1) O documento discute a necessidade de uma "nova musicologia" no Brasil que dialogue mais com outras áreas e tendências internacionais para superar o isolamento.
2) Propõe reflexão sobre problemas conceituais levantados pela musicologia nas últimas décadas e contribuições para o Brasil, à luz de disciplinas como história cultural, sociologia e crítica pós-moderna.
3) Defende maior diálogo transdisciplinar entre musicologia e sociedade para que a área cumpra seu papel de integrar conhecimento acadêmico e
Maria alice volpe uma nova musicologia para uma nova sociedade
1. Maria Alice Volpe – II Encontro de Pesquisa em Música da Universidade Estadual de Maringá 2003
Indentificação da modalidade: Comunicação de pesquisa
Título Uma nova musicologia para uma nova sociedade
Anais do II Encontro de Música. Universidade Estadual de Maringá, PR. outubro 2003. Ed. Massoni, 2004.
118 p.: 99-110 ISBN 85-88905-24-8 (capítulo em livro)
Nome da autora: Maria Alice Volpe
Instituição: Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Palavras-chave: Musicologia; Transdiciplinaridade; Crítica Cultural
Área de concentração: Musicologia
Endereço: Rua Conde de Baependi no. 13 apto 404 – Laranjeiras – Rio de Janeiro RJ CEP 22231-240
Tel/ fax: (21) 2225-9459
e-mail: mavolpe@mail.utexas.edu
malicevolpe@ig.com.br
Título: Uma nova musicologia para uma nova sociedade
Autora: Maria Alice Volpe
Resumo: O presente trabalho propõe o diálogo da musicologia com outras áreas de
conhecimento, bem como com as tendências mais recentes da musicologia internacional,
visando a superação do isolamento em que vive a disciplina, de modo que ela cumpra o
seu compromisso de integração entre o conhecimento produzido na universidade e a
sociedade. Propõe uma reflexão sobre os problemas teórico-conceituais levantados pela
musicologia internacional nos últimos 40 anos e suas possíveis contribuições para a
musicologia brasileira, colocada à luz dos paradigmas de disciplinas nas quais a prática
musicológica tem se respaldado, sobretudo a história cultural, a nouvelle histoire, a
antropologia cultural, a sociologia, a crítica literária, a crítica ideológica derivada da
Escola de Frankfurt, o pensamento crítico pós-moderno e a hermenêutica. Propõe,
portanto, uma reflexão conceitual da musicologia tout court, levantando aspectos
relevantes para a identidade e expansão dos programa de pós-graduação em música, bem
como contribuir mais amplamente para o debate sobre a musicologia na universidade
brasileira,visando maior diálogo e representatividade na sociedade mais ampla.
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2. Maria Alice Volpe – II Encontro de Pesquisa em Música da Universidade Estadual de Maringá 2003
Uma nova musicologia para uma nova sociedade
Maria Alice Volpe*
A relevância da musicologia como disciplina se justifica em grande parte pelo seu
potencial de se integrar no concerto das outras áreas de conhecimento. Para tanto, é
necessário um constante re-equacionamento de seus paradigmas, propósitos e impacto
social. Tais considerações se fazem extremamente oportunas numa época de crescente
institucionalização da música na universidade brasileira, sobretudo com a disseminação
dos estudos pós-graduados por todo o país.
Os resultados da pesquisa musicológica brasileira não têm gerado na comunidade
acadêmica ou na sociedade mais ampla o mesmo nível de interesse de outras disciplinas,
como a história, os estudos literários e as artes plásticas. A história cultural tem sido
protagonista de disseminação significativa de estudos acadêmicos entre um público mais
amplo. Trabalhos inovadores sobre a história do Brasil, como, por exemplo, A formação
das almas (1990), de José Murilo de Carvalho, As barbas do imperador (1998), de Lilia
Moritz Schwarcz, a série História da vida privada no Brasil (1997-99), organizada por
Fernando Novais, os estudos literários que se formaram em torno da figura maior de
Antonio Candido, O Cinematógrafo das Letras (1987), de Flora Sussekind, Estilo
Tropical (1991), de Roberto Ventura, a série sobre a arte brasileira Mostra do
Redescobrimento – Fundação Bienal de São Paulo (2000), organizada por Nelson
Aguilar, e a coletânea de estudos Paisagem e Arte, a invenção da natureza, a evolução
do olhar (2000), têm colocado a produção mais recente da pesquisa e reflexão acadêmica
para além dos muros da própria disciplina.
