Carta Pastoral da Câmara dos Bispos da IEAB sobre eleições
Pastoralvisitação
1. Pastores e ovelhas: sem intimidade não há comunidade
(refletindo sobre a pastoral da visitação em nossa diocese)
A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas
ovelhas, e as traz para fora. João 10:3
Em sua recente visita ao Brasil o Papa Francisco ao ser perguntado sobre as razões de
evasão de membros da Igreja Católica Romana respondeu prontamente que a causa
principal era a falta de proximidade da Igreja para com seu rebanho.
Esta análise não é verdade apenas para a ICAR, mas se aplica como uma luva para a
nossa Igreja. Quando eu escrevi um texto recente para o clero de nossa diocese a
respeito da vida devocional e da motivação litúrgica, um colega de ministério levantou
uma questão muito importante: desafiou o bispo a refletir sobre um subsídio que
tratasse da questão da visita pastoral a famílias.
À luz desta sugestão escrevo aqui uma modesta reflexão.
Não há dúvida de que a qualidade da proximidade entre a Igreja, seus pastores e
pastoras, e o povo que confessa a fé cristã tem sofrido relevante queda. Certamente
que existem fatores culturais e sociais que mudam a todo instante e continuam a
desafiar todos nós. Este desafio de superação dos entraves de uma mais ampla
comunhão de irmãos e irmãs deve ser enfrentado em duas frentes: na vivência
litúrgica comunitária e na relação com as famílias no cotidiano da vida. O arquétipo da
comunidade dos apóstolos deve ser atualizado, mas nunca abandonado (Atos 2:42-47)
Acolhida pressupõe intimidade - Costuma-se dizer que nossa Igreja é acolhedora.
Ao contrário das chamadas igrejas de massa, nossas comunidades tem aquilo de
intimidade entre os membros, com maior proximidade dos ministros ordenados com o
povo. Neste aspecto, isto é verdade em muitas de nossas Paróquias e Missões, mas
também começa a se reduzir em outras. As pessoas não anglicanas que visitam nossas
comunidades em momentos celebrativos muitas vezes se sentem invisibilizadas, como
se estivessem invadindo um espaço privado. Há até situações que entram e saem da
celebração sem sequer ser procuradas por alguém para alcançar a liturgia e os livros
de cânticos. Este é um sintoma que tem sido cada vez mais frequente em nossas
comunidades. Fala-se muito em acolhida, mas o avanço neste campo tem sido muito
tímido.
Entre nós mesmos temos visto atitudes que revelam certa pobreza de acolhimento
mútuo. Até o momento da saudação da paz está se tornando rarefeito e quando
acontece tem sido vivido de maneira muito formal, para se evitar o que se chama a
“quebra” da seriedade litúrgica... Parece que a celebração litúrgica se reveste de uma
2. seriedade tão inflexível que permitir que as pessoas se abracem começa a ser
sutilmente deixada de lado. Pessoalmente acho isto muito estranho, pois o abraço da
paz me parece ser um momento em que podemos estar próximos uns dos outros e
expressarmos pelos nossos corpos e olhares o carinho verdadeiro de uns pelos
outros...
Despedida é envio - Na saída de nossas celebrações parece que a pressa é a tônica.
O ide da despedida litúrgica não é o “vá embora” e até domingo que vem! O ide é
compromisso é ordem de Cristo para continuarmos em contínua celebração, em
testemunho de nossa unidade e do nosso serviço ao mundo. A comunidade e
intimidade permanecem mesmo que estejamos envolvidos em nossos distintos
contextos de vida. A pertença é continua! O desafio para todos é manter viva esta
pertença na rotina de nossa semana. É neste espaço que podemos também alimentar
o senso de comunidade, de família na fé! A natureza da despedida litúrgica é o ir para
amar e servir ao Senhor e uns aos outros.
O foco é a pessoa – Muitos de nós – falei isso antes no texto anterior – vivemos
assoberbados com as dimensões formais de nossas responsabilidades e papéis. Claro
que não podemos fugir delas, mas muitas vezes essa rotina nos afasta da comunhão
com Deus da mesma forma que nos afasta da comunhão com as pessoas sob nosso
cuidado pastoral. O clericalismo é o caminho mais fácil para se definir uma relação
hierárquica, vertical, e estanque com o povo de Deus. A agenda se torna o foco e não
as pessoas. Quando isso começar a acontecer e sua agenda “esquecer” os rostos das
pessoas é tempo de mudar o foco. Uma forma de nos mantermos próximos dos rostos
de nossas ovelhas é estar com elas sempre que possível e não apenas no âmbito da
celebração dominical.
