo que falamos ao tele-
fone.
“Torch of the mystics” (Abduction Records, 1991) também é uma boa escolha, mas ele pode parecer um pouco mais
estranho a principio. Eles tocam lambada, distorcendo o ritmo de uma forma brilhante. Também um grande álbum, com uma bela
capa e encartes. Os primeiros álbuns são de assimilação mais difícil. Há momentos
jazzísticos, de improvisação, e uma audição mais atenta e cuidadosa é necessária
para melhor apreciação. Alguns destes momentos persistem nos álbuns mais
recentes, porém de um modo melhor trabalhado e com recursos musicais bem
superiores. Os últimos CDs são mais fáceis e espontâneos sem perder o punch e a
vitalidade originais. Os Girls são daquelas bandas que... bem, chega. O negócio é
ouvir e curtir essa banda, que por sinal não é mais conhecida talvez porque sua
ironia seja madura o suficiente para ser indesejada. A comédia acrítica, pastelão
agrada enquanto reforça. A comédia crítica alfineta e pode incomodar. E além
disso, nem sempre é fácil aceitar algo novo e inesperado. Às vezes é preciso cora-
gem para podemos gostar do diferente. Neste caso então é melhor ficar com a
nossa velha parada de sucessos. A melhor razão para gostarmos de um hit é o
tanto que já vendeu... Unanimidade, meu amigo!
BANDAS AFINS: Residents, e provavelmente tudo de pop/rock que você possa imaginar, desde que distorcido e ironiza-
do. Em particular God is My Co-Pilot, Zip Code Rapists.
10. A rede mundial se tornou o grande hype da mídia nos últimos anos e de certa forma, muito disto é justi-
ficável. Mas, talvez uma das maiores vantagens acabou surgindo para nós, pessoas isoladas culturalmente
da música de qualidade produzida pelo mundo afora. Vejo como nossa principal vantagem em relação à
Internet, a possibilidade de efetivamente procurarmos o nosso nicho de gostos e preferências.
Considerando o estado massificante e acachapante dos meios de comunicação brasileiros, cada vez
menores espaços para as variações e diferenças de gosto serão permitidas. Resta a rede, que facilitou não
somente a possibilidade de contato com pes-
soas do mundo inteiro, mas até mesmo dentro
de uma mesma cidade (o que é, inclusive, o
caso do Conselho Editorial deste zine), pelos
gostos e estilos que possuem. Isso sem contar
com a moleza da aquisição de material antes
caríssimo, quando vinha pra cá.
Então esta coluna pretende dar algumas dicas
de sites interessantes para o que achamos inte-
ressante. Isso significa que nem sempre sites
bonitinhos serão escalados. O conteúdo é o que
manda por aqui.
E conteúdo é o que não falta no site da Matador
Records (http://www.matador.recs.com), de
longe, o melhor site de gravadora atualmente no
ar. E há uma história por trás disso, que começa
há muito tempo atrás. Gerard Cosloy, um dos
sócios da gravadora junto com Chris Lombardi,
era o editor de um dos zines mais importantes e
mais cultuados dos anos 80, o Conflict. Esse
zine era caracterizado pela acidez, ironia e
finesse com que tratava todos os assuntos.
Chagavam ao ponto de criarem cartas falsas
(com endereços existentes!) pra montar seções,
mas era extremamente confiável quanto a suas
resenhas. O tempo passou, o zine acabou, ele montou a Matador e chegamos ao site, que mantém muito
deste estilo. A boa sacada do site é que ele possui as resenhas mais sarcásticas e engraçadas que exis-
tem (o que por si só já é corajoso, dentro de uma empresa), além de algumas surpresas. Todo ano, a
gravadora lança “campanhas institucionais” no site - uma bruta tirada de sarro no marketing moderno - e
entre elas estão o ridículo “Stay´n´school”, onde a Matador e seu cast recomendam às crianças ficarem
na escola, enquanto aprendem com vários materiais “educativos” (com muita propaganda da Matador,
claro), e a campanha pró-armamento do Detetive Paully (troque suas armas por
outras menores, para redução da violência).
