O artigo descreve como a "cegueira" dos governantes brasileiros levou o país a uma situação econômica, social e política deteriorada, colocando em risco a democracia. A adoção de políticas neoliberais desde 1994 contribuiu para baixo crescimento e desindustrialização, enquanto a dívida pública consome quase metade do orçamento. A situação social também se agrava com alto desemprego e criminalidade. Esta "cegueira" pode levar a um retrocesso institucional se medidas não forem tomadas.
AS REVOLUÇÕES SOCIAIS, SEUS FATORES DESENCADEADORES E O BRASIL ATUAL
A cegueira que dominao brasil
1. A CEGUEIRA QUE DOMINA O BRASIL
Fernando Alcoforado*
Em O Ensaio sobre a cegueira editado pela Companhia das Letras, o escritor português
José Saramago nos apresenta uma imagem aterradora dos tempos sombrios em que
vivemos. O romance começa mostrando um motorista parado aguardando a abertura do
semáforo quando se descobre subitamente cego e as pessoas correm em seu socorro até
que se forma uma cadeia sucessiva de cegueira, isto é, uma cegueira, branca, como um
mar de leite jamais conhecida que se alastra rapidamente em forma de epidemia. O
governo decide agir, e as pessoas infectadas são colocadas em uma quarentena com
recursos limitados quando irá desvendar aos poucos as características primitivas do ser
humano.
A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelo governo e depressa o
mundo se torna cego, onde apenas uma mulher, misteriosa e secretamente manterá a sua
visão, enfrentando todos os horrores que serão causados, presenciando visualmente
todos os sentimentos que se desenrolam na obra: poder, obediência, ganância, carinho,
desejo, vergonha, dominadores, dominados, subjugadores e subjugados. Nesta
quarentena esses sentimentos se irão desenvolver sob diversas formas: lutas entre
grupos pela pouca comida disponibilizada, compaixão pelos doentes e os mais
necessitados, como idosos ou crianças, embaraço por atitudes que antes nunca seriam
cometidas, atos de violência e abuso sexual, mortes.
Ao conseguir finalmente sair do antigo hospício onde o governo os pusera em
quarentena, uma mulher se depara com a cidade toda infectada com cadáveres, lixo,
detritos, todo o tipo de sujidade e imundice. Os cegos passaram a seguir os seus
instintos animais, e sobreviviam como nômades, instalando-se em lojas ou casas
desconhecidas. Saramago mostra, através desta obra, as reações do ser humano às
necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono. Leva-nos
também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da
personagem principal, a mulher do médico, que se depara ao longo da narrativa com
situações inadmissíveis. Ela mata para se preservar e aos demais, se depara com a morte
de maneiras bizarras, como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios. A obra acaba
quando subitamente, exatamente pela ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao
mundo imundo e bárbaro. No entanto, as memórias e rastros não se desvanecem.
O cenário retratado por Saramago em sua obra traça uma analogia com a cegueira em
que vivemos no mundo e, em particular, no Brasil. Enfrentamos hoje no Brasil o risco
de a cegueira (o mundo cego de Saramago) que domina governantes e governados dar
lugar ao retrocesso político institucional (mundo imundo e bárbaro de Saramago) que
venha resultar em consequência do agravamento das crises econômica, social e política
que contaminam os poderes da República. A cegueira que domina os governantes do
Brasil se traduz no fato de adotar a política econômica neoliberal e antinacional
inaugurada em 1994 no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e mantida nos
governos Lula e Dilma Roussef que está contribuindo para o País apresentar pífio
crescimento econômico com taxas anuais de 1,45% de 1994 a 2012, promover a
desindustrialização acelerada do País e a crescente desnacionalização da economia
brasileira, bem como a privatização de portos, aeroportos e rodovias e, também, do
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2. petróleo da camada pré-sal devido à insuficiência de recursos públicos para
investimento.
