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Volume 8
Número 2
Jul/Dez 2018
Doc. 8
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c8
TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS
Everybody #NU: Use of data science in services
THIAGO ASSUNÇÃO DE MORAES – thgmoraes@gmail.com
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil
ANTONIO MESSIAS VALDEVINO – messias.valdevino@outlook.com
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil
LÍVIA NOGUEIRA PELLIZZONI – livianogueira.adm@gmail.com
Centro Universitário de João Pessoa - João Pessoa, PB, Brasil
Submissão: 23/03/2018 | Aprovação: 30/09/2018
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Resumo
O caso é uma narrativa com enredo fictício, baseado em fatos reais, extraídos das redes sociais, do
processo para se tornar cliente Nubank. São apresentados dois personagens que contextualizam a
análise de perfil para se tornar #NU; apresentam-se as motivações de Velez, fundador do Nubank,
para criar a empresa, caracteriza-se a empresa e apontam-se os processos de uso de data science,
análise de big data e como o uso de dados pode contribuir para o gerenciamento de um negócio.
Palavras-chave: data science, análise de dados, Nubank.
Abstract
The case is a narrative with fictional plot, based on real facts extracted from social networks, about
the process to become a Nubank client. Two examples are presented that contextualize a profile
analysis to be a #NU costumer. The case presents the motivations of Velez, the founder of Nubank,
to create the company. The use Data Science and Big Data analysis are pointed out, in order to
discuss how the use of data can contribute to the management of a business.
Keywords: data science, data analysis, Nubank.
Introdução
Era só mais um dia qualquer, parecia uma sexta-feira não muito diferente das demais do mês
de março de 2016. Antes de dar a semana por encerrada e curtir uma happy hour, Maria teria mais
uma reunião de trabalho com o gerente comercial da loja em que trabalhava como assistente
administrativa e com alguns de seus colegas de trabalho. Como de costume, ela chegou 15 minutos
antes e se deparou com João, também auxiliar administrativo, organizando algumas planilhas em seu
notebook.
Uma curiosidade surgiu em Maria ao ver adesivos colados no computador de João. Eram um
retângulo e um círculo roxos, com caracteres brancos, que continham os dizeres #SOUNU e uma
logo de uma empresa que ela não conseguiu identificar, com apenas duas letras: NU. Apesar de
querer saber o que aquilo significava, precisou se conter. Teria que organizar a sala de reunião,
dispor os materiais e aguardar os demais participantes. A reunião iniciou-se às 16 h e teve uma hora
de duração.
Durante esse tempo, Maria pouco prestou atenção ao que se discutia, pensando sobre o
significado dos termos #SOUNU e se recordando de já ter visto alguma expressão parecida em suas
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redes sociais. Quando a reunião se encerrou, o próximo destino seria um restaurante ali mesmo,
perto da empresa, contudo Maria não teve oportunidade de perguntar a João o que queriam dizer
aqueles caracteres.
Já no restaurante, conversas descontraídas sobre suas vidas pessoais, família, sonhos e
ambições envolveram todos, e, em um ambiente tranquilo e aconchegante, o tempo passou rápido.
Mas, como no dia seguinte, apesar de ser um sábado, os afazeres da vida pessoal exigiam atenção,
todos concordaram em voltar para casa mais cedo. Pediu-se, então, a conta. Maria retirou de sua
carteira algumas cédulas e, ao ver tal cena, João perguntou:
– Você ainda não tem o NU?!
Maria, de fato, não sabia nem o significado daquilo, mas era o que havia despertado sua
curiosidade e tomado parte de sua atenção durante a reunião. João, entusiasta do NU, dispôs-se a
explicar:
– Trata-se do melhor cartão de crédito que você pode ter.
Após saber do que se tratava o #SOUNU, Maria desanimou-se. Em resposta a João, disse
apenas que não gostava de cartões de crédito. João não acreditou no que tinha ouvido, e estava
disposto a explicar mais sobre como ele conseguiu o cartão e convencê-la de que o NU, o cartão
roxo do Nubank, seria o cartão por que Maria praticamente se apaixonaria.
O bom de ser #NU
João foi para casa pensando no que Maria tinha falado. Ele não acreditava que ela não
conhecia o cartão roxo do Nubank. Estava convicto de que precisava mostrar-lhe quão bom era ter
aquele cartão, e, certamente, argumentos não lhe faltariam. Foi um dos primeiros clientes, e já tinha
indicado várias pessoas. Era, além de entusiasta, um apaixonado por ser #NU.
Passado o fim de semana, João estava ansioso para encontrar Maria e contar um pouco mais
sobre o Nubank, suas experiências de consumo com o cartão e entender o porquê de ela não gostar
de cartões de crédito. Viu-a ao entrar na empresa, cumprimentou-a e logo combinaram um café
juntos durante o intervalo para o lanche.
Na hora marcada se encontraram, e João logo falou:
– Custei a acreditar, Maria, que você não conhece o Nubank!
– Na verdade, João, eu nem sei ao certo do que se trata, estava bastante curiosa para saber o
que significavam os adesivos no seu notebook, mas, quando você disse que se tratava de um cartão
de crédito, perdi o interesse.
– O Nubank não é um cartão de crédito qualquer, Maria. É muito diferente dos que existem
por aí.
– Mesmo que tenha diferença, eu não gosto de cartões.
– Por quê?
– Tive experiências negativas com o cartão do meu banco. Se pudesse, nem conta lá eu teria.
Só mantenho a conta aberta por conta do convênio que ele tem com a empresa.
– Então você já teve cartão de crédito?
– Sim, já. Mas, felizmente, consegui cancelar.
– E o que aconteceu contigo? Pelo jeito que fala, a sua experiência foi bem ruim mesmo, não
foi?
– Minhas experiências já não foram das melhores a começar pelo atendimento do banco.
Primeiro que, para entrar no banco, já é um puro sacrifício: tive que tirar celular, chaves e até
algumas moedas que estavam comigo, acredita?!
– Sei bem como é...
– Depois de entrar, tem aquele bom e velho chá de cadeira. Perdi praticamente um dia de
trabalho. Não queria nem falar da papelada que é necessária para poder abrir a bendita conta. Cópia
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disso, mais uma cópia daquilo, RG, CPF, comprovante de residência, renda... Enfim! Acho que você
sabe muito bem do que se trata.
– E como sei!
– E não pára por aí! Quando chega a hora de ser atendido, tem todo aquele protocolo, muitas
perguntas, parece um inquérito policial. Pelo menos, lembro-me disso bem, o atendimento foi cordial.
– Pelo menos isso!
– O que sei é que, no fim das contas, eu assinei uma imensa papelada, um monte de contratos,
cheguei a me cansar. Para ser sincera, não cheguei nem a ler tudo o que estava escrito lá por
completo. O atendimento foi finalizado, o atendente disse-me que eu receberia o meu cartão em casa,
em 15 dias no máximo, que de fato chegou. Ele disse também que acompanhava a função crédito, e
que tinha um limite preestabelecido para a minha conta e que o valor da anuidade estava incluído nas
tarifas cobradas na conta. A opção de crédito deveria ser ativada por mim, caso eu quisesse usar.
– Complicação grande, hein?
- Pois é. O fato é que eu peguei minha cópia do contrato e guardei. Recebi o cartão e, no
começo, não usei a opção de crédito, mas não resisti por muito tempo. Comecei a usar, precisei
comprar um produto mais caro e não tinha dinheiro suficiente, achei que seria uma boa opção, e,
naquela ocasião, foi.
– Sabendo usar, um cartão é sempre bom.
– O problema é que eu fui perdendo o controle com o passar do tempo, eu cheguei a pensar
que o crédito que estava ali era como se fosse uma reserva minha. Como se fosse uma renda, e na
verdade não era.
– E o que aconteceu?
– No fim das contas, eu estava presa a dívidas. Meu salário não dava para pagar as contas do
cartão, então tinha vezes em que eu pagava o valor mínimo e tinha vezes em que eu pagava um
pouco mais, mas nunca o total. Então a conta sempre aumentava, por conta dos malditos juros.
– E eram altos assim?
– Demais, João! Para você ter uma noção, os juros anuais do cartão de crédito, no ano
passado, chegaram a mais de 350% ao ano. Então, já não aguentava mais, economizei onde pude e,
depois de dois anos nesse sofrimento, consegui pagar. Depois disso, a primeira coisa que fiz foi
cancelar a opção de crédito, apesar de que não foi uma tarefa fácil.
– Como sempre.
– Pois é, enfim, depois disso, decidi que não queria mais cartões, nunca mais!
– Maria, eu ainda insisto dizendo que o roxinho pode ser uma boa opção para você. Deixa-me
explicar um pouco sobre ele.
– Na certa, você vai perder o seu tempo, mas prossiga.
– Pronto. Cartão do Nubank é bom porque você não precisa nem sair de casa para fazê-lo.
– Como assim? Vem um consultor até mim?
– Não, você faz tudo pelo seu celular, inclusive o cadastro.
– Interessante.
– O cadastro é rápido e prático. E, em relação à documentação, só precisa de RG e CPF, e
uma selfie (autorretrato) sua. Tudo isso você manda como foto por um aplicativo do Nubank que
você baixa para o seu smartphone.
– Realmente é muito prático, mas quanto eu pagaria a mais por tanta comodidade?
– Nada, ou melhor, nada no geral. O cartão Nubank não cobra nenhuma taxa de anuidade,
além disso, nenhuma tarifa para saques, pagamentos de contas, avaliação emergencial de créditos e
emissão de segunda via de cartão é cobrada. Alguma taxa poderá eventualmente ser cobrada caso
você atrase a parcela ou não pague o valor total da fatura e também para transações internacionais.
– É disso que tenho medo.
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– Mas não é nada assustador. As taxas são bem menores do que as praticadas pelo mercado.
As taxas do crédito rotativo variam de 2,75% a 14% ao mês, e, em relação aos seus gastos, você
acompanha em tempo real tudo o que você compra. Caso a compra não tenha sido feita por você,
pode cancelá-la na hora. Muito bom, não é mesmo?
– De fato, se eu fosse querer um cartão de crédito um dia, com certeza seria um desses. Você
falou tão bem do cartão que estou pensando que você está trabalhando para o Nubank também (risos).
– Bem que eu queria (risos). Se você quiser um convite, eu ainda tenho alguns, mas me diga
logo, estão quase acabando.
– Por enquanto, não. Confesso que fiquei mais curiosa sobre o cartão, mas vou pesquisar um
pouco mais sobre ele. Agora me deixe ir, o meu horário de intervalo terminou já faz cinco minutos,
estava tão entretida com a conversa que nem percebi o tempo passar.
Assim, essa conversa se encerrou. Ambos voltaram aos seus postos de trabalho, mas Maria
não estava por inteiro convencida de que deveria pedir um cartão Nubank, entretanto decidiu que
procuraria saber mais sobre a empresa.
Conhecendo o Nubank
Em seu tempo livre, Maria fez buscas na internet para conseguir mais informações sobre a
empresa. Ela tinha percebido, pela fala de João, muitas vantagens em se ter um cartão, e isso a
inquietou. Por que uma empresa administradora de cartão de crédito cobraria taxas mais baixas e
ofereceria tantas vantagens? Como a empresa se sustenta? A partir desses questionamentos, ela
procurou informações no site da empresa, em revistas on-line especializadas em negócios e nas redes
sociais para tentar entender esse movimento "roxo" que ganhou adeptos que poderiam ser vistos
como fãs da empresa.
Sobre o Nubank, ela descobriu que se trata de uma fintech, empresa de serviços do setor
financeiro que utiliza as tecnologias modernas e cria produtos inovadores, que resolve um problema
existente ou melhora a experiência do usuário. O Nubank foi fundado em 2014 pelo colombiano
David Vélez, e até março de 2016 já tinha recebido mais de dois milhões de pedidos do seu cartão.
As motivações de Vélez para a criação da startup, entendida como um modelo de negócio
repetível e escalável, deu-se por uma experiência que ele teve com os bancos brasileiros, que se
aproximou daquela que Maria descreveu em sua conversa com João, além da percepção quanto à
qualidade dos serviços, à quantidade de taxas e juros praticados no mercado, que foram fatores
influenciadores na decisão de criar o modelo de negócios.
A empresa tem sua base em São Paulo, recebe investimento de várias instituições, entre elas a
Sequoia Capital, empresa em que Vélez trabalhou enquanto fazia MBA nos Estados Unidos. Munido
de sua experiência, parcerias e desejo de inovação, Vélez fundou o Nubank pautado em três pilares,
sendo eles tecnologia, design e data science. A popularização do uso de smartphones foi
determinante, uma vez que as transações do Nubank ocorrem completamente por meio digital,
utilizando esse tipo de aparelho.
Nas buscas que fez, Maria descobriu também que o Nubank se propõe a evoluir os serviços
financeiros e, para isso, conta com engenheiros, desenvolvedores e designers como colaboradores
com a pretensão de serem diferentes. Assim, oferecem um produto e serviços com alta tecnologia em
canais totalmente digitais, de modo transparente, dando espaço aos clientes, ouvindo e valorizando
os feedbacks deles.
Quando verificou nas redes sociais, percebeu que a empresa é bem-aceita. Uma foto (Figura
1 ) chamou a atenção de Maria.
A foto se trata de uma postagem da empresa em sua página no Facebook. Segundo o Nubank,
a foto foi “encontrada na internet”. Como Maria pode perceber, o post teve repercussão: 37 mil
curtidas, 2,4 mil comentários e mais de 2.650 compartilhamentos, e, além dela, muitas outras
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postagens foram realizadas pelos clientes do Nubank, todas usando a hashtag #SouNu, evidenciando
a felicidade em ser portador de um cartão de crédito que é mais que um cartão, é um Nubank.
São muitas postagens e depoimentos de clientes, e vários deles postam fotos do cartão, de
presentes recebidos pela empresa, de adesivos e deles próprios com o cartão. É uma relação de
proximidade do cliente com a empresa, que se materializa no pequeno plástico roxo. Foram tantos
pontos positivos encontrados por Maria a respeito do Nubank que ela já estava repensando a ideia de
voltar a ter um cartão de crédito.
Manda #NU: Maria decide virar cliente Nubank
Apesar do receio e da desconfiança adquirida com as experiências negativas no uso de
cartões de crédito, Maria começou a acreditar que sua relação com o Nubank seria diferente. Ela
poderia acompanhar os seus gastos, ter contato com a empresa o quanto achasse necessário e não
pagaria qualquer tarifa por isso, então resolveu dar uma chance.
Estava decidida:
– Vou virar Nu!
Assim que viu João, falou:
– João, verifiquei algumas coisas do Nubank e decidi que quero me tornar cliente, decidi
experimentar. Você ainda pode me enviar um convite?
– Ah, Maria... Infelizmente não tenho mais convites sobrando, eu disse que eles acabariam
logo e você demorou.
– Mas conversamos sobre isso ontem!
– Como eu disse, os convites acabam rápido.
Maria demonstrou um certo nível de frustração.
– Mas não se preocupe, existem outras formas. Você pode pedir o seu convite no site do
Nubank. É rápido, você só preenche um formulário com seu nome, CPF e e-mail e, pronto, é só
aguardar.
– Ah! Então está bem, João. Farei isso o quanto antes. Obrigada pela dica!
O mais rápido que pôde, Maria fez o cadastro e aderiu à lista de espera. Estava tudo certo.
Restava, então, aguardar, e a resposta não demorou a chegar. Mas, infelizmente, Maria estava em um
grupo com perfis que não receberiam um convite naquele momento. Entretanto, ela recebeu uma
indicação de que poderia fazer uma nova solicitação após seis meses.
Maria ficou angustiada, não sabia o que tinha acontecido. Assim que foi possível, entrou em
contato com João e explicou a situação.
– João, meu convite do Nubank foi negado! – disse, demonstrando estar chateada.
– Sério?
– Eu não entendi o porquê de isso ter acontecido, sabe? Meu nome está limpo e não tenho
restrições no meu CPF.
– Entendo, acho que deve ter alguma coisa a ver com a maneira como eles avaliam os
clientes...
– Será? Mas o que eles levam em consideração?
– Eu li algumas coisas, mas não sei como explicar. No processo geral do Nubank, eles usam a
tecnologia, design e data science. Acho que na análise dos clientes deve acontecer o mesmo.
– Vou procurar entender melhor. Daqui a seis meses posso tentar novamente, pode ser que eu
consiga entrar para o time Nu.
Maria voltou ao trabalho com mais uma inquietação: o que levaria à decisão negativa por
parte do Nuban? Isso a fez buscar mais informações sobre a empresa, o mercado e as práticas
exercidas para esse tipo de decisão, o que a levou para alguns sites que abordam o tema do data
science. Maria, então, começou a se aprofundar. Conceitos, aplicações, quem usa etc. foram algumas
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das informações que descobriu, e assim passou a entender melhor como essa prática de negócio tem
crescido e dado segurança às decisões de organizações e indivíduos.
O uso de data science: entendendo os processos de uma fintech
O Nubank é atualmente a startup de fintech mais falada do Brasil, e os pontos de destaque
para o sucesso de um negócio como esse são o conjunto de tecnologias utilizadas para suporte a cada
transação e os métodos de aprovação de novos clientes e ampliação de crédito. A empresa propõe-se
a repensar os serviços financeiros no Brasil e possui em sua equipe cientistas de dados especialistas
em modelagem, estatística, inteligência artificial e aprendizagem de máquina. O objetivo é
desenvolver algoritmos que possam prever a capacidade de resposta ao marketing, risco de crédito,
probabilidade de fraude, mecanismos de oferta e muitos outros tipos de comportamento do cliente
que convergem para a expansão do negócio e de seus serviços.
Toda a tecnologia utilizada pelo Nubank é própria e opensource, o que possibilita à empresa
aproveitar os conhecimentos disponíveis nas comunidades de desenvolvedores das tecnologias que
utiliza. Sua estrutura de banco de dados, específica para dados financeiros, é capaz de trabalhar com
transações em tempo real e busca eliminar todas as potenciais fontes de vazamento, o que representa
menos tempo gasto na preservação da qualidade dos dados e mais tempo dedicado à construção de
modelos de apoio sofisticados ao setor de serviços financeiros de que participa.
Uma das principais ferramentas utilizadas para data science e machine learning é a
linguagem Python, na qual as empresas desse setor podem desenvolver, de acordo com suas
necessidades de negócio, uma espécie de "caixa de ferramentas", que possibilita a criação de
modelos de predição e classificação mais precisos para a tomada de decisão do negócio. A
linguagem R também é largamente utilizada, contudo, mesmo com uma maior quantidade de pacotes
desenvolvidos que servem para data science, ainda possui restrições quanto ao volume de produção
exigido.
A base de dados usada pelo Nubank é rica em texto em linguagem natural, imagens, gráficos
e muito mais, bem como fontes mais tradicionais de dados financeiros. Há, inclusive, um conjunto
quase infinito de modelos a serem construídos, desde a pontuação de crédito até a marcação de texto
em mídias sociais, fontes de dados disponíveis aos cientistas de dados da empresa, responsáveis por
reduzir a distância entre a análise de dados e a tomada de decisões empresariais, capazes de traduzir
dados complexos em informações estratégicas.
Esses profissionais são também conhecidos como gerentes de análise e percepção ou
diretores de ciência de dados. Devem ter habilidades técnicas e quantitativas acentuadas, sendo
responsáveis por examinar os dados, identificar tendências-chave e escrever os algoritmos
complexos que verão os dados brutos transformados em uma análise ou visão que a empresa pode
usar para obter uma vantagem competitiva. Segundo um anúncio de vaga divulgado pelo site Kaggle
em 2015, um cientista de dados da equipe do Nubank, por exemplo, possui diversos problemas a
resolver no seu cotidiano, entre eles:
1. Criação e teste de milhares de novas variáveis preditivas usando sua intuição, visão
sociológica e técnicas de automação;
2. mineração e avaliação da utilidade de novas fontes de dados;
3. automatização e criação de centenas de diferentes modelos de aprendizagem de
máquina;
4. busca por consumidores mais rentáveis para comercializar cartões de crédito;
5. subscrever e atribuir limites de gastos aos candidatos a cartão de crédito;
6. reduzir roubo de identidade e fraudes nas transações de cartão de crédito.
Como qualquer fintech, o Nubank possui uma vasta coleção de casos de uso para análise
preditiva e ciência dos dados próprios a seu modelo de negócio. E alguns dos casos de uso mais
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comuns (muitos dos quais não são exclusivos das fintechs) estão descritos e exemplificados no
Quadro 1.
Em resumo, é possível perceber que, nos casos de aplicação de data science expostos no
Quadro 1, há a possibilidade de uso de métricas de Return on Investment (ROI) para modelagem
preditiva e ciência dos dados por fintechs, principalmente o Nubank. Boas práticas estatísticas, de
inteligência de negócios e big data analytics levam a menores taxas de perda e maior aprovação para
os credores, menores riscos e uma detecção mais precisa das atividades fraudulentas.
No caso de Maria, técnicas de análise aplicadas aos seus dados naquele momento dão suporte
à decisão de classificá-la como apta ou não a receber o cartão Nubank. Ser classificada como "não
apta" deixou Maria chateada e intrigada por não entender bem o que levaria a fintech a negar seu
pedido, dado que, para ela, estar sem restrições de crédito no seu CPF seria, isoladamente, um
indicador de que ela poderia ser uma boa cliente Nubank. Porém, há muitas outras variáveis
envolvidas no processo de análise da concessão do crédito, e isso intriga Maria, que foi pesquisar os
porquês daquela negativa.