Agora, nenhum destes artigos bate o ácido Stop The Vote, uma tiração de sarro em
cima do mais que babaca projeto da MTV americana para eleger os democratas, o
Rock the Vote. Nestas série de páginas, a Matador convida todos a registrarem-se
para não votar nas eleições. Uma das melhores piadas é uma foto do fuzilado
Tupac Shakur dizendo “Este ano não voto de JEITO NENHUM!!!”. Também alegam
que muitas pessoas bonitas e de sucesso, como alguns dos Kennedys, não votam.
E, caso você tenha que votar, por que não em candidatos patrocinados como Papai
Smurf, Caco e Gonzo e o Jack, do Jack´n´the Box (fotos disponíveis no site)?
Há também o newsletter ¡Escandalo! (que eles fazem questão de dizer que não é
um zine, o que bastante ético, já que é uma peça comercial com o estilo de um zine,
prato cheio pra marqueteiro fazer pose de “cool”), com várias matérias interes-
santes (não deixem de ler That´s Edutainment, uma crítica ao comercialismo da edu-
cação, Worst Of The Web -o pior da Web - e Matador Lite, onde comparam bandas “originais” e suas ver-
sões “Lite”) e entrevistas com bandas não necessariamente da Matador.
O site ainda oferece boas informações sobre as bandas do selo e vários links de fãs. Terrível mesmo só a
parte comercial do site (eficiente na tela, mas um tanto confusa na hora de mandar material para o Brasil
e agora dependente da CD Now), mas que vale a pena, pelo menos para ganhar um colante “Yo La Tengo
For President” ou algo do Guided By Voices.
Essa é a dica de site deste mês, e com certeza você vai
perder muito tempo dentro dele. Na próxima edição,
falarei sobre o Stay Free!, que de certa forma tem a ver
com este site.
11. O que faz
uma banda
ou uma
cena
serem mar- Mas na primeira metade da década a principal e mais marcante
cantes? Uma questão de percepção simples. Muitas boas bandas mudança vem de Louisville, Kentucky. Slint. Banda formada por ex-
fazem um som convencional, já um pouco batido. Bem, se alguém faz membros de uma banda de hardcore, Squirrel Bait, e que foi progres-
competentemente um som da mesma forma que os Beatles, esta sivamente se dissolvendo em outras bandas como Bastro, Rodan e,
banda soará desgastada, sem nada de novo. Ocasionalmente você a posteriormente, em bandas com tendências as mais diversas: pop
chamará de vazia, embora competente e divertida. São bandas de (King Kong), pós-rock Tortoise, experimental/minimalista (Gastr del
pouca expressão. Uma banda ou cena marcante são aquelas que Sol), instrumental (Aerial M), rock (June of ‘44, Retsin), elementos de
trazem algo de novo no conteúdo, ou, principalmente, quando con- erudito (Rachel’s) e assim por diante.
seguem se expressar de forma diferente. Não necessariamente exper- Talvez Slint não seja minha banda predileta do período, nem a que
imental e árdua, mas certamente diferente e por isto mesmo estranha mais ouço. Mas é a mais marcante. A que mais mudou o cenário
num primeiro contato. É esta transgressão, ou evolução, que fazem da musical. Não foi Nirvana. Nevermind é um bom álbum, mas como
música, inclusive a pop, um instrumento, arte, mais do que uma sim- expressão não é muito diferente do rock que se fazia nos anos 80.
