Este documento apresenta uma monografia sobre a comunicação da Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) no contexto da economia informacional. O trabalho analisa o site da Vale para mapear como sua estratégia de comunicação reflete a lógica da economia informacional e da mundialização da produção. A monografia revisa a literatura sobre esses temas e faz um panorama histórico da Vale, analisando como seu site evoluiu ao longo do tempo para refletir sua transformação em uma empresa global.
Monografia - Comunicação como política de mercado: o caso do site da VALE
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE ARTES
COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO
EZEQUIEL VIEIRA
COMUNICAÇÃO COMO POLÍTICA DE MERCADO:
O CASO DO SITE DA VALE
VITÓRIA
2008
2. 2
EZEQUIEL VIEIRA MACHADO
COMUNICAÇÃO COMO POLÍTICA DE MERCADO:
O CASO DO SITE DA VALE
Monografia apresentada à Banca
Examinadora da Universidade Federal
do Espírito Santo, como exigência
parcial para obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social,
habilitação Jornalismo, sob a orientação
do Prof. Dr. José Antonio Martinuzzo.
VITÓRIA
2008
3. 3
EZEQUIEL VIEIRA
COMUNICAÇÃO COMO POLÍTICA DE MERCADO:
O CASO DO SITE DA VALE
Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Federal do Espírito
Santo em 14/07/2008, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social, habilitação Jornalismo, sob a orientação do Prof. Dr. José Antonio
Martinuzzo.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________
Dr. José Antonio Martinuzzo (Orientador)
__________________________________
Dr. Fábio Malini
__________________________________
Jornalista Alcindo Pacheco Netto
4. 4
À minha família, à Marta, minha “tutora” de longa data. Ao Malini e Martinuzzo pela
formação política. Às colegas Elaine, Gabriely e Juliana. A cada um cuja confiança e
incentivo me serviram de fôlego para chegar até aqui.
5. 5
“Na verdade, os homens deram a si próprios todo o bem e todo o mal. Na verdade não
o receberam, não o encontraram, não lhes caiu como uma voz do céu.
O homem é que pôs valores nas coisas, a fim de se conservar. Foi ele quem deu um
sentido às coisas, um sentido humano. Por isso se chama ‘homem’, isto é, o que avalia.
Avaliar é criar. Ouvi, criadores! Avaliar é o tesouro e a jóia de todas as coisas avaliadas.
Pela avaliação se dá o valor. Sem avaliação, a noz da existência seria oca. Ouvi,
criadores!
Mudança de valores é mudança de criadores. Sempre destrói aquele que é criador.”
Nietzsche
6. 6
RESUMO
Através deste projeto pretendemos apontar o site da VALE como reflexo de uma
economia que autores como Manuel Castells caracterizam como Informacionalizada no
contexto do que ele caracteriza como sendo uma Sociedade em Rede. Este autor será
uma das principais referências desta pesquisa. Faremos um breve percurso de como a
página da empresa atingiu a sua atual organização para enfim problematizar como essa
configuração é reflexo direto de sua estratégia de abertura midiática e de
potencialização de sua atuação mundializada. Aponta-se que a atual organização que o
site apresenta é sinalizadora de uma transformação mais ampla do contexto social.
Transformação essa de bases informacionais e suportada por uma estratégia cognitiva.
Palavras-chave – Internet; Comunicação Organizacional; Capitalismo; Economia da
Informação; VALE
7. 7
ABSTRACT
By this project, we want to point the website of Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) as
a reflex of an economy that authors such as Manuel Castells characterize as
Informationalized, in the context that he describes as s Society in a Net. This author is
going to be one the main references of this research. We'll make a brief passage of how
the web page of the Company has achieved its actual organization to, finally,
problematize how this configuration is a direct reflexion of its strategy of midiatic opening
and of its powered mundialized action – that's very clear in the company web page.
CVRD is seen as paradigmatic, in Brazil, of the structure of business in this context
named as Economy of Information, fact that today is taken as an hypothese, is
determinative to the expansion of the corporation. It has been noticed that the actual
organization that the website of the company is presented as a signal of a bigger
transformation of the social context. Transformation of informational basis e supported
by a strategy cognitive.