Manda #NU: Maria solicita outra vez
Maria tinha ficado chateada por não ter conseguido o cartão roxo do Nubank, todavia, depois
de ter se aprofundado nas pesquisas para entender os procedimentos de análise, estava mais
conformada. Afinal de contas, ela não precisava de um cartão com urgência. Aliás, ela nem queria
um cartão de crédito, ela queria um Nubank. Decidiu, então, aguardar.
Após os seis meses da primeira solicitação, os mais demorados na vida dela, Maria fez uma
nova solicitação. Só por precaução, não quis fazê-la pelo site, e pediu que João solicitasse a um
amigo dele indicá-la, pedido que já havia feito bem antes de completar os seis meses, e ela sempre o
lembrava de quanto tempo faltava para que ele enviasse. Ela não queria correr o risco de que João
não conseguisse um convite quando ela estivesse apta a pedir novamente.
Todas as indicações que João enviou receberam confirmações positivas, e, por isso, Maria
estava confiante. Assim que completou o tempo, ela forneceu o endereço de e-mail e posteriormente
recebeu o convite. Em menos de uma semana, Maria também era #NU, para a alegria dela.
Alguns fatores influenciaram essa aprovação de Maria. A indicação, que é uma das
estratégias do Nubank, pode ter sido um fator que tenha contribuído para isso. Outro fator
interessante é o de que, no ano de 2016, a fintech recebeu várias rodadas de investimentos, um aporte
total de 80 milhões de dólares, o que implicou a necessidade de aumentar a sua carteira de clientes.
Como Maria não tinha restrições no nome, além de ter recebido a indicação de João, isso resultou no
fato de ela se juntar aos cerca de 800 mil NUs, número estimado por especialistas do setor financeiro.
Apesar de o Nubank ter essa estimativa de cerca de 800 mil clientes, ter feito grandes
investimentos e aumentado sua receita, a fintech encerrou o ano de 2016 com um prejuízo de 122
milhões de reais, que pode ser entendido como um processo natural ocorrido por conta dos
investimentos iniciais. A partir disso, questiona-se como a empresa lidará com esses processos no
decorrer dos anos seguintes. Além disso, como o data science pode contribuir para minimizar essas
perdas? Como o Nubank pode se utilizar dos dados que possui para gerir os seus investimentos?
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Figura 1. Cartão versus Nubank
Fonte: Nubank Brasil (postagem no Facebook)
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Quadro 1. Casos de aplicação de técnicas de data science para fintechs
Caso de aplicação de
data science
Descrição
Otimização de canais 1. Determinando quais potenciais clientes são mais adequados para ofertas via
canais de comunicação e marketing, como e-mails, mídias sociais, sms etc.
Coleções 1. Determinando quais clientes são susceptíveis a atrasar o pagamento de um
empréstimo ou crédito.
Pontuação de crédito e
recomendações
1. Fornecendo benefícios com base em dados de transações financeiras básicas.
Essencialmente, essas novas fontes vão além dos dados quantitativos disponíveis
dos bancos, avaliando conceitos qualitativos como comportamento, disposição,
habilidade etc.
2. Recomendando um cartão de crédito com recompensas relevantes com base
nas preferências de um cliente.
Aquisição de clientes 1. Cada vez mais, o comportamento dos clientes se volta para o uso de canais
digitais, juntamente com vantagens de baixo custo. Alavancando grandes dados,
os serviços financeiros estão se movendo para canais digitais para adquirir
clientes.
Campanha de marketing,
prospecção e retenção de
clientes
1. Soluções analíticas que combinam dados transacionais históricos, juntamente
com fontes de informação externas, aumentam a taxa de conversão global. As
empresas estão efetivamente alavancando essas soluções para aumentar as
oportunidades de venda cruzada. As ofertas ligadas a cartões, as soluções de
recompensa personalizadas são algumas das ofertas oferecidas pelas firmas
fintechs.
Gerenciamento de risco
(fraude e inadimplência)
1. Os pagamentos em tempo real exigem requisitos para soluções de
gerenciamento de risco aprimoradas. As análises preditivas que utilizam a
identificação do dispositivo, a biometria, a análise do comportamento etc. são os
principais fatores de direção (cada solução ou combinação de cada um deles)
para melhores soluções de gerenciamento de riscos no espaço de fraude e
autenticação. Portanto, além de apenas armazenar esses dados, os bancos buscam
construir algoritmos poderosos que minam esses dados e fornecem informações
acionáveis para detectar o uso de métodos de pagamento fraudulentos.
2. Usando métodos estatísticos para determinar a probabilidade de um candidato
a crédito ser inadimplente.
Gestão de investimentos 1. As soluções assistidas por robôs tomam o destaque no segmento, e o poder dos
grandes dados para fornecer soluções eficientes de gerenciamento de
investimentos trazem a capacidade de utilizar dados de pesquisa, combinar
múltiplos fatores macroeconômicos, quantificar as últimas notícias e insights e
combinar tudo isso para fornecer possíveis cenários de reversão ou desvantagem.
Além disso, existem soluções desenvolvidas para detectar anomalias específicas
do mercado e providenciar etapas de ação preventiva no portfólio de
investimentos.
Tempo de vida do cliente 1. Avaliar o volume potencial de compra ao longo da vida do indivíduo como
cliente. Isso cria a oportunidades de marketing com base em onde o cliente está
no modelo. O uso de métricas para compreender o valor de vida de um cliente
permite a aplicação correta de recursos nos clientes com maior probabilidade de
ser de grande valor para o futuro.
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TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZA-
ÇÃO DE SERVIÇOS DE DEPARTAMENTO DE PESSOAL NUMA EMPRESA DO SETOR
DE PETRÓLEO E GÁS
Outsource or insource? Teaching case about the operationalization of payroll department
services in an oil and gas company
VICTOR MARQUES DE OLIVEIRA – victormarquescontabilidade@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
CARLOS FIGUEIREDO VEIGA – profcarlosfigueiredo@yahoo.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RENATA GEORGIA MOTTA KURTZ – renatakurtz@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
LEONEL TRACTENBERG – ltractenberg@uerj.br
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
TANIA MARIA DE OLIVEIRA ALMEIDA GOUVEIA – almeida.tania@globo.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Escola Superior de Propaganda e Marketing – Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Submissão: 14/07/2018 | Aprovação: 18/10//2018
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Resumo
Este caso de ensino enfoca o processo decisório sobre a terceirização das atividades de departamento
pessoal de uma empresa fornecedora de equipamentos e prestadora de serviços para a indústria de
petróleo e gás. Tem como objetivo fomentar a discussão sobre os riscos e benefícios relacionados a
essa tomada de decisão, bem como sobre os fatores a serem considerados pela Presidente da empresa
ao optar por determinada configuração operacional para essa atividade, que inclui a elaboração da
folha de pagamento de seus empregados.
Palavras-chave: folha de pagamento, terceirização, primarização, processo decisório, gestão
estratégica de custos.
Abstract
This teaching case focuses on the decision making process regarding the outsourcing of payroll
department activities of company which provides equipment and services to the oil and gas industry.
The purpose is to promote the discussion about risks and benefits related to such decision, as well as
the factors to be considered by the President of the company when choosing a certain operational
configuration for this activity, which includes the preparation of the payroll of its employees.
Keywords: payroll, outsourcing, insourcing, decision making process, strategic cost management.
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Introdução
A companhia Ouro Negro Ltda.1
foi criada em 2001, fruto do investimento de uma empresa
norte-americana presente em mais de 20 países, em associação com Ângela Maia, uma empresária
brasileira que, desde então, exerce o cargo de presidente da companhia. Trata-se de uma empresa
especializada no fornecimento, instalação e suporte de equipamentos inerentes à indústria de
petróleo e gás. A Ouro Negro atua diretamente na planta industrial de seus clientes, em campos
marítimos e terrestres de extração e produção de petróleo. Com as recentes descobertas da indústria
petrolífera na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, a companhia tornou-se uma das principais
parceiras das empresas do ramo, estando presente em grande parte das concessões dessa área.
A companhia possui um grande volume de vendas de equipamentos e prestação de serviços
associados, o que gera um faturamento anual médio de US$ 50 milhões ao ano. Segundo estimativas
de analistas do mercado, caso fosse vendida, teria um valor de venda de, aproximadamente, US$ 400
milhões.
A empresa conta com mais de 500 empregados envolvidos no suporte, manutenção e
fornecimento de equipamentos. Em sua maioria, trabalham em plataformas marítimas de produção
de petróleo e em outros ambientes remotos (tanto terrestres quanto marítimos), perigosos e
insalubres. O regime de trabalho é quinzenal, ou seja, os trabalhadores ficam 15 dias embarcados e
outros 15 dias de folga. A carga horária do trabalho, quando embarcados, é de escala 12x12, ou seja,
são 12 horas de trabalho efetivo para 12 horas de descanso. O processo de contratação dos
colaboradores obedece a rigorosos métodos de avaliação, além de incluir períodos de treinamentos
técnicos e psicológicos antes de assumirem suas funções, havendo ainda treinamentos periódicos.
Essas particularidades fazem com que a Ouro Negro tenha que observar, com atenção especial, a
legislação trabalhista aplicada às especificidades das suas operações.
A companhia necessita observar itens na legislação trabalhista muito semelhantes aos da
empresa que é sua principal cliente. Sua função constitui-se, principalmente, em instalar dutos e
oleodutos que servem de suporte logístico à produção e ao refino de petróleo. Então, muitas vezes,
necessita estar à disposição do seu cliente para acompanhar o correto funcionamento do produto que
vendeu e instalou. Em função de essa indústria funcionar 24 horas por dia e de atuar tanto em terra
quanto em mar, a maioria de seus empregados da área operacional trabalha em regime de
confinamento, ou seja, não tem a possibilidade de sair de seu ambiente de trabalho com facilidade.
Muitos empregados da Ouro Negro necessitam estar sujeitos a essas mesmas condições para
prestar um serviço de excelência. Esses colaboradores ficam expostos à periculosidade por estarem
embarcados, especialmente quando ocorrem tempestades e outros eventos naturais. Outro perigo é o
contato frequente com produtos químicos, o que aumenta a probabilidade da ocorrência de incêndios
e explosões.
Em função dessas especificidades, a Ouro Negro tem gastos adicionais com pessoal. Esses
valores, em geral, são computados na folha de pagamento e pagos em função do serviço prestado.
Além do salário, gastos com transporte, plano de saúde e alimentação, a empresa arca com
gratificações por embarque e desembarque e adicionais como o noturno, insalubridade,
periculosidade, confinamento, entre outros. Os empregados também recebem um adicional de
sobreaviso, o que equivale ao adicional noturno, mesmo que a atividade ocorra ao longo do dia, de
acordo com a lei trabalhista. Tal regime é necessário para que os trabalhadores acompanhem a
operação dos oleodutos instalados. Além disso, ainda devem ser considerados os encargos sociais
que incidem sobre os salários dos empregados, como o Programa de Integração Social (PIS),
recolhimento ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), todos de responsabilidade da empresa.
1 Todos os nomes das pessoas e empresas mencionadas neste caso de ensino são fictícios.
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Com isso, para elaborar a folha de pagamento de maneira adequada, é necessário profundo
conhecimento sobre as questões trabalhistas envolvidas, evitando que a empresa seja exposta à
possibilidade de receber multas por infrações, aplicadas pelo Ministério do Trabalho, e de processos
judiciais por parte de seus empregados.
Problemas com a terceirização da folha de pagamento
Recentemente, a companhia Ouro Negro vem enfrentando inúmeros problemas ligados a
questões trabalhistas. A empresa vem recebendo multas do Ministério do Trabalho por infringir leis
que regem a relação empregatícia, e, além disso, empregados e ex-empregados têm ingressado com
processos judiciais em função de cálculos errôneos em relação a suas remunerações. A empresa
também tem atrasado o pagamento de encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento. Com
isso, não conseguiu obter uma Certidão de Regularidade do Empregador, condição imprescindível
para transacionar com seu principal cliente: uma indústria estatal do setor de petróleo, que responde
por 90% de seu faturamento. A ausência do certificado pode fazer com que o pagamento dos
serviços prestados pela Ouro Negro seja retido. Na pior das hipóteses, a falta dessa certidão pode
impedir que a companhia transacione com seu contratante, gerando um estrago no desempenho
global da empresa.
Esses problemas foram causados pelo escritório de contabilidade que atende a companhia.
Ele não tem cumprido prazos de obrigações acessórias e guias de recolhimento de encargos sociais.
Além disso, uma perícia recente nos documentos da Ouro Negro apontou que a base de cálculo e
alíquotas dos encargos sociais estavam subestimados, gerando pagamentos mais baixos do que os
devidos. Os especialistas também apontaram que o escritório não vinha considerando adicionais aos
salários dos empregados inerentes à atividade específica da companhia, o que também gerava um
valor líquido inferior ao qual o empregado tem direito de acordo com a legislação trabalhista.
Observando a baixa qualidade do serviço prestado por esse escritório terceirizado, e os
impactos negativos relacionados, Ângela decidiu que a atividade de departamento de pessoal (DP)
deveria sofrer alterações, mas ela ainda tinha muitas dúvidas em relação à melhor decisão a tomar.
Em busca de suporte à decisão, Ângela quis ouvir o diretor administrativo, Daniel Freitas, e o
diretor financeiro, Bruno Fonseca, pedindo que apresentassem ideias para a solução do problema.
Em uma conversa informal com os dois, a presidente notou que eles tinham pensamentos
divergentes: enquanto Bruno defendia a primarização dos serviços do setor de DP, trazendo para
dentro da empresa todas as atividades desse segmento, Daniel insistia que a melhor opção seria
substituir o escritório terceirizado por outro mais confiável.
Considerando essa divergência, Ângela decidiu agendar uma reunião com os dois diretores
para que formalizassem suas sugestões, apresentando todos os seus argumentos, com dados
quantitativos e qualitativos, elucidando o impacto de cada cenário nas operações da empresa. Na
defesa de cada diretor, deveria ficar bem clara a necessidade de a empresa obter um serviço de
excelência, com o objetivo de evitar os problemas correntes. Ângela ressaltou que a Ouro Negro
apresenta uma folga de caixa invejável, com uma sobra que lhe permite fazer investimentos ousados
sem comprometer sua solvência, mas que é inadmissível que o dinheiro em caixa seja corroído pela
inflação brasileira. Por essa razão, Ângela gosta de atuar diretamente com Bruno na busca das
melhores opções para investir sem risco e que garantam boa rentabilidade para os recursos da Ouro
Negro. Nos últimos anos, os gestores têm destinado parte do caixa da empresa a uma aplicação que
gera um rendimento líquido de 12% ao ano, sem risco, percentual considerado satisfatório pelos
analistas de investimentos mais consagrados.
No dia agendado, todos comparecem à reunião. Ângela deu início agradecendo a presença dos
diretores. Deixou claro que estavam ali para apresentar argumentos e debater sobre a melhor decisão
a tomar. O diálogo a seguir resume a apresentação e debate entre os diretores:
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Daniel: "Agradeço a oportunidade de apresentar meus argumentos de defesa da manutenção da
terceirização do setor de DP de nossa empresa. Em primeiro lugar, destaco a especialização. Os
prestadores de serviços possuem larga experiência no ramo, que lhes possibilita o desenvolvimento
de meios tecnológicos inovadores que tendem a minimizar erros e automatizar ao máximo todas as
atividades referentes a rotinas de DP. Por fazerem somente essa atividade, é mais fácil que eles
sejam especialistas nisso. Temos plena convicção de que tais serviços inovadores estão muito mais
ao alcance desses prestadores que ao nosso."
Bruno: "Daniel, permita que eu lhe interrompa. Nossa atividade-fim é extremamente
específica, e os serviços prestados por nossos empregados possuem muitas nuances perante a
legislação trabalhista, o que se reflete no trabalho do setor de DP. Entendo que continuar
terceirizando é “dar um tiro no pé”, pois o terceirizado não conhece o nosso negócio e não está aqui
para entender a operação da Ouro Negro. Se estivéssemos falando de uma empresa com um serviço
muito básico, tudo bem..."
Daniel: "Sim, sim, eu sei disso. Por isso, ao realizar as minhas pesquisas, procurei identificar
escritórios de contabilidade que já trabalham com companhias relacionadas ao setor de petróleo e
gás. Eles entendem do negócio!! Esse escritório selecionado, especificamente, possui competência
técnica atestada por diversas empresas do mesmo ramo que o nosso. Além disso, a contratação desse
escritório terceirizado conta com um tipo de acordo que transfere os riscos aos terceirizados. Se a
Ouro Negro sofrer qualquer tipo de sanção inerente à prestação do serviço terceirizado, é o escritório
quem arcará com todos os custos. Isso nos trará uma segurança muito maior e só teremos vantagens.
Aliás, nosso foco é prestar serviço para a indústria de óleo e gás, e não elaborar folha de pagamento!
É preciso manter o foco na nossa atividade-fim. Aqui estão os gastos necessários para a troca do
terceirizado..."
Daniel aponta para o Quadro 1: "Considerando que possuímos uma equipe com mais de 500
funcionários, foi orçada a mensalidade do terceirizado para elaboração da folha de pagamento numa
estimativa de R$ 120 mil mensais. Consideremos também um gasto R$ 12 mil ao ano em função de
despesas com advogados, para confecção e monitoramento do contrato. Vejam a planilha resumida
com os gastos e fatores que considerei nessa análise."
Quadro 1. Argumentos pró-terceirização
Vantagens Custos (em R$)
 Aumento da qualidade do serviço
 Mitigação de riscos
 Especialização
 Competência técnica da terceirizada
 Mensalidade da terceirização: R$ 120.000,00
 Honorários advocatícios anuais: R$ 12.000,00
Bruno: "Daniel, hoje pagamos R$ 20 mil mensais ao escritório terceirizado referentes a esse
serviço. Sua proposta custa seis vezes mais ao caixa da companhia, fora os gastos com advogados,
que antes não existiam. Mesmo que não tenhamos mais problemas com fiscalização ou processos
judiciais, nosso dinheiro vai embora na mensalidade do escritório terceirizado".
Daniel: "Meu caro, garanto a você que o nosso prejuízo é muito maior com os processos e
autuações. Além disso, gera um desgaste enorme com o nosso principal cliente e arranha nossa
imagem perante toda a sociedade."
Ângela: "Obrigado, Daniel. Se não tiver outros argumentos, quero agora ouvir o que Bruno
tem a dizer..."
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Bruno: "Entendo que buscar a eficiência só tem um caminho: considerar que isso se dá pelo
melhor gerenciamento das atividades. E isso só é possível quando nós mesmos executamos a
atividade! Basta observar a qualidade do serviço que prestamos em nossa atividade-fim. Com o
serviço sendo realizado dentro de casa, é claro que o comprometimento profissional será maior do
que o do terceirizado, uma vez que não ficaremos na dependência de um prestador de serviços que
pode preterir nossas urgências em virtude de outros clientes da sua carteira. Além disso, ao
internalizarmos o DP, mantemos a confidencialidade das nossas informações. Quem me garante que
o escritório terceirizado não divulgará dados confidenciais? Quem me garante que o sistema de
confidencialidade do escritório é bom o bastante para que as informações não vazem?"
Daniel: "O contrato, Bruno. Essa é a garantia de que qualquer consequência negativa será de
responsabilidade do terceirizado."
Bruno: "Não é tão simples assim. O escritório vai contestar de todas as formas antes de nos
ressarcir. E o vazamento de determinadas informações pode nos gerar um prejuízo de imagem
imensurável. Não há multa contratual que pague! Além disso, se o escritório não pagar, teremos que
entrar com processo judicial para que isso ocorra. Isso pode levar anos, fora os gastos excedentes
com advogados. E ainda teremos que procurar outro escritório! Bem, em relação aos custos com a
internalização, haverá um gasto inicial de R$ 50 mil com sistema de DP adequado à nossa realidade.
Vale ressaltar que, se comprarmos o sistema à vista, isso fará que com que o ativo, passivo e
resultado da empresa se mantenham inertes em um primeiro momento. Ao longo dos anos, o ativo
será depreciado, e o valor será destinado ao resultado, aos poucos, o que maximiza nosso resultado.
Esse deve ser o nosso foco. Realizar essa atividade internamente é bem mais benéfico à companhia
do que seguir com uma terceirização cara que reduzirá o nosso lucro e o nosso caixa de maneira
absurda! Além disso, tendo o controle da atividade, podemos gerenciar muito melhor os empregados
que trabalharão nesse serviço, identificando melhorias constantes na forma de realizá-lo. E nossa
empresa sabe como motivar o empregado. Então, ter um empregado comprometido com o trabalho
não é difícil para nós e vai nos gerar eficiência em altos níveis. Também podemos garantir a
confidencialidade das informações."
Daniel: "Bruno, ressalto que internalizar essa atividade não nos traz garantia nenhuma de
qualidade. Nosso foco deve ser aumentar a eficiência. Por isso, é muito melhor contratar alguém que
já saiba fazer!"
Bruno: "Podemos desenvolver esse know-how que não temos hoje. Com um DP nosso, teremos
muito mais integração e controle do pessoal que trabalha na atividade-fim. Não há como um
escritório terceirizado ter essa expertise toda! Deixe eu mostrar o quadro-síntese dos meus
argumentos..." Bruno aponta para o Quadro 2.