ples diversão. Poucas variações. Já Slint traz estas mudanças. Num único álbum,
O que foram os anos 80, ou sua segunda metade? Em primeiro lugar, Spiderland, de 1991, Slint fez mais que o bastante. O som traz diver-
é preciso enfatizar um pouco a queda do rock inglês. Muita coisa boa sas coisas novas, e outras recicladas numa nova forma, como aquela
se produziu e ainda se produz na Inglaterra, mas em especial na área construção de canção que parece circular, geométrica, a exemplo de
eletrônica e dance. O pop inglês, embora de qualidade, passou a se King Crimson (“math-rock”). Mas Slint está longe de Robert Fripp.
importar mais com a aparência e postura do que com a música. Todo Com Slint, de certa forma há uma volta a músicas longas, com um
o pop inglês é divertido e bem feito, sem a menor dúvida. Mas como grande destaque ao setor instrumental. Mas sem solos, sem exibi-
expressão, repete bandas e cenas anteriores com evoluções peque- cionismos do rock progressivo. Ao contrário, as guitarras são ásperas,
nas. Já no meio da década de 80, Big Black, Pixies e Sonic Youth e o som está mais próximo de Big Black do que de Genesis. A grande
mostraram que a evolução maior no pop e rock estaria em terreno e mais fundamental diferença está no modo de se trabalhar o instru-
americano. Os yankees começaram a ficar mais criativos e ousados, mental. Antecipando um pouco o que virá a ser incorporado no ainda
procurando quebrar o excelente ciclo britânico de dez anos, que, vago “pós-rock”, Slint trabalha climas e ambientes. Modula tensões e
naquele momento, já começava a se repetir e pouca coisa nova trazia, sensações com pausas em momentos precisos, alternados com diver-
apesar da insistente histeria dos tablóides, colocando Stone Roses sos ambientes criados, entre eles momentos pesados. Em outros tre-
como uma das bandas mais chos, a guitarra lenta, sombria é acompanhada de um vocal sussurra-
importantes na evolução do pop. do, quase imperceptível. Climas e sensações, descrições. Emoções
Stone Roses, e boa parte do brit- bem construídas, com sensação de espaço bem ocupado. Slint, sem
pop, repetem fórmulas con- nenhuma complicação ou intelectualização faz um som acessível e
sagradas. Sua luta maior, como já inteligente. E são estas mudanças, esta abertura do rock/pop para
dito, é no vestuário, na forma de algo mais descritivo e trabalhado, mas mantendo-se o formato pop e o
se colocar numa entrevista, no punch de bandas bem barulhentas como Big Black é que fazem esta
clip, na mídia britânica. banda ser um marco importante no início desta década. O álbum
Musicalmente competentes, mas contém somente seis músicas, mas é homogêneo, segue uma
sem a ousadia das bandas ameri- lógica e parece ter sido todo pensado, bem construído.
canas que surgiam. Sim, o DIY, A cena Louisville, como já dito, não se resumiu à sonoridade do
essência da mudança nos anos Slint. Vide Rachel’s, Gastr del Sol,
70, estava gasta e sem alternativa Palace, Smog, Sonora Pine, etc.
na Inglaterra, e renascia de forma Mas Slint se comportou ao con-
distinta do outro lado do mar. trário, a própria banda encerrou o
Os anos 90, ao contrário do que sempre diz seu trabalho por aí, e o EP de 95
a crítica séria, são ricos e diversos. Do rock contém canções compostas e
ao eletrônico, do folk ao pop, cenas fragmen- gravadas na época do Spiderland.
tadas e bem setorizadas são de grande valor Cada membro da banda seguiu
e qualidade, embora transgressão maior, seu caminho, procurando não
como anos 60 e movimento punk, não ocor- repetir o Slint, mas levando esta
reram e nem se esperava que ocorressem. idéia de espaço para diversas
As mudanças não ocorrem primariamente no sonoridades, ampliando a lin-
mundo da música, mas nas mentalidades. guagem do pop.
