O documento discute como fornecer feedback de maneira construtiva e não ofensiva. Ele explica que críticas à personalidade devem ser evitadas, enquanto críticas ao comportamento específico podem ajudar alguém a melhorar. Também enfatiza a importância de compreender outras perspectivas e aceitar diferenças entre as pessoas.
Testes de personalidade em seleção de pessoas: benéficos ou danosos?
Feedback: uma habilidade essencial
1. Feedback: uma habilidade essencial
Flavio Farah*
Introdução
Feedback é o processo em que uma pessoa transmite a outra sua percepção a respeito do comporta-
mento desta última. O fornecimento de feedback é importante na construção de um bom relaciona-
mento interpessoal. Quando uma pessoa pede feedback a outra, o feedback ajuda a pessoa que o re-
cebe a adquirir uma visão mais realista de si própria e a ajustar seu comportamento de modo a favo-
recer relações mais amistosas.
Não se deve esquecer, porém, de que, ao fornecer feedback, não se pode ferir a auto-estima do re-
ceptor. É preciso, portanto, examinar de que modo o feedback deve ser fornecido de modo a não
agredir o interlocutor.
Julgamentos automáticos – o respeito ao outro
Uma causa importante de dificuldade no relacionamento interpessoal é que todos nós somos “rápi-
dos no gatilho”, isto é, costumamos julgar as ações dos outros de forma natural, automática, sem
pensar, como se fôssemos juízes do comportamento alheio. Formulamos rapidamente um julgamen-
to sobre a pessoa tão logo tomamos conhecimento do que ela fez. Isso ocorre porque a ação do ou-
tro nos provoca emoções, mesmo que o ato não seja dirigido a nós. A rapidez no ato de criticar faz
com que, muitas vezes, a crítica seja equivocada.
É preciso compreender de uma vez por todas que:
Ninguém é juiz de ninguém – ninguém nasceu com o direito de criticar quem quer que seja, nin-
guém tem autoridade natural para isso. A única exceção são os julgamentos morais, em que ava-
liamos os atos alheios do ponto de vista ético;
É falta de respeito criticar alguém para exibir a própria inteligência, para se sentir importante ou
superior, ou para menosprezar o outro;
A crítica só é legítima quando o objetivo de quem critica é (a) ajudar a outra pessoa ou (b) de-
fender a própria auto-estima;
Quem quer criticar alguém deve fazê-lo sem ofender o outro.
A emoção atrapalha o feedback
Uma das razões pelas quais é difícil dar um feedback adequado é que, em geral, quem dá o feedback
está dominado pela emoção. O caso mais típico é aquele em que sou dominado pelo ódio em virtude
de algo dito pelo outro que me ofende ou humilha. Mesmo quando não sou criticado nem insultado,
alguém pode fazer algo que eu não aprovo. Nesse caso, posso ser tomado por algum tipo de senti-
mento, por exemplo, de desprezo ou raiva em relação ao outro, sentimento que me leva a criticá-lo
de um modo que agride sua auto-estima. Se alguém emite uma opinião que julgo errada, posso dar-
lhe feedback dizendo-lhe que está errado simplesmente para mostrar minha inteligência ou para me
sentir importante ou superior. Em todos esses casos, provavelmente meu feedback será agressivo e
ofensivo.
2. Julgamento x compreensão
Não se pode julgar os atos de uma pessoa sem conhecer suas razões. O comportamento que parece
criticável à primeira vista pode se tornar aceitável quando se descobre os motivos que levaram a
pessoa a agir daquele modo. Assim, sempre que eu tomar conhecimento de um ato aparentemente
reprovável, uma atitude mais prudente seria perguntar: “Por que ele (ela) fez isso?” Ao formular
essa pergunta, eu “esfrio” minhas emoções e me obrigo a suspender o julgamento até conhecer as
razões da outra pessoa. Quando procuro saber os motivos de um indivíduo, eu tento compreender
essa pessoa em vez de julgá-la. Existe, portanto, uma atividade que sempre deve vir antes da formu-
lação de qualquer crítica: é a compreensão dos motivos do outro.