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Quadro 2. Argumentos pró-primarização
Vantagens Custos (em R$)
 Maximização do lucro
e do caixa em curto
prazo
 Aumento da eficiência
 Melhor gerenciamento
 Comprometimento
profissional
 Conhecimento da
atividade-fim
 Know-how
 Confidencialidade de
informações
 Recrutamento e seleção de pessoal do DP: R$ 4.000,00
 Gestor de DP com experiência mínima de cinco anos: remuneração
mensal de R$ 10.000,00 e outros gastos no montante de R$
8.000,00
 Dois analistas com remuneração mensal de R$ 4.000,00 cada, mais
benefícios e encargos sociais de R$ 3.000,00 para cada um
 Treinamento anual: R$ 1.000,00 ao ano, cada colaborador
 Assinatura de boletins informativos de mudanças na legislação
trabalhistas: R$ 1.000,00 ao mês
 Provisão mensal para uma provável multa por rescisão de contrato
de trabalho, à razão de 5% da folha do departamento
 Três mensalidades do escritório terceirizado atual para que trabalhe
com nossos analistas contratados durante a transição
Ângela: "Obrigada, Bruno. Muito obrigada aos dois. As informações e argumentos de vocês
foram muito sensatos e úteis. Vou levá-los em consideração e tentarei decidir o quanto antes sobre o
melhor modelo operacional para que passe a contar com serviços de DP de excelência". Dizendo
isso, Ângela encerra a reunião.
O dilema de Ângela – Questão do caso
De acordo com o cenário apresentado, Ângela encontra-se na difícil situação de tomar uma
decisão. Com base nas informações apresentadas, nos conceitos estudados e considerando uma
perspectiva estratégica da atuação da empresa, o que você faria se estivesse no lugar de Ângela?
Qual é a melhor decisão a ser tomada considerando os fatos e dados expostos?
Volume 8
Número 2
Jul/Dez 2018
Doc. 10
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c10
QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO
The simpler, the better: management in a vegetarian restaurant
ALINE MENDONÇA FRAGA – alinemf.adm@gmail.com
Universidade Federal
VANESSA AMARAL PRESTES – vanessa.amaral.prestes@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre RS, Brasil
CATIA ELI GEMELLI – catia.gemelli@osorio.ifrs.edu.br
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grandes do Sul – Osório, RS, Brasil
Submissão: 26/07/2018 | Aprovação: 14/09/2018
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Resumo
O caso ilustra uma situação real que enfatiza a relação entre o estilo de vida de Ravi, proprietário de
um pequeno restaurante vegetariano na cidade de Porto Alegre, e o modelo de gestão adotado no seu
negócio. O acirramento na concorrência com o crescimento da oferta de restaurantes com culinária
vegetariana e vegana trouxe novos desafios para a gestão do Manjari. O aumento na rotatividade e a
escassez de novos profissionais instigam Ravi a pensar em novas estratégias de gestão de pessoas.
Ele deseja aprimorar o seu negócio para clientes e colaboradores, mas sem perder a simplicidade.
Palavras-chave: gestão de pessoas, recrutamento, seleção, retenção, treinamento.
Abstract
The case illustrates a real situation that emphasizes the relationship between the lifestyle of Ravi,
owner of a small vegetarian restaurant in the city of Porto Alegre, and the management model
adopted in his business. The increase in competition with the growth of restaurants offering
vegetarian and vegan cuisine has brought new challenges for the management of Manjari. The
increase in turnover and the shortage of new professionals instigate Ravi to think about new people
management strategies. He wants to improve his business for customers and employees, but without
losing simplicity.
Keywords: people management, recruitment, hiring, training.
“Quanto mais simples, melhor”
“Quanto mais simples, melhor” é a filosofia que Ravi mantém em sua vida e também no seu
negócio. Proprietário de um restaurante de culinária indiana/vegetariana renomado na cidade de
Porto Alegre, ele busca aprimorar o seu negócio para os clientes e colaboradores, mas sempre
mantendo a simplicidade.
Ravi, no entanto, entende que precisa de transformações para manter o negócio rentável e
competitivo, principalmente no que se refere às suas estratégias de Gestão de Pessoas. Mas nada de
mecanizar as relações ou adotar ferramentas de gestão burocratizadas! Melhorar, mas sem
complicar... Esse é o desejo de Ravi e o seu desafio!
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A história
Chileno, com 55 anos de idade, Ravi faz da culinária sua profissão e filosofia de vida. Atua
como chefe de cozinha há mais de 20 anos, mas sua formação não foi adquirida em um curso técnico
ou de graduação. A sua formação mistura-se com a sua própria história.
No ano de 1981, mudou-se para um mosteiro hindu na cidade de Curitiba/PR, onde
permaneceu até o ano de 1990. Assim como todos os moradores do local, ele colaborava com as
atividades diárias, tanto religiosas como de alimentação e organização do convívio coletivo.
Começou a trabalhar como aprendiz de cozinheiro e, com o tempo, tornou-se o sacerdote
responsável pelas oferendas de alimentos, função de grande responsabilidade e que exigia técnica e
cuidado. Para realizar essa importante tarefa, recebeu o treinamento de um mestre da cozinha, que
lhe passou os ensinamentos de uma culinária milenar e tradicional, de cinco mil anos atrás. Ravi
sempre relembra essa etapa da sua formação profissional e pessoal:
– A gente treina, quase um ano, mais de um ano, não pode nem acender o fogo, só olhar,
cuidar como eles fazem e aprender. A cozinha do altar é ligada à adoração, ao tempo, é bem mais
restrita nos horários, e são muitas oferendas. Eu tive que aprender tudo isso, então essa é a minha
formação. Eu aprendi a cozinhar sem provar a comida, pois não pode provar enquanto prepara. Só
depois de pronta e oferecida.
Depois de quase 10 anos de vivência e aprendizados no mosteiro, incluindo uma passagem
pela Índia, no ano de 1991, Ravi foi convidado para trabalhar na cozinha de um restaurante na cidade
de Porto Alegre. Inicialmente sua função era de apenas substituir um funcionário afastado durante
uma semana, no entanto sua trajetória profissional no local durou 18 anos.
Ao ser questionado sobre o que o fez para permanecer como funcionário nesse restaurante
por tanto tempo, imediatamente respondeu:
– O ambiente de trabalho! Era muito bom, e, além disso, na época, o restaurante era um ponto
de encontro do cenário artístico e cultural de Porto Alegre. Era frequentado por músicos, atores,
escritores... Eu cozinhava para pessoas como o Caio Fernando Abreu. Além disso, os donos
aceitaram que eu adaptasse a cozinha ao meu jeito, sem peixe, sem ovo, ingredientes que eles
usavam até então.
Ravi levou para sua profissão os ensinamentos aprendidos no mosteiro, a filosofia hindu e os
elementos da cultura indiana e do movimento Hare Krishna, do qual fez parte. A alimentação
consciente, prática da ayurveda, foi levada consigo para o trabalho e mantida em sua própria
alimentação: não utiliza ovos nem carnes (inclusive peixes e frutos do mar) no preparo dos alimentos.
Com o passar do tempo, reuniu uma equipe de trabalho que passou a seguir os mesmos preceitos.
Além disso, nessa época, surgiu o questionamento: Por que não abrir um restaurante próprio que
disseminasse essa filosofia de vida?
Assim nasceu a ideia que, no ano de 2007, deu origem ao Manjari Restaurante, localizado em
uma casa alugada e adaptada na cidade de Porto Alegre. O negócio, inicialmente, contava com uma
equipe de 10 funcionários. Atualmente, são oito pessoas contratadas, divididas entre a cozinha e o
salão (atendimento aos clientes), além dele próprio, que permanece trabalhando na cozinha e na
gestão do local. Nos sábados, domingos e feriados, outros dois garçons trabalham como apoio extra
no atendimento ao salão. O Quadro 1 apresenta a relação de funcionários e a descrição das suas
principais funções.
Surpreendentemente, grande parte dos clientes regulares do restaurante, segundo Ravi, não é
necessariamente vegetariana ou vegana. São pessoas que almoçam quase todos os dias ou
comparecem semanalmente e destacam o cardápio variado, a comida saborosa e saudável como
principais motivos para a fidelização. Os temperos diferenciados, típicos da culinária indiana,
também sobressaem como um ponto forte, contou Ravi.
Ainda que boa parte dos clientes seja onívora (come carne), vegetarianos e veganos são os
mais fiéis ao local. Como as refeições podem ser adaptadas de lactovegetarianas (que incluem
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derivados do leite) para veganas, a pedido dos clientes, o Majari recebe ambos os públicos, que têm
crescido nos últimos anos. Esses clientes costumam conversar com Ravi, que está sempre presente
no local para troca de ideias e de conhecimento. A preocupação com saúde e alterações éticas é
destacada pelos novos vegetarianos como principal motivação para a mudança, como destaca Ravi:
– O principal motivo para as pessoas virarem vegetarianas ainda é a saúde. Mas também tem
a parte ética e moral de não querer matar um animal, de fazê-lo sofrer só porque tu queres desfrutá-lo.
Então, essa é a outra parte de que as pessoas estão se dando conta. O principal motivo que atrai as
pessoas ainda é a parte da saúde, mas, depois, o que as mantém como vegetarianas é a parte ética.
O Quadro 2 apresenta informações sobre a cidade de Porto Alegre e ilustra o crescimento do
público vegetariano na capital gaúcha. Até o início dos anos 1990, Porto Alegre tinha apenas três
restaurantes vegetarianos, o que demonstra o potencial de crescimento que esse mercado representa.
Ainda que a carne seja uma expressão cultural com tradição no estado do Rio Grande do Sul, o
número de pessoas vegetarianas é significativo, o que justifica o aumento da oferta de opções para
esse público. Destaca-se que o primeiro fast-food vegano brasileiro foi inaugurado na capital gaúcha,
no ano de 2014.
Da cozinha para a gestão
– Eu não sou muito bom administrador, sou um cozinheiro, na verdade, mas eu tive a sorte de
ter uma boa gerente...
Ravi logo percebeu que seu ponto forte e verdadeira paixão é a cozinha, por isso contratou
uma gerente para cuidar da administração do seu negócio. Nutricionista por formação, mas atuando
há anos na função de gerente de restaurante, Simone é quem cuida de todas as tarefas administrativas.
O cardápio e a cozinha são de responsabilidade de Ravi, com o apoio da chefe de cozinha Tereza,
que foi sua colega no monastério, por isso conhece todos os procedimentos e preceitos do restaurante.
A chefe trabalha na função desde a inauguração do restaurante.
Por ser sua primeira experiência e por trabalhar com pessoas que considerava mais como
amigas do que como funcionárias, Ravi iniciou sua gestão de maneira informal, principalmente no
que se referia ao pagamento de salário dos funcionários. Com o crescimento do negócio, viu-se
obrigado a formalizar e modificar alguns procedimentos, como a concessão de adiantamentos e de
folgas. Essa organização foi realizada por uma contadora contratada para a tarefa, mas causou
descontentamento. Acostumada com a informalidade, a equipe demorou a se adaptar às novas regras.
Ravi acredita que sua inexperiência como gestor e a própria formação de vida foram fatores que
influenciaram essa postura inicial:
– Nesse negócio de ter sido monge, a gente fica meio assim, meio informal, eu fui meio
informal no começo, me arrependi, agora já estamos fazendo uma coisa mais organizada, porque não
adianta, precisa formalizar para funcionar.
Ravi considera que a busca de apoio em profissionais especializados(as) é o grande segredo
para que sua gestão funcione e a sua concentração possa voltar-se à culinária e à conservação do
estilo de vida que tanto preza e que se tornou o diferencial do seu restaurante. O ambiente do Majari,
marcado por traços da religião hindu e de elementos da cultura indiana, faz refletir tal filosofia de
modo tão forte e presente que grande parte da equipe e, também, ex-funcionários e funcionárias
passaram a seguir a alimentação vegetariana, os princípios ayurveda e a filosofia hindu.
Dificuldades
Há nove anos, Ravi adquiriu um imóvel próprio para sediar seu restaurante. O local passou
por adaptações, contudo melhorar as condições ambientais na cozinha ainda é um desafio. No verão,
a temperatura do local é alta e, muitas vezes, os ventiladores instalados não dão conta de deixar o
local com temperatura agradável aos trabalhadores. Apesar dessa dificuldade, o maior desafio para a
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gestão do negócio não são as questões estruturais, mas, sim, aquelas relacionadas à Gestão de
Pessoas.
Outrora, o recrutamento de novos membros da equipe era feito por meio de indicação dos
próprios funcionários e até dos próprios clientes. Com o passar do tempo, o recrutamento e a seleção
tornaram-se um desafio, principalmente para as tarefas de auxiliar de cozinha e de limpeza. Foi
necessário contratar uma empresa terceirizada somente para a atividade de limpeza, com o objetivo
de sanar o problema constante de recrutamento e seleção de novos profissionais para o desempenho
dessa tarefa.
Na cozinha, o desafio é encontrar pessoas que se adaptem aos preceitos seguidos e que
aprendam as técnicas e o uso de temperos diferentes dos usualmente utilizados na gastronomia
tradicional gaúcha e brasileira. Além disso, nos próprios cursos de formação culinária, a cozinha
vegetariana é pouco explorada: a carne é o principal ingrediente, e os demais são complementos dos
pratos. Nesse sentido, o desafio ultrapassa uma simples questão de formação e envolve aspectos
comportamentais, como destaca Ravi:
– Às vezes, vem gente com formação na área, curso de culinária e tudo, mas chega aqui e não
consegue trabalhar bem com nossos temperos ou não se adapta à nossa filosofia.
Os novos membros da equipe contratados para desempenhar funções na copa, caixa e salão
são treinados por Ravi e Simone. Já as pessoas contratadas para auxiliarem na cozinha são treinadas
por Ravi e Tereza. Os treinamentos sempre contam com o apoio dos funcionários mais antigos, que
auxiliam os novatos e oferecem suporte quando surgem dúvidas. Não há um programa de
treinamento formalizado, pois Ravi entende que cada pessoa precisa de instruções diferentes, a partir
do seu nível de conhecimento sobre a cozinha vegetariana, prática da ayurveda etc. Os pontos mais
importantes do treinamento são, justamente, aqueles ligados à filosofia do restaurante.
Trabalhar aos finais de semana é outro fator que dificulta a contratação e também aumenta a
rotatividade. O restaurante abre aos sábados e domingos, dias que concentram maior movimento.
Dessa forma, toda a equipe é convocada para trabalhar nesses dias e recebe folga durante a semana.
Ravi percebe que isso causa desmotivação, pois muitos dos funcionários que pediram demissão
justificaram que haviam encontrado novos empregos que não exigiam dedicação nos finais de
semana.
A maior parte dos desligamentos, no entanto, não é por solicitação de funcionários, e, sim,
por decisão da gestão do restaurante, em razão da inadequação às exigências do cargo. Segundo Ravi,
as funções com maior rotatividade são as de garçom e garçonete:
– É muito difícil conseguir pessoas que consigam trabalhar bem no salão. Tem que ter um
mínimo de educação com nossos clientes, cumprimentar, tratar bem... Além disso, tem que cumprir
o horário de trabalho. Precisei demitir muitas pessoas porque não chegavam no horário. O
restaurante abria, as pessoas iam chegando, e tinha garçom que ainda não estava no trabalho.
À parte do salário, os(as) funcionários(as) recebem a alimentação no próprio restaurante e
todos os direitos legais garantidos pela legislação, como o percentual extra para trabalhar nos finais
de semana, parte dos 10% da taxa de serviço e o vale-transporte. O único benefício oferecido é o
plano de saúde, por meio da contratação de um plano empresarial por adesão.
É importante destacar que a equipe possui liberdade para opinar, e o diálogo é valorizado,
visto que faz parte da própria filosofia de vida adotada por Ravi. A sua única cobrança, da qual não
abre mão, é que eles tenham entusiasmo:
– Quero que os clientes sempre sejam bem-atendidos. Peço que eles tenham sempre
entusiasmo!
Desafios
O número de restaurantes com culinária vegetariana e vegana está crescendo na cidade de
Porto Alegre, atendendo ao aumento de demanda por esse tipo de alimentação. Mesmo os
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QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO
Aline Mendonça Fraga, Vanessa Amaral Prestes, Catia Eli Gemelli
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restaurantes que têm como pratos principais a carne estão oferecendo opções para essa clientela.
Segundo o sítio virtual “www.beringela.me”, que faz o mapeamento de restaurantes vegetarianos e
veganos na cidade, a fim de torná-los mais visíveis e colaborar com a sua permanência, existem 36
restaurantes vegetarianos e veganos registrados no ano de 2018. O crescimento na oferta interfere na
concorrência do mercado, diminuindo a clientela dos locais já existentes, mesmo os mais tradicionais.
Nesse cenário, ao mesmo tempo que se amplia a concorrência por clientes, os
estabelecimentos passam a competir também pelos profissionais com experiência específica da
culinária. Inclusive nas funções que exigem menos experiência, como a de auxiliar de cozinha e de
garçom ou garçonete, os locais passam por dificuldades para a atrair e reter pessoas. Com isso, o
restaurante de Ravi tem registrado aumento na rotatividade e diminuição na oferta de profissionais
para recrutamento. Criar e manter uma equipe motivada e alinhada à filosofia que acompanha a
culinária vegetariana e vegana tornou-se um desafio, e novas técnicas para entusiasmar os
funcionários se fazem vitais para o futuro do Manjari.
Ravi entende que precisa implantar melhorias nas suas estratégias de Gestão de Pessoas,
principalmente no que se refere aos seguintes subsistemas operacionais de recursos humanos:
recrutamento e seleção; treinamento; e retenção de pessoas. Diante disso, propõe-se o desafio: Como
inovar a Gestão de Pessoas do restaurante sem perder a simplicidade?
Quadro 1. Quadro de funcionários
Cargo Principais funções Nº de funcionários(as)
no cargo
Gerente Planejar, supervisionar e coordenar as
atividades do restaurante.
1
Chefe de cozinha Coordenar e supervisionar toda a
atividade da cozinha.
1
Auxiliar de cozinha Auxiliar no pré-preparo e processamento
dos alimentos, além de higienização e
organização da cozinha.
2
Garçom Atendimento aos clientes no salão:
informar sobre o cardápio e
funcionamento do restaurante, anotar
pedidos, servir e limpar as mesas.
2 fixos
2 intermitentes (finais de
semana e feriados)
Operador de caixa Atendimento ao público externo com
pagamentos e recebimentos de valores,
fechamento de caixa e emissão de notas
fiscais.
1
Atendente de copa e
cozinha
Atendimento ao público interno,
servindo e distribuindo alimentos e
bebidas.
1
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QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO
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Quadro 2. Dados da cidade de Porto Alegre
População total de Porto Alegre segundo o IBGE
(2017)
1.484.942 habitantes
Número de restaurantes vegetarianos registrados no
ano de 2013
22
Número de restaurantes vegetarianos registrados no
ano de 2018
36
Percentual da população que se declarava vegetariana
no ano de 2012, de acordo com pesquisa Ibope (2012)
6%
Percentual da população de regiões metropolitanas que
se declarava vegetariana no ano de 2018
8%
Fonte: http://beringela.me/
IBGE (2017) e Ibope (2012).
Volume 8
Número 2
Jul/Dez 2018
Doc. 11
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c11
IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE
DE TRABALHO BANCÁRIO
Formal equality and effective discrimination of women in the banking work environment
RICARDO VINICIUS CORNÉLIO DOS SANTOS E CARVALHO – rvccarvalho@gmail.com
Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil
CARLOS GUSTAVO ASSIS – carlosgustavoassis@gmail.com
Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil
LUIZ ALEX SILVA SARAIVA – saraivalas@gmail.com
Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil
Submissão: 29/08/2018 | Aprovação: 05/12/2018
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Resumo
Neste caso de ensino, busca-se problematizar a existência de práticas discriminatórias contra as
minorias nas organizações, em particular as mulheres, escondidas sob um pretenso argumento
técnico e de geração de resultados. Na organização estudada – que embora pública, portanto
burocrática na sua essência, o que remeteria a uma perspectiva equânime na gestão, padece dos
mesmos problemas verificados em outros contextos organizacionais –, mulheres são constantemente
discriminadas, sendo objeto de piadas, de aviltamento e, a rigor, de discriminação por serem quem
são. O caso trata de situações simultâneas de gravidez de colegas de trabalho, que geraram uma série
de desdobramentos que merecem ser problematizados.
Palavras-chave: mulher, ambiente bancário, maternidade, burocracia, serviço público.
Abstract
In this teaching case, we seek to problematize the existence of discriminatory practices against
minorities (particularly women) in organizations, hidden under an allegedly technical and results-
generating argument. In the organization studied – which, allthoug being public and therefore
bureaucratic in its essence, which would lead in theory to an equitable perspective in the
management, suffers from the same problems verified in other organizational contexts –, women are
constantly discriminated, being joked, diminished and discriminated for being who they are. The
case deals with simultaneous situations of pregnancy of co-workers, which generated a series of
developments that deserve to be problematized.
Keywords: women, banking environment, maternity, bureaucracy, public service.