Cabe indagar aqui, quais seriam os motivos para o relativo isolamento da
musicologia brasileira, seu diálogo precário com as outras disciplinas e a limitação de seu
*
Maria Alice Volpe, Ph.D. em Musicologia/ Etnomusicologia pela University of Texas at Austin, E.U.A., é
Professora Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Música, cadeira de Musicologia.
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3. Maria Alice Volpe – II Encontro de Pesquisa em Música da Universidade Estadual de Maringá 2003
impacto social à disponibilização de produtos sonoros (sobretudo, concertos e CDs). A
musicologia brasileira deveria estar integrada no conjunto das reflexões da história e
crítica cultural e suas contribuições deveriam transcender a sua própria província.
Suspeitamos que o relativo isolamento da musicologia brasileira se deva menos
aos obstáculos que o conhecimento técnico da linguagem musical coloca aos especialistas
de outras áreas e ao público em geral, mas sobretudo à sua desatualização teórico-
conceitual. Todos os estudos históricos, literários e das artes visuais mencionados
anteriormente se alinham com as abordagens mais atualizadas de suas disciplinas e, em
sua maioria, manifestam substantiva transdisciplinaridade. A pesquisa musicológica
brasileira tem permanecido, em grande medida, e com distinguidas ressalvas que
aflorarão no decorrer desta pesquisa, alheia às questões que têm promovido a renovação
contínua nas outras disciplinas. Os poucos trabalhos que têm trazido novas abordagens e
ampliado o campo teórico-conceitual sobre a música e o discurso historiográfico-musical
no Brasil são muitas vezes oriundos de pesquisadores alocados em outras disciplinas,
como é o caso de “A música brasileira no séc. XIX: a construção do mito da
nacionalidade” (1977), Música e ideologia no Brasil (1985) e “Música no Brasil: história
e interdisciplinaridade, algumas interpretações” (1991), de Arnaldo Daraya Contier e,
mais recentemente, do excelente estudo O Brilho da Supernova: A Morte Bela de Carlos
Gomes (1995), de Geraldo Mártires Coelho, ambos historiadores.
A desatualização teórico-conceitual da musicologia brasileira deve ser analisada
também à luz dos desenvolvimentos da musicologia internacional nos últimos 40 anos,
período de intenso questionamento dos paradigmas da prática musicológica. A década de
1960 foi um período decisivo na musicologia internacional. Críticas à musicologia
histórica surgem de dentro e de fora dessa disciplina. Por um lado, a própria musicologia
histórica procedeu a uma auto-crítica de sua postura predominantemente positivista e, a
partir de então, foram questionados todos os paradigmas que guiaram a disciplina,
incluindo o organicismo, o historicismo, a idéia de Zeitgeist, a idéia de “estilo musical”, a
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idéia de “música absoluta”, o formalismo, o nacionalismo e a construção do canon
musical que marcou profundamente a conceituação histórica que tem guiado os estudos
musicológicos até décadas bastante recentes. Por outro lado, a etnomusicologia engajou-
se numa crítica crescentemente acirrada ao etnocentrismo da musicologia que se dedicava
ao estudo da música culta ocidental e, confundindo-a com a postura predominante entre
os especialistas de teoria e análise musical, acusou-a (a musicologia histórica) de abordar
o seu objeto de estudo (a música) fora de seu contexto sócio-histórico-cultural.
Essa crítica contínua da musicologia levou à valorização de abordagens alinhadas
com uma história sócio-cultural da música. Manfred Bukofzer, por exemplo, teve papel
importante nesse sentido, e seu trabalho The Place of Musicology (1957) refletiu
profundamente sobre a relação da musicologia com as outras disciplinas. A velha guarda
da musicologia histórica ofereceu modelos expressivos de história sócio-cultural, entre os
quais podemos citar, Curt Sachs, Paul Henry Lang, Friedrich Smend, Edward Lowinsky,
Leo Schrade, Manfred Bukofzer, Iain Fenlon e William Crosten. Depois disso, Carl
Dahlhaus, Theodor Adorno, Joseph Kerman e Leo Treitler, figuras decisivas para o
desenvolvimento da musicologia das décadas de 1970 e 1980, colocaram em primeiro
plano discussões frutíferas sobre o historicismo, a história da recepção, a crítica musical,
a crítica cultural, a sociologia da música e a hermenêutica na musicologia.