Os anos 90 deste ângulo foram e estão Óbvio. Muita gente gostou de
sendo um pouco apáticos. Mas só um pouco. Observando com maior Slint. E o que fizeram? Alguns entenderam o recado. Outros, ao invés
atenção, todas as iniciativas são individuais, ou em pequenos grupos. de aproveitar a idéia do espaço e modulação, procuraram repetir o
Dificilmente uma banda terá impacto de Beatles, a sociedade já não som de Slint, como uma família. E o que isto gerou? Esgotamento.
tem uma linguagem comum. Ao contrário, quando uma boa banda que Repetição. Cansaço. Boas bandas, como Rex, June of ‘44 e A Minor
você gosta começa a aparecer demais, toca em todas as rádios e TVs Forest possuem identidade própria. Mas após um certo tempo
e até aquele seu colega nerd conhece, você passa a olhar a banda acabaram se tornando repetitivas. Outras são meros clones, e trans-
com desconfiança. Porque será? formaram a perspectiva Slint em acomodação. Linguagem morta.
Nos anos 90 as mudanças musicais são fragmentadas, moleculares, É por isto que logo algo seria necessário para que não houvesse uma
dentro de pequenos universos. O pop perfeito e simples está pre- estagnação. Bem, mudanças podem ocorrer em grandes saltos, mas
sente, sendo lançado por pequenas gravadoras, vide Apples in Stereo com maior freqüência ocorrem lentamente, quase que de forma imper-
e Holiday. TFUL 282 é a banda mais diversa e ousada da década, ceptível. Na maioria das vezes, diversas bandas vão somando
embora inacessível em alguns momentos. O LoFi, gravações caseiras mudanças até que alguma faz uma espécie de síntese e aí surge o
de má qualidade técnica, reinou de 87 a 95, com lançamento de impacto.
dezenas de bandas que de outra forma talvez não conseguiriam O que discutiremos na próxima edição é a segunda metade da déca-
gravar. O LoFi foi moda, e, de certa forma, chegou ao desgaste. Entre da, o que estamos vivendo agora. Enfim, muito do que está aconte-
as boas bandas, Sebadoh, Mountain Goats, Smog, Strapping cendo, em especial o pós-rock, guarda alguma relação com Louisville,
Fieldhands, Palace, Grifters, Guided by Voices. Stereolab é outra mesmo que de forma bem indireta.
banda marcante no período, assim como Trumans Water, P.J.Harvey,
God is My Co-Pilot e tantas outras que injustamente não serão Álbuns recomendados:
citadas.
Pavement foi uma das bandas mais importantes do período, com um Slint - Spiderland (Touch & Go)
grande, imenso mérito. Conseguiu trazer uma forma nova de Bastro - Diablo Guapo (Homestead)
expressão de modo claro o suficiente para ser compreendido por um Rachel’s - Handwriting (Quarterstick)
público maior. Este tipo de banda, que consegue conciliar uma lin- The For Carnation - Marshmallows (Matador)
guagem nova e inteligente com o grande público é talvez o tipo de Rodan - Rusty (Quarterstick)
banda mais importante que temos. Não adianta, no meu modo de ver, June of ‘44 - Tropics and Meridiens (Quarterstick)
uma nova linguagem que permanece restrita. Além disto, me impres- Palace Brothers - Days of the Wake (Drag City)
siona a postura da banda: o melhor é vê-la após anos de estrada, não Smog - Julius Caesar (Drag City)
fazendo pose para mídia, mantendo sua coerência.
12. xada por esses artistas apaixonados sobrevive até hoje através de
seus filhotes: Paulo Ricardo, Herbert Viana e, é claro, Perry Farrell,
Dance Of The Celts -
que presta uma merecida homenagem aos seus mentores no clip
(Narada)
Pets. O hábito de cobrir o rosto em apresentações é imitado por mem-
Você conhece John bros da banda paulistana Pavilhão 9 num rasgo de tietagem explícita.