Masculino, heterossexual e branco: o Banco da Pátria1
O Banco da Pátria é um banco público fundado há mais de 50 anos, fruto de um esforço de
modernização da administração pública, que procurava alinhar-se aos modelos internacionais de
desenvolvimento econômico e social, e que vislumbrava imbuir maior racionalidade nas questões
técnicas relacionadas a câmbio, crédito, dívida externa e moeda no País. Tendo sido fruto de uma
junção de funções que advieram de outros bancos públicos e órgãos econômicos de governo, tinha
1 Nome fictício para uma organização real.
2
IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO...
Ricardo Vinicius Cornélio dos Santos e Carvalho, Carlos Gustavo Assis, Luiz Alex Silva Saraiva
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como característica marcante uma visão tradicional de burocracia pública: altamente hierarquizada,
formalizada e impessoal nas questões de relações de trabalho. Por conta desse início, sua primeira
composição de servidores não se deu mediante funcionários aprovados em concursos públicos: eles
eram oriundos de outras carreiras do serviço público federal, em sua grande maioria, de órgãos e
empresas públicas vinculadas à área econômica.
Por ter sido fundado no início do período da ditadura civil-militar instaurada no Brasil em
1964, o Banco da Pátria teve, em seu quadro funcional inicial, a inserção de alguns servidores
oriundos da carreira militar, ocupando cargos de chefia ou exercendo função em comissão. Nos seus
primeiros 20 anos de fundação, apresentou poucos concursos, que privilegiavam as áreas econômica
e de auditoria, ocorrendo a sua maioria entre 1977 e 1980. Nesse período, dado o quadro de crise
econômica e recessão do País ocorrido na transição para os anos 1980, a maior parte dos ingressos
era de formação em Engenharia, área de formação que começava a sofrer com uma crise de
empregabilidade causada pelas crises econômicas, pelos surtos inflacionários e pela crise da dívida
externa, que pressionaram o governo a arrefecer as grandes obras públicas de infraestrutura do
período do “milagre econômico”, ocorrido entre 1968 e 1973. Somado a isso, tinha-se um quadro
pequeno de profissionais formados em outras áreas, como Administração, Economia e Contabilidade,
e o fato de a área financeira ser tradicionalmente atraente para profissionais com sólida formação
matemática, como os engenheiros.
Em função do conturbado período econômico dos anos 1980 no Brasil, o setor público
federal passou a ser bastante criticado pelos excessos de gastos com as obras de infraestrutura do
período militar, combinados a questionamentos sobre corrupção, desperdícios e ineficiências de toda
ordem, construindo-se o argumento de que a administração pública federal era uma burocracia
excessivamente grande, com um quadro de funcionários exagerado. Isso fez com que os concursos
públicos para o Banco da Pátria fossem suspensos por praticamente toda a década de 1980, sendo
retomados somente no início dos anos 1990, quando um grande certame fora realizado, em 1993.
Esse lapso temporal de renovação do quadro funcional acarretou uma grande diferença entre
gerações no Banco da Pátria, o que culminou em um conflito velado entre servidores de diferentes
épocas de ingresso na disputa por cargos de chefia, que raramente deixavam de ficar com servidores
mais antigos.
Esses fatos resultaram em uma composição peculiar do quadro funcional do Banco da Pátria.
Dado que a formação em Engenharia possuía (e ainda possui) grande preponderância de homens,
algo também verificado nas carreiras dos setores financeiro e militar, o corpo de funcionários do
Banco da Pátria é majoritariamente formado por homens. A proporção histórica fica em torno de
80% de homens. Além dessa questão, também chama a atenção, no quadro de funcionários e
funcionárias, a pouca presença de pessoas negras. Com isso, temos uma organização marcadamente
masculina, heterossexual e branca. Um dado interessante, também, é que existe um grande
contingente de funcionários lotados na cidade de São Paulo, devido à expressão econômico-
financeira da região para o País. Com isso, tal como se tem uma grande presença de descendentes de
japoneses na cidade, há também um grande número de funcionários e funcionárias de origem
familiar japonesa.
No final dos anos 1990 e início dos 2000, o Banco da Pátria passou por uma renovação do
quadro. Essa alteração veio acompanhada de uma tentativa de alteração do chamado “estilo”
gerencial do banco. Os dirigentes que assumiram a alta administração, na época, mostraram-se
alinhados aos ditames da Nova Administração Pública (New Public Managment), que ganhou força
nas últimas décadas do século XX, preconizando a redução da presença do Estado na economia, as
políticas neoliberais de privatização, a redução dos gastos públicos em geral e a adoção de práticas
gerenciais do setor privado no serviço público. Esse último ponto encontrou grande apoio na direção
do banco, que contratou empresas de consultoria gerencial para modernizar a gestão da instituição.
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Uma das empresas contratadas realizou um diagnóstico do “estilo de gestão” da organização
no início dos anos 1990, no qual foi relatado que o banco era excessivamente hierarquizado, com
linhas de comando muito rígidas, com alta especialização técnica em Economia e Finanças, mas
pouco conhecimento teórico e prático em Administração. A imagem utilizada era a de que o banco
era estruturado em feudos ou silos, com uma disposição física de labirinto, com salas fechadas e
corredores sem janelas, nos quais, muitas vezes, os chefes ficavam em andares diferentes dos
demais funcionários. Foi identificado, também, que as chefias eram excessivamente centralizadoras,
com alguns gestores quase sem contato pessoal com os funcionários, sendo qualquer comunicação
feita por meios formais (notas, e-mails, memorandos) ou mediante recados de secretárias. Diante
disso, a comunicação foi tida como um dos maiores problemas gerenciais do Banco da Pátria.
No final dos anos 1990, outra empresa de consultoria gerencial foi contratada, e um
diagnóstico bastante similar foi realizado. O Banco da Pátria, então, passou a contratar empresas de
consultoria gerencial com frequência e implementou sistemas informatizados de gestão, bem como
criou comitês e departamentos cuja função específica era realizar estudos administrativos e de gestão
dessas ferramentas, os departamentos de Planejamento, de Controle e de Gestão. Com os concursos
públicos retomados com maior regularidade no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, foram
realizadas seleções por área de formação específica, destacando-se graduação em Administração.
Nesses concursos, havia uma proporção de homens e mulheres na área de Administração diferente
da proporção histórica do banco. Nessa área, a proporção era de 60% homens e 40% mulheres; com
isso, a área administrativa passou a concentrar o maior número de mulheres da instituição, mas a
proporção geral do banco permanecia 80/20.
Obrigado e boa sorte: um labirinto de indignação
Ícaro, Ariadne e Diana ingressaram no Banco da Pátria no mesmo concurso, realizado em
2008, todos, na época, solteiros e com cerca de 28 anos de idade. Os três eram graduados em
Administração e possuíam especialização, em nível de pós-graduação lato sensu, em Gestão, sendo a
de Ícaro em Gestão Pública, Ariadne em Finanças e também em Gestão Estratégica, e Diana em
Logística e Cadeia de Suprimentos. Além disso, Ariadne e Diana possuíam também mestrado em
Administração na área de Estratégia. Ícaro já havia trabalhado no setor público antes de ingressar no
banco, atuando em áreas variadas, como Licitações, Gestão de Pessoas e Finanças em órgãos
municipais e estaduais. Ariadne trabalhou em empresas de consultoria gerencial e também na área de
Desenvolvimento Econômico em uma secretaria de Estado de um governo estadual. Diana havia
trabalhado em bancos privados. Em média, eles possuíam cerca de cinco anos de experiência
profissional quando tomaram posse no Banco da Pátria. Uma vez investidos nesse banco, foram
lotados na área administrativa, no departamento de Controle Gerencial.
Esse departamento possui como atribuições realizar o acompanhamento de todos os trabalhos
planejados, no ano anterior, pelas diversas equipes do banco. Cabe a ele elaborar relatórios de
desempenho de cada equipe, relatórios gerais de desempenho anual, promover reuniões de
acompanhamento com as equipes, orientar as chefias sobre pontos de atenção da execução dos
trabalhos e fazer o reporte anual à Diretoria sobre o cumprimento dos objetivos pautados para o ano.
Além disso, havia um controle formal de horas trabalhadas, de presença e de compensação de
ausências, que, embora fosse responsabilidade de cada gestor, era também realizado pelo
departamento. O departamento era considerado pelos servidores do banco, portanto, uma divisão
extremamente formal, e, frequentemente, atribuía-se a ele a alcunha de querer ser “mais realista que
o rei” ou de ser apenas “observador de regras”, por ater-se, na maior parte das vezes, apenas à
verificação formal do cumprimento das atividades, e não ao acompanhamento efetivo de seus
resultados.
Após três anos de trabalho nesse departamento, Ícaro foi convidado a exercer um cargo de
chefia, ocupando a função em comissão de coordenador. Sua indicação como gestor havia sido
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questionada por alguns gestores mais antigos, porque consideravam os servidores do concurso de
2008 “muito indisciplinados”. A equipe com a qual Ícaro trabalharia era formada por quatro
mulheres, entre as quais Diana e Ariadne. Hierarquicamente acima de Ícaro, encontrava-se Mino
Maruta, um servidor ingresso no Banco da Pátria no primeiro concurso dos anos 1990. Maruta era
um servidor bastante respeitado pelos seus pares no banco. Era um homem de 58 anos, bastante
formal no tratamento pessoal e que assumia publicamente a fama de ser extremamente rigoroso com
prazos, qualidade e dedicação ao trabalho.
Antes de entrar no banco, Maruta fez parte do grande movimento de decasséguis brasileiros
que emigraram para o Japão nos anos 1980. Eram recorrentes os seus comentários orgulhosos sobre
o engajamento ao trabalho do povo japonês. Um dos relatos frequentemente citados era o de que,
sempre que recebia alguém em sua equipe, gostava de dizer que ele fugia da imagem do servidor
público brasileiro, que é tido por muitas pessoas como alguém avesso ao trabalho. Maruta gostava de
dizer, nessas ocasiões, que ele exigia a mesma dedicação de sua equipe, e que concordava com quem
via o servidor público como leniente porque, segundo ele, “o brasileiro realmente é meio
preguiçoso”, já que ele se orgulhava de “ter trabalhado por sete anos no Japão sem ter gozado férias
em nenhum período, e tendo folgas apenas em um domingo por mês”.
Maruta era engenheiro civil, tendo se graduado no início dos anos 1980. Tornou-se também
bacharel em Administração no final dos anos 1990, após entrar no Banco do Pátria. Ele ainda
possuía MBA em Finanças, por uma reconhecida instituição privada do País, financiado por um
programa de formação do próprio banco. Maruta era casado, e sua esposa, também nissei, não
trabalhava fora, era dedicada à educação dos três filhos, “como uma tradicional família japonesa”,
dizia. Maruta comentava ter entrado para o serviço público porque queria trabalhar com finanças,
mas na parte de auditoria e controladoria, e que todo brasileiro deveria, em algum momento,
trabalhar na área pública, como uma forma de retribuir à coletividade um pouco das oportunidades
que teve. Ele demonstrava bastante orgulho por ter estudado da educação básica à graduação em
Engenharia no sistema público de ensino.
Diana e Ariadne eram servidoras extremamente dedicadas e produtivas. Realizavam trabalhos
com muita qualidade e eram bastante críticas em relação às questões administrativas do banco.
Questionavam o excesso de formalização, o exagero na questão documental e a ausência de metas e
objetivos. Ambas eram bastante favoráveis à Nova Administração Pública. Tão logo tomaram posse,
casaram-se com os respectivos namorados, e, em dezembro de 2015, anunciaram, coincidentemente,
que estavam grávidas. Em uma reunião de encerramento dos trabalhos do ano, com todo o
departamento, Ícaro comunicou a todos a notícia, quando vários colegas manifestaram felicitações às
duas. Maruta, após a reunião, solicitou a Ícaro que ficasse na sala para tratar com ele algumas
questões.
Estando a sós, Maruta manifestou a sua decepção com Ícaro, a quem ele apoiou e defendeu
como gestor “mesmo diante das críticas dos mais antigos”. Perguntou-lhe: “Como você foi permitir
que as duas engravidassem juntas?”. Ícaro contestou as alegações e alertou-lhe que esse tipo de
conduta era passível de processos administrativos e judiciais. Maruta, exaltado, disse-lhe que a
ausência das duas, em licença-maternidade ao mesmo tempo, provocaria um enorme problema para
o cumprimento dos trabalhos, mas que caberia a Ícaro "se virar, porque não há previsão de
substituição para as duas”. Ao relatar para Diana e Ariadne a posição de Maruta sobre as gravidezes
delas, ambas demonstraram enorme reprovação, indignação e consternação. Apesar disso, embora
Ícaro tenha manifestado o desejo de procurar o departamento de Pessoal e ingressar com o processo
administrativo contra Maruta, foi dissuadido pelas duas, que entenderam ser melhor deixar passar,
pois “o banco era assim mesmo”.
Passados alguns dias, foi feito o balanço final das atividades anuais. A equipe de Ícaro havia
cumprido com sucesso todos os objetivos. A única pendência era de uma formalidade de um
relatório já finalizado, validado e apresentado, que ainda carecia de um envio por processo eletrônico
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para arquivo. Em reunião com Maruta, Ícaro perguntou a ele se havia necessidade de formalizar esse
encerramento ainda em 2015, e a resposta de Maruta foi não. Apesar disso, no dia 29/12/2015,
Maruta enviou um e-mail com cópia para todos os gestores do departamento, além de algumas
chefias acima e alguns diretores, desejando votos de felicidade pela passagem de ano e relatando que,
“apesar dos esforços, infelizmente, em função da gravidez de Diana e Ariadne, a equipe de Ícaro não
conseguiu completar todos os trabalhos, mas as pendências seriam resolvidas logo no início do
próximo ano”.
A reação de Ícaro à conduta de Maruta foi de indignação. Tão logo teve conhecimento do e-
mail enviado, elaborou uma resposta ao mesmo e-mail, para o mesmo conjunto de destinatários,
relatando sumariamente o ocorrido, apresentando todos os resultados obtidos e destacando a pouca
relevância da única entrega não realizada, o encaminhamento do processo para arquivo. Além disso,
no final desse mesmo e-mail, Ícaro anexou uma série de links para notícias, estudos acadêmicos e
decisões judiciais que versavam sobre discriminação de gestantes no trabalho e assédio moral, e
afirmou que tal conduta era passível de ações administrativas internas e judiciais. Ícaro reforçou que
não havia conexão entre a entrega dos trabalhos e a gravidez, e procurou Maruta, que convocou uma
reunião com a chefia do departamento. Nessa reunião, a tentativa da chefia era de tratar o assunto
como um mal-entendido e como brincadeira. Várias piadas de cunho sexual foram feitas, tentando
transformar a situação em algo jocoso, o que aumentou o tom de indignação de Ícaro. No final,
Maruta disse que “Ícaro deveria ter controlado no calendário de programação de ausências
[ferramenta utilizada no planejamento] a possibilidade de ‘uma das suas mulheres’ engravidar”.
Essa troca de e-mails ganhou repercussão no Banco da Pátria, e, nos dias que se seguiram,
representantes do sindicato dos trabalhadores do banco, colegas que trabalhavam no departamento de
Pessoal e alguns outros colegas apenas interessados no assunto enviaram e-mails e telefonaram para
Ícaro demonstrando consternação e apoio à adoção de medidas administrativas e judiciais. Algumas
mulheres, colegas de trabalho, o procuraram para relatar situações similares vividas no passado que
envolviam constrangimentos verbais, assédio moral e mesmo relatos de assédio sexual de servidoras
públicas e contratadas, mas que nunca haviam chegado a nenhum tipo de punição. Por outro lado,
muitos chefes e servidores ocupando função comissionada também enviaram e-mails relatando a
falta de maturidade de Ícaro ao reagir daquela maneira a um “problema tão pequeno”. Demonstraram
apoio a Maruta, reforçaram suas qualidades de zelo com o serviço público e relataram que Ícaro
estaria fazendo “tempestade em copo d’água”, como “era o costume de toda a geração do concurso
dele”.
Ariadne e Diana demonstraram bastante tristeza, manifestaram muito pesar pela conduta de
Maruta, a quem Diana dizia admirar profundamente, e Ariadne tomava como exemplo. Em uma
reunião realizada entre Ícaro, Ariadne e Diana, Ícaro expôs o seu desejo de tomar as medidas
cabíveis de instauração de processo administrativo, mas comentou que somente faria isso se fosse o
desejo das duas, dado que, mais que afetá-lo diretamente, a principal ofensa ocorrida teria sido a
tentativa de constrangimento delas por questões pessoais que não diziam respeito ao Banco da Pátria
e, também, por uma tentativa explícita de admoestá-las por serem mulheres e mães. Para a surpresa
de Ícaro, no entanto, Ariadne, bastante exaltada e emocionada, disse que não se deveria fazer nada,
“porque, no fundo, a gente sabe que não vai mudar nada”. Ela comentou: “Você não sabe o que já
passei para chegar até aqui, e nós vamos ter que ficar todos trabalhando juntos aqui por muitos anos
ainda”. No final, ela argumentou: “Eu fico com muita raiva, mas, ao mesmo tempo, isso não é nada
demais, porque você não faz ideia do que é trabalhar no Banco da Pátria, não sabe o que é ouvir
piadas o tempo inteiro sobre suas roupas, sobre o seu corpo, sobre o seu trabalho, e isso não vai
mudar, se fizermos alguma coisa, a minha vida vai virar um inferno ainda maior, e vou ter um filho
para criar, e a única coisa que eu quero é paz, pra seguir meu caminho e sair desse labirinto de
indignação”. Diana endossou a fala de Ariadne, e comentou: “Para coisas assim, o melhor tratamento
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é a indiferença”, mas fez uma ressalva de que, sozinha, ela não aceitaria tomar nenhuma medida,
mas, se Diana concordasse, Ícaro poderia instaurar o processo.
Por fim, os três não chegaram a um consenso sobre a instauração do processo e, como não
houve unanimidade, Ícaro não apresentou denúncia à corregedoria nem ao departamento de Pessoal.
Ele continuou enfatizando que não fazer nada incentivaria ainda mais condutas como a de Maruta, e
decidiu solicitar um pedido de desculpas formal a ele. Ícaro apresentou, então, essa solicitação em
reunião com a chefia do departamento e foi dissuadido por ela. No final, ele afirmou que, caso não
fosse feito esse pedido, ele entregaria o cargo e deixaria a coordenação. A chefia, então, se disse
muito chateada com o ocorrido, mas que compreendia a proposta de Ícaro.
Em 2016, Ariadne e Diana se ausentaram por conta da licença-maternidade, após o
nascimento dos respectivos filhos. Durante esse tempo, Ícaro contou com uma servidora que foi
provisoriamente alocada em sua equipe até que as duas regressassem. Na reunião em que tal decisão
foi acertada, foi feito, em tom de brincadeira, o comentário, por um dos servidores com função em
comissão do departamento, de que “Ícaro deveria tomar cuidado para não engravidar mais essa”.
Ícaro permaneceu em silêncio. No início de março de 2017, foi enviado um e-mail assinado pela alta
administração do departamento a todos os seus servidores. Nesse documento, constava um
agradecimento a Ícaro pelos serviços prestados e comunicava-se que ele estava “deixando a
coordenação por motivos pessoais e para enfrentar novos desafios em outro departamento”. No final,
informava-se que Ariadne seria a nova coordenadora, e que ela continuaria guiando as equipes do
banco para a excelência gerencial que “a sociedade espera de nós”. Comunicava-se também que
Maruta estava assumindo uma posição estratégica mais alta no próprio departamento, em outra
equipe, como consultor na área de Projetos. No fechamento, constava apenas a seguinte frase:
“Obrigado e boa sorte a todos, principalmente agora que a família Banco da Pátria vai aumentar
novamente”, e desejava votos de felicidades a Maruta, que se tornara avô.
Questões para a reflexão
A atividade gerencial é complexa e demanda negociação, reflexão e decisão diante de
situações conflituosas e críticas. Diante disso e do caso apresentado, sugerimos as seguintes
reflexões:
Pela leitura do caso, podemos refletir sobre o dilema do gestor ou da gestora entre representar
a sua equipe formalmente nas negociações e articulações dentro da organização (e, em alguns casos,
até mesmo fora desta), em questões técnicas e administrativas, mas, ao mesmo tempo, ter de se
posicionar diante de situações difíceis e conflituosas como a discriminação e o constrangimento às
individualidades e particularidades das pessoas de sua equipe, mesmo quando elas não se
manifestam abertamente sobre o assunto. Diante disso, quais ações o gestor poderia tomar para,
diante desse dilema, incentivar a formação de um ambiente social nas organizações que não promova
a discriminação de gênero? O gestor deve se posicionar a esse respeito? Até onde vai a sua
responsabilidade, ou existe um “dever de agir” para coibir a discriminação de gênero nas
organizações?
Pontos adicionais para guiar a reflexão: se ao invés de Ícaro, um homem, a equipe fosse
gerenciada por uma mulher, o seu “dever de agir” diante da discriminação de gênero seria diferente?
O histórico do Banco da Pátria pode ter alguma influência na construção de um ambiente
discriminatório? Qual(is) influência(s) seria(m) e como lidar com ela(s)? Como parte da equipe,
colegas de trabalho também possuem alguma responsabilidade de agir diante da discriminação ou
isso cabe apenas aos gestores e gestoras?