Durante esse período desenvolveu-se também uma relação paradoxal entre a
musicologia histórica e a etnomusicologia. Por um lado, acentuou-se um antagonismo
entre essas sub-áreas, expressos em artigos como os de Frank Harrison e Mantle Hood
(respectivamente, “American Musicology and the European Tradition” e “Music, the
Unknown”, in Palisca, Harrison & Hood 1963), que tocaram em problemas que vieram a
ser a linha de frente das batalhas entre a musicologia e a etnomusicologia. Por outro lado,
defendeu-se a unificação da musicologia e da etnomusicologia. Charles Seeger, pioneiro
em tal postura, afirmou em seu artigo de 1961 que “não se deve mais tolerar o costume de
ver a musicologia e a etnomusicologia como duas disciplinas separadas, praticadas por
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dois tipos diferentes de especialistas, os quais têm objetivos totalmente diferente e
mutuamente antagônicos” (p. 80). Tal unificação foi vista, sobretudo, como uma
aplicação das técnicas da etnomusicologia ao estudo da música popular e folclórica do
ocidente, bem como da música culta ou artística do ocidente. O termo “musicologia
cultural” foi proposto por Gilbert Chase (“American Musicology and the Social
Sciences”, in Brook, Downes & Solkema, 1972), por analogia à “antropologia cultural”,
ou seja, uma espécie de etnomusicologia da música ocidental, uma abordagem sócio-
cultural na musicologia.
As críticas à musicologia pela etnomusicologia tiveram bastante repercussão e, de
fato, resultados bastante concretos, a partir da década de 1980, sobretudo com um grupo
bastante polêmico que levantou a bandeira da New Musicology. Esse período foi
protagonizado por trabalhos como os de Rose Rosengard Subotnik, Catherine Clément,
Katherine Bergeron, Philip Bohlman, Susan McClary, Gary Tomlinson e Lawrence
Kramer. O artigo de Tomlinson, “The web of culture: a context for musicology” (1984),
onde o autor evoca Clifford Geertz, constituiu um marco no percurso da musicologia
histórica em direção a uma abordagem mais etnográfico-antropológica. Mais tarde em
Music and the Renaissance Magic (1993), Tomlinson propõe uma “historiografia do
outro”, cujo componente teórico-conceitual central reside em considerar o passado como
o “outro”. Nesse livro, Tomlinson se utiliza de autores como Gadamer, Ricouer e
Foucault, além de citar James Clifford, Bakhtin, Lyotard, etc. Lawrence Kramer faz
como que um contraponto à postura de Tomlinson, defendendo um outro tipo de nova
musicologia, o que ele chama de musicologia pós-moderna, e cujas posturas principais
estão consubstanciadas em Music as Cultural Practice: 1800-1900 (1990) e Classical
Music and Post-Modern Knowledge (1995).
Nota-se, portanto, a influência da postura da etnomusicologia perante o discurso
historiográfico sobre a música européia, e sobretudo as contribuições teóricas da
antropologia, da hermenêutica, do pensamento crítico pós-estruturalista e pós-moderno.
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Esse grupo polêmico se caracterizou também por introduzir temas tabus na musicologia,
como a crítica feminista, a sexualidade, a homossexualidade, e posturas revisionistas da
relação entre música e historiografia musical e a política.
Outros musicólogos menos polêmicos, embora extremamente representativos das
novas tendências da musicologia internacional, têm se engajado em abordagens
extremamente enriquecedoras para o alinhamento da musicologia com a história cultural,
entre os quais podemos citar Jim Samson, Lary Todd, Leon Botstein, John Roselli,
Richard Leppert, Carolyn Abbate, Ralph Locke, John Daverio e Jeffrey Kallberg. Tais
autores se apegaram mais à história institucional, a história das idéias, a história social e a
sociologia da música, a história da recepção, as teorias do orientalismo e do
nacionalismo, a teoria dos gêneros, a história da sexualidade e a uma abordagem
revisionista aos estudos estilísticos.
Esses desenvolvimentos da musicologia internacional das últimas décadas estão
praticamente ausentes nas posturas teórico-conceituais da produção musicológica
brasileira atual, com exceção dos estudos sobre a mulher na música brasileira. Entre os
poucos musicólogos brasileiros preocupados com os problemas teórico-conceituais da
área, figuram Regis Duprat, cujo artigo “Análise, musicologia, positivismo” (1996,
originalmente apresentado no Encontro Nacional da ANPPOM em 1992) pode ser
considerado um divisor de águas nas discussões sobre o assunto no Brasil, e que pela
primeira vez discutiu o estruturalismo à luz da hermenêutica moderna. Outro texto
importante é o de Ricardo Tacuchian (1992), que abordou o problema do pós-
modernismo com a preocupação central de entender a criação musical brasileira recente.
