Este documento descreve a evolução da paisagem urbana da cidade de Belo Horizonte desde sua fundação em 1897. Detalha como a ocupação do sítio natural influenciou o uso dos espaços públicos ao longo do tempo, deixando marcas culturais e históricas, como a Praça Sete. Inicialmente, o local era uma paisagem natural descrita por visitantes. Posteriormente, a urbanização trouxe mudanças como o plantio de figueiras ao longo da Avenida Afonso Pena e da Praça Sete.
FUNIBER. Ana Maria Nagem - Los espacios libres de uso público de la Región centro-sur de Belo Horizonte
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Os espaços livres de uso público da Regional Centro-Sul de Belo
Horizonte na conservação e preservação da Paisagem Cultural
Free public spaces Regional Centre-South of Belo Horizonte in the
conservation and preservation of the cultural landscape
NAGEM FRADE, Ana Maria
Mestrado em ambiente construído e patrimônio sustentável da escola de arquitetura da UFMG - MACPS
Rua Paraíba, 697‐ Funcionários
CEP 30130‐140 ‐ BELO HORIZONTE ‐ MG
anamarianagem@gmail.com
anamaria@espacoun.com.br
RESUMO
Pretende-se, nesse trabalho, verificar como se deu a ocupação do sítio natural de Belo Horizonte, a fim de
identificar os elementos do território ou da urbanização que condicionam a paisagem e deixam marcas
que a ocupação humana imprimiu na paisagem da Nova Capital de Minas Gerais, ao longo do tempo,
atribuindo-lhe valores.
A partir da definição da portaria 127 do IPHAN para a “Paisagem Cultural Brasileira”, procura-se
identificar os elementos da paisagem dos espaços livres de uso público de Belo Horizonte que tenham se
tornado representativos e que expressem valores e marcas impressos pela ciência humana, na porção do
território estudada.
Os espaços livres de uso público da Regional Centro-Sul de Belo Horizonte contêm elementos que indicam
interações significativas entre o homem, a cidade e o meio-ambiente natural e são expressivos marcos
históricos e culturais, legados da urbanização.
Nesse estudo de caso – Praça Sete de Setembro – ou Praça Sete como é comumente chamada, procura-se,
numa abordagem qualitativa, expor questões contemporâneas próprias de grandes centros urbanos
objetivando identificar estratégias de preservação e conservação que possibilitem que esses elementos
representativosmantenham suas características de paisagem cultural.
Palavras Chaves: Paisagem cultural;Estratégias de preservação; Espaços livres de uso público.
ABSTRACT
It is intended, in this work, check how was the occupation of the natural site of Belo Horizonte, in order to
identify the elements of the territory or of urbanization that affect the landscape and leave marks that human
occupation printed in the landscape of New Capital Mining General, over time, by assigning values.
From the gate of the definition 127 of IPHAN for the "Brazilian Cultural Landscape" seeks to identify
landscape elements of free public spaces of Belo Horizonte that have become representative and express
values and printed marks to human science, the portion of the territory studied.
Free public spaces Regional Centre-South of Belo Horizonte contain elements that indicate significant
interactions between man, the city and the natural environment and are significant historical and cultural
landmarks, urbanization legacy. In this case study - “September Seven Square” - or Seven Square, as it is
commonly called, looking up, a qualitative approach, exposing themselves contemporary issues of major
urban centers aiming to identify preservation and conservation strategies that enable these representative
elements maintain their characteristics cultural landscape.
Key-words: Cultural landscape; Preservation strategies; Open spaces for public use.
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1. INTRODUÇÃO
A portaria 127 do IPHAN define a “Paisagem Cultural Brasileira”, como sendo “uma porção peculiar do
território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e
a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. A partir desse conceito, procura-se identificar
esses elementos da paisagem dos espaços livres de Belo Horizonte, na porção do território estudada – Praça
Sete -, que tenham se tornado representativos e que expressem valores e marcas impressos pela ocupação
humana no local.