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  • 2. Volume 8 Número 2 Jul/Dez 2018 Doc. 8 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c8 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Everybody #NU: Use of data science in services THIAGO ASSUNÇÃO DE MORAES – thgmoraes@gmail.com Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil ANTONIO MESSIAS VALDEVINO – messias.valdevino@outlook.com Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa, PB, Brasil LÍVIA NOGUEIRA PELLIZZONI – livianogueira.adm@gmail.com Centro Universitário de João Pessoa - João Pessoa, PB, Brasil Submissão: 23/03/2018 | Aprovação: 30/09/2018 _________________________________________________________________________________ Resumo O caso é uma narrativa com enredo fictício, baseado em fatos reais, extraídos das redes sociais, do processo para se tornar cliente Nubank. São apresentados dois personagens que contextualizam a análise de perfil para se tornar #NU; apresentam-se as motivações de Velez, fundador do Nubank, para criar a empresa, caracteriza-se a empresa e apontam-se os processos de uso de data science, análise de big data e como o uso de dados pode contribuir para o gerenciamento de um negócio. Palavras-chave: data science, análise de dados, Nubank. Abstract The case is a narrative with fictional plot, based on real facts extracted from social networks, about the process to become a Nubank client. Two examples are presented that contextualize a profile analysis to be a #NU costumer. The case presents the motivations of Velez, the founder of Nubank, to create the company. The use Data Science and Big Data analysis are pointed out, in order to discuss how the use of data can contribute to the management of a business. Keywords: data science, data analysis, Nubank. Introdução Era só mais um dia qualquer, parecia uma sexta-feira não muito diferente das demais do mês de março de 2016. Antes de dar a semana por encerrada e curtir uma happy hour, Maria teria mais uma reunião de trabalho com o gerente comercial da loja em que trabalhava como assistente administrativa e com alguns de seus colegas de trabalho. Como de costume, ela chegou 15 minutos antes e se deparou com João, também auxiliar administrativo, organizando algumas planilhas em seu notebook. Uma curiosidade surgiu em Maria ao ver adesivos colados no computador de João. Eram um retângulo e um círculo roxos, com caracteres brancos, que continham os dizeres #SOUNU e uma logo de uma empresa que ela não conseguiu identificar, com apenas duas letras: NU. Apesar de querer saber o que aquilo significava, precisou se conter. Teria que organizar a sala de reunião, dispor os materiais e aguardar os demais participantes. A reunião iniciou-se às 16 h e teve uma hora de duração. Durante esse tempo, Maria pouco prestou atenção ao que se discutia, pensando sobre o significado dos termos #SOUNU e se recordando de já ter visto alguma expressão parecida em suas
  • 3. 2 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos redes sociais. Quando a reunião se encerrou, o próximo destino seria um restaurante ali mesmo, perto da empresa, contudo Maria não teve oportunidade de perguntar a João o que queriam dizer aqueles caracteres. Já no restaurante, conversas descontraídas sobre suas vidas pessoais, família, sonhos e ambições envolveram todos, e, em um ambiente tranquilo e aconchegante, o tempo passou rápido. Mas, como no dia seguinte, apesar de ser um sábado, os afazeres da vida pessoal exigiam atenção, todos concordaram em voltar para casa mais cedo. Pediu-se, então, a conta. Maria retirou de sua carteira algumas cédulas e, ao ver tal cena, João perguntou: – Você ainda não tem o NU?! Maria, de fato, não sabia nem o significado daquilo, mas era o que havia despertado sua curiosidade e tomado parte de sua atenção durante a reunião. João, entusiasta do NU, dispôs-se a explicar: – Trata-se do melhor cartão de crédito que você pode ter. Após saber do que se tratava o #SOUNU, Maria desanimou-se. Em resposta a João, disse apenas que não gostava de cartões de crédito. João não acreditou no que tinha ouvido, e estava disposto a explicar mais sobre como ele conseguiu o cartão e convencê-la de que o NU, o cartão roxo do Nubank, seria o cartão por que Maria praticamente se apaixonaria. O bom de ser #NU João foi para casa pensando no que Maria tinha falado. Ele não acreditava que ela não conhecia o cartão roxo do Nubank. Estava convicto de que precisava mostrar-lhe quão bom era ter aquele cartão, e, certamente, argumentos não lhe faltariam. Foi um dos primeiros clientes, e já tinha indicado várias pessoas. Era, além de entusiasta, um apaixonado por ser #NU. Passado o fim de semana, João estava ansioso para encontrar Maria e contar um pouco mais sobre o Nubank, suas experiências de consumo com o cartão e entender o porquê de ela não gostar de cartões de crédito. Viu-a ao entrar na empresa, cumprimentou-a e logo combinaram um café juntos durante o intervalo para o lanche. Na hora marcada se encontraram, e João logo falou: – Custei a acreditar, Maria, que você não conhece o Nubank! – Na verdade, João, eu nem sei ao certo do que se trata, estava bastante curiosa para saber o que significavam os adesivos no seu notebook, mas, quando você disse que se tratava de um cartão de crédito, perdi o interesse. – O Nubank não é um cartão de crédito qualquer, Maria. É muito diferente dos que existem por aí. – Mesmo que tenha diferença, eu não gosto de cartões. – Por quê? – Tive experiências negativas com o cartão do meu banco. Se pudesse, nem conta lá eu teria. Só mantenho a conta aberta por conta do convênio que ele tem com a empresa. – Então você já teve cartão de crédito? – Sim, já. Mas, felizmente, consegui cancelar. – E o que aconteceu contigo? Pelo jeito que fala, a sua experiência foi bem ruim mesmo, não foi? – Minhas experiências já não foram das melhores a começar pelo atendimento do banco. Primeiro que, para entrar no banco, já é um puro sacrifício: tive que tirar celular, chaves e até algumas moedas que estavam comigo, acredita?! – Sei bem como é... – Depois de entrar, tem aquele bom e velho chá de cadeira. Perdi praticamente um dia de trabalho. Não queria nem falar da papelada que é necessária para poder abrir a bendita conta. Cópia
  • 4. 3 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos disso, mais uma cópia daquilo, RG, CPF, comprovante de residência, renda... Enfim! Acho que você sabe muito bem do que se trata. – E como sei! – E não pára por aí! Quando chega a hora de ser atendido, tem todo aquele protocolo, muitas perguntas, parece um inquérito policial. Pelo menos, lembro-me disso bem, o atendimento foi cordial. – Pelo menos isso! – O que sei é que, no fim das contas, eu assinei uma imensa papelada, um monte de contratos, cheguei a me cansar. Para ser sincera, não cheguei nem a ler tudo o que estava escrito lá por completo. O atendimento foi finalizado, o atendente disse-me que eu receberia o meu cartão em casa, em 15 dias no máximo, que de fato chegou. Ele disse também que acompanhava a função crédito, e que tinha um limite preestabelecido para a minha conta e que o valor da anuidade estava incluído nas tarifas cobradas na conta. A opção de crédito deveria ser ativada por mim, caso eu quisesse usar. – Complicação grande, hein? - Pois é. O fato é que eu peguei minha cópia do contrato e guardei. Recebi o cartão e, no começo, não usei a opção de crédito, mas não resisti por muito tempo. Comecei a usar, precisei comprar um produto mais caro e não tinha dinheiro suficiente, achei que seria uma boa opção, e, naquela ocasião, foi. – Sabendo usar, um cartão é sempre bom. – O problema é que eu fui perdendo o controle com o passar do tempo, eu cheguei a pensar que o crédito que estava ali era como se fosse uma reserva minha. Como se fosse uma renda, e na verdade não era. – E o que aconteceu? – No fim das contas, eu estava presa a dívidas. Meu salário não dava para pagar as contas do cartão, então tinha vezes em que eu pagava o valor mínimo e tinha vezes em que eu pagava um pouco mais, mas nunca o total. Então a conta sempre aumentava, por conta dos malditos juros. – E eram altos assim? – Demais, João! Para você ter uma noção, os juros anuais do cartão de crédito, no ano passado, chegaram a mais de 350% ao ano. Então, já não aguentava mais, economizei onde pude e, depois de dois anos nesse sofrimento, consegui pagar. Depois disso, a primeira coisa que fiz foi cancelar a opção de crédito, apesar de que não foi uma tarefa fácil. – Como sempre. – Pois é, enfim, depois disso, decidi que não queria mais cartões, nunca mais! – Maria, eu ainda insisto dizendo que o roxinho pode ser uma boa opção para você. Deixa-me explicar um pouco sobre ele. – Na certa, você vai perder o seu tempo, mas prossiga. – Pronto. Cartão do Nubank é bom porque você não precisa nem sair de casa para fazê-lo. – Como assim? Vem um consultor até mim? – Não, você faz tudo pelo seu celular, inclusive o cadastro. – Interessante. – O cadastro é rápido e prático. E, em relação à documentação, só precisa de RG e CPF, e uma selfie (autorretrato) sua. Tudo isso você manda como foto por um aplicativo do Nubank que você baixa para o seu smartphone. – Realmente é muito prático, mas quanto eu pagaria a mais por tanta comodidade? – Nada, ou melhor, nada no geral. O cartão Nubank não cobra nenhuma taxa de anuidade, além disso, nenhuma tarifa para saques, pagamentos de contas, avaliação emergencial de créditos e emissão de segunda via de cartão é cobrada. Alguma taxa poderá eventualmente ser cobrada caso você atrase a parcela ou não pague o valor total da fatura e também para transações internacionais. – É disso que tenho medo.
  • 5. 4 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos – Mas não é nada assustador. As taxas são bem menores do que as praticadas pelo mercado. As taxas do crédito rotativo variam de 2,75% a 14% ao mês, e, em relação aos seus gastos, você acompanha em tempo real tudo o que você compra. Caso a compra não tenha sido feita por você, pode cancelá-la na hora. Muito bom, não é mesmo? – De fato, se eu fosse querer um cartão de crédito um dia, com certeza seria um desses. Você falou tão bem do cartão que estou pensando que você está trabalhando para o Nubank também (risos). – Bem que eu queria (risos). Se você quiser um convite, eu ainda tenho alguns, mas me diga logo, estão quase acabando. – Por enquanto, não. Confesso que fiquei mais curiosa sobre o cartão, mas vou pesquisar um pouco mais sobre ele. Agora me deixe ir, o meu horário de intervalo terminou já faz cinco minutos, estava tão entretida com a conversa que nem percebi o tempo passar. Assim, essa conversa se encerrou. Ambos voltaram aos seus postos de trabalho, mas Maria não estava por inteiro convencida de que deveria pedir um cartão Nubank, entretanto decidiu que procuraria saber mais sobre a empresa. Conhecendo o Nubank Em seu tempo livre, Maria fez buscas na internet para conseguir mais informações sobre a empresa. Ela tinha percebido, pela fala de João, muitas vantagens em se ter um cartão, e isso a inquietou. Por que uma empresa administradora de cartão de crédito cobraria taxas mais baixas e ofereceria tantas vantagens? Como a empresa se sustenta? A partir desses questionamentos, ela procurou informações no site da empresa, em revistas on-line especializadas em negócios e nas redes sociais para tentar entender esse movimento "roxo" que ganhou adeptos que poderiam ser vistos como fãs da empresa. Sobre o Nubank, ela descobriu que se trata de uma fintech, empresa de serviços do setor financeiro que utiliza as tecnologias modernas e cria produtos inovadores, que resolve um problema existente ou melhora a experiência do usuário. O Nubank foi fundado em 2014 pelo colombiano David Vélez, e até março de 2016 já tinha recebido mais de dois milhões de pedidos do seu cartão. As motivações de Vélez para a criação da startup, entendida como um modelo de negócio repetível e escalável, deu-se por uma experiência que ele teve com os bancos brasileiros, que se aproximou daquela que Maria descreveu em sua conversa com João, além da percepção quanto à qualidade dos serviços, à quantidade de taxas e juros praticados no mercado, que foram fatores influenciadores na decisão de criar o modelo de negócios. A empresa tem sua base em São Paulo, recebe investimento de várias instituições, entre elas a Sequoia Capital, empresa em que Vélez trabalhou enquanto fazia MBA nos Estados Unidos. Munido de sua experiência, parcerias e desejo de inovação, Vélez fundou o Nubank pautado em três pilares, sendo eles tecnologia, design e data science. A popularização do uso de smartphones foi determinante, uma vez que as transações do Nubank ocorrem completamente por meio digital, utilizando esse tipo de aparelho. Nas buscas que fez, Maria descobriu também que o Nubank se propõe a evoluir os serviços financeiros e, para isso, conta com engenheiros, desenvolvedores e designers como colaboradores com a pretensão de serem diferentes. Assim, oferecem um produto e serviços com alta tecnologia em canais totalmente digitais, de modo transparente, dando espaço aos clientes, ouvindo e valorizando os feedbacks deles. Quando verificou nas redes sociais, percebeu que a empresa é bem-aceita. Uma foto (Figura 1 ) chamou a atenção de Maria. A foto se trata de uma postagem da empresa em sua página no Facebook. Segundo o Nubank, a foto foi “encontrada na internet”. Como Maria pode perceber, o post teve repercussão: 37 mil curtidas, 2,4 mil comentários e mais de 2.650 compartilhamentos, e, além dela, muitas outras
  • 6. 5 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos postagens foram realizadas pelos clientes do Nubank, todas usando a hashtag #SouNu, evidenciando a felicidade em ser portador de um cartão de crédito que é mais que um cartão, é um Nubank. São muitas postagens e depoimentos de clientes, e vários deles postam fotos do cartão, de presentes recebidos pela empresa, de adesivos e deles próprios com o cartão. É uma relação de proximidade do cliente com a empresa, que se materializa no pequeno plástico roxo. Foram tantos pontos positivos encontrados por Maria a respeito do Nubank que ela já estava repensando a ideia de voltar a ter um cartão de crédito. Manda #NU: Maria decide virar cliente Nubank Apesar do receio e da desconfiança adquirida com as experiências negativas no uso de cartões de crédito, Maria começou a acreditar que sua relação com o Nubank seria diferente. Ela poderia acompanhar os seus gastos, ter contato com a empresa o quanto achasse necessário e não pagaria qualquer tarifa por isso, então resolveu dar uma chance. Estava decidida: – Vou virar Nu! Assim que viu João, falou: – João, verifiquei algumas coisas do Nubank e decidi que quero me tornar cliente, decidi experimentar. Você ainda pode me enviar um convite? – Ah, Maria... Infelizmente não tenho mais convites sobrando, eu disse que eles acabariam logo e você demorou. – Mas conversamos sobre isso ontem! – Como eu disse, os convites acabam rápido. Maria demonstrou um certo nível de frustração. – Mas não se preocupe, existem outras formas. Você pode pedir o seu convite no site do Nubank. É rápido, você só preenche um formulário com seu nome, CPF e e-mail e, pronto, é só aguardar. – Ah! Então está bem, João. Farei isso o quanto antes. Obrigada pela dica! O mais rápido que pôde, Maria fez o cadastro e aderiu à lista de espera. Estava tudo certo. Restava, então, aguardar, e a resposta não demorou a chegar. Mas, infelizmente, Maria estava em um grupo com perfis que não receberiam um convite naquele momento. Entretanto, ela recebeu uma indicação de que poderia fazer uma nova solicitação após seis meses. Maria ficou angustiada, não sabia o que tinha acontecido. Assim que foi possível, entrou em contato com João e explicou a situação. – João, meu convite do Nubank foi negado! – disse, demonstrando estar chateada. – Sério? – Eu não entendi o porquê de isso ter acontecido, sabe? Meu nome está limpo e não tenho restrições no meu CPF. – Entendo, acho que deve ter alguma coisa a ver com a maneira como eles avaliam os clientes... – Será? Mas o que eles levam em consideração? – Eu li algumas coisas, mas não sei como explicar. No processo geral do Nubank, eles usam a tecnologia, design e data science. Acho que na análise dos clientes deve acontecer o mesmo. – Vou procurar entender melhor. Daqui a seis meses posso tentar novamente, pode ser que eu consiga entrar para o time Nu. Maria voltou ao trabalho com mais uma inquietação: o que levaria à decisão negativa por parte do Nuban? Isso a fez buscar mais informações sobre a empresa, o mercado e as práticas exercidas para esse tipo de decisão, o que a levou para alguns sites que abordam o tema do data science. Maria, então, começou a se aprofundar. Conceitos, aplicações, quem usa etc. foram algumas
  • 7. 6 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos das informações que descobriu, e assim passou a entender melhor como essa prática de negócio tem crescido e dado segurança às decisões de organizações e indivíduos. O uso de data science: entendendo os processos de uma fintech O Nubank é atualmente a startup de fintech mais falada do Brasil, e os pontos de destaque para o sucesso de um negócio como esse são o conjunto de tecnologias utilizadas para suporte a cada transação e os métodos de aprovação de novos clientes e ampliação de crédito. A empresa propõe-se a repensar os serviços financeiros no Brasil e possui em sua equipe cientistas de dados especialistas em modelagem, estatística, inteligência artificial e aprendizagem de máquina. O objetivo é desenvolver algoritmos que possam prever a capacidade de resposta ao marketing, risco de crédito, probabilidade de fraude, mecanismos de oferta e muitos outros tipos de comportamento do cliente que convergem para a expansão do negócio e de seus serviços. Toda a tecnologia utilizada pelo Nubank é própria e opensource, o que possibilita à empresa aproveitar os conhecimentos disponíveis nas comunidades de desenvolvedores das tecnologias que utiliza. Sua estrutura de banco de dados, específica para dados financeiros, é capaz de trabalhar com transações em tempo real e busca eliminar todas as potenciais fontes de vazamento, o que representa menos tempo gasto na preservação da qualidade dos dados e mais tempo dedicado à construção de modelos de apoio sofisticados ao setor de serviços financeiros de que participa. Uma das principais ferramentas utilizadas para data science e machine learning é a linguagem Python, na qual as empresas desse setor podem desenvolver, de acordo com suas necessidades de negócio, uma espécie de "caixa de ferramentas", que possibilita a criação de modelos de predição e classificação mais precisos para a tomada de decisão do negócio. A linguagem R também é largamente utilizada, contudo, mesmo com uma maior quantidade de pacotes desenvolvidos que servem para data science, ainda possui restrições quanto ao volume de produção exigido. A base de dados usada pelo Nubank é rica em texto em linguagem natural, imagens, gráficos e muito mais, bem como fontes mais tradicionais de dados financeiros. Há, inclusive, um conjunto quase infinito de modelos a serem construídos, desde a pontuação de crédito até a marcação de texto em mídias sociais, fontes de dados disponíveis aos cientistas de dados da empresa, responsáveis por reduzir a distância entre a análise de dados e a tomada de decisões empresariais, capazes de traduzir dados complexos em informações estratégicas. Esses profissionais são também conhecidos como gerentes de análise e percepção ou diretores de ciência de dados. Devem ter habilidades técnicas e quantitativas acentuadas, sendo responsáveis por examinar os dados, identificar tendências-chave e escrever os algoritmos complexos que verão os dados brutos transformados em uma análise ou visão que a empresa pode usar para obter uma vantagem competitiva. Segundo um anúncio de vaga divulgado pelo site Kaggle em 2015, um cientista de dados da equipe do Nubank, por exemplo, possui diversos problemas a resolver no seu cotidiano, entre eles: 1. Criação e teste de milhares de novas variáveis preditivas usando sua intuição, visão sociológica e técnicas de automação; 2. mineração e avaliação da utilidade de novas fontes de dados; 3. automatização e criação de centenas de diferentes modelos de aprendizagem de máquina; 4. busca por consumidores mais rentáveis para comercializar cartões de crédito; 5. subscrever e atribuir limites de gastos aos candidatos a cartão de crédito; 6. reduzir roubo de identidade e fraudes nas transações de cartão de crédito. Como qualquer fintech, o Nubank possui uma vasta coleção de casos de uso para análise preditiva e ciência dos dados próprios a seu modelo de negócio. E alguns dos casos de uso mais
  • 8. 7 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos comuns (muitos dos quais não são exclusivos das fintechs) estão descritos e exemplificados no Quadro 1. Em resumo, é possível perceber que, nos casos de aplicação de data science expostos no Quadro 1, há a possibilidade de uso de métricas de Return on Investment (ROI) para modelagem preditiva e ciência dos dados por fintechs, principalmente o Nubank. Boas práticas estatísticas, de inteligência de negócios e big data analytics levam a menores taxas de perda e maior aprovação para os credores, menores riscos e uma detecção mais precisa das atividades fraudulentas. No caso de Maria, técnicas de análise aplicadas aos seus dados naquele momento dão suporte à decisão de classificá-la como apta ou não a receber o cartão Nubank. Ser classificada como "não apta" deixou Maria chateada e intrigada por não entender bem o que levaria a fintech a negar seu pedido, dado que, para ela, estar sem restrições de crédito no seu CPF seria, isoladamente, um indicador de que ela poderia ser uma boa cliente Nubank. Porém, há muitas outras variáveis envolvidas no processo de análise da concessão do crédito, e isso intriga Maria, que foi pesquisar os porquês daquela negativa. Manda #NU: Maria solicita outra vez Maria tinha ficado chateada por não ter conseguido o cartão roxo do Nubank, todavia, depois de ter se aprofundado nas pesquisas para entender os procedimentos de análise, estava mais conformada. Afinal de contas, ela não precisava de um cartão com urgência. Aliás, ela nem queria um cartão de crédito, ela queria um Nubank. Decidiu, então, aguardar. Após os seis meses da primeira solicitação, os mais demorados na vida dela, Maria fez uma nova solicitação. Só por precaução, não quis fazê-la pelo site, e pediu que João solicitasse a um amigo dele indicá-la, pedido que já havia feito bem antes de completar os seis meses, e ela sempre o lembrava de quanto tempo faltava para que ele enviasse. Ela não queria correr o risco de que João não conseguisse um convite quando ela estivesse apta a pedir novamente. Todas as indicações que João enviou receberam confirmações positivas, e, por isso, Maria estava confiante. Assim que completou o tempo, ela forneceu o endereço de e-mail e posteriormente recebeu o convite. Em menos de uma semana, Maria também era #NU, para a alegria dela. Alguns fatores influenciaram essa aprovação de Maria. A indicação, que é uma das estratégias do Nubank, pode ter sido um fator que tenha contribuído para isso. Outro fator interessante é o de que, no ano de 2016, a fintech recebeu várias rodadas de investimentos, um aporte total de 80 milhões de dólares, o que implicou a necessidade de aumentar a sua carteira de clientes. Como Maria não tinha restrições no nome, além de ter recebido a indicação de João, isso resultou no fato de ela se juntar aos cerca de 800 mil NUs, número estimado por especialistas do setor financeiro. Apesar de o Nubank ter essa estimativa de cerca de 800 mil clientes, ter feito grandes investimentos e aumentado sua receita, a fintech encerrou o ano de 2016 com um prejuízo de 122 milhões de reais, que pode ser entendido como um processo natural ocorrido por conta dos investimentos iniciais. A partir disso, questiona-se como a empresa lidará com esses processos no decorrer dos anos seguintes. Além disso, como o data science pode contribuir para minimizar essas perdas? Como o Nubank pode se utilizar dos dados que possui para gerir os seus investimentos?
