O documento descreve três fatores principais que levaram ao golpe de estado de 1964 no Brasil que depôs o presidente João Goulart: 1) a crise econômica após o período de crescimento sob Juscelino Kubitschek, 2) as tensões crescentes entre capital e trabalho e latifundiários e camponeses, e 3) o conflito entre forças pró e anti-imperialismo. O golpe foi apoiado pelos EUA e por setores conservadores que se opunham às reformas de base propostas por Goulart.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
João goulart e o golpe de estado de 1964 no brasil
1. JOÃO GOULART E O GOLPE DE ESTADO DE 1964 NO BRASIL
Fernando Alcoforado*
Vários fatores explicam o desencadeamento do golpe de estado que depôs em 1964 o
presidente João Goulart. O primeiro está relacionado com o declínio do processo de
crescimento econômico do Brasil inaugurado no governo Juscelino Kubitschek (19551960) que agravou as tensões sociais do País. O segundo diz respeito ao aumento das
contradições internas existentes no Brasil entre, de um lado, o capital e o trabalho e, de
outro, entre os latifundiários e os camponeses. O terceiro concerne ao conflito entre as
forças políticas interessadas na emancipação econômica nacional e as forças defensoras
da manutenção da subordinação do Brasil ao capital internacional. O quarto fator diz
respeito ao conflito mundial entre os sistemas capitalista, liderado pelos Estados
Unidos, e o sistema socialista liderado pela União Soviética. Finalmente, o quinto fator
diz respeito à crise entre a Presidência da República e as Forças Armadas não
solucionada pelo presidente Goulart. Todos estes fatores contribuíram para o golpe de
estado de 1964 e a implantação da ditadura militar que teve duração de 21 anos no
Brasil.
Pode-se afirmar que a relação entre o então vice-presidente João Goulart e os setores
conservadores representantes das elites dominantes e de setores das Forças Armadas já
se apresentava problemática em 1961 após a renúncia do então presidente Jânio
Quadros quando tentaram impedir sua posse na presidência da República que só se
efetivou graças à campanha pela legalidade encetada pelo então governador do Rio
Grande do Sul, Leonel Brizola. Em 25 de Agosto de 1961, Jânio Quadros entregou sua
carta renúncia, tentando forçar o Congresso a lhe conceder maiores poderes como
condição para seu retorno ao governo. Sua pretensão ao renunciar ao governo era
comover as massas e obrigar os ministros militares conservadores a admitir sua volta
como ditador, evitando que se entregasse o poder a João Goulart que era considerado
esquerdista e se encontrava em visita oficial à China. Jânio Quadros esperava que as
massas populares o apoiassem, mas isso não ocorreu e o Congresso acatou a renúncia,
considerado ato de vontade unilateral. Os ministros militares impugnavam a posse de
Goulart, mas as Forças Armadas estavam divididas.
Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, mobilizou a Brigada Militar e
ocupou estações de rádio em Porto Alegre formando a cadeia da legalidade para apoiar
a posse de João Goulart tendo o apoio do III Exército em defesa da legalidade
constitucional. O problema se alastrou pelo país com a eclosão de greves em várias
cidades em defesa da posse de João Goulart como presidente da República. Com o
impasse político criado, os líderes políticos negociaram no Congresso Nacional uma
saída para a crise institucional. A solução encontrada foi o estabelecimento do regime
parlamentarista de governo que vigorou por dois anos (1961-1962) reduzindo
enormemente os poderes constitucionais de João Goulart. Com essa medida, os três
ministros militares aceitaram, enfim, o retorno e posse de João Goulart. Em 31 de
agosto de 1961, João Goulart retorna ao Brasil, e é empossado em 7 de setembro de
1961.