O estudo de caso tem como recorte a Regional Centro-Sul, por conter o berço da urbanização da cidade -
os espaços livres urbanos desde a implantação da Nova Capital até os dias atuais -, e tem como objetivo
apontar diretrizes para um planejamento que considere as potencialidades de uso do sítio urbano, e a
simbologia que esses espaços carregam, agregando valor à paisagem urbana após a ocupação e trazendo à
luz características que tornem possível sua identificação como paisagem cultural.
Por meio de análise de documentação primária e de fotointerpretação, defende-se a hipótese de que a
ocupação do sítio natural influencia o uso e a apropriação dos espaços livres de uso público condicionando
as marcas e significados culturais, históricos e os legados da vivência de seu povo que esses espaços
comunicam para as gerações futuras.
Além disso, as intervenções que se faz nesses espaços após algum tempo de ocupação e consolidação do
uso, interferem na apropriação pelo usuário e na leitura do espaço como local de memória ou transformam
seus elementos em marcos da história e da cultura de um povo. Mesmo que esses elementos já não existam
mais, suas impressões se fazem presentes na paisagem.
O meio urbano é heterogêneo e requer urbanização diferenciada, de acordo com as peculiaridades de cada
porção desse sítio. A ocupação urbana inadequada do sítio natural leva a problemas ambientais e pode
resultar em inadequada apropriação dos espaços livres, tornando-os impróprios para o uso, ou até mesmo
esvaziando-os de seu significado cultural e histórico.
Recuperando a evolução da ocupação urbana de Belo Horizonte e conhecendo os processos que permearam
essa urbanização, é possível interrelacionar aspectos físicos e humanos que fizeram com que os espaços
livres públicos fossem se impregnando de significados que deixaram marcas na paisagem da Nova Capital.
A partir desse conhecimento, pretende-se apontar diretrizes que auxiliem nas estratégias de intervenção
nesses espaços públicos – cenários da vida urbana – para que a paisagem da cidade seja expressão de
suacultura, integrante da memória de seu povo.
2. PAISAGEM URBANA E PAISAGEM CULTURAL
2.1 Paisagem urbana
Segundo Ferreira (1997), “abordar a temática paisagem urbanarequer o esforço de incorporar e lidar com
conceitos provenientes de diversas áreas de conhecimento”, não somente pela própria amplitude do
conceito, mas também por não haver, ainda, vasta literatura sobre o tema.
Para efeito dessa investigação considera-se a paisagem urbana como o resultado das interações entre as
características do sítio natural e o processo de ocupação. Tomando a paisagem como materialização do
espaço urbano, deve-se observar que esta não se limita ao plano visível, mas a todas as interações da
ocupação humana que modifica, ao longo do tempo, os componentes diversos do sítio natural.
Quanto à urbanização, observa-se a época da ocupação, usos, tipos de parcelamento, aspectos antrópicos -
perfil sociocultural e econômico da população – e como essas variáveis interagem modificando as feições
do sítio natural.
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2.2 Paisagem Cultural
O conceito de paisagem cultural introduzido pela portaria 127 do IPHAN abre, então, uma nova e vasta
trajetória para pesquisadores e investigadores ampliando consideravelmente o conceito de paisagem
adotado até meados dos anos 60, em estudos e investigações dos processos de interação entre a ocupação
humana e o sítio urbano ao introduzir a noção de que essa ocupação imprime marcas e valores numa porção
de território.
Para que a ciência humana imprima marcar e valores em determinado sítio é necessário analisar a ação
humana sob a ótica da cultura desse povo, suas idéias e conceitos, sua organização social, enfim, todos
esses aspectos assentados sob a linha do tempo, construindo uma história.
A paisagem urbana espelha as diversas cristalizações de sua estrutura espacial, por isso só se limita ao
visível no primeiro contato. Depois de desvendada, ela traduz os processos naturais, políticos, econômicos,
sociais e culturais dos quais a cidade foi cenário. Ao longo das décadas, o vai e vem dos pedestres, a
diversidade de uso, as mudanças de elementos identificadores do espaço construíram grande diversidade
de faces da Praça Sete e interferiram nas feições e na identidade de Belo Horizonte.