  • 9. 8 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Figura 1. Cartão versus Nubank Fonte: Nubank Brasil (postagem no Facebook)
  • 10. 9 TODO MUNDO #NU: USO DE DATA SCIENCE EM SERVIÇOS Thiago Assunção de Moraes, Antonio Messias Valdevino, Lívia Nogueira Pellizzoni ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Quadro 1. Casos de aplicação de técnicas de data science para fintechs Caso de aplicação de data science Descrição Otimização de canais 1. Determinando quais potenciais clientes são mais adequados para ofertas via canais de comunicação e marketing, como e-mails, mídias sociais, sms etc. Coleções 1. Determinando quais clientes são susceptíveis a atrasar o pagamento de um empréstimo ou crédito. Pontuação de crédito e recomendações 1. Fornecendo benefícios com base em dados de transações financeiras básicas. Essencialmente, essas novas fontes vão além dos dados quantitativos disponíveis dos bancos, avaliando conceitos qualitativos como comportamento, disposição, habilidade etc. 2. Recomendando um cartão de crédito com recompensas relevantes com base nas preferências de um cliente. Aquisição de clientes 1. Cada vez mais, o comportamento dos clientes se volta para o uso de canais digitais, juntamente com vantagens de baixo custo. Alavancando grandes dados, os serviços financeiros estão se movendo para canais digitais para adquirir clientes. Campanha de marketing, prospecção e retenção de clientes 1. Soluções analíticas que combinam dados transacionais históricos, juntamente com fontes de informação externas, aumentam a taxa de conversão global. As empresas estão efetivamente alavancando essas soluções para aumentar as oportunidades de venda cruzada. As ofertas ligadas a cartões, as soluções de recompensa personalizadas são algumas das ofertas oferecidas pelas firmas fintechs. Gerenciamento de risco (fraude e inadimplência) 1. Os pagamentos em tempo real exigem requisitos para soluções de gerenciamento de risco aprimoradas. As análises preditivas que utilizam a identificação do dispositivo, a biometria, a análise do comportamento etc. são os principais fatores de direção (cada solução ou combinação de cada um deles) para melhores soluções de gerenciamento de riscos no espaço de fraude e autenticação. Portanto, além de apenas armazenar esses dados, os bancos buscam construir algoritmos poderosos que minam esses dados e fornecem informações acionáveis para detectar o uso de métodos de pagamento fraudulentos. 2. Usando métodos estatísticos para determinar a probabilidade de um candidato a crédito ser inadimplente. Gestão de investimentos 1. As soluções assistidas por robôs tomam o destaque no segmento, e o poder dos grandes dados para fornecer soluções eficientes de gerenciamento de investimentos trazem a capacidade de utilizar dados de pesquisa, combinar múltiplos fatores macroeconômicos, quantificar as últimas notícias e insights e combinar tudo isso para fornecer possíveis cenários de reversão ou desvantagem. Além disso, existem soluções desenvolvidas para detectar anomalias específicas do mercado e providenciar etapas de ação preventiva no portfólio de investimentos. Tempo de vida do cliente 1. Avaliar o volume potencial de compra ao longo da vida do indivíduo como cliente. Isso cria a oportunidades de marketing com base em onde o cliente está no modelo. O uso de métricas para compreender o valor de vida de um cliente permite a aplicação correta de recursos nos clientes com maior probabilidade de ser de grande valor para o futuro.
  • 11. Volume 8 Número 2 Jul/Dez 2018 Doc. 9 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c9 TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZA- ÇÃO DE SERVIÇOS DE DEPARTAMENTO DE PESSOAL NUMA EMPRESA DO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS Outsource or insource? Teaching case about the operationalization of payroll department services in an oil and gas company VICTOR MARQUES DE OLIVEIRA – victormarquescontabilidade@gmail.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil CARLOS FIGUEIREDO VEIGA – profcarlosfigueiredo@yahoo.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil RENATA GEORGIA MOTTA KURTZ – renatakurtz@gmail.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil LEONEL TRACTENBERG – ltractenberg@uerj.br Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil TANIA MARIA DE OLIVEIRA ALMEIDA GOUVEIA – almeida.tania@globo.com Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Escola Superior de Propaganda e Marketing – Rio de Janeiro, RJ, Brasil Submissão: 14/07/2018 | Aprovação: 18/10//2018 _________________________________________________________________________________ Resumo Este caso de ensino enfoca o processo decisório sobre a terceirização das atividades de departamento pessoal de uma empresa fornecedora de equipamentos e prestadora de serviços para a indústria de petróleo e gás. Tem como objetivo fomentar a discussão sobre os riscos e benefícios relacionados a essa tomada de decisão, bem como sobre os fatores a serem considerados pela Presidente da empresa ao optar por determinada configuração operacional para essa atividade, que inclui a elaboração da folha de pagamento de seus empregados. Palavras-chave: folha de pagamento, terceirização, primarização, processo decisório, gestão estratégica de custos. Abstract This teaching case focuses on the decision making process regarding the outsourcing of payroll department activities of company which provides equipment and services to the oil and gas industry. The purpose is to promote the discussion about risks and benefits related to such decision, as well as the factors to be considered by the President of the company when choosing a certain operational configuration for this activity, which includes the preparation of the payroll of its employees. Keywords: payroll, outsourcing, insourcing, decision making process, strategic cost management.
  • 12. 2 TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZAÇÃO DE SERVIÇOS... Victor M.de Oliveira, Carlos F. Veiga, Renata G.M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Introdução A companhia Ouro Negro Ltda.1 foi criada em 2001, fruto do investimento de uma empresa norte-americana presente em mais de 20 países, em associação com Ângela Maia, uma empresária brasileira que, desde então, exerce o cargo de presidente da companhia. Trata-se de uma empresa especializada no fornecimento, instalação e suporte de equipamentos inerentes à indústria de petróleo e gás. A Ouro Negro atua diretamente na planta industrial de seus clientes, em campos marítimos e terrestres de extração e produção de petróleo. Com as recentes descobertas da indústria petrolífera na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, a companhia tornou-se uma das principais parceiras das empresas do ramo, estando presente em grande parte das concessões dessa área. A companhia possui um grande volume de vendas de equipamentos e prestação de serviços associados, o que gera um faturamento anual médio de US$ 50 milhões ao ano. Segundo estimativas de analistas do mercado, caso fosse vendida, teria um valor de venda de, aproximadamente, US$ 400 milhões. A empresa conta com mais de 500 empregados envolvidos no suporte, manutenção e fornecimento de equipamentos. Em sua maioria, trabalham em plataformas marítimas de produção de petróleo e em outros ambientes remotos (tanto terrestres quanto marítimos), perigosos e insalubres. O regime de trabalho é quinzenal, ou seja, os trabalhadores ficam 15 dias embarcados e outros 15 dias de folga. A carga horária do trabalho, quando embarcados, é de escala 12x12, ou seja, são 12 horas de trabalho efetivo para 12 horas de descanso. O processo de contratação dos colaboradores obedece a rigorosos métodos de avaliação, além de incluir períodos de treinamentos técnicos e psicológicos antes de assumirem suas funções, havendo ainda treinamentos periódicos. Essas particularidades fazem com que a Ouro Negro tenha que observar, com atenção especial, a legislação trabalhista aplicada às especificidades das suas operações. A companhia necessita observar itens na legislação trabalhista muito semelhantes aos da empresa que é sua principal cliente. Sua função constitui-se, principalmente, em instalar dutos e oleodutos que servem de suporte logístico à produção e ao refino de petróleo. Então, muitas vezes, necessita estar à disposição do seu cliente para acompanhar o correto funcionamento do produto que vendeu e instalou. Em função de essa indústria funcionar 24 horas por dia e de atuar tanto em terra quanto em mar, a maioria de seus empregados da área operacional trabalha em regime de confinamento, ou seja, não tem a possibilidade de sair de seu ambiente de trabalho com facilidade. Muitos empregados da Ouro Negro necessitam estar sujeitos a essas mesmas condições para prestar um serviço de excelência. Esses colaboradores ficam expostos à periculosidade por estarem embarcados, especialmente quando ocorrem tempestades e outros eventos naturais. Outro perigo é o contato frequente com produtos químicos, o que aumenta a probabilidade da ocorrência de incêndios e explosões. Em função dessas especificidades, a Ouro Negro tem gastos adicionais com pessoal. Esses valores, em geral, são computados na folha de pagamento e pagos em função do serviço prestado. Além do salário, gastos com transporte, plano de saúde e alimentação, a empresa arca com gratificações por embarque e desembarque e adicionais como o noturno, insalubridade, periculosidade, confinamento, entre outros. Os empregados também recebem um adicional de sobreaviso, o que equivale ao adicional noturno, mesmo que a atividade ocorra ao longo do dia, de acordo com a lei trabalhista. Tal regime é necessário para que os trabalhadores acompanhem a operação dos oleodutos instalados. Além disso, ainda devem ser considerados os encargos sociais que incidem sobre os salários dos empregados, como o Programa de Integração Social (PIS), recolhimento ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), todos de responsabilidade da empresa. 1 Todos os nomes das pessoas e empresas mencionadas neste caso de ensino são fictícios.
  • 13. 3 TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZAÇÃO DE SERVIÇOS... Victor M.de Oliveira, Carlos F. Veiga, Renata G.M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Com isso, para elaborar a folha de pagamento de maneira adequada, é necessário profundo conhecimento sobre as questões trabalhistas envolvidas, evitando que a empresa seja exposta à possibilidade de receber multas por infrações, aplicadas pelo Ministério do Trabalho, e de processos judiciais por parte de seus empregados. Problemas com a terceirização da folha de pagamento Recentemente, a companhia Ouro Negro vem enfrentando inúmeros problemas ligados a questões trabalhistas. A empresa vem recebendo multas do Ministério do Trabalho por infringir leis que regem a relação empregatícia, e, além disso, empregados e ex-empregados têm ingressado com processos judiciais em função de cálculos errôneos em relação a suas remunerações. A empresa também tem atrasado o pagamento de encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento. Com isso, não conseguiu obter uma Certidão de Regularidade do Empregador, condição imprescindível para transacionar com seu principal cliente: uma indústria estatal do setor de petróleo, que responde por 90% de seu faturamento. A ausência do certificado pode fazer com que o pagamento dos serviços prestados pela Ouro Negro seja retido. Na pior das hipóteses, a falta dessa certidão pode impedir que a companhia transacione com seu contratante, gerando um estrago no desempenho global da empresa. Esses problemas foram causados pelo escritório de contabilidade que atende a companhia. Ele não tem cumprido prazos de obrigações acessórias e guias de recolhimento de encargos sociais. Além disso, uma perícia recente nos documentos da Ouro Negro apontou que a base de cálculo e alíquotas dos encargos sociais estavam subestimados, gerando pagamentos mais baixos do que os devidos. Os especialistas também apontaram que o escritório não vinha considerando adicionais aos salários dos empregados inerentes à atividade específica da companhia, o que também gerava um valor líquido inferior ao qual o empregado tem direito de acordo com a legislação trabalhista. Observando a baixa qualidade do serviço prestado por esse escritório terceirizado, e os impactos negativos relacionados, Ângela decidiu que a atividade de departamento de pessoal (DP) deveria sofrer alterações, mas ela ainda tinha muitas dúvidas em relação à melhor decisão a tomar. Em busca de suporte à decisão, Ângela quis ouvir o diretor administrativo, Daniel Freitas, e o diretor financeiro, Bruno Fonseca, pedindo que apresentassem ideias para a solução do problema. Em uma conversa informal com os dois, a presidente notou que eles tinham pensamentos divergentes: enquanto Bruno defendia a primarização dos serviços do setor de DP, trazendo para dentro da empresa todas as atividades desse segmento, Daniel insistia que a melhor opção seria substituir o escritório terceirizado por outro mais confiável. Considerando essa divergência, Ângela decidiu agendar uma reunião com os dois diretores para que formalizassem suas sugestões, apresentando todos os seus argumentos, com dados quantitativos e qualitativos, elucidando o impacto de cada cenário nas operações da empresa. Na defesa de cada diretor, deveria ficar bem clara a necessidade de a empresa obter um serviço de excelência, com o objetivo de evitar os problemas correntes. Ângela ressaltou que a Ouro Negro apresenta uma folga de caixa invejável, com uma sobra que lhe permite fazer investimentos ousados sem comprometer sua solvência, mas que é inadmissível que o dinheiro em caixa seja corroído pela inflação brasileira. Por essa razão, Ângela gosta de atuar diretamente com Bruno na busca das melhores opções para investir sem risco e que garantam boa rentabilidade para os recursos da Ouro Negro. Nos últimos anos, os gestores têm destinado parte do caixa da empresa a uma aplicação que gera um rendimento líquido de 12% ao ano, sem risco, percentual considerado satisfatório pelos analistas de investimentos mais consagrados. No dia agendado, todos comparecem à reunião. Ângela deu início agradecendo a presença dos diretores. Deixou claro que estavam ali para apresentar argumentos e debater sobre a melhor decisão a tomar. O diálogo a seguir resume a apresentação e debate entre os diretores:
  • 14. 4 TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZAÇÃO DE SERVIÇOS... Victor M.de Oliveira, Carlos F. Veiga, Renata G.M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Daniel: "Agradeço a oportunidade de apresentar meus argumentos de defesa da manutenção da terceirização do setor de DP de nossa empresa. Em primeiro lugar, destaco a especialização. Os prestadores de serviços possuem larga experiência no ramo, que lhes possibilita o desenvolvimento de meios tecnológicos inovadores que tendem a minimizar erros e automatizar ao máximo todas as atividades referentes a rotinas de DP. Por fazerem somente essa atividade, é mais fácil que eles sejam especialistas nisso. Temos plena convicção de que tais serviços inovadores estão muito mais ao alcance desses prestadores que ao nosso." Bruno: "Daniel, permita que eu lhe interrompa. Nossa atividade-fim é extremamente específica, e os serviços prestados por nossos empregados possuem muitas nuances perante a legislação trabalhista, o que se reflete no trabalho do setor de DP. Entendo que continuar terceirizando é “dar um tiro no pé”, pois o terceirizado não conhece o nosso negócio e não está aqui para entender a operação da Ouro Negro. Se estivéssemos falando de uma empresa com um serviço muito básico, tudo bem..." Daniel: "Sim, sim, eu sei disso. Por isso, ao realizar as minhas pesquisas, procurei identificar escritórios de contabilidade que já trabalham com companhias relacionadas ao setor de petróleo e gás. Eles entendem do negócio!! Esse escritório selecionado, especificamente, possui competência técnica atestada por diversas empresas do mesmo ramo que o nosso. Além disso, a contratação desse escritório terceirizado conta com um tipo de acordo que transfere os riscos aos terceirizados. Se a Ouro Negro sofrer qualquer tipo de sanção inerente à prestação do serviço terceirizado, é o escritório quem arcará com todos os custos. Isso nos trará uma segurança muito maior e só teremos vantagens. Aliás, nosso foco é prestar serviço para a indústria de óleo e gás, e não elaborar folha de pagamento! É preciso manter o foco na nossa atividade-fim. Aqui estão os gastos necessários para a troca do terceirizado..." Daniel aponta para o Quadro 1: "Considerando que possuímos uma equipe com mais de 500 funcionários, foi orçada a mensalidade do terceirizado para elaboração da folha de pagamento numa estimativa de R$ 120 mil mensais. Consideremos também um gasto R$ 12 mil ao ano em função de despesas com advogados, para confecção e monitoramento do contrato. Vejam a planilha resumida com os gastos e fatores que considerei nessa análise." Quadro 1. Argumentos pró-terceirização Vantagens Custos (em R$)  Aumento da qualidade do serviço  Mitigação de riscos  Especialização  Competência técnica da terceirizada  Mensalidade da terceirização: R$ 120.000,00  Honorários advocatícios anuais: R$ 12.000,00 Bruno: "Daniel, hoje pagamos R$ 20 mil mensais ao escritório terceirizado referentes a esse serviço. Sua proposta custa seis vezes mais ao caixa da companhia, fora os gastos com advogados, que antes não existiam. Mesmo que não tenhamos mais problemas com fiscalização ou processos judiciais, nosso dinheiro vai embora na mensalidade do escritório terceirizado". Daniel: "Meu caro, garanto a você que o nosso prejuízo é muito maior com os processos e autuações. Além disso, gera um desgaste enorme com o nosso principal cliente e arranha nossa imagem perante toda a sociedade." Ângela: "Obrigado, Daniel. Se não tiver outros argumentos, quero agora ouvir o que Bruno tem a dizer..."
  • 15. 5 TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZAÇÃO DE SERVIÇOS... Victor M.de Oliveira, Carlos F. Veiga, Renata G.M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Bruno: "Entendo que buscar a eficiência só tem um caminho: considerar que isso se dá pelo melhor gerenciamento das atividades. E isso só é possível quando nós mesmos executamos a atividade! Basta observar a qualidade do serviço que prestamos em nossa atividade-fim. Com o serviço sendo realizado dentro de casa, é claro que o comprometimento profissional será maior do que o do terceirizado, uma vez que não ficaremos na dependência de um prestador de serviços que pode preterir nossas urgências em virtude de outros clientes da sua carteira. Além disso, ao internalizarmos o DP, mantemos a confidencialidade das nossas informações. Quem me garante que o escritório terceirizado não divulgará dados confidenciais? Quem me garante que o sistema de confidencialidade do escritório é bom o bastante para que as informações não vazem?" Daniel: "O contrato, Bruno. Essa é a garantia de que qualquer consequência negativa será de responsabilidade do terceirizado." Bruno: "Não é tão simples assim. O escritório vai contestar de todas as formas antes de nos ressarcir. E o vazamento de determinadas informações pode nos gerar um prejuízo de imagem imensurável. Não há multa contratual que pague! Além disso, se o escritório não pagar, teremos que entrar com processo judicial para que isso ocorra. Isso pode levar anos, fora os gastos excedentes com advogados. E ainda teremos que procurar outro escritório! Bem, em relação aos custos com a internalização, haverá um gasto inicial de R$ 50 mil com sistema de DP adequado à nossa realidade. Vale ressaltar que, se comprarmos o sistema à vista, isso fará que com que o ativo, passivo e resultado da empresa se mantenham inertes em um primeiro momento. Ao longo dos anos, o ativo será depreciado, e o valor será destinado ao resultado, aos poucos, o que maximiza nosso resultado. Esse deve ser o nosso foco. Realizar essa atividade internamente é bem mais benéfico à companhia do que seguir com uma terceirização cara que reduzirá o nosso lucro e o nosso caixa de maneira absurda! Além disso, tendo o controle da atividade, podemos gerenciar muito melhor os empregados que trabalharão nesse serviço, identificando melhorias constantes na forma de realizá-lo. E nossa empresa sabe como motivar o empregado. Então, ter um empregado comprometido com o trabalho não é difícil para nós e vai nos gerar eficiência em altos níveis. Também podemos garantir a confidencialidade das informações." Daniel: "Bruno, ressalto que internalizar essa atividade não nos traz garantia nenhuma de qualidade. Nosso foco deve ser aumentar a eficiência. Por isso, é muito melhor contratar alguém que já saiba fazer!" Bruno: "Podemos desenvolver esse know-how que não temos hoje. Com um DP nosso, teremos muito mais integração e controle do pessoal que trabalha na atividade-fim. Não há como um escritório terceirizado ter essa expertise toda! Deixe eu mostrar o quadro-síntese dos meus argumentos..." Bruno aponta para o Quadro 2.