Keywords – Internet; Capitalism; Organizational Communication; Economy of
Information; VALE
8. 8
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1 – Uma nova ecologia midiática ........................................................................47
Figura 2 – Mudança de marca em novembro de 2007 ...................................................73
Figura 3 – Site em 1998 .................................................................................................82
Figura 4 – Site em 2000 .................................................................................................83
Figura 5 – Site em 2002 .................................................................................................83
Figura 6 – Site em 2003 .................................................................................................84
Figura 7 – Gráfico de acessos ao site da VALE entre janeiro e junho de 2008 ..............87
Figura 8 – Site em 23/06/2008 .......................................................................................89
Figura 9 – “Comercial – Vale, sim é possível” ................................................................92
Figura 10 – Página inicial do quiz “Vale na sua vida” .....................................................97
Figura 11 – Página inicial da seção Investidores .........................................................103
Figura 12 – Sala de Imprensa ......................................................................................107
Figura 13 – Seção “Pessoas” .......................................................................................110
Figura 14 – Zonas D e E ..............................................................................................112
Figura 15 – Do “complilamento” para construção cultural ............................................115
9. 9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Aceleração das mudanças ...........................................................................27
Tabela 2 – Critérios de avaliação do site .......................................................................80
Tabela 3 – Informações da versão do site em 2002 ......................................................83
Tabela 4 – Porcentagem por país da soma total de acessos ao site .............................87
Tabela 5 – Posição no ranking de acessos ao site por nacionalidade ...........................88
Tabela 6 – Campanhas disponíveis no site da VALE ......................................................96
Tabela 7 – Média anual de divulgação de releases .....................................................109
Tabela 8 – Níveis alcançados pelo site ........................................................................114
10. 10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................11
1. DAS FÁBRICAS PARA AS REDES ..........................................................................15
1.1 NA CRISE, MUDANÇAS E AVANÇOS RADICAIS ..................................................18
1.2 O BERÇO SOCIAL DA INTERNET E SUA APROPRIAÇÃO CAPITALISTA ...........20
1.2.1 BRASIL ..................................................................................................................21
1.3 MERCADOQUEFUNCIONACOMBASENAEXPECTATIVAENAINFORMAÇÃO ..............22
1.4 O MINÉRIO NA INFORMATIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ...........................................29
1.5 DINHEIRO AUTOMATIZADO ..................................................................................32
2 ETHOS MIDIATIZADO ................................................................................................37
2.1 SER É ESTAR CONECTADO ..................................................................................39
2.1.1 NO TEMPO DA NOTÍCIA ......................................................................................43
2.1.2 NOVA ECOLOGIA MIDIÁTICA .............................................................................45
2.3 PRODUZIR VIRA COMUNICAR ..............................................................................48
3 PANORAMA EMPRESARIAL E COMUNICACIONAL ..............................................53
3.1 O BATISMO INTERNACIONAL ...............................................................................53
3.1.2 EMPRESA PRIVADA? ..........................................................................................57
3.2 IMPRENSA SOB CONTROLE .................................................................................60
3.2.1 INFORMAÇÃO E “SEGURANÇA NACIONAL”......................................................63
3.3 CONVERSÃO – PRODUZIR VIRA COMUNICAR ...................................................67
3.3.1 SITE–OREGISTROEOMARCOINSTITUCIONALSETEANOSDEPOIS .......................69
3.4 A COMUNICAÇÃO DA COMUNHÃO ......................................................................71
4 SITE–DO“COMPILAMENTO”PARAUMAGESTÃODERELACIONAMENTO ....................77
4.1 CRITÉRIOS ..............................................................................................................79
4.2 AS VERSÕES DE 1998, 2000, 2002 E 2003 ...........................................................81
4.3 ANÁLISE DO SITE ...................................................................................................88
4.4 CONSOLIDAÇÃO E POSSIBILIDADES ................................................................113
CONCLUSÃO ..............................................................................................................119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................124
ANEXOS ......................................................................................................................130
11. 11
INTRODUÇÃO
O modo de produção capitalista experimentou no último quartel do século XX um
arrojado processo de mudança, em função da expansão viabilizada por novos meios
técnicos, principalmente os telecomunicacionais. À medida que os sistemas
econômicos engendram sociabilidades específicas, pode-se dizer que o mesmo se
registra no mundo das relações socioeconômicas, políticas e culturais.
É nesse cenário marcado por liberalização econômica, mundialização financeira e
produtiva e midiatização1
das relações sociais, entre outros aspectos derivados do
renovado modo de produzir, que se localiza os estudos que compõem este trabalho de
conclusão de curso.
Esta monografia tem exatamente o objetivo focalizar algumas dimensões do movimento
de mudanças e de reestruturação que se processam nas sociedades contemporâneas.
Vamos estudar as transformações sofridas pela Companhia Vale do Rio Doce, atual
VALE, no contexto da nova economia capitalista, com foco na sua comunicação
institucional, via portal oficial (http://www.vale.com ).
Toma-se um website como objeto de estudo por haver o entendimento de que ele seja
produto direto mais evidente de uma produtividade informacionalizada, suportada pelas
novas tecnologias de informação e comunicação.
Nesse sentido, o objetivo fundamental desta pesquisa é buscar responder, a partir da
caracterização do ambiente socioeconômico no qual estamos imersos, em que medida
o site da VALE está configurado segundo a lógica da economia informacionalizada2
. As
1
A sociedade atual “rege-se pela midiatização, pela tendência à ‘virtualização’ ou telerrealização das
relações humanas”, anota Sodré (2002, p. 21).