Compreender as razões da outra pessoa envolve uma habilidade chamada empatia. Empatia é a
capacidade de se pôr no lugar dos outros e de compreender como se sentem. A pessoa empática ten-
ta colocar-se no lugar da outra pessoa para ver as coisas como ela as vê, tenta entender como a outra
pessoa está raciocinando, como ela está se sentindo, como certas coisas a estão afetando e a estão
levando a agir de determinada maneira.
Aceitação do outro
Um fator crítico no relacionamento interpessoal é a capacidade de as pessoas se aceitarem mutua-
mente como são. Todos têm que aceitar o fato essencial de que os seres humanos são diferentes uns
dos outros. Ainda que a convivência se dê entre pessoas que nasceram e vivem no mesmo local,
possuem a mesma idade e são da mesma classe social, entre elas haverá diferenças de personalida-
de, percepções, atitudes, valores, habilidades, aptidões, conhecimentos e experiências anteriores,
enfim, diferenças no modo de ser.
A incapacidade de aceitar o outro produz duas conseqüências: primeiro, faz com que o indivíduo in-
conformado critique o outro a todo momento, procurando forçá-lo, de todas as maneiras, a mudar
seu modo de ser para adaptar-se ao primeiro; segundo, faz com que as mais ínfimas diferenças se-
jam causa de grandes conflitos, o que torna impossível a convivência.
Aceitar o outro como ele é significa reconhecer que meu modo de ser não é melhor que a dele, que
nossas características são simplesmente diferentes, e que ele, portanto, tem o direito de ser diferente
de mim tanto quanto eu tenho o direito de ser diferente dele. Aceitar outra pessoa como ela é signi-
fica aceitar pacificamente seu comportamento diferente, sem se aborrecer, sem brigar nem discutir.
Aceitação significa considerar o outro indivíduo como igual, tratando sua conduta, suas idéias e
sentimentos com sincero respeito. Isso não significa concordar com ele em tudo mas apenas aceitá-
lo. Significa reconhecer que ele, tanto quanto eu, tem direito a ideias, valores e atitudes próprios.
É inútil criticar alguém quando o objetivo da crítica é fazer o outro mudar seu modo de ser. Assim,
antes de criticar, devo saber se o comportamento que eu quero mudar pode realmente ser mudado.
Crítica da personalidade x crítica do comportamento
Uma das formas mais comuns pelas quais as pessoas dão feedback ao outro é fazendo um comentá-
rio genérico sobre a própria pessoa que expressa uma opinião negativa sobre o receptor. Esses feed-
backs geralmente começam com uma das seguintes frases: “Você é ...” (Por ex.: “Você é estúpi-
do”), “Você não é ...” (Por ex.: “Você não é simpático”), “Você tem ...” (Por ex.: “Você tem mania
de se intrometer”), “Você não tem ...” (Por ex.: “Você não tem espírito de equipe”), “Você sempre
...” (Por ex.: “Você sempre atrapalha”), “Você nunca ...” (Por ex.: “Você nunca presta atenção”).
Embora comuns, esses feedbacks são extremamente agressivos. Trata-se de comentários que agri-
dem a personalidade da pessoa, que tentam desvalorizá-la como ser humano e, assim, ferem sua au-
3. to-estima. Por outro lado, essas críticas tendem a provocar ressentimento e comportamento defensi-
vo, sendo em geral ineficazes para conseguir mudanças de comportamento, pois o receptor prova-
velmente concentrará suas energias em rebater as “acusações” e defender seu ego. Essas formas de
feedback são, portanto, inaceitáveis, além de inúteis.
Uma outra forma de feedback consiste em criticar não a pessoa em si, mas seus atos e os respectivos
resultados. Julgar os atos de alguém significa descrever os fatos, ou seja, relatar com a maior exati-
dão possível o que a pessoa fez ou deixou de fazer, eventualmente comparando seus atos com o que
se esperava que a pessoa fizesse. Essa é uma maneira aceitável e eficaz de dar feedback.