Mais recentemente, o trabalho apresentado por Duprat no I Encontro de Musicologia de
Ribeirão Preto (2003) trouxe uma nova perspectiva a questões que raramente são
refletidas como um conjunto interdependente, como o problema da linguagem na música
contemporânea, sua recepção e formação de público e mercado, em estreita relação com
os problemas da análise, musicologia e hermenêutica. O diálogo entre a musicologia
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histórica e a etnomusicologia tem sido a preocupação de diversos estudiosos, como
Gerard Béhague, Regis Duprat, Maria Elisabeth Lucas, Samuel Araújo, Martha Ulhôa, eu
mesma e muitos outros, embora tal vertente ainda não tenha se constituído num
movimento que articule as diversas propostas dentro de um quadro teórico mais amplo e
esteja, portanto, aguardando discussões mais sistemáticas sobre seus problemas
conceituais.
New Musicology e Musicologia Brasileira
As soluções encontradas pela New Musicology americana não são
necessariamente a panacéia para a musicologia brasileira. Mais do que uma mudança
conceitual, trata-se de uma mudança ideológica na qual está implicada a política
institucional da disciplina bem como a ação política de um grupo, de uma comunidade,
que quer se legitimar socialmente. Trata-se de musicólogos/as engajados/as em causas
das “minorias” da sociedade americana – por exemplo, os homossexuais definidos como
gays e lesbians (curiosamente, a moral americana não advoga outras formas de
sexualidade na sua agenda política, pelo menos não ostensivamente). Aliás, não apenas
engajados, mas que fazem parte efetiva dessas minorias e têm adotado como estratégia
um discurso demolidor, agressivo, polêmico. Certamente, é a parcela da New Musicology
que faz mais barulho. Quando digo que a New Musicology americana não deve ser
tomada como a panacéia da musicologia brasileira, não estou querendo com isso
deslegitimizar suas reivindicações. Me preocupo com nossas especificidades culturais, de
modo que possamos estabelecer prioridades que tenham representatividade na sociedade
brasileira mais ampla. As causas das "minorias" estão atualmente entre os problemas
sociais mais graves, ou pelo menos assim se quer fazer crer, da sociedade americana. Há
que se estudar o caso brasileiro. Sem desconhecer que tais causas encontrem eco no
Brasil, não ousaria afirmar que as causas que têm chamado mais atenção para a New
Musicology americana – ou seja, gay & lesbian studies – estariam entre os problemas que
mais afligem a sociedade brasileira no momento. No entanto, há que se reconhecer que a
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causa dos “transgêneros”, termo cunhado por Belisa Ribeiro em seu artigo no Jornal do
Brasil (2003), esteja associada a outras causas de grande alcance como a questão
ambiental, AIDS, patentes de medicamentos etc., e que no fundo fazem parte do mesmo
pacote, de um mesmo movimento, de uma mesma postura político-social. Mas há que se
salientar também que nossas "minorias" – que na verdade são maiorias do ponto de vista
estatístico pois perfazem mais de 70% da população – são étnicas. Aliás, adotar tal
nomenclatura, “minorias”, denota colonialismo cultural pois tal termo, além de não
definir com propriedade a realidade brasileira, pode ser substituído por expressões já
consagradas pelo dito político-popular brasileiro, como os “sem-teto”, os “sem-terra”, os
“sem-camisa”, os “meninos de rua”, enfim, os desprivilegiados, os marginalizados da
sociedade, ou para ser mais atual e abrangente, os “excluídos”. Parece ser consenso que a
prioridade entre as questões sociais do Brasil atual seja a exclusão social, e este termo
engloba tanto fatores sócio-econômicos, conseqüências de um longo processo histórico,
como também preconceito racial, religioso, sexual, e também falta de acesso à educação,
alimentação, moradia, bens de consumo, bens culturais etc.. Fica então a questão que não
quer calar. De que maneira a musicologia brasileira poderia responder à questão da
exclusão, seja ela de que natureza for? De que maneira a musicologia brasileira pode
responder às questões atuais da cidadania? E finalmente, em que medida as questões
urgentes da cidadania no Brasil podem se beneficiar das questões sociais referentes aos
direitos de cidadania dos E.U.A.? Em que medida as questões eleitas pela New
Musicology americana podem contribuir para a musicologia brasileira atual?