  • 16. 6 TERCEIRIZAR OU PRIMARIZAR? CASO DE ENSINO SOBRE A OPERACIONALIZAÇÃO DE SERVIÇOS... Victor M.de Oliveira, Carlos F. Veiga, Renata G.M. Kurtz, Leonel Tractenberg, Tania M. O. A Gouveia ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Quadro 2. Argumentos pró-primarização Vantagens Custos (em R$)  Maximização do lucro e do caixa em curto prazo  Aumento da eficiência  Melhor gerenciamento  Comprometimento profissional  Conhecimento da atividade-fim  Know-how  Confidencialidade de informações  Recrutamento e seleção de pessoal do DP: R$ 4.000,00  Gestor de DP com experiência mínima de cinco anos: remuneração mensal de R$ 10.000,00 e outros gastos no montante de R$ 8.000,00  Dois analistas com remuneração mensal de R$ 4.000,00 cada, mais benefícios e encargos sociais de R$ 3.000,00 para cada um  Treinamento anual: R$ 1.000,00 ao ano, cada colaborador  Assinatura de boletins informativos de mudanças na legislação trabalhistas: R$ 1.000,00 ao mês  Provisão mensal para uma provável multa por rescisão de contrato de trabalho, à razão de 5% da folha do departamento  Três mensalidades do escritório terceirizado atual para que trabalhe com nossos analistas contratados durante a transição Ângela: "Obrigada, Bruno. Muito obrigada aos dois. As informações e argumentos de vocês foram muito sensatos e úteis. Vou levá-los em consideração e tentarei decidir o quanto antes sobre o melhor modelo operacional para que passe a contar com serviços de DP de excelência". Dizendo isso, Ângela encerra a reunião. O dilema de Ângela – Questão do caso De acordo com o cenário apresentado, Ângela encontra-se na difícil situação de tomar uma decisão. Com base nas informações apresentadas, nos conceitos estudados e considerando uma perspectiva estratégica da atuação da empresa, o que você faria se estivesse no lugar de Ângela? Qual é a melhor decisão a ser tomada considerando os fatos e dados expostos?
  • 17. Volume 8 Número 2 Jul/Dez 2018 Doc. 10 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c10 QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO The simpler, the better: management in a vegetarian restaurant ALINE MENDONÇA FRAGA – alinemf.adm@gmail.com Universidade Federal VANESSA AMARAL PRESTES – vanessa.amaral.prestes@gmail.com Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre RS, Brasil CATIA ELI GEMELLI – catia.gemelli@osorio.ifrs.edu.br Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grandes do Sul – Osório, RS, Brasil Submissão: 26/07/2018 | Aprovação: 14/09/2018 _________________________________________________________________________________ Resumo O caso ilustra uma situação real que enfatiza a relação entre o estilo de vida de Ravi, proprietário de um pequeno restaurante vegetariano na cidade de Porto Alegre, e o modelo de gestão adotado no seu negócio. O acirramento na concorrência com o crescimento da oferta de restaurantes com culinária vegetariana e vegana trouxe novos desafios para a gestão do Manjari. O aumento na rotatividade e a escassez de novos profissionais instigam Ravi a pensar em novas estratégias de gestão de pessoas. Ele deseja aprimorar o seu negócio para clientes e colaboradores, mas sem perder a simplicidade. Palavras-chave: gestão de pessoas, recrutamento, seleção, retenção, treinamento. Abstract The case illustrates a real situation that emphasizes the relationship between the lifestyle of Ravi, owner of a small vegetarian restaurant in the city of Porto Alegre, and the management model adopted in his business. The increase in competition with the growth of restaurants offering vegetarian and vegan cuisine has brought new challenges for the management of Manjari. The increase in turnover and the shortage of new professionals instigate Ravi to think about new people management strategies. He wants to improve his business for customers and employees, but without losing simplicity. Keywords: people management, recruitment, hiring, training. “Quanto mais simples, melhor” “Quanto mais simples, melhor” é a filosofia que Ravi mantém em sua vida e também no seu negócio. Proprietário de um restaurante de culinária indiana/vegetariana renomado na cidade de Porto Alegre, ele busca aprimorar o seu negócio para os clientes e colaboradores, mas sempre mantendo a simplicidade. Ravi, no entanto, entende que precisa de transformações para manter o negócio rentável e competitivo, principalmente no que se refere às suas estratégias de Gestão de Pessoas. Mas nada de mecanizar as relações ou adotar ferramentas de gestão burocratizadas! Melhorar, mas sem complicar... Esse é o desejo de Ravi e o seu desafio!
  • 18. 2 QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO Aline Mendonça Fraga, Vanessa Amaral Prestes, Catia Eli Gemelli ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos A história Chileno, com 55 anos de idade, Ravi faz da culinária sua profissão e filosofia de vida. Atua como chefe de cozinha há mais de 20 anos, mas sua formação não foi adquirida em um curso técnico ou de graduação. A sua formação mistura-se com a sua própria história. No ano de 1981, mudou-se para um mosteiro hindu na cidade de Curitiba/PR, onde permaneceu até o ano de 1990. Assim como todos os moradores do local, ele colaborava com as atividades diárias, tanto religiosas como de alimentação e organização do convívio coletivo. Começou a trabalhar como aprendiz de cozinheiro e, com o tempo, tornou-se o sacerdote responsável pelas oferendas de alimentos, função de grande responsabilidade e que exigia técnica e cuidado. Para realizar essa importante tarefa, recebeu o treinamento de um mestre da cozinha, que lhe passou os ensinamentos de uma culinária milenar e tradicional, de cinco mil anos atrás. Ravi sempre relembra essa etapa da sua formação profissional e pessoal: – A gente treina, quase um ano, mais de um ano, não pode nem acender o fogo, só olhar, cuidar como eles fazem e aprender. A cozinha do altar é ligada à adoração, ao tempo, é bem mais restrita nos horários, e são muitas oferendas. Eu tive que aprender tudo isso, então essa é a minha formação. Eu aprendi a cozinhar sem provar a comida, pois não pode provar enquanto prepara. Só depois de pronta e oferecida. Depois de quase 10 anos de vivência e aprendizados no mosteiro, incluindo uma passagem pela Índia, no ano de 1991, Ravi foi convidado para trabalhar na cozinha de um restaurante na cidade de Porto Alegre. Inicialmente sua função era de apenas substituir um funcionário afastado durante uma semana, no entanto sua trajetória profissional no local durou 18 anos. Ao ser questionado sobre o que o fez para permanecer como funcionário nesse restaurante por tanto tempo, imediatamente respondeu: – O ambiente de trabalho! Era muito bom, e, além disso, na época, o restaurante era um ponto de encontro do cenário artístico e cultural de Porto Alegre. Era frequentado por músicos, atores, escritores... Eu cozinhava para pessoas como o Caio Fernando Abreu. Além disso, os donos aceitaram que eu adaptasse a cozinha ao meu jeito, sem peixe, sem ovo, ingredientes que eles usavam até então. Ravi levou para sua profissão os ensinamentos aprendidos no mosteiro, a filosofia hindu e os elementos da cultura indiana e do movimento Hare Krishna, do qual fez parte. A alimentação consciente, prática da ayurveda, foi levada consigo para o trabalho e mantida em sua própria alimentação: não utiliza ovos nem carnes (inclusive peixes e frutos do mar) no preparo dos alimentos. Com o passar do tempo, reuniu uma equipe de trabalho que passou a seguir os mesmos preceitos. Além disso, nessa época, surgiu o questionamento: Por que não abrir um restaurante próprio que disseminasse essa filosofia de vida? Assim nasceu a ideia que, no ano de 2007, deu origem ao Manjari Restaurante, localizado em uma casa alugada e adaptada na cidade de Porto Alegre. O negócio, inicialmente, contava com uma equipe de 10 funcionários. Atualmente, são oito pessoas contratadas, divididas entre a cozinha e o salão (atendimento aos clientes), além dele próprio, que permanece trabalhando na cozinha e na gestão do local. Nos sábados, domingos e feriados, outros dois garçons trabalham como apoio extra no atendimento ao salão. O Quadro 1 apresenta a relação de funcionários e a descrição das suas principais funções. Surpreendentemente, grande parte dos clientes regulares do restaurante, segundo Ravi, não é necessariamente vegetariana ou vegana. São pessoas que almoçam quase todos os dias ou comparecem semanalmente e destacam o cardápio variado, a comida saborosa e saudável como principais motivos para a fidelização. Os temperos diferenciados, típicos da culinária indiana, também sobressaem como um ponto forte, contou Ravi. Ainda que boa parte dos clientes seja onívora (come carne), vegetarianos e veganos são os mais fiéis ao local. Como as refeições podem ser adaptadas de lactovegetarianas (que incluem
  • 19. 3 QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO Aline Mendonça Fraga, Vanessa Amaral Prestes, Catia Eli Gemelli ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos derivados do leite) para veganas, a pedido dos clientes, o Majari recebe ambos os públicos, que têm crescido nos últimos anos. Esses clientes costumam conversar com Ravi, que está sempre presente no local para troca de ideias e de conhecimento. A preocupação com saúde e alterações éticas é destacada pelos novos vegetarianos como principal motivação para a mudança, como destaca Ravi: – O principal motivo para as pessoas virarem vegetarianas ainda é a saúde. Mas também tem a parte ética e moral de não querer matar um animal, de fazê-lo sofrer só porque tu queres desfrutá-lo. Então, essa é a outra parte de que as pessoas estão se dando conta. O principal motivo que atrai as pessoas ainda é a parte da saúde, mas, depois, o que as mantém como vegetarianas é a parte ética. O Quadro 2 apresenta informações sobre a cidade de Porto Alegre e ilustra o crescimento do público vegetariano na capital gaúcha. Até o início dos anos 1990, Porto Alegre tinha apenas três restaurantes vegetarianos, o que demonstra o potencial de crescimento que esse mercado representa. Ainda que a carne seja uma expressão cultural com tradição no estado do Rio Grande do Sul, o número de pessoas vegetarianas é significativo, o que justifica o aumento da oferta de opções para esse público. Destaca-se que o primeiro fast-food vegano brasileiro foi inaugurado na capital gaúcha, no ano de 2014. Da cozinha para a gestão – Eu não sou muito bom administrador, sou um cozinheiro, na verdade, mas eu tive a sorte de ter uma boa gerente... Ravi logo percebeu que seu ponto forte e verdadeira paixão é a cozinha, por isso contratou uma gerente para cuidar da administração do seu negócio. Nutricionista por formação, mas atuando há anos na função de gerente de restaurante, Simone é quem cuida de todas as tarefas administrativas. O cardápio e a cozinha são de responsabilidade de Ravi, com o apoio da chefe de cozinha Tereza, que foi sua colega no monastério, por isso conhece todos os procedimentos e preceitos do restaurante. A chefe trabalha na função desde a inauguração do restaurante. Por ser sua primeira experiência e por trabalhar com pessoas que considerava mais como amigas do que como funcionárias, Ravi iniciou sua gestão de maneira informal, principalmente no que se referia ao pagamento de salário dos funcionários. Com o crescimento do negócio, viu-se obrigado a formalizar e modificar alguns procedimentos, como a concessão de adiantamentos e de folgas. Essa organização foi realizada por uma contadora contratada para a tarefa, mas causou descontentamento. Acostumada com a informalidade, a equipe demorou a se adaptar às novas regras. Ravi acredita que sua inexperiência como gestor e a própria formação de vida foram fatores que influenciaram essa postura inicial: – Nesse negócio de ter sido monge, a gente fica meio assim, meio informal, eu fui meio informal no começo, me arrependi, agora já estamos fazendo uma coisa mais organizada, porque não adianta, precisa formalizar para funcionar. Ravi considera que a busca de apoio em profissionais especializados(as) é o grande segredo para que sua gestão funcione e a sua concentração possa voltar-se à culinária e à conservação do estilo de vida que tanto preza e que se tornou o diferencial do seu restaurante. O ambiente do Majari, marcado por traços da religião hindu e de elementos da cultura indiana, faz refletir tal filosofia de modo tão forte e presente que grande parte da equipe e, também, ex-funcionários e funcionárias passaram a seguir a alimentação vegetariana, os princípios ayurveda e a filosofia hindu. Dificuldades Há nove anos, Ravi adquiriu um imóvel próprio para sediar seu restaurante. O local passou por adaptações, contudo melhorar as condições ambientais na cozinha ainda é um desafio. No verão, a temperatura do local é alta e, muitas vezes, os ventiladores instalados não dão conta de deixar o local com temperatura agradável aos trabalhadores. Apesar dessa dificuldade, o maior desafio para a
  • 20. 4 QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO Aline Mendonça Fraga, Vanessa Amaral Prestes, Catia Eli Gemelli ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos gestão do negócio não são as questões estruturais, mas, sim, aquelas relacionadas à Gestão de Pessoas. Outrora, o recrutamento de novos membros da equipe era feito por meio de indicação dos próprios funcionários e até dos próprios clientes. Com o passar do tempo, o recrutamento e a seleção tornaram-se um desafio, principalmente para as tarefas de auxiliar de cozinha e de limpeza. Foi necessário contratar uma empresa terceirizada somente para a atividade de limpeza, com o objetivo de sanar o problema constante de recrutamento e seleção de novos profissionais para o desempenho dessa tarefa. Na cozinha, o desafio é encontrar pessoas que se adaptem aos preceitos seguidos e que aprendam as técnicas e o uso de temperos diferentes dos usualmente utilizados na gastronomia tradicional gaúcha e brasileira. Além disso, nos próprios cursos de formação culinária, a cozinha vegetariana é pouco explorada: a carne é o principal ingrediente, e os demais são complementos dos pratos. Nesse sentido, o desafio ultrapassa uma simples questão de formação e envolve aspectos comportamentais, como destaca Ravi: – Às vezes, vem gente com formação na área, curso de culinária e tudo, mas chega aqui e não consegue trabalhar bem com nossos temperos ou não se adapta à nossa filosofia. Os novos membros da equipe contratados para desempenhar funções na copa, caixa e salão são treinados por Ravi e Simone. Já as pessoas contratadas para auxiliarem na cozinha são treinadas por Ravi e Tereza. Os treinamentos sempre contam com o apoio dos funcionários mais antigos, que auxiliam os novatos e oferecem suporte quando surgem dúvidas. Não há um programa de treinamento formalizado, pois Ravi entende que cada pessoa precisa de instruções diferentes, a partir do seu nível de conhecimento sobre a cozinha vegetariana, prática da ayurveda etc. Os pontos mais importantes do treinamento são, justamente, aqueles ligados à filosofia do restaurante. Trabalhar aos finais de semana é outro fator que dificulta a contratação e também aumenta a rotatividade. O restaurante abre aos sábados e domingos, dias que concentram maior movimento. Dessa forma, toda a equipe é convocada para trabalhar nesses dias e recebe folga durante a semana. Ravi percebe que isso causa desmotivação, pois muitos dos funcionários que pediram demissão justificaram que haviam encontrado novos empregos que não exigiam dedicação nos finais de semana. A maior parte dos desligamentos, no entanto, não é por solicitação de funcionários, e, sim, por decisão da gestão do restaurante, em razão da inadequação às exigências do cargo. Segundo Ravi, as funções com maior rotatividade são as de garçom e garçonete: – É muito difícil conseguir pessoas que consigam trabalhar bem no salão. Tem que ter um mínimo de educação com nossos clientes, cumprimentar, tratar bem... Além disso, tem que cumprir o horário de trabalho. Precisei demitir muitas pessoas porque não chegavam no horário. O restaurante abria, as pessoas iam chegando, e tinha garçom que ainda não estava no trabalho. À parte do salário, os(as) funcionários(as) recebem a alimentação no próprio restaurante e todos os direitos legais garantidos pela legislação, como o percentual extra para trabalhar nos finais de semana, parte dos 10% da taxa de serviço e o vale-transporte. O único benefício oferecido é o plano de saúde, por meio da contratação de um plano empresarial por adesão. É importante destacar que a equipe possui liberdade para opinar, e o diálogo é valorizado, visto que faz parte da própria filosofia de vida adotada por Ravi. A sua única cobrança, da qual não abre mão, é que eles tenham entusiasmo: – Quero que os clientes sempre sejam bem-atendidos. Peço que eles tenham sempre entusiasmo! Desafios O número de restaurantes com culinária vegetariana e vegana está crescendo na cidade de Porto Alegre, atendendo ao aumento de demanda por esse tipo de alimentação. Mesmo os
  • 21. 5 QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO Aline Mendonça Fraga, Vanessa Amaral Prestes, Catia Eli Gemelli ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos restaurantes que têm como pratos principais a carne estão oferecendo opções para essa clientela. Segundo o sítio virtual “www.beringela.me”, que faz o mapeamento de restaurantes vegetarianos e veganos na cidade, a fim de torná-los mais visíveis e colaborar com a sua permanência, existem 36 restaurantes vegetarianos e veganos registrados no ano de 2018. O crescimento na oferta interfere na concorrência do mercado, diminuindo a clientela dos locais já existentes, mesmo os mais tradicionais. Nesse cenário, ao mesmo tempo que se amplia a concorrência por clientes, os estabelecimentos passam a competir também pelos profissionais com experiência específica da culinária. Inclusive nas funções que exigem menos experiência, como a de auxiliar de cozinha e de garçom ou garçonete, os locais passam por dificuldades para a atrair e reter pessoas. Com isso, o restaurante de Ravi tem registrado aumento na rotatividade e diminuição na oferta de profissionais para recrutamento. Criar e manter uma equipe motivada e alinhada à filosofia que acompanha a culinária vegetariana e vegana tornou-se um desafio, e novas técnicas para entusiasmar os funcionários se fazem vitais para o futuro do Manjari. Ravi entende que precisa implantar melhorias nas suas estratégias de Gestão de Pessoas, principalmente no que se refere aos seguintes subsistemas operacionais de recursos humanos: recrutamento e seleção; treinamento; e retenção de pessoas. Diante disso, propõe-se o desafio: Como inovar a Gestão de Pessoas do restaurante sem perder a simplicidade? Quadro 1. Quadro de funcionários Cargo Principais funções Nº de funcionários(as) no cargo Gerente Planejar, supervisionar e coordenar as atividades do restaurante. 1 Chefe de cozinha Coordenar e supervisionar toda a atividade da cozinha. 1 Auxiliar de cozinha Auxiliar no pré-preparo e processamento dos alimentos, além de higienização e organização da cozinha. 2 Garçom Atendimento aos clientes no salão: informar sobre o cardápio e funcionamento do restaurante, anotar pedidos, servir e limpar as mesas. 2 fixos 2 intermitentes (finais de semana e feriados) Operador de caixa Atendimento ao público externo com pagamentos e recebimentos de valores, fechamento de caixa e emissão de notas fiscais. 1 Atendente de copa e cozinha Atendimento ao público interno, servindo e distribuindo alimentos e bebidas. 1
  • 22. 6 QUANTO MAIS SIMPLES, MELHOR: GESTÃO EM UM RESTAURANTE VEGETARIANO Aline Mendonça Fraga, Vanessa Amaral Prestes, Catia Eli Gemelli ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Quadro 2. Dados da cidade de Porto Alegre População total de Porto Alegre segundo o IBGE (2017) 1.484.942 habitantes Número de restaurantes vegetarianos registrados no ano de 2013 22 Número de restaurantes vegetarianos registrados no ano de 2018 36 Percentual da população que se declarava vegetariana no ano de 2012, de acordo com pesquisa Ibope (2012) 6% Percentual da população de regiões metropolitanas que se declarava vegetariana no ano de 2018 8% Fonte: http://beringela.me/ IBGE (2017) e Ibope (2012).
  • 23. Volume 8 Número 2 Jul/Dez 2018 Doc. 11 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv8n2c11 IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO BANCÁRIO Formal equality and effective discrimination of women in the banking work environment RICARDO VINICIUS CORNÉLIO DOS SANTOS E CARVALHO – rvccarvalho@gmail.com Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil CARLOS GUSTAVO ASSIS – carlosgustavoassis@gmail.com Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil LUIZ ALEX SILVA SARAIVA – saraivalas@gmail.com Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil Submissão: 29/08/2018 | Aprovação: 05/12/2018 _________________________________________________________________________________ Resumo Neste caso de ensino, busca-se problematizar a existência de práticas discriminatórias contra as minorias nas organizações, em particular as mulheres, escondidas sob um pretenso argumento técnico e de geração de resultados. Na organização estudada – que embora pública, portanto burocrática na sua essência, o que remeteria a uma perspectiva equânime na gestão, padece dos mesmos problemas verificados em outros contextos organizacionais –, mulheres são constantemente discriminadas, sendo objeto de piadas, de aviltamento e, a rigor, de discriminação por serem quem são. O caso trata de situações simultâneas de gravidez de colegas de trabalho, que geraram uma série de desdobramentos que merecem ser problematizados. Palavras-chave: mulher, ambiente bancário, maternidade, burocracia, serviço público. Abstract In this teaching case, we seek to problematize the existence of discriminatory practices against minorities (particularly women) in organizations, hidden under an allegedly technical and results- generating argument. In the organization studied – which, allthoug being public and therefore bureaucratic in its essence, which would lead in theory to an equitable perspective in the management, suffers from the same problems verified in other organizational contexts –, women are constantly discriminated, being joked, diminished and discriminated for being who they are. The case deals with simultaneous situations of pregnancy of co-workers, which generated a series of developments that deserve to be problematized. Keywords: women, banking environment, maternity, bureaucracy, public service. Masculino, heterossexual e branco: o Banco da Pátria1 O Banco da Pátria é um banco público fundado há mais de 50 anos, fruto de um esforço de modernização da administração pública, que procurava alinhar-se aos modelos internacionais de desenvolvimento econômico e social, e que vislumbrava imbuir maior racionalidade nas questões técnicas relacionadas a câmbio, crédito, dívida externa e moeda no País. Tendo sido fruto de uma junção de funções que advieram de outros bancos públicos e órgãos econômicos de governo, tinha 1 Nome fictício para uma organização real.