Constantine, o personagem Longa vida à memória dos Patos!! Que as próximas gerações saibam
mais sem-vergonha do univer- reconhecer a sua importância.
so de quadrinhos Vertigo (uma Frases : “Somos mais famosos que o Pato Donald...”(Patinho Número
divisão mais adulta da DC 2, em uma declaração polêmica, que gerou protestos da Igreja e
Comics)? Bem, esse álbum é a demais instituições conservadoras); “Avoz nunca é aguda
trilha sonora ideal para acom - demais”.(Patinho Número 1); “Quá, quá !!!”(todos)
panhar o anti-herói em suas
investidas irlandesas. Também RPQG: Chico César, Planet Hemp, Pavilhão 9, Banana Split (RV)
é uma ótima música de fundo
para tomar todas, para brigar, Ravi Shankar - Chants Of India (Angel)
confraternizar com aquele amigo que você não via fazia tempo e
dançar sozinho no seu apartamento. Primeiro, a necessidade de algumas confabulações sobre a música
Começo ridículo para uma crítica séria? Bem, a tradição celta ao qual étnica . Ouvir um CD de canções folclóricas ou tradicionais de um país
as quinze bandas dessa coletânea pertencem com certeza não dá a pode ser comparado, em muitos sentidos, a assistir a uma aula de
mínima para a sua seriedade. Por isso, é bom não tentar encará-las ciências humanas . O professor (músico) e a matéria (música) podem
desse jeito...ou de qualquer outro. Apesar do compromisso em difundir ser extremamente agradáveis e interessantes, podem tornar a com-
a cultura saxônica através dessa iniciativa musical, Dance of the Celts preensão (audição) algo extremamente acessível e encorajador, para
é executada de maneira fleumática e descontraída. Não é New Age. É que todos os alunos procurem, cada vez mais, informações sobre o
Old Age. Ouça no acampamento, bêbado, e troque uma idéia com o assunto e referências sobre sua aplicação na música cultural contem-
leprechal mais próximo. porânea (entenda-se aqui, influência musical sobre artistas diversos).
Da mesma forma, tudo pode ser
RPQG: Pogues, Mark Lanegan, Pogues (RV) um grande pé no saco.
Chants of India, de Ravi Shankar,
é composto de diversos elementos
Lambchop - Thriller - (Merge)
que acabam enquadrando-o na
Está bom. Nashville, country, isto tudo é coisa chata. Lambchop é de categoria de “ótima aula; professor
Nashville, gosta de country, mas não é. É uma banda folk, como tarimbado”. É um disco leve, sem
Leonard Cohen, Nick Drake, Palace e tantos outros. Uma marca da solos de cítara de vinte e cinco
banda é o arranjo, uma vez que a banda sempre toca junto como uma minutos, que apresenta textos
gangue, uma mini-orquestra, assim como Tindersticks. E, assim como sagrados dos Vedas, Upanishas e
os ingleses, faz um som melódico, depressivo, quase sombrio, bem ao outras escrituras sagradas, canta-
gosto de “Five Leaves Left”, do Nick Drake. O álbum de 1995, “How I dos e musicados por pessoas que
Quit Smoking” muito provavelmente estará entre os melhores da déca- conhecem bem o ouvido ocidental,
da, por misturar este estilo folk de Drake com algo um pouco mais mas que têm vínculos suficiente -
rural, muita slide guitar, sem em momento algum ser countrymente mente fortes com a tradição hindu
pífio. Mas a banda não para por aí. Kurt Wagner, o mastermind da para não comprometer a qualidade musical em nome de uma criação
banda pretende algo mais pop, dá uma guinada no som da banda. “mais comercial”. Assim, optou-se conscientemente por uma obra
Boa parte das faixas deste álbum foi composta por F.M. Cornog, do didática e profunda, uma excelente porta de entrada para quem quer
East River Pipe, que faz um pop simples, quase lofi, bem melódico e conhecer mais sobre a fonte onde tantas bandas de pop andam
com letras bastante depressivas. Aliás, as canções de Cornog matando a sede, sem cair na armadilha da New Age e sem abandonar
ganham uma roupagem diferente, bem mais rica com Lambchop e é a audição antes do fim por estranhamento.
