Carlos Paiva - Coesão Social Atraves do Fortalecimento das Cadeias Produtivas
1. Coesão Social através do Fortalecimento das Cadeias Produtivas
Troca, Oportunismo Solidariedade e Clientela
Ou: o que Capital Social tem a ver com competitividade
e sustentabilidade das Cadeias Produtivas?
Carlos Águedo Paiva
2. O Ensaio sobre a Dádiva
• Todos sabemos o que é a “dádiva”: é dar sem pretender
receber qualquer coisa em troca!
• Será? …. Marcel Mauss nos explicou que não. Que a dádiva é dar sem
exigir retribuição imediata. É interpor uma espera ritual, em que o que
recebe pode não retribuir.
• Mas a não retribuição é mal vista, e sofre retaliação.
• Chegou alguém de fora, um colega novo vem para a nossa cidade.
Oferecemos um jantar. Depois outro. Depois outro. Depois …. nada. A
não ser que o homenageado – que já tem casa - nos receba também.
3. O Senhor e o Servo
• Hegel também nos ensinou a ver a troca por trás de relações que parecem
ser de “mão única”, analisando a dialética entre o senhor e o servo;
• Na aparência, um manda e outro obedece. Mas o senhor depende do servo
para ser senhor. A sobrevivência do servo é a condição da preservação da
condição servil e, portanto, da condição de ser do “senhor”.
• O senhor se torna, assim, escravo dos seus servos e da relação servil. E é tão
mais escravo, quanto menos contratual for a relação servil; quanto mais esta
relação se aproximar da escravidão pura, marcada pelo caráter de
excepcionalidade, por ser não contratual, não universal, não replicável.
4. A Troca é universal,
mas há trocas e trocas
• A dádiva é uma troca de “quase equivalentes” com intervalo indefinido para sua conclusão. Mas o
intervalo não é infinito. Entre pais e filhos, o intervalo é uma geração.
• Até mesmo a relação de escravidão envolve troca. O escravo que não recebe o que é seu por
“direito” – alimento, abrigo, proteção – perece. E, com ele, perece o senhor. Pois um senhor sem
escravos não é senhor. Ou o senhor “retribui em troca”, ou deixa de ser senhor.
• Mas existe uma diferença crucial entre as trocas pré-mercantis e as mercantis. Esta última é
transparente e pressupõe algum plano de equivalência em valor: o bem ou serviço alienado recebe
um valor no mercado e só é entregue em troca do seu valor em dinheiro.
5. Marx e o mundo da mercadoria
• Marx saúda o capitalismo como o sistema em que as trocas
inaparentes se tornam óbvias. No mundo em que tudo vira
mercadoria, falsas dádivas, falsas obrigações morais, perdem os
véus e se mostram, o que realmente são: puro interesse!
• A regra absolutamente universal do mundo mercantil é: só dou, se
receber algo em troca de valor similar.
• Mas Marx lembra que o fato da troca perder os véus e se tornar
universal não significa que toda a troca seja de EQUIVALÊNCIA.
• Há trocas – em especial a troca entre capital e trabalho – que é
cronicamente inequivalente: um dá mais que o outro. E o que
recebe menos do que dá, tende a se revoltar.
6. Coase e os custos da troca
• Coase chama a atenção para um outro lado do problema. Parece quase um
anti-Marx. Para Coase, mesmo no capitalismo mais consolidado, nem tudo é
“troca”.
• Subsistem sistemas de pura hierarquia, onde atividades são realizadas e
produtos são entregues sem qualquer contraprestação em dinheiro.
• Na verdade, esta é a essência da FIRMA CAPITALISTA. Toda e qualquer firma,
toda e qualquer empresa, é um sistema em que as “trocas internas” se dão
sem reciprocidade, sem pagamento em dinheiro. É um fluxo que parece ser
de mão-única. Por quê?
7. Oportunismo e Custos de Transação
• O ponto de partida de Coase é o reconhecimento de que nenhuma troca se esgota
no momento da entrega do produto e do dinheiro. A qualidade do que foi
adquirido só será conhecido com o uso, que leva tempo. Comprar “gato por lebre”
é um risco (e um custo) muito grande.
• Além disso, quando se apela para o mercado, há sempre o risco de não conseguir
obter um produto ou serviço “quando mais se precisa” dele.
• A estruturação de “transações hierárquicas”, baseadas em contratos de longo prazo
(assalariamento, financiamento para investimentos, aquisição definitiva de
equipamentos produtivos) é o principal instrumento para garantir que vamos
conseguir “lebre quando se precisa de lebre”.
8. Oportunismo, Hierarquia e Ineficiência
• As conclusões que se extraem de Coase são muito interessante:
• 1) quanto mais generalizado o oportunismo, tanto maior a necessidade de hierarquia. As
firmas tendem a ser grandes e altamente integradas no plano vertical. Num mundo de
oportunistas, só a grande firma verticalmente integrada (fordista) sobrevive.
