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Recomeçar a marcha
Aos que proclamam seu fim, a História responde com a máxima de Heráclito: a
única constante é a mudança. Desmentindo os pós-modernos, de Fukuyama ao
Consenso de Washington, diferentes regiões do globo atravessam uma agitada
época de transformações, abrindo novo leque de possibilidades de futuro. Do
Oriente Médio à América Latina, o mundo canta em notas dissonantes da canção
globalitária do império ocidental, indicando que, sim, podemos seguir outros
caminhos.
No entanto, como bem disse o nosso Quintana, caminhos se fazem com passos. É
na caminhada que os rumos se confirmam – ou se perdem. As mudanças que
despontam mundo à fora estão em disputa e a atuação de todas as partes
envolvidas determinará o quanto e em que direção se avançará.
O Brasil teve e tem papel importante nesse contexto de mudanças, demonstrando
ser viável o crescimento econômico dentro do marco capitalista sem a adoção do
receituário neoliberal. Em período de crise global, o país se destacou pela
resistência e rápida recuperação da economia, alavancada por uma política de
investimentos públicos pesados e expansão dos programas estatais de distribuição
de renda e combate à pobreza. O Estado, como já ocorrera na Era Vargas, atuou
como indutor dos investimentos no país, conseguindo, até certo grau, intervir na
lógica da circulação do capital, orientando-a para áreas consideradas prioritárias.
Além do êxito que se expressa nos indicadores econômicos e sociais, o modelo
implementado no último período tem o mérito de conferir maior soberania ao
Estado brasileiro frente a agentes econômicos, organismos internacionais e outros
Estados, respaldando, inclusive, a adoção de uma linha mais independente na
política externa.
Tal modelo, porém – transitório que é –, tem suas contradições e, como está claro,
seus limites. A vereda cheia de voltas aberta pela “Era Lula” depende dos passos
subseqüentes para definir seu destino e, conforme ensinam tantos exemplos
históricos, a única forma de evitar o retrocesso é avançar. O desafio posto é
aprofundar o processo de mudanças para alcançar transformações estruturais que
afastem nosso modelo de desenvolvimento cada vez mais do marco capitalista,
criando condições objetivas para o rompimento.
Embora o governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores tenha o mérito de –
numa estratégia calcada na centralidade do Estado – alcançar a modernização e o
crescimento econômico do país, garantindo a diminuição da desigualdade social,
fracassou na proposição de reformas estruturais que realmente confiram um
caráter transformador a essas conquistas. A estrutura estatal e política, ainda que
tenha sofrido relativa modernização em alguns setores, está longe do
republicanismo mais elementar, expresso nos princípios constitucionais.
Após ser referendado pelo povo no embate com o setor mais conservador da
sociedade brasileira, esse projeto político deve, sob a pena do retrocesso,
propugnar a superação de estruturas arcaicas que impedem o Brasil de
efetivamente obter desenvolvimento.
Nesse sentido, nada mais coerente do que adotar como prioridade a erradicação
da pobreza. Entretanto, nenhuma estratégia séria pode pensar a superação da
pobreza pela manutenção ad infinitum de ações, que embora importantes, têm
caráter paliativo, eis que combatem conseqüências, amenizam sintomas. Combate
à pobreza significa o combate às suas causas e, no Brasil, nenhuma causa é tão
determinante quanto a concentração dos meios de produção, entre eles, a terra.
A estrutura agrária brasileira reflete um longo histórico de desterritorialização de
populações originárias e tradicionais, exploração de trabalho escravo, apropriação
ilegal de terra pública e usurpação dos direitos dos camponeses. O latifúndio se
origina e se mantém com base em inúmeros crimes e é gerador de miséria e
destruição contínua do meio ambiente. Mesmo diante do contexto de progressivo
esgotamento dos recursos naturais e escassez de alimentos em nível mundial, a
lógica do latifúndio continua destinando para a monocultura voltada à exportação
de commodities áreas de floresta (expansão de fronteiras agrícolas) e áreas de
agricultura familiar (reconcentração).
O chamado agronegócio – que produz com pouca diversificação, em escala
industrial, utilizando grandes áreas – exerce função importante numa economia
capitalista dependente, ao manter o saldo comercial, compensando as importações
de mercadorias industrializadas. A manutenção dos altos preços dos seus produtos
gera, no entanto, pressão inflacionária na economia, obrigando o governo a adotar
medidas de contenção, como aumento dos juros, diminuição do crédito e cortes de
gastos públicos. É a rentabilidade da monocultura de exportação que impulsiona a
especulação fundiária, a expulsão de camponeses, a derrubada da floresta, o
arrocho do serviço público e das políticas sociais... ou seja, trata-se de um ciclo de
reconcentração de terras, dano ambiental e exclusão social.