Por exemplo, não devemos dizer “Você é grosseiro”, pois esse feedback constitui uma crítica à per-
sonalidade, à maneira de ser do outro, o que agride sua auto-estima. O correto é descrever o que a
pessoa fez concretamente, como por exemplo: “Várias vezes você cortou minha palavra e não me
deixou terminar de falar”.
Descrever o comportamento do outro, além de respeitoso, é mais útil do que criticar a personalidade
alheia. De fato, no exemplo acima, dizer “Você é grosseiro” não ajuda em nada o receptor, pois tra-
ta-se de uma opinião vaga e subjetiva. Por outro lado, se eu disser “Você cortou minha palavra”, o
receptor saberá exatamente o que fez de errado e o que fazer para corrigir seu comportamento: dei-
xar de me interromper.
Feedbacks arrogantes
Os feedbacks que fazem o emissor parecer arrogante basicamente são de dois tipos.
Superioridade x Igualdade
Se o emissor transmitir a mensagem de que ele, de algum modo, é superior ao receptor, o emissor
parecerá arrogante e fará o receptor adotar um comportamento defensivo. Esse tipo de feedback traz
implícita a idéia de que o receptor é uma pessoa inferior e que, portanto, não tem utilidade. O recep-
tor, então, entrará em uma batalha com o emissor para provar o contrário.
Ao contrário, se o emissor, apesar de ter mais capacidade, habilidade, status ou poder que o recep-
tor, emitir um feedback tratando-o como igual, convidando-o a participar, o receptor se sentirá me-
nos ameaçado e sua atitude defensiva se reduzirá. Isto acontece, por exemplo, quando o receptor
percebe o feedback como uma mensagem do emissor pedindo sua ajuda ou opinião. Veja-se os
exemplos abaixo:
Superioridade (Feedback inadequado) Igualdade (Feedback adequado)
– Sou experiente, por isso ouça o que eu digo – Você acha que aquela ideia vai funcionar?
sobre aquela ideia
– Estas normas estão corretas porque eu as – Quero saber sua opinião sobre estas normas
revisei cuidadosamente
Certeza x Dúvida
Os indivíduos que parecem saber de tudo, que nunca têm dúvidas, que têm resposta para qualquer
pergunta, que sempre têm certeza das coisas, que não admitem ser contestados, que têm todas as in-
formações e que acham que estão sempre certos, tendem a colocar os outros na defensiva. Esse tipo
4. de indivíduo, que costuma ser chamado de “dono da verdade”, demonstra desprezo pelas idéias e
opiniões alheias, razão pela qual é visto como arrogante e antipático. O “dono da verdade” costuma
dar feedbacks usando sentenças afirmativas ou negativas para exprimir suas certezas ou para conde-
nar as idéias e opiniões dos outros. O “dono da verdade” transmite a ideia de que todos os outros
são “ignorantes” e não têm nada de útil ou interessante a dizer.
Quando o emissor afirma suas verdades de modo dogmático, que não admite contestação, ele trans-
mite a mensagem de que vê a si mesmo como professor, considerando todos os outros como apren-
dizes. Assim procedendo, ele faz os ouvintes experimentarem sentimentos de inferioridade, o que
produz um comportamento defensivo.
Em contraste, a postura defensiva do receptor será reduzida se o emissor, em vez de expressar cer-
teza, exprimir uma dúvida ou transmitir a idéia de que deseja fazer uma experiência para ver o re-
sultado que será alcançado. Nesse tipo de feedback, o emissor não rejeita as idéias do receptor, mas
apenas exprime suas dúvidas em relação a elas, usando, em geral, sentenças interrogativas. Se o
emissor colocar sua afirmação como provisória, sujeita a contestação, se ele admitir implicitamente
que pode estar errado e adotar uma atitude investigatória de busca da verdade, ele provocará menos
defensividade e atrairá a simpatia do receptor. Seguem dois exemplos.
Certeza (Feedback inadequado) Dúvida (Feedback adequado)
– Posso ter cometido um erro. Vamos conferir
– Tenho certeza de que o resultado está correto
os cálculos ?