• 2) Mas se a função da hierarquia é deprimir o risco, seu custo é a perda de flexibilidade e
a emergência e estruturalização de ociosidades (máquinas paradas, trabalhadores
contratados sem tarefa a cumprir) “eventuais” e o arrefecimento do potencial inovativo
dos agentes produtivos (o trabalhador obede ordens e não precisa “conquistar” seu
cliente na linha de produção).
9. Oportunismo e Ineficiência
numa mente brilhante
• Pouco depois do trabalho seminal de Coase, a relação entre oportunismo e
ineficiência foi demonstrada matematicamente por John Nash e seus
discípulos através do famoso Dilema do Prisioneiro.
• Dois suspeitos de latrocínio podem se safar da pena por assassinato (mas não
de roubo) por insuficiência de provas. A polícia propõe delação premiada
(exceto roubo).
• Tal como ficou demonstrado, a única decisão racional (o único equilíbrio de
Nash) é a delação recíproca. O oportunismo – a tentativa de levar vantagem, a
despeito do outro - leva ao pior dos mundos.
11. O dilema do prisioneiro no cotidiano
• Alguém poderia pensar que a tendência à delação é boa para a sociedade.
Mas só é no caso particular narrado abaixo. Este jogo, contudo, é universal.
Estamos dentro dele o tempo todo. E, via de regra, ele conduz ao mesmo
resultado: ficamos todos pior ao sermos “racionais”.
• Isto fica claro quando pensamos na opção mais racional de investir (ou não)
em atividades que beneficiam a todos (como P&D sem patentes). É sempre
melhor deixar os outros investirem em P&D guardar seus próprios recursos
para investir na produção e comercialização da inovação.
12. O dilema do Laboratório Coletivo
Contribui Não
A B
Lab Col Contribui
Contribui
10; 10 0; 20
Lab Col
Não
20 ; 0 5; 5
Contribui
13. Hierarquia e Ineficiência
• É sempre possível “resolver” o problema do oportunismo pela hierarquia. A Máfia mata o delator. O governo
cria um imposto e todos “colaboram” para o Laboratório coletivo.
• Mas, como Coase nos lembra, a hierarquia gera ineficiências. E, como Marx (e North) nos lembra(m), ela gera
desigualdades e rancores. O que aprofunda a necessidade de hierarquia. Aprofundando suas ineficiências.
• Só as sociedades que conseguiram controlar o oportunismo com um mínimo de imposição externa (Estado) e
um máximo de circunscrição “interna” (via internalização de uma determinada ideologia da solidariedade e de
honradez: confucionismo, judaísmo, luteranismo, calvinismo, etc.) prosperaram no longo prazo.
• E quando as práticas oportunistas passam a se impor sobre a ideologia da solidariedade em sociedades que,
até então, eram (parcialmente) regidas pela última, a economia perde dinamismo.
14. A solidariedade é “ensinável”?
• Tudo é ensinável. E tudo o que é ensinável, só o é por ser inóbvio e, portanto, difícil
de aprender e entender.
• Mas há circunstâncias que facilitam a aprendizagem de conteúdos particulares. As
vantagens da solidariedade são mais evidentes em cadeias onde
• 1) “colocar-se no lugar do outro” é um exercício de “memória”; onde o dono do
restaurante de hoje foi o auxiliar de cozinha de ontem.
• 2) o ganho de reputação para a “origem” faz com que o sucesso de um transborde
positivamente sobre os demais agentes da cadeia;
• 3) onde existam INSTITUIÇÕES responsáveis pela promoção do diálogo e pela
punição “socioeconômica” dos agentes que apegam a práticas oportunistas.
15. A solidariedade é “ensinável”?
• Em economês, diríamos que as vantagens da solidariedade são mais facilmente perceptíveis
em cadeias onde o ingresso é livre, onde as economias externas são mais importantes que as
internas para a competitividade e que são caracterizadas por uma rica e complexa
institucionalidade não-governamental.
• Vitivinicultura, gastronomia (e todos os serviços de turismo) processamento do leite são
cadeias de livre entrada, assentadas em externalidades e caracterizadas por sistemas
complexos e ricos de governança interna (Associações, Cooperativas, Sindicatos, etc.).
• O elemento mais complexo é a externalidade. Um exemplo ajuda a compreensão: a
construção de um novo parque temático em Gramado não deprime a rentabilidade das
atrações já existentes, pois promove a vinda de mais turistas para o território. Tal como num
shopping center, onde a abertura de uma livraria ou bar pode ajudar as lojas de roupa, uma
vez que os maridos ganham opções de lazer durante o “ritual incompreensível” (Constanza
Pascolato).
16. A solidariedade é “ensinável”?
• Mas há resistências em todas as partes a “novidadismos”. Especialmente quando ele
atenta contra o senso-comum de que todo o jogo é de soma zero (se alguém ganha, é
porque passou a perna no outro! Não existem jogos ganha-ganha!)