A alternativa seria um modelo agrícola calcado na produção de alimentos por
famílias camponesas, com estrutura agroindustrial de beneficiamento e
comercialização que articulasse os pequenos produtores e garantisse o
abastecimento alimentar com qualidade da população urbana. Para tanto, são
necessárias políticas que (a) desconcentrem e democratizem a propriedade da
terra; (b) subsidiem a instalação de infraestrutura básica no campo e financiem a
produção; (c) ofereçam assistência técnica e capacitem as famílias camponesas;
(d) articulem a cadeia produtiva e o mercado consumidor, para garantir oferta e
remuneração adequada dos/aos produtos agrícolas. Em outras palavras: não é
necessário inventar a roda. Essas políticas encontram-se todas no Programa
Nacional de Reforma Agrária.
Contudo, se a Reforma Agrária é vital para a erradicação efetiva da pobreza e seus
instrumentos estão dados, também é verdade que não se conseguiu implementála. A lógica do latifúndio não foi quebrada, sequer enfrentada durante os oito anos
de avanços e contradições do governo Lula. O INCRA, Autarquia responsável pela
maior parte das políticas do PNRA, não passou pela reestruturação necessária,
com modernização, crescimento e fortalecimento institucional. A dita agricultura
familiar recebeu menos de um quinto do financiamento destinado aos grandes
empreendimentos agrícolas. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, apesar da
profícua elaboração teórica de seus quadros, não alcançou livrar-se dos entraves
burocráticos que caracterizavam seus antecessores, desde o regime militar.
Dilma, em seus primeiros passos, parece retroceder sobre os rastros do próprio
governo que fez parte. Cedendo ao receituário neoliberal, acena abandonar as
diretrizes do Programa Agrário do Partido dos Trabalhadores, fruto do acúmulo de
debates e vivências dos principais lutadores da Reforma Agrária. Como dito, no
limite se avança ou o retrocesso é inevitável.
Quando o momento exige providências no sentido de tornar a economia brasileira
menos dependente da exportação de matérias primas, caminhamos no sentido
inverso. O governo federal opta pelo corte de políticas públicas estruturantes,
aumento da remuneração do capital especulativo e ameaça desmontar de vez a
única e já precária estrutura estatal destinada a atender às demandas
camponesas.
A incerteza que se abate sobre o futuro do INCRA reflete, no mínimo, que a
principal medida estrutural de combate à pobreza – a reforma da estrutura agrária
– não consta entre os itens prioritários da agenda de governo. Se, por um lado, as
vozes do governo têm razão ao declararem que a Autarquia é ineficiente,
burocratizada, aparelhada e corrupta, por outro, não demonstram qualquer
interesse em corrigir esses problemas, mas tão somente usá-los como justificativa
para o seu desmantelamento.
Acabado (ou imobilizado) o INCRA, o que o substituirá? Não há resposta, além de
uma vaga promessa de dispersão de suas diversas competências entre outras
instâncias da administração pública, contrariando a idéia de se ter um catalisador
das políticas públicas específicas para as famílias camponesas.
Na Superintendência Regional do Oeste do Pará, tive a oportunidade de participar
de um processo – embora difícil e conflituoso – de renovação do INCRA, no qual a
gestão esforçou-se em afastar-se da mais triste tradição da burocracia estatal
brasileira, marcada pela corrupção e pela ineficiência. Em três anos, conseguimos
romper relações viciadas com oligarquias locais, garantir a correta aplicação dos
recursos públicos, recuperar a confiança dos servidores e, sobretudo, estabelecer
relações de respeito com os principais Movimentos Sociais da região. Essa
experiência, embora naturalmente limitada, me faz ter a convicção de que a
Autarquia Agrária tem potencial de intervir na disputa por um modelo econômico
mais sustentável para o Brasil.
O atual momento exige a defesa da valorização do INCRA, mas não apenas isso.
É preciso exigir o cumprimento do PNRA. A mídia conservadora – não raro ecoada
pela ultra-esquerda – tenta descontextualizar o debate, mostrando um suposto
tamanho exagerado da Autarquia (6 mil servidores, centenas de cargos em
comissão, etc.), sem relacionar esses números à demanda pelas ações de
Reforma Agrária. Consegue, desse modo, inverter o debate, fazendo com que as
reivindicações pelo fortalecimento das políticas públicas se transformem numa luta
pela defesa do pouco que ainda resta.
Contudo, as milhares de famílias assentadas sabem que seus direitos estão sendo
sonegados e não aceitarão a posição defensiva que ora lhes é imposta. E se são
os passos que fazem os caminhos, é chegada hora dos camponeses reiniciarem
sua marcha para mostrar ao governo o rumo certo a seguir.