Claro que a New Musicology americana não se resume em gay & lesbian studies.
Olhemos então para outros discursos dessa comunidade que está na vanguarda da
musicologia internacional da atualidade. Um dos artigos mais provocativos foi
“Musicologia como ato político” (1993), de Philip Bohlman, que constituiu um
verdadeiro manifesto, exortando a que a musicologia assuma responsabilidade moral
sobre a atual crise intelectual e social. A disciplina costuma equivocadamente se colocar
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numa posição apolítica, respaldada em grande parte pela suposta “autonomia” de seu
objeto de estudo. No entanto, a musicologia, quer se reconheça ou não, é agente
importante numa dada política cultural, e mais amplamente na construção do saber, e
seus quadros metodológicos, ideológicos e institucionais têm grande impacto na
historiografia musical.
Outras correntes, como as teorias do exotismo e do nacionalismo, a etnografia
histórica, a formação do canon ou do museu musical, a crítica ideológica, a desconstrução
– e até mesmo a história da recepção, a história institucional, a história das idéias, a
história social, a sociologia da música e as abordagens revisionistas dos estudos
estilísticos – têm como denominador comum a crítica cultural, levando na maior parte das
vezes ao questionamento de valores e visões tradicionais, com maior ou menor ênfase no
reconhecimento da natureza política da interpretação e do conhecimento como poder
(Foucault).
A crítica cultural concebida de uma maneira mais ampla nos parece ser a proposta
da musicologia internacional mais frutífera e de maiores conseqüências para o caso
brasileiro, pois nos instiga a buscar novos quadros interpretativos para a nossa história e o
nosso presente musical. Acima de tudo, decidir sobre o tipo de musicologia que
queremos implica em decidirmos que tipo de sociedade queremos, o que nos lança
portanto para horizontes que visam o futuro.
Proposições finais
Nessa linha de reflexão visamos contribuir para a integração da musicologia
brasileira nos problemas discutidos pela musicologia internacional mais recente,
colocando ambas sob a luz do desenvolvimento das outras áreas de conhecimento,
sobretudo a história, a antropologia, a sociologia, a crítica literária, o pensamento crítico
e a hermenêutica. Para tanto, faz-se extremamente necessário um estudo crítico do
pensamento musicológico brasileiro em seus diversos quadros interpretativos, no qual as
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críticas e propostas mais recentes sejam contempladas vis a vis da tradição historiográfico
musical brasileira, bem como das tendências mais recentes da musicologia internacional e
da potencial contribuição da transdisciplinaridade.
O conteúdo das reflexões aqui propostas mantém estreito vínculo com o programa
de pós-graduação em música, pois além de propor uma revisão crítica da musicologia
internacional, contempla as novas tendências e seu potencial impacto na musicologia
brasileira. As questões abordadas são fundamentais não apenas para o conteúdo das
disciplinas oferecidas, como também para a filosofia do programa de pós-graduação.
Visamos, primeiramente, contribuir para o avanço qualitativo dos cursos de mestrado, e
sobretudo debater a identidade dos programas de pós-graduação, sua inserção na
universidade e na sociedade, bem como os caminhos para integração entre musicologia e
outros campos de conhecimento. Consideramos, portanto, abordar aspectos relevantes
para a identidade e expansão dos programas de pós-graduação em música, bem como
contribuir mais amplamente para o debate sobre a musicologia na universidade brasileira.
Visamos um acessamento crítico sobre o papel da musicologia na universidade
brasileira. Além de refletir sobre a potencial contribuição das novas tendências da
musicologia internacional e da transdisciplinaridade, nos guiamos pela constante
preocupação por alternativas que permitam a elaboração de um discurso musicológico
que transcenda as fronteiras da própria disciplina, sem abandonar suas especificidades
técnicas, e que venha a atender aos interesses e expectativas de um público mais amplo
de leitores. Nossas reflexões sobre as novas musicologias e o programa de pós-graduação
têm como horizonte a possibilidade de que a musicologia se torne efetivamente uma
interlocutora com relação às outras áreas de conhecimento e, sobretudo, de que ela
cumpra o seu compromisso de integração entre o conhecimento produzido na
universidade e a sociedade.
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