• E quanto o novidadismo envolve defender a mobilidade social, o aprofundamento do livre
ingresso, a alteridade no poder, então há sempre algum “coronel” interessado em
demonstrar que a idéia é “muito bonita no papel, mas totalmente utópica!”
• Felizmente, contamos com aliados no coração mesmo do discurso conservador: o discurso
da “Administração de Empresas”, que, nos termos de Coase, é o discurso da
“Administração das Ineficiências da Hierarquia”.
17. A Gestão voltada para o Cliente
• Nada mais é do que o reconhecimento de que a hierarquia mascara ineficiências.
• Há muito mais por trás do jargão “o cliente tem sempre razão” do que usualmente se
pensa. Em primeiro lugar, está a lembrança de que quem define o que é “qualidade” é o
comprador e que nenhum monopólio é estável. Quem não ouve os reclamos e demandas
do cliente comprador está fadado a perder espaço.
• Mas também há uma lembrança crucial: e que o fato do “próximo” na linha de produção no
interior da firma (do espaço da hierarquia) não ter que “comprar” não significa que ele não
dependa da qualidade do que tu ofereces para agregar valor para a firma.
• E isto se desdobra na maior das lições:
• PARA ALÉM DE TODAS AS DIFERENÇAS HIERÁRQUICAS E DE FUNÇÃO, SOMOS CLIENTES
FORNECEDORES E CONCORRENTES UNS DOS OUTROS.
18. Fornecedores, clientes e concorrentes
• Em setores e cadeias onde o ingresso de novos empresários é obstaculizado por escalas
mínimas elevadas e barreiras tecnológicas (alicerçadas ou não em patentes) a
percepção de cada agente como, simultaneamente, “fornecedor, cliente e concorrente”
é dificultada pelo espírito de “classe”. Os trabalhadores se vêem como uma unidade
“contra” o empresário-capitalista (e vice-versa).
• Nos setores de livre ingresso, o empregado de hoje pode ser o “patrão” amanhã. Na
verdade, uma parte (não desprezível!) da remuneração do empregado nestas cadeias é
a expectativa de ocupar outro lugar no futuro.
• E esta expectativa – se tiver bases sólidas – já conduz a uma “perspectivação” distinta,
onde o “colocar-se no lugar do outro” é quase trivial
19. Fornecedores, clientes e concorrentes
• Analisar uma cadeia a partir das redes de relações entre fornecedores, clientes e
concorrentes, é colocar-se na perspectiva da análise estruturalista, amplamente
difundida por Porter.
• Não nos interessa ingressar na polêmica entre estruturalistas e RBV (de Penrose a
Prahalad). Ambas estão corretas. Apenas se aplicam a níveis distintos.
• No momento, nos interessa resgatar o elemento estrutural da competitividade e da
rentabilidade. E, desta perspectiva, é preciso avaliar os custos impostos pelos
fornecedores, o poder dos clientes de limitar o preço final e a pressão dos
concorrentes para oferecer a preços mais baixos do que os “ideais” para cada elo.
20. Fornecedores, clientes e concorrentes
• Ao longo de toda e qualquer cadeia longa, há conflitos distributivos entre as partes. O
ganho de um (do fornecedor, por exemplo) é o custo do cliente. E o concorrente que
acaba de ingressar limita a rentabilidade do já estabelecido.
• Entender a forma como este conflito (inerente e insuperável) é percebido e
administrado pelos agentes no interior das distintas cadeias produtivas é fundamental
para que entendamos os mecanismos de desenvolvimento e de ESTRANGULAMENTO
da solidariedade no interior da mesma.
• Na verdade, a própria percepção da universalidade desta condição “trial” é parte
importante da consolidação de uma institucionalidade apta a administrar
adequadamente os conflitos distributivos no interior da cadeia.
21. Fornecedores, clientes e concorrentes
• O produtor rural é fornecedor da vinícola, da indústria de leite e (com ou sem mediações) do
restaurante. A qualidade dos insumos que ele oferece é crucial na determinação da qualidade do
produto final. O que o impede de oferecer insumos “melhores a melhores preços”? São os seus
fornecedores de insumos, seus concorrentes ou seus clientes que limitam sua competitividade e
rentabilidade de longo prazo?
• A firma vinícola e de laticínios é fornecedora do restaurante. A carrocinha de cachorro-quente é
concorrente. E o consumidor final é o seu cliente.
• E também o trabalhador assalariado no interior da cadeia está no interior desta relação “trial”.
Quem o contratou – que compra o serviço que ele vende – é seu cliente. Quem forneceu os
insumos para a realização de seu trabalho – a escola universal ou técnica – é seu fornecedor. E os
demais trabalhadores do setor, são seus concorrentes.
• Se sua remuneração é baixa, quem é responsável: seu cliente, seus concorrentes ou seus
fornecedores? É isto que o nosso questionário busca identificar. E, assim, buscamos identificar
os gargalos e os determinantes dos problemas de solidariedade em cada cadeia.