Fagner Garcia Vicente.
Porto Alegre, 13 de março de 2011.

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Recomeçar a marcha

  • 1. Recomeçar a marcha Aos que proclamam seu fim, a História responde com a máxima de Heráclito: a única constante é a mudança. Desmentindo os pós-modernos, de Fukuyama ao Consenso de Washington, diferentes regiões do globo atravessam uma agitada época de transformações, abrindo novo leque de possibilidades de futuro. Do Oriente Médio à América Latina, o mundo canta em notas dissonantes da canção globalitária do império ocidental, indicando que, sim, podemos seguir outros caminhos. No entanto, como bem disse o nosso Quintana, caminhos se fazem com passos. É na caminhada que os rumos se confirmam – ou se perdem. As mudanças que despontam mundo à fora estão em disputa e a atuação de todas as partes envolvidas determinará o quanto e em que direção se avançará. O Brasil teve e tem papel importante nesse contexto de mudanças, demonstrando ser viável o crescimento econômico dentro do marco capitalista sem a adoção do receituário neoliberal. Em período de crise global, o país se destacou pela resistência e rápida recuperação da economia, alavancada por uma política de investimentos públicos pesados e expansão dos programas estatais de distribuição de renda e combate à pobreza. O Estado, como já ocorrera na Era Vargas, atuou como indutor dos investimentos no país, conseguindo, até certo grau, intervir na lógica da circulação do capital, orientando-a para áreas consideradas prioritárias. Além do êxito que se expressa nos indicadores econômicos e sociais, o modelo implementado no último período tem o mérito de conferir maior soberania ao Estado brasileiro frente a agentes econômicos, organismos internacionais e outros Estados, respaldando, inclusive, a adoção de uma linha mais independente na política externa. Tal modelo, porém – transitório que é –, tem suas contradições e, como está claro, seus limites. A vereda cheia de voltas aberta pela “Era Lula” depende dos passos subseqüentes para definir seu destino e, conforme ensinam tantos exemplos históricos, a única forma de evitar o retrocesso é avançar. O desafio posto é aprofundar o processo de mudanças para alcançar transformações estruturais que afastem nosso modelo de desenvolvimento cada vez mais do marco capitalista, criando condições objetivas para o rompimento. Embora o governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores tenha o mérito de – numa estratégia calcada na centralidade do Estado – alcançar a modernização e o crescimento econômico do país, garantindo a diminuição da desigualdade social, fracassou na proposição de reformas estruturais que realmente confiram um caráter transformador a essas conquistas. A estrutura estatal e política, ainda que tenha sofrido relativa modernização em alguns setores, está longe do republicanismo mais elementar, expresso nos princípios constitucionais. Após ser referendado pelo povo no embate com o setor mais conservador da sociedade brasileira, esse projeto político deve, sob a pena do retrocesso, propugnar a superação de estruturas arcaicas que impedem o Brasil de efetivamente obter desenvolvimento. Nesse sentido, nada mais coerente do que adotar como prioridade a erradicação da pobreza. Entretanto, nenhuma estratégia séria pode pensar a superação da pobreza pela manutenção ad infinitum de ações, que embora importantes, têm
  • 2. caráter paliativo, eis que combatem conseqüências, amenizam sintomas. Combate à pobreza significa o combate às suas causas e, no Brasil, nenhuma causa é tão determinante quanto a concentração dos meios de produção, entre eles, a terra. A estrutura agrária brasileira reflete um longo histórico de desterritorialização de populações originárias e tradicionais, exploração de trabalho escravo, apropriação ilegal de terra pública e usurpação dos direitos dos camponeses. O latifúndio se origina e se mantém com base em inúmeros crimes e é gerador de miséria e destruição contínua do meio ambiente. Mesmo diante do contexto de progressivo esgotamento dos recursos naturais e escassez de alimentos em nível mundial, a lógica do latifúndio continua destinando para a monocultura voltada à exportação de commodities áreas de floresta (expansão de fronteiras agrícolas) e áreas de agricultura familiar (reconcentração). O chamado agronegócio – que produz com pouca diversificação, em escala industrial, utilizando grandes áreas – exerce função importante numa economia capitalista dependente, ao manter o saldo comercial, compensando as importações de mercadorias industrializadas. A manutenção dos altos preços dos seus produtos gera, no entanto, pressão inflacionária na economia, obrigando o governo a adotar medidas de contenção, como aumento dos juros, diminuição do crédito e cortes de gastos públicos. É a rentabilidade da monocultura de exportação que impulsiona a especulação fundiária, a expulsão de camponeses, a derrubada da floresta, o