  • 24. 2 IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO... Ricardo Vinicius Cornélio dos Santos e Carvalho, Carlos Gustavo Assis, Luiz Alex Silva Saraiva ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos como característica marcante uma visão tradicional de burocracia pública: altamente hierarquizada, formalizada e impessoal nas questões de relações de trabalho. Por conta desse início, sua primeira composição de servidores não se deu mediante funcionários aprovados em concursos públicos: eles eram oriundos de outras carreiras do serviço público federal, em sua grande maioria, de órgãos e empresas públicas vinculadas à área econômica. Por ter sido fundado no início do período da ditadura civil-militar instaurada no Brasil em 1964, o Banco da Pátria teve, em seu quadro funcional inicial, a inserção de alguns servidores oriundos da carreira militar, ocupando cargos de chefia ou exercendo função em comissão. Nos seus primeiros 20 anos de fundação, apresentou poucos concursos, que privilegiavam as áreas econômica e de auditoria, ocorrendo a sua maioria entre 1977 e 1980. Nesse período, dado o quadro de crise econômica e recessão do País ocorrido na transição para os anos 1980, a maior parte dos ingressos era de formação em Engenharia, área de formação que começava a sofrer com uma crise de empregabilidade causada pelas crises econômicas, pelos surtos inflacionários e pela crise da dívida externa, que pressionaram o governo a arrefecer as grandes obras públicas de infraestrutura do período do “milagre econômico”, ocorrido entre 1968 e 1973. Somado a isso, tinha-se um quadro pequeno de profissionais formados em outras áreas, como Administração, Economia e Contabilidade, e o fato de a área financeira ser tradicionalmente atraente para profissionais com sólida formação matemática, como os engenheiros. Em função do conturbado período econômico dos anos 1980 no Brasil, o setor público federal passou a ser bastante criticado pelos excessos de gastos com as obras de infraestrutura do período militar, combinados a questionamentos sobre corrupção, desperdícios e ineficiências de toda ordem, construindo-se o argumento de que a administração pública federal era uma burocracia excessivamente grande, com um quadro de funcionários exagerado. Isso fez com que os concursos públicos para o Banco da Pátria fossem suspensos por praticamente toda a década de 1980, sendo retomados somente no início dos anos 1990, quando um grande certame fora realizado, em 1993. Esse lapso temporal de renovação do quadro funcional acarretou uma grande diferença entre gerações no Banco da Pátria, o que culminou em um conflito velado entre servidores de diferentes épocas de ingresso na disputa por cargos de chefia, que raramente deixavam de ficar com servidores mais antigos. Esses fatos resultaram em uma composição peculiar do quadro funcional do Banco da Pátria. Dado que a formação em Engenharia possuía (e ainda possui) grande preponderância de homens, algo também verificado nas carreiras dos setores financeiro e militar, o corpo de funcionários do Banco da Pátria é majoritariamente formado por homens. A proporção histórica fica em torno de 80% de homens. Além dessa questão, também chama a atenção, no quadro de funcionários e funcionárias, a pouca presença de pessoas negras. Com isso, temos uma organização marcadamente masculina, heterossexual e branca. Um dado interessante, também, é que existe um grande contingente de funcionários lotados na cidade de São Paulo, devido à expressão econômico- financeira da região para o País. Com isso, tal como se tem uma grande presença de descendentes de japoneses na cidade, há também um grande número de funcionários e funcionárias de origem familiar japonesa. No final dos anos 1990 e início dos 2000, o Banco da Pátria passou por uma renovação do quadro. Essa alteração veio acompanhada de uma tentativa de alteração do chamado “estilo” gerencial do banco. Os dirigentes que assumiram a alta administração, na época, mostraram-se alinhados aos ditames da Nova Administração Pública (New Public Managment), que ganhou força nas últimas décadas do século XX, preconizando a redução da presença do Estado na economia, as políticas neoliberais de privatização, a redução dos gastos públicos em geral e a adoção de práticas gerenciais do setor privado no serviço público. Esse último ponto encontrou grande apoio na direção do banco, que contratou empresas de consultoria gerencial para modernizar a gestão da instituição.
  • 25. 3 IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO... Ricardo Vinicius Cornélio dos Santos e Carvalho, Carlos Gustavo Assis, Luiz Alex Silva Saraiva ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos Uma das empresas contratadas realizou um diagnóstico do “estilo de gestão” da organização no início dos anos 1990, no qual foi relatado que o banco era excessivamente hierarquizado, com linhas de comando muito rígidas, com alta especialização técnica em Economia e Finanças, mas pouco conhecimento teórico e prático em Administração. A imagem utilizada era a de que o banco era estruturado em feudos ou silos, com uma disposição física de labirinto, com salas fechadas e corredores sem janelas, nos quais, muitas vezes, os chefes ficavam em andares diferentes dos demais funcionários. Foi identificado, também, que as chefias eram excessivamente centralizadoras, com alguns gestores quase sem contato pessoal com os funcionários, sendo qualquer comunicação feita por meios formais (notas, e-mails, memorandos) ou mediante recados de secretárias. Diante disso, a comunicação foi tida como um dos maiores problemas gerenciais do Banco da Pátria. No final dos anos 1990, outra empresa de consultoria gerencial foi contratada, e um diagnóstico bastante similar foi realizado. O Banco da Pátria, então, passou a contratar empresas de consultoria gerencial com frequência e implementou sistemas informatizados de gestão, bem como criou comitês e departamentos cuja função específica era realizar estudos administrativos e de gestão dessas ferramentas, os departamentos de Planejamento, de Controle e de Gestão. Com os concursos públicos retomados com maior regularidade no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, foram realizadas seleções por área de formação específica, destacando-se graduação em Administração. Nesses concursos, havia uma proporção de homens e mulheres na área de Administração diferente da proporção histórica do banco. Nessa área, a proporção era de 60% homens e 40% mulheres; com isso, a área administrativa passou a concentrar o maior número de mulheres da instituição, mas a proporção geral do banco permanecia 80/20. Obrigado e boa sorte: um labirinto de indignação Ícaro, Ariadne e Diana ingressaram no Banco da Pátria no mesmo concurso, realizado em 2008, todos, na época, solteiros e com cerca de 28 anos de idade. Os três eram graduados em Administração e possuíam especialização, em nível de pós-graduação lato sensu, em Gestão, sendo a de Ícaro em Gestão Pública, Ariadne em Finanças e também em Gestão Estratégica, e Diana em Logística e Cadeia de Suprimentos. Além disso, Ariadne e Diana possuíam também mestrado em Administração na área de Estratégia. Ícaro já havia trabalhado no setor público antes de ingressar no banco, atuando em áreas variadas, como Licitações, Gestão de Pessoas e Finanças em órgãos municipais e estaduais. Ariadne trabalhou em empresas de consultoria gerencial e também na área de Desenvolvimento Econômico em uma secretaria de Estado de um governo estadual. Diana havia trabalhado em bancos privados. Em média, eles possuíam cerca de cinco anos de experiência profissional quando tomaram posse no Banco da Pátria. Uma vez investidos nesse banco, foram lotados na área administrativa, no departamento de Controle Gerencial. Esse departamento possui como atribuições realizar o acompanhamento de todos os trabalhos planejados, no ano anterior, pelas diversas equipes do banco. Cabe a ele elaborar relatórios de desempenho de cada equipe, relatórios gerais de desempenho anual, promover reuniões de acompanhamento com as equipes, orientar as chefias sobre pontos de atenção da execução dos trabalhos e fazer o reporte anual à Diretoria sobre o cumprimento dos objetivos pautados para o ano. Além disso, havia um controle formal de horas trabalhadas, de presença e de compensação de ausências, que, embora fosse responsabilidade de cada gestor, era também realizado pelo departamento. O departamento era considerado pelos servidores do banco, portanto, uma divisão extremamente formal, e, frequentemente, atribuía-se a ele a alcunha de querer ser “mais realista que o rei” ou de ser apenas “observador de regras”, por ater-se, na maior parte das vezes, apenas à verificação formal do cumprimento das atividades, e não ao acompanhamento efetivo de seus resultados. Após três anos de trabalho nesse departamento, Ícaro foi convidado a exercer um cargo de chefia, ocupando a função em comissão de coordenador. Sua indicação como gestor havia sido
  • 26. 4 IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO... Ricardo Vinicius Cornélio dos Santos e Carvalho, Carlos Gustavo Assis, Luiz Alex Silva Saraiva ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos questionada por alguns gestores mais antigos, porque consideravam os servidores do concurso de 2008 “muito indisciplinados”. A equipe com a qual Ícaro trabalharia era formada por quatro mulheres, entre as quais Diana e Ariadne. Hierarquicamente acima de Ícaro, encontrava-se Mino Maruta, um servidor ingresso no Banco da Pátria no primeiro concurso dos anos 1990. Maruta era um servidor bastante respeitado pelos seus pares no banco. Era um homem de 58 anos, bastante formal no tratamento pessoal e que assumia publicamente a fama de ser extremamente rigoroso com prazos, qualidade e dedicação ao trabalho. Antes de entrar no banco, Maruta fez parte do grande movimento de decasséguis brasileiros que emigraram para o Japão nos anos 1980. Eram recorrentes os seus comentários orgulhosos sobre o engajamento ao trabalho do povo japonês. Um dos relatos frequentemente citados era o de que, sempre que recebia alguém em sua equipe, gostava de dizer que ele fugia da imagem do servidor público brasileiro, que é tido por muitas pessoas como alguém avesso ao trabalho. Maruta gostava de dizer, nessas ocasiões, que ele exigia a mesma dedicação de sua equipe, e que concordava com quem via o servidor público como leniente porque, segundo ele, “o brasileiro realmente é meio preguiçoso”, já que ele se orgulhava de “ter trabalhado por sete anos no Japão sem ter gozado férias em nenhum período, e tendo folgas apenas em um domingo por mês”. Maruta era engenheiro civil, tendo se graduado no início dos anos 1980. Tornou-se também bacharel em Administração no final dos anos 1990, após entrar no Banco do Pátria. Ele ainda possuía MBA em Finanças, por uma reconhecida instituição privada do País, financiado por um programa de formação do próprio banco. Maruta era casado, e sua esposa, também nissei, não trabalhava fora, era dedicada à educação dos três filhos, “como uma tradicional família japonesa”, dizia. Maruta comentava ter entrado para o serviço público porque queria trabalhar com finanças, mas na parte de auditoria e controladoria, e que todo brasileiro deveria, em algum momento, trabalhar na área pública, como uma forma de retribuir à coletividade um pouco das oportunidades que teve. Ele demonstrava bastante orgulho por ter estudado da educação básica à graduação em Engenharia no sistema público de ensino. Diana e Ariadne eram servidoras extremamente dedicadas e produtivas. Realizavam trabalhos com muita qualidade e eram bastante críticas em relação às questões administrativas do banco. Questionavam o excesso de formalização, o exagero na questão documental e a ausência de metas e objetivos. Ambas eram bastante favoráveis à Nova Administração Pública. Tão logo tomaram posse, casaram-se com os respectivos namorados, e, em dezembro de 2015, anunciaram, coincidentemente, que estavam grávidas. Em uma reunião de encerramento dos trabalhos do ano, com todo o departamento, Ícaro comunicou a todos a notícia, quando vários colegas manifestaram felicitações às duas. Maruta, após a reunião, solicitou a Ícaro que ficasse na sala para tratar com ele algumas questões. Estando a sós, Maruta manifestou a sua decepção com Ícaro, a quem ele apoiou e defendeu como gestor “mesmo diante das críticas dos mais antigos”. Perguntou-lhe: “Como você foi permitir que as duas engravidassem juntas?”. Ícaro contestou as alegações e alertou-lhe que esse tipo de conduta era passível de processos administrativos e judiciais. Maruta, exaltado, disse-lhe que a ausência das duas, em licença-maternidade ao mesmo tempo, provocaria um enorme problema para o cumprimento dos trabalhos, mas que caberia a Ícaro "se virar, porque não há previsão de substituição para as duas”. Ao relatar para Diana e Ariadne a posição de Maruta sobre as gravidezes delas, ambas demonstraram enorme reprovação, indignação e consternação. Apesar disso, embora Ícaro tenha manifestado o desejo de procurar o departamento de Pessoal e ingressar com o processo administrativo contra Maruta, foi dissuadido pelas duas, que entenderam ser melhor deixar passar, pois “o banco era assim mesmo”. Passados alguns dias, foi feito o balanço final das atividades anuais. A equipe de Ícaro havia cumprido com sucesso todos os objetivos. A única pendência era de uma formalidade de um relatório já finalizado, validado e apresentado, que ainda carecia de um envio por processo eletrônico
  • 27. 5 IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO... Ricardo Vinicius Cornélio dos Santos e Carvalho, Carlos Gustavo Assis, Luiz Alex Silva Saraiva ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos para arquivo. Em reunião com Maruta, Ícaro perguntou a ele se havia necessidade de formalizar esse encerramento ainda em 2015, e a resposta de Maruta foi não. Apesar disso, no dia 29/12/2015, Maruta enviou um e-mail com cópia para todos os gestores do departamento, além de algumas chefias acima e alguns diretores, desejando votos de felicidade pela passagem de ano e relatando que, “apesar dos esforços, infelizmente, em função da gravidez de Diana e Ariadne, a equipe de Ícaro não conseguiu completar todos os trabalhos, mas as pendências seriam resolvidas logo no início do próximo ano”. A reação de Ícaro à conduta de Maruta foi de indignação. Tão logo teve conhecimento do e- mail enviado, elaborou uma resposta ao mesmo e-mail, para o mesmo conjunto de destinatários, relatando sumariamente o ocorrido, apresentando todos os resultados obtidos e destacando a pouca relevância da única entrega não realizada, o encaminhamento do processo para arquivo. Além disso, no final desse mesmo e-mail, Ícaro anexou uma série de links para notícias, estudos acadêmicos e decisões judiciais que versavam sobre discriminação de gestantes no trabalho e assédio moral, e afirmou que tal conduta era passível de ações administrativas internas e judiciais. Ícaro reforçou que não havia conexão entre a entrega dos trabalhos e a gravidez, e procurou Maruta, que convocou uma reunião com a chefia do departamento. Nessa reunião, a tentativa da chefia era de tratar o assunto como um mal-entendido e como brincadeira. Várias piadas de cunho sexual foram feitas, tentando transformar a situação em algo jocoso, o que aumentou o tom de indignação de Ícaro. No final, Maruta disse que “Ícaro deveria ter controlado no calendário de programação de ausências [ferramenta utilizada no planejamento] a possibilidade de ‘uma das suas mulheres’ engravidar”. Essa troca de e-mails ganhou repercussão no Banco da Pátria, e, nos dias que se seguiram, representantes do sindicato dos trabalhadores do banco, colegas que trabalhavam no departamento de Pessoal e alguns outros colegas apenas interessados no assunto enviaram e-mails e telefonaram para Ícaro demonstrando consternação e apoio à adoção de medidas administrativas e judiciais. Algumas mulheres, colegas de trabalho, o procuraram para relatar situações similares vividas no passado que envolviam constrangimentos verbais, assédio moral e mesmo relatos de assédio sexual de servidoras públicas e contratadas, mas que nunca haviam chegado a nenhum tipo de punição. Por outro lado, muitos chefes e servidores ocupando função comissionada também enviaram e-mails relatando a falta de maturidade de Ícaro ao reagir daquela maneira a um “problema tão pequeno”. Demonstraram apoio a Maruta, reforçaram suas qualidades de zelo com o serviço público e relataram que Ícaro estaria fazendo “tempestade em copo d’água”, como “era o costume de toda a geração do concurso dele”. Ariadne e Diana demonstraram bastante tristeza, manifestaram muito pesar pela conduta de Maruta, a quem Diana dizia admirar profundamente, e Ariadne tomava como exemplo. Em uma reunião realizada entre Ícaro, Ariadne e Diana, Ícaro expôs o seu desejo de tomar as medidas cabíveis de instauração de processo administrativo, mas comentou que somente faria isso se fosse o desejo das duas, dado que, mais que afetá-lo diretamente, a principal ofensa ocorrida teria sido a tentativa de constrangimento delas por questões pessoais que não diziam respeito ao Banco da Pátria e, também, por uma tentativa explícita de admoestá-las por serem mulheres e mães. Para a surpresa de Ícaro, no entanto, Ariadne, bastante exaltada e emocionada, disse que não se deveria fazer nada, “porque, no fundo, a gente sabe que não vai mudar nada”. Ela comentou: “Você não sabe o que já passei para chegar até aqui, e nós vamos ter que ficar todos trabalhando juntos aqui por muitos anos ainda”. No final, ela argumentou: “Eu fico com muita raiva, mas, ao mesmo tempo, isso não é nada demais, porque você não faz ideia do que é trabalhar no Banco da Pátria, não sabe o que é ouvir piadas o tempo inteiro sobre suas roupas, sobre o seu corpo, sobre o seu trabalho, e isso não vai mudar, se fizermos alguma coisa, a minha vida vai virar um inferno ainda maior, e vou ter um filho para criar, e a única coisa que eu quero é paz, pra seguir meu caminho e sair desse labirinto de indignação”. Diana endossou a fala de Ariadne, e comentou: “Para coisas assim, o melhor tratamento
  • 28. 6 IGUALDADE FORMAL E DISCRIMINAÇÃO EFETIVA DE MULHERES NO AMBIENTE DE TRABALHO... Ricardo Vinicius Cornélio dos Santos e Carvalho, Carlos Gustavo Assis, Luiz Alex Silva Saraiva ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 8 | n. 2 | jul-dez 2018 www.fgv.br/gvcasos é a indiferença”, mas fez uma ressalva de que, sozinha, ela não aceitaria tomar nenhuma medida, mas, se Diana concordasse, Ícaro poderia instaurar o processo. Por fim, os três não chegaram a um consenso sobre a instauração do processo e, como não houve unanimidade, Ícaro não apresentou denúncia à corregedoria nem ao departamento de Pessoal. Ele continuou enfatizando que não fazer nada incentivaria ainda mais condutas como a de Maruta, e decidiu solicitar um pedido de desculpas formal a ele. Ícaro apresentou, então, essa solicitação em reunião com a chefia do departamento e foi dissuadido por ela. No final, ele afirmou que, caso não fosse feito esse pedido, ele entregaria o cargo e deixaria a coordenação. A chefia, então, se disse muito chateada com o ocorrido, mas que compreendia a proposta de Ícaro. Em 2016, Ariadne e Diana se ausentaram por conta da licença-maternidade, após o nascimento dos respectivos filhos. Durante esse tempo, Ícaro contou com uma servidora que foi provisoriamente alocada em sua equipe até que as duas regressassem. Na reunião em que tal decisão foi acertada, foi feito, em tom de brincadeira, o comentário, por um dos servidores com função em comissão do departamento, de que “Ícaro deveria tomar cuidado para não engravidar mais essa”. Ícaro permaneceu em silêncio. No início de março de 2017, foi enviado um e-mail assinado pela alta administração do departamento a todos os seus servidores. Nesse documento, constava um agradecimento a Ícaro pelos serviços prestados e comunicava-se que ele estava “deixando a coordenação por motivos pessoais e para enfrentar novos desafios em outro departamento”. No final, informava-se que Ariadne seria a nova coordenadora, e que ela continuaria guiando as equipes do banco para a excelência gerencial que “a sociedade espera de nós”. Comunicava-se também que Maruta estava assumindo uma posição estratégica mais alta no próprio departamento, em outra equipe, como consultor na área de Projetos. No fechamento, constava apenas a seguinte frase: “Obrigado e boa sorte a todos, principalmente agora que a família Banco da Pátria vai aumentar novamente”, e desejava votos de felicidades a Maruta, que se tornara avô. Questões para a reflexão A atividade gerencial é complexa e demanda negociação, reflexão e decisão diante de situações conflituosas e críticas. Diante disso e do caso apresentado, sugerimos as seguintes reflexões: Pela leitura do caso, podemos refletir sobre o dilema do gestor ou da gestora entre representar a sua equipe formalmente nas negociações e articulações dentro da organização (e, em alguns casos, até mesmo fora desta), em questões técnicas e administrativas, mas, ao mesmo tempo, ter de se posicionar diante de situações difíceis e conflituosas como a discriminação e o constrangimento às individualidades e particularidades das pessoas de sua equipe, mesmo quando elas não se manifestam abertamente sobre o assunto. Diante disso, quais ações o gestor poderia tomar para, diante desse dilema, incentivar a formação de um ambiente social nas organizações que não promova a discriminação de gênero? O gestor deve se posicionar a esse respeito? Até onde vai a sua responsabilidade, ou existe um “dever de agir” para coibir a discriminação de gênero nas organizações? Pontos adicionais para guiar a reflexão: se ao invés de Ícaro, um homem, a equipe fosse gerenciada por uma mulher, o seu “dever de agir” diante da discriminação de gênero seria diferente? O histórico do Banco da Pátria pode ter alguma influência na construção de um ambiente discriminatório? Qual(is) influência(s) seria(m) e como lidar com ela(s)? Como parte da equipe, colegas de trabalho também possuem alguma responsabilidade de agir diante da discriminação ou isso cabe apenas aos gestores e gestoras?