A cegueira do governo federal e de seus aliados é tão grande que não tomam nenhuma
atitude para fazer frente à deteriorada situação macroeconômica do Brasil que se
apresenta bastante vulnerável diante da perspectiva de déficits crescentes na balança
comercial e no balanço de pagamentos em conta corrente que fazem o Pais se tornar
cada vez mais dependente de capitais externos que estão sendo atraídos pelo governo
federal para fazer frente a esses déficits. Para agravar a situação, metade dos
investimentos estrangeiros diretos no Brasil é utilizado por empresas estrangeiras para
aquisição de empresas brasileiras debilitadas pela concorrência no mercado interno e
dos produtos importados mais competitivos. É este processo de agravamento do balanço
de pagamentos que alimenta a desnacionalização da economia brasileira que se
aprofunda a cada dia. A progressão recente do saldo negativo no balanço de pagamentos
em conta corrente causa preocupação porque sua evolução a médio e longo prazo pode
tornar insustentável o financiamento do déficit em conta corrente com recursos externos
contribuindo, desta forma, para a redução das reservas internacionais que passariam a
ser utilizadas para a cobertura deste déficit.
A cegueira do governo federal é tão grande que não toma nenhuma providência para
reverter a deterioração das contas públicas que a cada ano destina quase 50% do
orçamento da União para o pagamento dos juros e da amortização da dívida pública. Em
2013, os maiores gastos do governo brasileiro previstos são com juros e amortizações
da dívida que correspondem a 43,98% do orçamento, com a previdência social que
correspondem a 22,47% do orçamento e com transferências a Estados e Municípios que
correspondem a 10,21% do orçamento. Diante desta situação, não há disponibilidade
suficiente de recursos públicos para investir na infraestrutura econômica (energia,
transportes e comunicações) e social (educação, saúde, saneamento básico e habitação).
É esta situação que faz com que o governo federal lamentavelmente adote a política
neoliberal de privatização da infraestrutura de portos, aeroportos e rodovias e da
exploração do petróleo da camada pré-sal.
Enquanto a situação econômica se deteriora a cada dia que se passa, a situação social
também se agrava com o aumento da taxa de desemprego que foi de 4,6% da população
economicamente ativa em dezembro de 2012 e alcançou 5,6% em fevereiro de 2013 e a
renda continua bastante concentrada apesar da política de distribuição de renda com o
programa Bolsa Família (20% da população mais rica do Brasil é detentora de 67% da
renda nacional e 20% da mais pobre possui apenas 2% da renda nacional). Para
completar a grave situação social do Brasil constata-se a existência de elevada
criminalidade em que o Brasil apresenta os maiores índices em todo o mundo com uma
taxa anual de aproximadamente 22 homicídios a cada 100.000 habitantes enquanto os
Estados Unidos e a França, considerados exemplos, registram 6 e 0,7 assassinatos,
respectivamente. A cegueira dos governantes do Brasil, do PT e partidos aliados é tão
grande que apresentam como grande conquista do governo a inclusão social promovida
pelo Bolsa Família desconsiderando o evidente fracasso das políticas públicas nos
campos econômico e social.
A cegueira dos governantes do Brasil e de seus apoiadores atingiu as culminâncias
recentemente com a tentativa de desqualificar o Supremo Tribunal Federal e,
particularmente, seu presidente, o ministro Joaquim Barbosa, que tomou a decisão de
prender os “mensaleiros”. Os defensores dos “mensaleiros” afirmam que houve
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3. julgamento de exceção e de que não havia provas que os incriminassem. Quem
acompanhou o julgamento do STF sabe que esta afirmativa é falsa porque os criminosos
contaram com a defesa de advogados regiamente pagos e até mesmo de ministros do
STF nomeados pelos governo Lula e Dilma Roussef. Todos os “mensaleiros” foram
condenados com base em provas e em testemunho. Os defensores dos “mensaleiros”
estão cegos diante dos fatos indiscutíveis do “mensalão”. A atitude dos defensores dos
“mensaleiros” é a de tentar salvar (cegamente) a face de um partido e de um governo
que perderam a confiança da nação .
A cegueira caracterizada pela falta de atitude dos governantes do Brasil e de seus
apoiadores na busca de solução para evitar a deterioração econômica, social e política
em curso pode levar ao retrocesso político institucional com o advento do mundo
imundo e bárbaro citado por Saramago. É preciso não esquecer que a crise econômica
de 1929 levou ao fim da República Velha e ao advento da ditadura de Getúlio Vargas
(1930-1945) e a crise econômica no início da década de 1960 levou ao advento da
ditadura militar de 1964 a 1985. É preciso evitar que a deterioração econômica, social e
política da era contemporânea conduza o Brasil a um novo regime de exceção, o mundo
imundo e bárbaro citado por Saramago. Compete ao governo federal e à Sociedade Civil
evitarem que este cenário aconteça.
*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional
pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),
Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre
outros.
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