3. A PAISAGEM DE BELO HORIZONTE
3.1 Os primeiros registros da paisagem do arraial
Eram muitos e ilustres os visitantes que chegavam pouco a pouco no arraial, querendo conhecer o sítio
natural onde se instalaria o novo centro político do Estado. Vinham a pé, a cavalo, ou em carro de bois,
partindo de Sabará ou Rio das Velhas (cidades próximas onde havia estrada de ferro), vencendo as inúmeras
dificuldades da viagem. Dentre esses visitantes destaca-se Olavo Bilac, poeta famoso à época, que em
companhia do Dr. Sabino Barroso Júnior, Rodrigo Bretas e Miguel Lisboa, aqui estiveram em fins de
janeiro de 1894.
Em crônicas, Bilac descreve aspectos da paisagem do sítio natural do arraial extinto, antes do início das
obras civis para a Nova Capital, tais como morfologia do terreno, cobertura vegetal, relevo, etc.
Esses elementos do relevo e da paisagem podem se revestir de valores para uma determinada sociedade e
se tornarem marcos indeléveis na memória de um povo, constituindo-se importantes paisagens culturais.
Cita-se como exemplo a Serra do Curral, paisagem cultural de Belo Horizonte.
Dentre os recém-chegados para os trabalhos da nova capital, além de Bilac, está Alfredo Camarate, que
descreve em crônicas as impressões que a paisagem local lhe causou, exaltando as “extensas alamedas de
jardins” ao longo da estrada. Sob o pseudônimo de Alfredo Riancho, escreve no Minas Gerais (1894),“Por
montes e vales” que fez na nova capital o que sempre fizera em todo lugar onde chegava, seguindo ruas,
travessas e praças, colhendo proveitosos ensinamentos que o acaso lhe trazia. Fazia pinturas registrando os
locais por onde passava e escrevia sobre o clima, o solo e a feição da população. Em conversa com os
transeuntes, colhia-lhes as impressões do local, descrevendo-as como no trecho que se segue:
...”a temperatura é amena, temperada havendo freqüentes virações que,
enquanto a civilização não povoar com milhares de habitantes este verdejante
jardim, nos chegam embalsamadas dos perfumes resinosos das florestas... Se no
Brasil há paisagens que se assemelhem às da Europa, é com certeza em Belo
Horizonte, cujo firmamento não é tão atrevidamente azul como
Nápoles...Quando contemplamos um ponto de vista desta localidade, recebemos,
no seu conjunto, uma impressão de que a vegetação de Belo Horizonte tem verdes
mais profundos e limpos...” (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO,
1985, p.35,36,82).
Riancho ressalta a relevância da interferência na paisagem natural de um sítio, cuja proposta era de criar
um centro urbano que viabilizasse o desenvolvimento, absorvendo os imperativos do progresso, mas que
não agredisse a harmonia entre a “multiplicidade dos planos apresentados pelos montes com o azul
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violáceo do céu...as imensidades das nascentes e córregos...o rendilhado das matas...que nos
proporcionam graciosíssimos episódios de paisagem...com a qual paisagista nenhum ousaria competir”.
Tinha, também, ampla noção da importância de se documentar cada etapa de intervenção num sítio natural.
Sugeriu que constasse dos arquivos do Município registro fotográficodo local antes e durante a construção
da cidade, ainda que esse recurso tivesse seu tempo de “vida” limitado. E, ainda que as belezas que provêm
da civilização, do crescimento tenham sua graça, Camarate diz que “não há prazer maior, para quem tem
de andar muito, do que olhar para o caminho que já se tem andado: o confronto entre as duas situações,
criando duas realidades de expressão inenarrável....as ruas já surgem margeadas por sebes...grupos de
bananeiras e eucaliptos dançam entremeio as linhas atormentadas da paisagem”.
Riancho deixou, com suas obras, documentação valiosa, através da qual puderam ser reconstituídas cenas
da paisagem natural à época da construção da capital cujos elementos se tornaram marcos históricos e
transformaram alguns espaços em locais de memória, fundamentais na composição da paisagem cultural.