Cabe observar que, em 1961, o Brasil tinha entrado em um período de estagnação e
recessão com hiperinflação contribuindo enormemente para o aumento do desemprego e
das tensões sociais após o governo Juscelino Kubitschek (1955-1960) quando o Brasil
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2. obteve elevadas taxas de crescimento do PIB que, na média foi de 7,9% ao ano no
período, gerando, ao mesmo tempo, hiperinflação e pontos de estrangulamento na
economia brasileira. Em janeiro de 1963, João Goulart convocou um plebiscito para
decidir sobre a manutenção ou não do sistema parlamentarista. Cerca de 80 por cento
dos eleitores votaram pelo restabelecimento do sistema presidencialista. A partir de
então, João Goulart passou a governar o país como presidente com todos os poderes
constitucionais à sua disposição.
No breve período em que João Goulart governou o país (1961-1964), os conflitos
políticos e as tensões sociais se tornaram graves. Isto se deve ao fato de que já estavam
esgotadas as possibilidades de crescimento da economia brasileira baseada na expansão
da indústria de bens de consumo duráveis, especialmente a indústria automobilística,
que na década anterior fora a mola propulsora principal do crescimento econômico.
Durante o governo João Goulart, a contradição entre capital e trabalho cresceu
vertiginosamente devido à queda no crescimento econômico, à perda do poder de
compra dos trabalhadores resultante do aumento do desemprego e da hiperinflação e à
existência de uma classe operária e de um sindicalismo gestado pelo processo de
industrialização cada vez mais reivindicante na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Por sua vez, no campo, aumentaram as tensões entre os proprietários de terras
(latifundiários) e os camponeses que organizados através das ligas camponesas
reivindicavam a realização da reforma agrária com a desapropriação de terras do
latifúndio.
Desde o início de seu mandato, João Goulart não dispunha de base de apoio parlamentar
para aprovar com facilidade seus projetos políticos, econômicos e sociais que por esse
motivo a estabilidade governamental foi comprometida. Como solução para resolver os
frequentes impasses surgidos pela ausência de apoio político no Congresso Nacional,
João Goulart adotou a estratégia de permanente mobilização dos setores populares a fim
de obter apoio social para seu governo. As dificuldades de João Goulart na área da
governabilidade se tornaram mais graves após o restabelecimento do regime
presidencialista fato este que contribuiu para o governo se aproximar do movimento
sindical e dos setores que representavam as correntes e ideias nacional-reformistas. Ao
mesmo tempo, João Goulart tentava obter o apoio de setores da direita realizando
sucessivas reformas ministeriais e oferecendo os cargos a pessoas com influência e
respaldo junto ao empresariado nacional e aos investidores estrangeiros.
O fato de ter ocorrido durante o governo Kubitschek a desnacionalização da economia
brasileira com o capital estrangeiro exercendo o comando do processo de
industrialização do Brasil e a indústria nacional ter ficado relegada a sua própria sorte
ao sofrer a concorrência dos grupos externos atraídos pelos incentivos e vantagens
oficiais fez com que houvesse grande avanço dos setores nacionalistas inconformados
com esta situação. O governo João Goulart se aliou às correntes e ideias nacionalreformistas que buscavam a emancipação nacional do jugo do imperialismo
especialmente o norte-americano os quais tiveram que se confrontar com as forças
políticas interessadas na manutenção do “status quo” reinante.
Ressalte-se que, além da contradição entre a nação brasileira e o imperialismo,
especialmente o norte-americano, o conflito mundial entre os sistemas capitalista
liderado pelos Estados Unidos e o sistema socialista liderado pela União Soviética
contribuiu também para a ocorrência do golpe de estado de 1964 porquanto, do ponto de
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3. vista geopolítico, o mundo era dividido entre duas áreas de influência (capitalista e
socialista). O Brasil em 1964 era considerado área de influência capitalista sob a
liderança dos Estados Unidos. Seria inaceitável para os Estados Unidos e seus aliados
internos admitir que o Brasil se tornasse um país independente e capaz de se aliar à
União Soviética como aconteceu com Cuba. Os interesses econômicos e geopolíticos
dos Estados Unidos prevaleceram com a emergência do golpe de estado de 1964 que
contou com sua decisiva colaboração na sua execução. Associe-se a este fator, o
anticomunismo exacerbado difundido pela mídia, pela Igreja Católica e outras
organizações da Sociedade Civil financiadas por empresários industriais e latifundiários
temerosos da possibilidade de o governo João Goulart promover uma revolução
socialista no Brasil.
