1. negócios
Nove em cada dez novidades da indústria não
trazem absolutamente nada em termos de inovação.
Encher a gôndola com esses itens pode ser um
atentado contra a rentabilidade. Saiba como evitar erros
excesso
e veja o que tem sido feito para mudar esse cenário
de lancamentos
Texto Fernando Salles fernando.salles@sm.com.br
“N
ão quero inventar nada que não seja vendável. A venda é a prova
da utilidade, e utilidade é igual a sucesso”. A frase é de Thomas
Edison, responsável por algumas das invenções mais úteis dos
nossos tempos, entre as quais a lâmpada elétrica incandescente.
Bom seria se a lógica do inventor norte-americano fosse seguida
pelo mercado de bens de consumo. Mas nem sempre isso aconte-
ce. A cada ano, cerca de 15 mil novos produtos passam a disputar
um lugar nas gôndolas dos supermercados. Análise da consul-
toria Nielsen aponta que 95% dessas novidades não trazem, de fato, nenhum
tipo de inovação. São os chamados “me too”, termo utilizado para designar os
produtos que não passam de imitação do que já existe no mercado.
ilustração fmaisg
Os próprios fabricantes reconhecem o problema. “A indústria inventa um
monte de bola quadrada. Está na hora de descer do salto”, analisa o diretor
comercial de uma fabricante de bens de consumo, com a condição de não ter
seu nome revelado. “Os novos produtos só distraem, é preciso criar novidades
de maior valor agregado, que gerem resultados”, completa o executivo.
O varejo concorda. Oitava maior cadeia de supermercados do Brasil, a Super
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2. excesso de lançamentos
negócios
Muffato observa uma avalanche de lançamentos da indústria, so-
bretudo nos últimos 12 meses. Segundo Sandro Batista, gerente do
departamento de mercearia do grupo, até então esse movimento
era liderado pelas indústrias multinacionais, no entanto as empre-
sas nacionais seguiram essa onda, intensificando suas estratégias
de portfólio. “Esse excesso dificulta a decisão do que cadastrar, pois
em inúmeros casos trata-se de extensão de linha”, comenta Batista.
Para Ari Kertesz, sócio da consultoria McKinsey, quando o lança- A
mento de um fornecedor dá certo, é comum os concorrentes apare- Veja no tablet a metodologia
desenvolvida pela Nielsen
cerem com cópias da ideia, em geral piores do que o original, diz o para avaliar o potencial de
sucesso dos novos produtos
executivo. Essa enxurrada de SKUs parecidos eleva a complexidade
das categorias, sem gerar resultados. São diversos itens semelhan-
tes – muitos na mesma faixa de preço – que canibalizam as vendas.
“Muitas vezes, quando uma empresa está com a marca enfraque-
cida, recorre à entrada em novas categorias e a lançamentos sem
“
relevância”, afirma Kertesz. “Com isso, ganham um pouco de par-
ticipação aqui e ali e, no final, conseguem melhorar os resultados”,
completa. A estraté-
não temos excesso de lançamentos. o que temos gia pode até surtir um
efeito inicial, mas os
são cópias malfeitas”. benefícios passam logo. Depois, o que perma-
ari kertesz sócio da consultoria Mckinsey nece são problemas para escoar esses produ-
tos, obrigando o varejo a queimá-los para evitar o vencimento.
Mas, então, por que tanto “mais do mesmo” ocupa espaço nas
gôndolas? Um dos problemas, segundo Kertesz, é a mentalidade
caça-níquel de muitos compradores, que não resistem à tentação
das bonificações oferecidas ou dos preços atrativos. Quando o valor
de compra é baixo, pode ser possível aplicar boas margens, o que
causa a ilusão de bom negócio. “Mas margem em alta em produto
que não vende não adianta nada”, resume o especialista.