3.2 A ocupação urbana de Belo Horizonte de 1897 a 2007 – intervenções na Avenida Afonso Pena
e na Praça Sete
Ponto central da Afonso Pena, a Praça Sete teve o mesmo tratamento arbóreo de toda a avenida. Centenas
de mudas de fícus benjaminaforam plantadas em toda a sua extensão, quando da implantação da nova
capital. Essa espécie, de origem asiática é muito utilizada na arborização urbana no início do século XX em
várias cidades brasileiras, caracteriza-se por suas raízes fortes, potentes e expansivas, seus troncos espessos,
suas copas enormes e pela altura de até 20 metros. (FREYRE, 1989, p. 76, 77)
Através de referência poética de cidade vergel, a arborização da Avenida Afonso Pena, inspirou escritores
que decantavam Belo Horizonte por sua paisagem peculiar. Em 1920, João do Rio descrevia a capital como
um “miradouro nos céus arborizada como só o paraíso deveria ser”.
FIGURA 1 - Praça Sete em 1905. Plantio dos fícus benjamina ao longo da praça e da Avenida Afonso Pena
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=572106
Em 1922, para comemorar os 100 anos da Independência Brasileira, as atenções se voltam para a Praça 12
de Outubro, que passa a se chamar Praça Sete de Setembro e ganha o famoso “pirulito”.
O progresso continua na década de 30. Numa fotografia de 1930, vê-se o movimento de pedestres ao lado
do abrigo dos passageiros dos bondes, emoldurado pelo verde das fileiras de fícus, sugerindo uma interação
entre transeuntes e árvores. Muitos se concentram em suas sombras e ao lado dos abrigos, que circulavam
em via estreita entre as árvores.A arquitetura além do verde permanece quase oculta.
Na década de 40, Abílio Barreto elogiava a sua arborização magnífica (BARRETO, 1950). Carlos
Drummond de Andrade, ao percorrer a cidade de “árvores repetidas”, confessa: “debaixo de cada árvore
faço minha cama, em cada ramo penduro meu paletó”.
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Em 1949, as árvores continuavam na Afonso Pena, na Praça Sete e no grande corredor verde até o pé das
montanhas, quando o desenvolvimento urbano e o progresso ainda conviviam em harmonia verde e cinza
com a natureza.
FIGURA 2 - Avenida Afonso Pena e Praça Sete, em 1930. As vias e os abrigos dos bondes sombreados pelos ficus.
Fonte: Arquivo da cidade de Belo Horizonte, acervo José Góes.
FIGURA 3 - Avenida Afonso Pena e Praça Sete, em 1949. Massa arbórea dos fícus ao longo do eixo central da
cidade, em direção ao pé da Serra do Curral.
Fonte: Arquivo da cidade de Belo Horizonte, acervo José Góes.
Mas, numa manhã de 1962, a cidade parou para ver o corte dos fícus da Praça Sete, realizado ainda na
administração do prefeito Amintas de Barros. A paisagem é de absoluta ruína. Com toda a sua copa podada
até os tocos dos galhos, o tronco mostra a precariedade do tratamento dado à árvore em vida, pois, ao seu
redor, vários cartazes de propaganda política haviam sido colados.
FIGURA 4 - Fotografia retratando o corte dos fícus da Praça Sete, 1962.
Fonte: Arquivo da cidade de Belo Horizonte, acervo José Góes.
Não bastasse o impacto causado pelo corte dos fícus, em agosto do mesmo ano de 1962, o obelisco foi
retirado da Praça Sete, ficando esquecido no quintal do Museu Abílio Barreto até ser levado para a Praça
Diogo Vasconcelos, conhecida como Praça da Savassi. Em seu lugar, foram colocados os bustos de Afonso
Pena, Augusto de Lima, Bias Fortes e Aarão Reis.
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O corte dos fícus representou desalento para muitos, principalmente por ter sido realizado à noite, sem
consulta à população. Desta data até dezembro, não só a Praça Sete como toda a Avenida Afonso Pena, a
cada manhã exibiam uma feição irreconhecível.
Segundo Jorge Carone, Prefeito à época, era necessário que o corte fosse à noite devido ao movimento de
carros e transeuntes. Para muitos, entretanto, essa atitude reforçaria a atribuição de um caráter sorrateiro
das autoridades municipais, destruindo arbitrariamente um lugar de memória coletiva (FREITAS,2007) em
nome do progresso e do desenvolvimento da cidade (EM, 29/11/1963, p. 4).
