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O IMPERATIVO DA REVOLUÇÃO NO PENSAMENTO HUMANO
Fernando Alcoforado*
A comunicação com os outros, tanto quanto a comunicação consigo mesmo, depende da
codificação. Toda percepção, bem como sua avaliação, depende da codificação. É esta
que torna o meio pensável e comunicável. Uma das mais comuns codificações é a
binária, que pode ser chamada regra de duplicação polar. Considerando o fenômeno (A)
seu oposto não é (B) ou (C), mas o não (A). O oposto do ser existente não é um outro
ser mas o nada. Seguindo o código binário duplica-se a existência na não existência, o
impulso na falta de um impulso (Ver o artigo Caos e ordem na teoria sociológica de
Franz Josef Brüseke publicado no website
<http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_22/rbcs22_07.htm>).
Segundo Brüseke, mestre e doutor em Sociologia pela Westfälische Wilhelms
Universität Münster, Alemanha, este último princípio, utilizado com sucesso pelo
computador, permite a impressionante velocidade com que trabalha, respondendo,
conforme uma programação específica, sim ou não. Os computadores fazem parte de
nossas vidas desde a segunda metade do século XX. Como poderemos fazer uma
máquina entender as nossas ordens? Através de um compilador, o programa que traduz
a sofisticada linguagem do programador (mais próxima do pensamento humano) para
um código binário de “zero” e “um”, que é como pensam os cérebros eletrônicos.
O código binário traz como vantagem a redução das informações complexas a um grau
mínimo de complexidade, possibilita a criação de regras claras de reflexão e elimina,
dentro da comunicação codificada, qualquer dúvida. Se alguém não agiu certo, agiu
errado. O que não está atrás está na frente. O que é da esquerda não é da direita. O
mundo complexo divide-se assim em Leste e Oeste ou em Norte e Sul, em livre e não
livre, em pobre e rico. O que para uns é a burguesia e o proletariado, para outros é
homem e mulher. Quem foge de tudo isso tem pelo menos uma certeza: uma teoria é
racional ou irracional. A reflexão, em opostos desse tipo, trabalha com o código binário
para ordenar os sinais caóticos que assaltam o sistema comunicativo.
Na opinião de Brüseke, o esquema binário dissolve em tempo mínimo, o máximo de
fenômenos complexos em duplicações polares. Além disso, ele é, como regra de
comunicação, fácil de entender, fortalecendo, por causa da sua estrutura simples, a
capacidade de agir e de decidir. É nisto que se baseia o seu sucesso, se medirmos esse
sucesso com o critério da eliminação. Ele também é responsável pela própria
incapacidade de entender fenômenos e sistemas que não tenham uma estrutura binária.
Ultrapassar o código binário parece tão difícil como não alcançar o seu grau de
diferenciação. O pensamento racional do tipo ocidental parece sofrer paralisação, ou
tornar-se impossível abaixo da polarização.
A história do pensamento ocidental é a história da luta pelo entendimento de estruturas
complexas. Na ciência moderna da natureza triunfou o código binário. Todos os
sistemas comunicativos do mundo estruturam sua comunicação com o apoio do código
binário. Assim, trabalha o sistema jurídico com o código justiça e injustiça, a economia,
referindo-se a propriedade, com o código possuir e não possuir etc. O código binário é
uma forma específica de simplificar a reflexão e a comunicação humana. Entretanto,
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podemos constatar também desenvolvimentos teóricos que o ultrapassam, tornando-se,
em consequência, mais difíceis de serem entendidos.
A dominância do código binário sobre outras formas do pensamento e da comunicação
é um produto histórico. No entanto, o pensamento em duas dimensões renuncia à
possibilidade de entendimento mais abrangente do mundo e das possibilidades nele
ainda não realizadas, segundo Brüseke. Em contraposição ao código binário que impera
em nossa sociedade urge a introdução do pensamento holístico. Cabe observar que o
termo holismo vem do grego holos, quer significa todo, tudo. É a ideia de que as
propriedades de um sistema não podem ser explicadas apenas pela soma de seus
componentes. É também chamado não reducionismo, por ser o oposto do reducionismo.
É uma teoria que estabelece o mundo como um todo integrado, como um organismo.
Vivemos uma era em que é preciso preparar um ser humano critico e reflexivo para a
realidade atual desse mundo tecnológico. Nesse contexto, o viável é uma abordagem
progressista juntamente com o ensino e a pesquisa numa perspectiva holística. Entende-
se por holística, do grego "holos", "total", doutrina que privilegia a consideração da
totalidade na tentativa de explicar a realidade. Embora ao longo da história diversos
pensadores tenham afirmado, de uma forma ou de outra, o princípio do holismo, o
primeiro filósofo que o instituiu para a ciência foi o francês Augusto Comte, ao instituir
a importância do espírito de conjunto (ou de síntese) sobre o espírito de detalhes (ou de
análise) para uma compreensão adequada da ciência em si e de seu valor para o
conjunto da ciência e da existência humana.
O holismo é o resgate da dimensão ética no sentido mais profundo. Consiste num
compromisso com o todo, com o global, com a humanidade, com a preservação da
natureza e com o estabelecimento de uma relação revolucionária entre homens, animais
e plantas. Todos os elementos fazem parte de um grande corpo. O holismo traz uma
proposta de vida integral. Trata-se de um caminho que não é novo, haja vista que
encontra respaldo no pensamento dos pré-socráticos. O holismo deve se impor porque,
nos últimos séculos, o projeto cartesiano na ciência tem sido insuficiente ao pretender
romper a matéria em pedaços cada vez menores, na busca de conhecimento.
Em 1973, Edgar Morin traça novas perspectivas para o avanço do pensamento humano.
Trata-se de um prelúdio de sua importante obra: O Método, que será desenvolvido
durante cerca de trinta anos. O objetivo de “O Método” é o de promover uma reforma
do pensamento. Um procedimento do espírito que procura rearticular aquilo que a
pesquisa especializada separou. Isso não significa a promoção de um pensamento
“holístico” que aboliria as diferenças, mas de retomar o desafio já proposto por Blaise
Pascal: “Eu defendo a ideia de que é impossível compreender o todo sem compreender
cada uma das partes, assim como compreender cada uma das partes sem conhecer o
todo”.
O Método não pretende pesquisar uma “pedra filosofal” destinada a resolver todos os
problemas. À diferença do Discurso do Método de Descartes, o procedimento de Morin
recusa, de inicio, a ideia de uma verdade definitiva, que seria possível de ser atingida, e
de um conhecimento absolutamente rigoroso a ser colocado em ação.
A ideia do inacabado, da incerteza, da relatividade do conhecimento está no centro do
seu pensamento. Trata-se inicialmente de aprender a ultrapassar as oposições binárias
natureza/cultura, indivíduo/sociedade, determinismo/liberdade, sujeito/objeto.
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*Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.