Diante dos grandes problemas estruturais vividos pelo Brasil e para fazer frente à crise
econômica, política e social existente nos primeiros anos da década de 1960, o governo
João Goulart buscou implementar as denominadas Reformas de Base com base no
Plano Trienal elaborado pelo então ministro do Planejamento, Celso Furtado, que era
uma proposta de reestruturação de uma série de setores econômicos e sociais do Brasil
que começou a ser discutida ainda no decorrer do governo Kubitschek em 1958. Os
debates só voltaram à discussão quando João Goulart assumiu a presidência da
República. As reformas de base se transformaram na bandeira do governo Goulart. Sob
a denominação de “reformas de base” estavam reunidas iniciativas que visavam as
reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Incluía também
oferecer o direito de voto para analfabetos e às patentes subalternas das Forças
Armadas. As medidas buscavam também uma participação maior do Estado nas
questões econômicas, regulando o investimento estrangeiro no Brasil.
Entre as mudanças pretendidas pelas reformas de base estava, em primeiro lugar, a
reforma agrária. O objetivo era possibilitar que milhares de trabalhadores rurais
tivessem acesso às terras em mãos do latifúndio. A lei de remessa de lucros que buscava
reduzir o altíssimo índice de lucros que as grandes empresas estrangeiras conquistavam
no Brasil e a do congelamento de aluguéis já haviam sido aprovadas pelo Congresso
Nacional. No entanto, para que o presidente João Goulart tivesse todas suas medidas
aprovadas era preciso mudar a Constituição. O plano traçado pelo governo foi o de
chamar o povo para participar do projeto através de grandes comícios que causassem a
inflamação da população para pressionar o Congresso Nacional a promover as
mudanças necessárias na Constituição.
Ao longo de 1963, o país foi palco de agitações sociais que polarizaram as correntes de
pensamento de direita e esquerda em torno da condução da política governamental. Em
1964 a situação de instabilidade política agravou-se. O descontentamento do
empresariado nacional, das classes dominantes como um todo e de amplos setores da
classe média se acentuou contra o governo João Goulart. Por outro lado, os movimentos
sindicais e populares pressionavam para que o governo levasse avante as reformas
sociais e econômicas que os beneficiassem. Atos públicos e manifestações de apoio e
oposição ao governo eclodem por todo o país. Em 13 de março, ocorreu o comício da
Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu 200 mil trabalhadores em apoio a João
Goulart. Uma semana após, os setores latifundiários, a burguesia industrial e setores
conservadores da Igreja realizaram a “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”,
considerada o ápice do movimento de oposição ao governo.
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4. A investida do governo pela aplicação das reformas de base começou no dia 13 de
março de 1964 através de um grande comício na Central do Brasil no Rio de Janeiro no
qual João Goulart e Leonel Brizola anunciaram grandes mudanças no Brasil. Cerca de
200 mil pessoas estiveram presentes naquele dia, o que desagradou mais ainda os
setores conservadores. Neste comício, o presidente João Goulart anunciou a assinatura
do decreto que encampava refinarias de petróleo particulares e o decreto que
desapropriava terras improdutivas localizadas à beira de estradas e ferrovias.Como as
propostas eram influenciadas pelo pensamento de esquerda, os defensores do
capitalismo, do latifúndio e membros da direita brasileira receavam quanto ao
crescimento de um possível governo comunista no país.
O comício na Central do Brasil foi o momento decisivo para determinar a organização
dos militares para dar início ao golpe de estado que foi deflagrado em 31 de março de
1964 estabelecendo uma ditadura militar no país. As Forças Armadas também foram
influenciadas pela polarização ideológica vivenciada pela sociedade brasileira naquela
conjuntura política, ocasionando a quebra da hierarquia e da disciplina devido à
sublevação de setores subalternos. Os estudiosos do tema afirmam que, a quebra de
hierarquia e da disciplina dentro das Forças Armadas foi o principal fator que ocasionou
o afastamento dos militares legalistas que deixaram de apoiar o governo de João
Goulart, facilitando o movimento golpista.