FIGURA 6 - Fotografia mostraos troncos dos fícus na Avenida Afonso Pena em 1963
Fonte: Acervo do Jornal Estado de Minas.
Essas duas intervenções – o corte dos fícus e a retirada do obelisco – tiveram impacto bastante expressivo
na história de Belo Horizonte, por afetarem a paisagem urbana, a memória e interferirem decisivamente no
uso, na nova ocupação e na apropriação desse espaço público pelo belorizontino. A retirada dos elementos
de identificação da cidade causou um hiato na relação da população com sua paisagem cultural.
É importante perceber que o verde (massa arbórea), à época, criava mais que uma ambiência. Os fícus
representavam a identidade da cidade, um marco, um elemento representativo da paisagem cultural.
Mais que isso, funcionavam como o pulmão, órgão vital desse grande organismo urbano. O belorizontino
experimentou um calor de 36°C à sombra, seguido de um estio interminável, nesses mesmos dias. Segundo
Freitas (2007) os reservatórios de água de Minas Gerais atingiram níveis baixíssimos, comprometendo o
abastecimento em várias regiões, dentro as quais a cidade de Belo Horizonte.
Em 1964, Carlos Drummond de Andrade se recusa a escrever sobre o aniversário da cidade, protestando
contra o cenário desolador da Avenida Afonso Pena, sobretudo pela identidade com o verde que o
belorizontino tinha nos anos 50:
“Em meu repertório de imagens queridas, a Avenida Afonso Pena continuará sendo aquela massa de
verdura que, do alto, separava a cidade em duas partes e, cá em baixo, era um túnel sem angústia do
túnel.(...). Ora, fabricação de ruínas não sugere festas. E como isso de acabar com árvore na capital
mineira parece uma constante das administrações, pois não é de hoje que ouço falar na guerra de prefeitos
contra o patrimônio vegetal legado pelos que fizeram do Curral Del Rey uma cidade com cara própria e
gentil, com jeito pessoal de cidade (um jeito tão chamativo e repousante ao mesmo tempo), eu lhe pergunto:
que aniversário vamos comemorar, o da antiga Belo Horizonte, doçura dos olhos, com suas figueiras
amáveis, ou da árida pista de trânsito, igual a milhares de outras neste vasto Nordeste que é o Brasil de
Norte a Sul? Nenhum.” (ANDRADE, Carlos Drummond, 1930.)
Gradativamente, a cidade se tornava menos verde, continuavam as derrubadas das árvores para a ampliação
de vias, os jardins de várias igrejas foram vendidos para a abertura de estabelecimentos comerciais, as
atividades mineradoras depauperaram a Serra do Curral, alterando a moldura e a referência do belo
horizonte que se podia vislumbrar emoldurando a Afonso Pena. A essa cidade, o poeta se recusaria a
retornar, pois, despida de seus túneis verdes e de seus canteiros, transformara-se em um "triste horizonte"
(ANDRADE, 1930).
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Nas décadas seguintes, a Afonso Pena manteria seu papel de corredor político, e a Praça Sete, onde ocorriam
as manifestações mais importantes da cidade, políticas e socioculturais, sem a reputação de corredor verde,
ostenta o obelisco como elemento identificador da cidade.
Após o “milagre econômico” dos anos 70 que teve grande influência na arquitetura, o crescimento acelerado
da cidade foi mudando suas feições provincianas e o colonial passa a conviver com o moderno. O número
de obras e de veículos se multiplica e a administração pública precisa restaurar a ordem urbana a fim de
não perder o controle desse crescimento, sobretudo no hipercentro. Mudanças rápidas interferem
diretamente na percepção que a população tem do espaço urbano, na sua vivência e cotidiano. Como
conseqüência observa-se visível alteração de costumes, valores, identidade. Não se pode prever a direção
dessas mudanças, mas sabe-se que a população responde às inovações no meio urbano, mesmo que geradas
pelo progresso e desenvolvimento da sociedade. Tal abalo reflete-se no cenário urbano e registra marcas na
paisagem.