interessante comparar com a pálida simplicidade do East River Pipe. Ravi Shankar é velho conhecido dos Beatles e do seu público. A pro-
Na verdade, Lambchop é a mais britânica das bandas folk ameri- dução e co-autoria do álbum fica creditada a George Harrison . No
canas. A diferença é que no novo álbum tende o som a uma leveza encarte, os “mantras” e orações (há também composições poéticas do
maior, maior variedade rítmica, menos baladas e canções com clima próprio músico) aparecem escritas em sânscrito, em caracteres oci-
sombrio. A banda se afasta de Nick Drake e se aproxima de um pop dentais sem tradução e em inglês. Todas as letras são comentadas e
simples, perfeito, embora mais complexo que bandas de som redondi- em algumas há também interpretação de significado.
nho como Holiday e Magnetic Fields. Embora Thriller não seja um As gravações ocorreram em Madras (Índia) e Londres. Nas músicas,
álbum inovador ou genial, é um excelente álbum, e uma guinada uma base orquestrada serve de pano de fundo melódico para as
inteligente no som da banda. veenas, tablas, e o corpo que recita os versos e os canta . O resultado
varia entre a melancolia (“Prabhujee”), o lirismo (“Omkaaraaya
RPQG: Palace, Nick Drake, East River Pipe (RG) Namaha”) e o fervor (“Vandanaa Traye”). No mínimo, uma aquisição
enriquecedora.
Os Três Patinhos - Vamos Brincar Criançada (CBS)
RPQG: Ustad Usman Khan, Beatles (fase 66-67), George Harrison,
Muito se falou sobre esses três incríveis objetores de consciência, Cornershop (RV)
mas muito pouco do que se disse ou se escreveu estava realmente à
altura de sua música, um power pop com influências psicodélicas cujo
DITADURA ERA IMPLACÁVEL
resultado era sempre surpreendentemente visceral.
Os Três Patinhos praticavam música honesta e criativa ainda na
época do governo Figueiredo. Por sua atitude extremamente contesta-
dora e pela acidez de suas letras, foram implacavelmente perseguidos
pelos porcos opressores, sendo obrigados a esconder seus rostos por
detrás de máscaras confeccionadas pelo estilista e cabeleireiro Chalita
(o Steve Martin tupiniquim, que hoje trabalha no Jô Soares Onze e
Meia como esteticista).
Vocais esganiçados, distorcidos e agudos
(muito, muito agudos) desfilavam um
cardápio musical variado, que ia de
“Mamãe Eu Quero“ a “Um Bom Menino”,
versões de clássicos do cancioneiro popu-
lar executadas com a competência e
seriedade de sempre, marca registrada da
banda.
A influência musical e a lição de vida dei- PATINHOS VIVIAM DISFARÇADOS
13. 10. Pete Townsend - Face the Face
9. Lou Reed - I Love You Suzanne
8. Paul McCartney - Say Say Say
7. R.E.M. - Shiny Happy People
6. The Ramones - Pet Cemetery
5. Nirvana - Come As You Are
4. Paul Westerberg - Waiting For Somebody
3. David Bowie - Let´s Dance
2. Smashing Pumpkins - tudo desde Disarm
1. Sting - morto desde Every Breath You Take
(inclusive)
1.E.A.R. - Mesmerizing
2.E.A.R. - Hipnotizing
3.E.A.R. - Travelling
4.E.A.R. - Flying
5.E.A.R. - Vaporising
6.E.A.R. - Boiling
7.E.A.R. - Enterprising
8.E.A.R. - Terrifying
9.E.A.R. - Drowning (by numbers)
10. Trilha sonora de qualquer filme iraniano