Ressalte-se que a crise militar persistiu durante todo o governo de João Goulart. Setores
nacionalistas das Forças Armadas, articulados ao movimento sindical e a setores da
esquerda, apoiaram abertamente importantes iniciativas políticas de Goulart, tais como a
defesa das "reformas de base". No mesmo período, aumentou a politização de setores da
baixa hierarquia das Forças Armadas –sargentos, cabos, soldados e marinheiros. Em 12
de setembro de 1963 estourou em Brasília uma rebelião liderada por sargentos da
Aeronáutica e da Marinha, revoltados contra a decisão do STF de não reconhecer a
elegibilidade dos sargentos para o Legislativo (princípio vigente na Constituição de
1946). A posição de neutralidade adotada por Goulart neste episódio levantou suspeitas
e temores entre setores politicamente conservadores e grande parte da alta e média
oficialidade militar. Cresciam os temores quanto à possibilidade de um eventual golpe
de Estado de orientação esquerdista com o apoio de sargentos, cabos, soldados e
marinheiros e com a quebra dos princípios de hierarquia e disciplina vigentes nas Forças
Armadas.
Esses temores se agravaram com a eclosão, no dia 28 de março de 1964, de uma revolta
de marinheiros e fuzileiros navais no Rio, concentrados na sede do Sindicato dos
Metalúrgicos. Goulart recusou-se a punir os insubmissos, deixando-os sair livres, o que
gerou uma profunda crise entre a oficialidade da Marinha. No dia 30 de março de 1964,
Goulart compareceu, na condição de convidado de honra, a uma festa promovida pela
Associação dos Sargentos e Suboficiais na sede do Automóvel Clube. Esses eventos
precipitaram a deflagração do movimento golpista, iniciado em Minas Gerais na
madrugada de 31 de março de 1964 que levou à deposição do presidente João Goulart
que se exilou inicialmente no Uruguai e posteriormente na Argentina.
Mesmo no exílio, o ex-presidente João Goulart se empenhou, ao lado de Carlos
Lacerda, ex- governador do Estado do Rio de Janeiro que havia apoiado o golpe de
estado e depois a ele se opôs, e de Juscelino Kubitschek, para constituir a Frente Ampla
que foi um dos principais movimentos de oposição à Ditadura Militar com o objetivo de
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5. restaurar a democracia no Brasil. Cabe observar que Kubitschek e Lacerda eram, antes
do golpe de estado, os principais postulantes à presidência da República nas eleições de
1965 que não se realizaram. Em 28 de outubro de 1966, o jornal carioca Tribuna da
Imprensa, de Carlos Lacerda, publicou o manifesto que defendia o retorno às eleições
livres e diretas, a reforma partidária e uma política externa independente. Apesar de não
conter a assinatura dos ex-presidentes Goulart e Kubitschek, mais tarde eles
confirmariam o apoio ao manifesto. Em 19 de novembro do mesmo ano, Lacerda e
Kubitschek emitem a Declaração de Lisboa, onde reiteram a necessidade de se formar
uma frente popular em oposição ao Regime Militar que obteve apoio de João Goulart
quando estava exilado em Montevidéu.
João Goulart e Juscelino Kubitschek tiveram seus direitos políticos cassados em 1964,
enquanto Carlos Lacerda foi cassado em 1968 pelo regime militar. Há indícios de que
uma cooperação entre militares da Argentina, Chile, Paraguai e Brasil – a Operação
Condor – montada em 1975 para combater seus opositores teria levado às mortes de
João Goulart e Juscelino Kubitschek, ambas em 1976, e de Carlos Lacerda em 1977. É
uma coincidência muito grande estas mortes acontecerem na mesma época. A exumação
do cadáver de João Goulart em curso na atualidade deveria ser seguida da mesma ação
relativa aos cadáveres de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda para esclarecer a
verdade sobre suas mortes.
*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional
pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),
Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre
outros.S
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