Em 1979, o PLAMBEL elabora o Projeto da Área Central de Belo Horizonte – PACE visando melhorar o
tráfego no centro da cidade e uma melhor circulação para o pedestre. O projeto modifica bastante a estrutura
viária de Belo Horizonte, alarga passeios, estreita ruas, altera a sinalização e direção de vias. Em 1981 foi
implantado o novo sistema de transporte coletivo, com a inovação de ônibus Bairro a Bairro, Bairro-Centro
e Circulares, e em 1985, inaugura-se o Metrô de Superfície. O crescimento da economia, em 1984, instala-
se a era dos Shoppings Centers, dos Hipermercados e Belo Horizonte experimenta um grande aumento na
área comercial, que se manifesta, sobretudo, na área central.
A Lei nº 4034/85 adota parâmetros importantes para os espaços públicos de Belo Horizonte - 35% da área
dos loteamentos é transferida ao poder público para ser usados com logradouros, equipamentos urbanos e
comunitários e áreas verdes. Mas ainda sem precisar a parcela de área destinada aos equipamentos urbanos
e aos espaços verdes de uso público. A Lei Ambiental do Município – Lei nº 4253/85 é que define a política
de proteção e conservação do meio ambiente e da melhoria da qualidade de vida em Belo Horizonte.
Através dessa Lei a Secretaria Municipal de Meio Ambiente passa a fiscalizar, planejar e administrar as
posturas ambientais, a monitorar impactos do crescimento acelerado e a fornecer diretrizes técnicas para
outros órgãos da administração pública. Esse é um marco importante no resgate da identidade da população
com o verde, e no berço de nova aliança, surge outra paisagem, novos marcos se estabelecem, nova
identidade da população com o espaço urbano vai se delineando.
FIGURA 7 - Fotografia da arborização da Avenida Afonso Pena, próxima à Praça Sete, na década de 90
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/13404264
FIGURA 8 - Fotografia da Praça Sete em 2009
Fonte:http://imgs.uai.com.br/arquivos/app/noticia173/2009/12/26/141554/20091226085550614608o.jpg
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4. A PRAÇA SETE DE SETEMBRO
4.1 O plano original da cidade
A planta geral da cidade de Belo Horizonte, executada pela 2ª seção da 4ª Divisão, responsável pelos
trabalhos de topografia, arborização, arruamento, terraplenagem, chefiada pelo Dr. Américo de Macedo,
foi aprovada pelo Decreto n 817, de 15 de abril de 1895. A futura cidade, considerada uma maravilha da
ciência e da arte moderna, inspirada pela grande cidade argentina de La Plata.
A Avenida Afonso Pena destacava-se no plano de Aarão Reis por ser uma avenida de 50 metros de largura,
com passeios de 4 metros junto aos prédios, aproximadamente 3.320 metros de extensão, projetada para
funcionar como eixo norte-sul do perímetro urbano da "Cidade de Minas Gerais" e inaugurada junto com
Belo Horizonte, no final do século XIX, em 12 de dezembro de 1897.
As ruas, projetadas com 20 metros de largura, para comportar a conveniente arborização, a livre circulação
de veículos e carris e as avenidas com 35 m para beleza e conforto para a população.
Instruções da Comissão Construtora da Nova Capital versam sobre o estudo experimental de plantio e
replantio de árvores indígenas e exóticas e formação de um grande viveiro para atender as necessidades de
ajardinamento e de arborização da cidade, e ainda a execução de projetos aprovados para a construção de
parques e jardins.
4.2 Os elementos identificadores da Praça Sete
No plano original, a Praça Sete de Setembro, comumente chamada de Praça Sete, localiza-se no cruzamento
de duas grandes vias que se cortam perpendicularmente – a Avenida Afonso Pena e a Amazonas, e é
entrecortada pelas ruas Rio de Janeiro e Carijós. Esse ponto de interseção, onde haveria uma praça, marcaria
o centro da capital
FIGURA 9 - Marco do eixo da Avenida Afonso Pena, onde seria implantado o “pirulito” da Praça Sete em 1905
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=831846
O Pirulito
Marco zero do hipercentro, a Praça Sete ostenta, em seu ponto central, um obelisco1
doado pelo povo da
Capela Nova do Betim, hoje município de Betim, aos habitantes da capital mineira, por ocasião da
comemoração do Centenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1922.