arrocho do serviço público e das políticas sociais... ou seja, trata-se de um ciclo de reconcentração de terras, dano ambiental e exclusão social. A alternativa seria um modelo agrícola calcado na produção de alimentos por famílias camponesas, com estrutura agroindustrial de beneficiamento e comercialização que articulasse os pequenos produtores e garantisse o abastecimento alimentar com qualidade da população urbana. Para tanto, são necessárias políticas que (a) desconcentrem e democratizem a propriedade da terra; (b) subsidiem a instalação de infraestrutura básica no campo e financiem a produção; (c) ofereçam assistência técnica e capacitem as famílias camponesas; (d) articulem a cadeia produtiva e o mercado consumidor, para garantir oferta e remuneração adequada dos/aos produtos agrícolas. Em outras palavras: não é necessário inventar a roda. Essas políticas encontram-se todas no Programa Nacional de Reforma Agrária. Contudo, se a Reforma Agrária é vital para a erradicação efetiva da pobreza e seus instrumentos estão dados, também é verdade que não se conseguiu implementála. A lógica do latifúndio não foi quebrada, sequer enfrentada durante os oito anos de avanços e contradições do governo Lula. O INCRA, Autarquia responsável pela maior parte das políticas do PNRA, não passou pela reestruturação necessária, com modernização, crescimento e fortalecimento institucional. A dita agricultura familiar recebeu menos de um quinto do financiamento destinado aos grandes empreendimentos agrícolas. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, apesar da profícua elaboração teórica de seus quadros, não alcançou livrar-se dos entraves burocráticos que caracterizavam seus antecessores, desde o regime militar. Dilma, em seus primeiros passos, parece retroceder sobre os rastros do próprio governo que fez parte. Cedendo ao receituário neoliberal, acena abandonar as diretrizes do Programa Agrário do Partido dos Trabalhadores, fruto do acúmulo de debates e vivências dos principais lutadores da Reforma Agrária. Como dito, no limite se avança ou o retrocesso é inevitável.
  • 3. Quando o momento exige providências no sentido de tornar a economia brasileira menos dependente da exportação de matérias primas, caminhamos no sentido inverso. O governo federal opta pelo corte de políticas públicas estruturantes, aumento da remuneração do capital especulativo e ameaça desmontar de vez a única e já precária estrutura estatal destinada a atender às demandas camponesas. A incerteza que se abate sobre o futuro do INCRA reflete, no mínimo, que a principal medida estrutural de combate à pobreza – a reforma da estrutura agrária – não consta entre os itens prioritários da agenda de governo. Se, por um lado, as vozes do governo têm razão ao declararem que a Autarquia é ineficiente, burocratizada, aparelhada e corrupta, por outro, não demonstram qualquer interesse em corrigir esses problemas, mas tão somente usá-los como justificativa para o seu desmantelamento. Acabado (ou imobilizado) o INCRA, o que o substituirá? Não há resposta, além de uma vaga promessa de dispersão de suas diversas competências entre outras instâncias da administração pública, contrariando a idéia de se ter um catalisador das políticas públicas específicas para as famílias camponesas. Na Superintendência Regional do Oeste do Pará, tive a oportunidade de participar de um processo – embora difícil e conflituoso – de renovação do INCRA, no qual a gestão esforçou-se em afastar-se da mais triste tradição da burocracia estatal brasileira, marcada pela corrupção e pela ineficiência. Em três anos, conseguimos romper relações viciadas com oligarquias locais, garantir a correta aplicação dos recursos públicos, recuperar a confiança dos servidores e, sobretudo, estabelecer relações de respeito com os principais Movimentos Sociais da região. Essa experiência, embora naturalmente limitada, me faz ter a convicção de que a Autarquia Agrária tem potencial de intervir na disputa por um modelo econômico mais sustentável para o Brasil. O atual momento exige a defesa da valorização do INCRA, mas não apenas isso. É preciso exigir o cumprimento do PNRA. A mídia conservadora – não raro ecoada pela ultra-esquerda – tenta descontextualizar o debate, mostrando um suposto tamanho exagerado da Autarquia (6 mil servidores, centenas de cargos em comissão, etc.), sem relacionar esses números à demanda pelas ações de Reforma Agrária. Consegue, desse modo, inverter o debate, fazendo com que as reivindicações pelo fortalecimento das políticas públicas se transformem numa luta pela defesa do pouco que ainda resta. Contudo, as milhares de famílias assentadas sabem que seus direitos estão sendo sonegados e não aceitarão a posição defensiva que ora lhes é imposta. E se são os passos que fazem os caminhos, é chegada hora dos camponeses reiniciarem sua marcha para mostrar ao governo o rumo certo a seguir. Fagner Garcia Vicente. Porto Alegre, 13 de março de 2011.