Convivência é fundamental – Uma família, mesmo com todas as mudanças
culturais vividas nos últimos tempos, precisa subsistir através de momentos de partilha
presencial, em torno da mesa, em momentos lúdicos, onde se encontrem como
membros de um só corpo. A Igreja é corpo, e todos nós somos membros uns dos
outros. A tarefa do pastor(a) é manter o rebanho unido e fortalecido por laços de
afeto. Conforme o texto bíblico citado acima é preciso chamar para fora, para passear,
para o lúdico, para a afeição. Precisamos cultivar a prática da visitação, da convivência,
da proximidade. Precisamos nos desfazer das formalidades e viver a horizontalidade
saudável que nos leve a dar e receber as riquezas emocionais que esta convivência nos
traz. O clericalismo criou ao longo do tempo certas formalidades que precisamos
superar. Geralmente quando o reverendo(a) visita uma família certas formalidades
precisam ser cumpridas e isso as vezes cria um embaraço tanto para os pastores
quanto para as ovelhas. Recordo-me de um velho pastor que sempre que ia visitar
uma casa se “fardava” e fazia questão de levar os apetrechos característicos da sua
ordem. Acabava sendo uma presença formal, hierárquica, como se aquela família
estivesse recebendo um arauto do Rei. As pessoas acabavam “torcendo” pra esse
momento passar logo e a intimidade não se estabelecia. Vivemos outros tempos em
que os papéis precisam mudar. O pastor(a) precisa fazer-se perceber como um amigo
que traz a mensagem de alegria, de esperança, de encorajamento sem chamar a
atenção para si. Dessa forma as pessoas perdem o medo e se sentem mais abertas
para a acolhida, para expressar sem repressões os seus sentimentos, sejam eles quais
forem. Um arquétipo bíblico da visita que gera alegria é a visita de Maria a Isabel
(Lucas 1:39-43)
Escute. Não faça discursos – Ouvir é a base da confiança nas relações
interpessoais. Quando estivermos em um contexto familiar precisamos ouvir mais do
3. que falar. Normalmente somos pressionados a ter sempre discursos prontos para as
situações. Somos assaltados por uma compulsão de falar, de “comunicar” a palavra de
Deus, de ter respostas sem ouvir as perguntas. As vezes as pessoas querem apenas
ser ouvidas, abraçadas, olhadas com atenção. Qualquer discurso nosso pode soar
como um “padrão” que aprofunda ainda mais as dúvidas e possíveis culpas.
Precisamos ter a sensibilidade para falar o que seja absolutamente necessário e para
ouvir bastante. Dê atenção, dependendo do contexto em que nos encontremos, a
todas as pessoas. Motive as pessoas a expressarem seus sentimentos. Com certeza
entenderemos muito mais da alma das nossas ovelhas e poderemos criar uma
profunda relação de confiança.
Seja uma benção – A visita e a convivência com as famílias podem ser ocasiões de
benção para as ovelhas e igualmente para o pastor. Cada visita – feita com amor e
considerando as condições acima – gera fortalecimento de laços. Observemos que
Jesus costumava visitar muito. Cada visita trazia consigo uma qualificação da vida das
pessoas visitadas. A visita à sogra de Pedro (Marcos 1:29-31) gerou cura. Na visita a
casa de Zaqueu, houve uma transformação de vida (Lucas 19:1-10), nas visitas a casa
de Lázaro ocorreram diversas transformações desde o fortalecimento de uma grande
amizade (Lucas 10:38-42) até o evento da ressurreição do amigo (João 11). A visita e
convivência com as famílias deve se revestir do carisma da alegria, do amor, da
esperança e da amizade. Se faltar qualquer desses elementos – considerando mesmo a
diversidade de contexto da visita – precisamos repensar a nossa tarefa como pastores
do rebanho de Deus.
Lembremo-nos de que visitação na história do povo de Deus é sempre um evento
revestido de um profundo significado teofânico. Desde o paraíso: Deus costumava
visitar o casal no jardim! A visita tem este caráter de anúncio de boas novas. Constrói
laços, aprofunda a intimidade e reproduz uma comunidade fortalecida por laços de
afeição e fé!
+Francisco
Bispo diocesano