Desenhado pelo arquiteto Antônio Rego e construído pelo engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá, esse
obelisco – o "Pirulito", como é conhecido -, é feito de granito e formado por uma agulha de 7m apoiada
sobre um pedestal quadrangular adornado por um poste em cada uma de suas arestas.
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obelisco (do latimobeliscus do gregoὀβελίσκος, diminutivo de ὀβελός "espeto") é um monumento comemorativo,
típico do Antigo Egipto, constituído de um pilar de pedra em forma quadrangular alongada e sutil, que se afunila
ligeiramente em direção a sua parte mais alta, normalmente decorado com inscrições hieroglíficas gravadas nos quatro
lados, terminado com uma ponta piramidal.http://pt.wikipedia.org/wiki/
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FIGURA 10 - O “Pirulito” da Praça Sete e o edifício do Banco da Lavoura – marcos que a ciência humana imprimiu
no cenário de Belo Horizonte, vestidos de valores socioculturais, históricos, consolidam-se como paisagem cultural.
Fonte:http://belohorizonte.fotoblog.uol.com.br/images/photo20081127105004.jpg
Apesar da pedra fundamental ter sido lançada em 1922, o Pirulito só foi inaugurado no local, por Olegário
Maciel, em 7 de setembro de 1924.Em 1932, o Cine-Teatro Brasil foi construído na esquina da Avenida
Amazonas com a Rua Carijó.
FIGURA 11 - Fotografia do Cine Brasil na década de 1930
Fonte: http://www.vmcinebrasil.com.br/cine/imagens/decada30-cinebrasil2.jpg
FIGURA 12 - Praça Sete durante a campanha de arrecadação de metais para ajudar o Brasil na 2ª Guerra Mundial.
Fonte: http://belohorizonte.fotoblog.uol.com.br/images/photo20060926005901.jpg
O Pirulito, desde sua instalação, é local de manifestações sociais, políticas e culturais. É um símbolo, e está
vinculado a um espaço público representativo da interação do homem com o meio urbano. Essas
manifestações imprimem no espaço valores e marcas.
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FIGURA 13 - Praça Sete (1946) em que se vê a arborização da Avenida Afonso Pena emoldurada pela Serra do
Curral. Fonte:http://belohorizonte.fotoblog.uol.com.br/images/photo20071127104803.jpg
Em 1950, foi inaugurado, na esquina da Avenida Afonso Pena com a rua Rio de Janeiro o edifício do Banco
da Lavoura, projetado por Álvaro Vital Brasil em 1946. O projeto em estilo arquitetônico moderno, recebeu
o prêmio de arquitetura na 1ª Bienal de São Paulo. Em 1953, foi inaugurado o prédio do Banco Mineiro da
Produção, projetado por Oscar Niemeyer em 1951.
Em 1962 o obelisco foi retirado da Praça Sete e remontado na Praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi,
FIGURA 14- Fotografia da Praça Sete sem o obelisco, em 1964
Fonte: http://belohorizonte.fotoblog.uol.com.br/images/photo20060217163603.jpg
Em 2003, a praça passou por intenso programa de revitalização. Atendendo à norma brasileira de
acessibilidae, a NBR 9050, tornou-se acessível para pessoas com necessidades especiais e com mobilidade
reduzida. Além disso, cada um dos quatro quarteirões fechados reebeu nome indígena, como as ruas
transversais no projeto de Aarão Reis. Depois da reforma, a Praça Sete foi tomada pelo Museu Histórico
Abílio Barreto como acervo operacional da instituição.
5. CONCLUSÃO
Apesar das dificuldades sociais das cidades metropolitanas como Belo Horizonte, é crescente a demanda
por espaços públicos urbanos, cujos projetos são inúmeros, entretanto esquece-se de que precisam de planos
de manejo e de políticas públicas para nortear sua implantação, ocupação e monitoramento adequado para
que se tornem, efetivamente de uso público, no sentido mais amplo, trazendo segurança, conforto, lazer
para toda a população, e possibilitando o uso de maneira que possa ser representativos enquanto locais de
convivência, de memória, cenários da história e da identidade de um povo.