Há ainda fornecedores que condicionam o pedido de pro-
dutos importantes do portfólio à compra desses itens sem relevân-
cia. “Acontece com todo mundo, mas para o pequeno e médio varejo
fica mais difícil resistir”, afirma Kertesz. A pressão é forte, mas há
maneiras de o varejo lidar com a situação, como ter políticas claras
de inclusão e exclusão de itens. Entre os critérios básicos, diz ele,
está avaliar se o produto que vai entrar é melhor do que o que terá
de ser retirado. Afinal, um sortimento maior do que a loja comporta
compromete, por exemplo, a rentabilidade por metro quadrado.
Uma das soluções mais utilizadas pelo varejo é testar a novidade
durante um período. “A gestão do desempenho dos SKUs deve ser
constante”, avisa Kertesz. Ele pondera que é comum muitos lança-
mentos atingirem um ápice de vendas e depois entrarem em queda.
“É bom ter novidades, mas não adianta tirar algo superimportante
do mix para acomodá-las”, afirma.
No Muffato, essa decisão é tomada a partir de critérios claros,
considerando se o produto é mesmo uma inovação, qual o tama-
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3. excesso de lançamentos
negócios
nho e histórico da empresa no mercado e nas lojas da rede, além
do investimento e da estratégia de marketing para a marca. Após
entrar nas gôndolas, os resultados gerados são mensurados por 90
dias, explica Sandro Batista, gerente de mercearia da rede.
Em geral, quando um lançamento entra nas gôndolas do Villar-
real – cinco lojas no interior paulista –, outro produto é retirado do
mix. A escolha considera as possibilidades que o produto oferece
e o número de marcas e itens disponíveis em linha. Também é
avaliado o nível de parceria da indústria com a rede. “Toda novi-
“
dade precisa agregar valor e trazer diferencial para as lojas”, afirma
Flávio Almeida, diretor comercial.
A boa notícia é que já há iniciativas
Novidades precisam agregar valor por parte dos fabricantes para mudar
e trazer diferenciais às lojas” esse cenário. Na Pepsico, por exemplo,
flávio almeida Diretor comercial da rede villarreal apresentar produtos que agreguem
valor é uma preocupação constante. Atualmente, menos de 50%
das ideias que surgem na empresa se transformam, de fato, em
lançamentos. Isso porque antes de disputar espaço nas gôndolas,
têm de ser aprovadas em um processo de seleção, aperfeiçoado
constantemente. A empresa mantém diversos comitês com fun-
ções e responsabilidade bem definidas, dos quais participam todas
as áreas da companhia, a exemplo de marketing, vendas, pesquisa
e desenvolvimento, área jurídica, entre outras. Segundo especia-
listas, esse trabalho multidisciplinar é fundamental no desenvol-
vimento de produtos, pois minimiza uma queixa comum na área
comercial dos fabricantes: a de que o setor de marketing cria pro-
dutos interessantes na teoria, porém pouco ou nada vendáveis.
Entre os requisitos necessários para uma ideia integrar o portfó-
lio estão: aprovação do público, rentabilidade e incrementar a ca-
tegoria. Como exemplo de novidades que só chegaram ao mercado
após aprovação em todas as etapas, a Pepsico cita a linha Elma
Chips Sensações – primeira batata gourmet do mercado com redu-
ção de sódio e gordura – e a bebida láctea à base de aveia Quaker.
Em 2011, a empresa criou também a promoção “Ruffles Faça-me
um Sabor”, por meio da qual recebeu dos próprios consumidores
mais de 2 milhões de sugestões de novos sabores para sua batata
em menos de três meses. Entre as três versões finalistas, o próprio
público votou na opção preferida. Segundo a empresa, a geração
de ideias pode ter várias fontes, e o varejo é considerado um par-
ceiro essencial. Portanto, registre suas sugestões, não só para a
Pepsico mas também aos demais fornecedores.
nesta reportagem você viu:
há excesso de lançamentos, mas a maioria não traz
inovação. são considerados “mais do mesmo”
iniciativas para reduzir o problema
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