– Seu relato do caso está errado – Eu ouvi um relato do caso diferente do seu
Crítica ao chefe
Vamos examinar dois casos: as críticas a ações e decisões tomadas pelo chefe e a eventual reação a
um chefe grosseiro, agressivo e desrespeitoso.
Crítica a ações e decisões da chefia
Não se deve criticar uma decisão tomada pela chefia, mesmo que consideremos errada tal decisão.
Afinal, o chefe está apenas exercendo suas prerrogativas e é responsável pelas decisões que tomar.
A crítica a uma decisão superior só deve ser feita se o chefe pedir explicitamente nossa opinião e
tivermos certeza de que ele está disposto a ouvir um julgamento negativo. Mesmo nesse caso, a
crítica deve ser feita com todo o cuidado, descrevendo apenas os fatos e justificando nossa opinião.
Reação a um chefe desrespeitoso
Aqui existem duas perguntas a responder: 1ª) O funcionário deve dar feedback ao chefe sobre sua
falta de respeito? 2ª) Em caso afirmativo, como dar o feedback?
O funcionário deve dar feedback ?
A decisão dependerá de como é a empresa em que ele trabalha. A organização se importa com a
Ética? A empresa possui canais para que os funcionários apresentem queixas e reclamações sobre
comportamentos antiéticos no ambiente de trabalho, como por exemplo, agressividade por parte dos
gerentes em relação à sua equipe? Os funcionários podem recorrer a uma instância superior se con-
5. siderarem injusta uma decisão de seu gerente? A organização protege os funcionários contra retalia-
ções por parte dos gerentes? Se a organização levar a sério a questão da Ética, será menor o risco de
o funcionário sofrer retaliação por parte do chefe se der feedback a este.
Em caso afirmativo, como dar o feedback?
Se decidir dar o feedback, o funcionário não deverá dizer ao chefe algo como “Você é grosseiro”,
pois isso significaria agredir sua personalidade.
A meu ver, a maneira correta de o funcionário dar feedback ao chefe seria dizer-lhe mais ou menos
o seguinte:
“Você me repreende em público, grita comigo e dá murros na mesa quando fala comigo. Isso me
ofende. Por favor, não faça mais isso.”
Neste caso, o funcionário deverá estar preparado para ir às últimas conseqüências se a chefia reagir
mal ao feedback.
Crítica ao subordinado
O poder hierárquico não dá ao chefe o direito de agredir o subordinado. A crítica, principalmente
em situações de avaliação de desempenho, sempre deve ser feita com respeito. Respeitar o subordi-
nado significa criticar não sua pessoa, mas apenas seu desempenho, isto é, a maneira como ele se
comporta no trabalho bem como os resultados que ele obtém.
Crítica aos pares
Na crítica a pessoas de mesmo nível hierárquico, valem todas as recomendações gerais feitas nos
itens anteriores.
Crítica a um cliente
Em que caso um fornecedor poderia pensar em criticar o cliente? Talvez se considerar que este
tomou uma decisão errada quando decidiu comprar do concorrente. Neste caso, porém, criticar o
cliente parece uma idéia ruim.
Suponhamos que um vendedor faça uma visita a um cliente potencial. Se o cliente lhe comunicar
que adquire rotineiramente mercadorias de seu competidor, o vendedor poderá ficar tentado a des-
qualificar o produto do concorrente por acreditar que, desse modo, conseguirá atrair o cliente para
sua empresa. Essa estratégia, todavia, poderá produzir efeitos opostos aos esperados. Primeiro, des-
qualificar o produto do competidor significa criticar, indiretamente, a própria capacidade de decisão
do cliente, e isso poderá ofendê-lo. Segundo, a desqualificação do competidor poderá ser percebida
pelo cliente como uma atitude mesquinha, como uma manifestação de inveja e de falta de respeito
do fornecedor em relação ao concorrente. O resultado será a deterioração da imagem do vendedor e
de sua empresa perante o cliente.
Não devemos falar mal de um competidor. Devemos evitar criticar de forma leviana os concorren-
tes porque, se assim procedermos, além de desrespeitá-los, estaremos correndo o risco de perder
clientes.
* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na
gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com