Segundo MACEDO (1999) parques e praças são os atores principais na formação da paisagem urbana e
responsáveis pelo atendimento de demandas sociais, de circulação, acesso, trabalho e recreação e estão
vinculados à mobilidade, ao cotidiano da população, tanto nas ruas e calçadas como nos demais espaços
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livres, públicos e privados.A ordenação e estruturação dos espaços urbanos e a articulação entre espaços
livres e edificados configura e qualifica a forma urbana, organizando-os em sistemas. ParaMACEDO
(1999):
“A idéia de sistema de espaços livres urbanos está vinculada a uma idéia de
ordenação total do espaço urbano advinda de procedimentos de controle
urbanístico, introduzidos no Brasil durante o século XX, expressas por meio de
planos diretores e de desenvolvimento urbano, criados e idealizados na tentativa
de disciplinar o crescimento urbano de um modo social e economicamente
viável”.
As intervenções feitas pelo poder público nos espaços livres urbanos, sobretudo aqueles já implantados há
algum tempo, devem considerar a morfologia do local e do entorno, sua localização e inserção na malha
urbana, a intensidade e tipologia de uso, enfim, os condicionantes físicos, sociais, históricos e culturais, a
fim de minimizar os impactos junto à população. Mudanças na tipologia têm conseqüências imediatas na
intensidade de uso,na apropriação do espaço urbano pelo usuário e interferem, largamente, na condição
ambiental da cidade e, posteriormente, na construção da identidade do cidadão com o espaço público.
A interação do homem com o meio natural condiciona a apropriação de espaços públicos e vai imprimindo
nestes, marcas e valores, inicialmente físicos e históricos, e posteriormente culturais e de identidade. Dessa
maneira, os espaços púbicos comunicam às gerações futuras, as inúmeras vivências de que esses locais
foram palco.
Após a retirada dos fícus, outros projetos urbanísticos foram desenhando, ao longo da Avenida Afonso
Pena, um largo canteiro central com quaresmeiras, sibipirunas, paus-ferro, dentre outras espécies; o
obelisco voltou ao marco zero de Belo Horizonte e as criteriosas intervenções nos quarteirões das ruas
diagonais da Praça Sete foram construindo uma nova fase da história, criando uma nova paisagem mais
heterogênea do que a dos fícus, com o obelisco central, os bondes, transeuntes e estabelecendo uma ordem
urbana diferenciada, mais dinâmica, contemporânea na Praça Sete.
Ainda hoje a Praça Sete, agora sem os fícus e o bonde, continua sendo um ponto de encontro central da
cidade, e nos quarteirões fechados da praça, ponto de troca de conhecimentos, local de memória, onde a
vida urbana acontece. Quase cem anos depois de sua inauguração, o ”Pirulito” constitui marco da cidade,
e a ele vem-se agregando valores sociais, culturais, históricos à paisagem do hipercentro, conferindo a esse
monumento, o status de um dos elementos identificadores do território e da urbanização, mostrando as
marcas impressas pela ciência humana e condicionando a paisagem de Belo Horizonte.
Os fícus, o “Pirulito”, os quarteirões fechados, o local de encontro, todos esses elementos, e todos os
significados e registros da história que eles carregam, ainda que deixem de existir, fazem da Praça Sete uma
paisagem cultural de Belo Horizonte. Outras intervenções e as interações da população com esses novos
elementos do meio urbano vão imprimindo, continuamente, marcas e valores na paisagem urbana, que
constituirão paisagens culturais da cidade em épocas futuras.
REFERÊNCIAS
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Outras fontes
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PREFEITURA de Belo Horizonte. Cenas de um Belo Horizonte. Belo Horizonte: Prefeitura de BH, 1994.
Todos os participantes do Congresso receberão o Caderno de Resumos contendo resumo e abstract dos trabalhos
aprovados, sob ISBN 978-85-397-0778-2.
Os trabalhos completos serão publicados e estarão disponíveis no endereço www.pucrs.br/fau, sob ISBN 978-85-
397-0777-5.
As apresentações ocorrerão dia 21/10/2015, entre 13h:30 e 17h.