2
Segundo Castells (1999) o capitalismo é informacional porque tem transações baseadas em informação
e conhecimento e articuladas por suas tecnologias.
12. 12
perguntas fundamentais foram: quais são as marcas da estratégia de comunicação da
VALE na contemporaneidade? Em que medida o processo de midiatização das relações
sociais e de mundialização da produção são contemplados no portal corporativo da
Cia? Quais as principais mensagens do site? Que tipos e públicos de comunicação são
privilegiados?
Partimos da hipótese de que o site seja uma metáfora e um agente da mundialização
empreendida pela Cia nos últimos tempos, ocupando espaço importante na estratégia
de comunicação e relacionamento com a sociedade e os públicos de interesse. Mais
que se ajustar a uma lógica específica de produção, o portal faz propaganda de um
modelo de sociabilidade e relação produtiva.
Será feito um breve percurso de como o portal da Cia atingiu a sua atual organização,
para problematizarmos como essa configuração é, em nosso entendimento inicial,
reflexo direto de dois elementos fundamentais na contemporaneidade sob o ponto de
vista corporativo: abertura midiática e atuação mundializada baseada no fluxo de
informações.
Mas é importante frisar que em nenhum momento será foco de estudo o processo de
privatização da VALE. O objetivo é estudar as principais reconfigurações das estratégias
empresarias em ajuste à atual configuração informacional do capital. Isto posto,
acredita-se que o site da VALE sintetiza expressivamente os elementos do que será
especificado como novas configurações capitalísticas.
Sustentaremos esta investigação em referenciais teóricos acerca dos processos
produtivos e comunicacionais contemporâneos, recorrendo a autores como Dênis de
Moraes, Milton Santos, Muniz Sodré, Manuel Castells, Naomi Klein, Antonio Negri,
Michael Hardt, Marta Zorzal e Silva, entre outros. A metodologia contempla, além da
revisão de literatura, entrevistas a serem realizadas com profissionais da VALE,
13. 13
pesquisas no portal da Cia e análises de publicações diversas acerca do objeto em
estudo.
O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. Nos dois primeiros são analisados os
pressupostos contemporaneidade. Neles são feitas considerações sobre o cenário que
possibilita e explica que a lucratividade contemporânea esteja assentada em
informação, conhecimento e articulação de redes produtivas, virtuais ou não.
Nesse sentido, no capítulo I, “Das fábricas para as redes: a política da especulação
ubíqua”, busca-se caracterizar a economia da informação. No capitulo II, “Ethos
Midiatizado”, analisa-se o porquê da necessidade de uma empresa ter que se
relacionar midiaticamente com seus públicos de interesse, objetivando um registro das
marcas socioculturais da vida atual.
O capitulo três será dedicado a fazer um panorama histórico da VALE sob os pontos de
vista empresarial e comunicacional. Nesta parte será identificado o marco institucional
do portal da empresa. Enfim, chega-se ao capítulo quatro. Nesta última parte, o portal
da VALE será analisado, seção a seção, com vistas ao mapeamento homepage e sua
relação com o cenário problematizado nos dois primeiros capítulos.
Hardt e Negri (2001, p.51) escrevem que o “desenvolvimento de redes que se
comunicam tem uma relação orgânica com a emergência de uma nova ordem mundial.
É efeito e causa, produto e produtor. A comunicação não apenas expressa, também
organiza o movimento de globalização”.
No final de 2007, a Companhia Vale do Rio Doce passou a se denominar VALE e deixou
para trás a logomarca do tempo em que ainda era estatal. Ao anunciar um novo
14. 14
planejamento de projeção da imagem corporativa3
, o presidente, Roger Agnelli, disse
que o objetivo é “retratar uma marca que tenha atributos globais, que tenha atributos
que considera e se encaixa em diferentes culturas, locais.” Ele acrescenta que, nesse
sentido, uma nova marca é para refletir o atual momento de expansão da VALE, que
hoje se caracteriza como uma empresa global com sede no Brasil.
Essas são reflexões e informações iniciais que dão pistas acerca da relação intrínseca
entre processos comunicacionais e produtivos, cuja evidência empírica buscamos
verificar com o estudo de caso da VALE, a partir do seu portal na Web.
3
Cf.: “Transcrição completa da coletiva de imprensa de lançamento da nova marca”. Disponível em
<http://www.vale.com/saladeimprensa/pt/releases/release.asp?id=17923> Acesso em 22/06/2008
15. 15
CAPÍTULO 1 - DAS FÁBRICAS PARA AS REDES: A POLÍTICA DA
ESPECULAÇÃO UBÍQUA
Santos (2006) caracteriza a história como uma contínua sucessão de épocas. Neste
processo, que seria inerente à caminhada da humanidade, o autor avalia que seja
comum que passem despercebidos a gestação e "qualidade" dos elementos que
configuram um novo tempo.
Essa eventual falta de percepção não aconteceria, necessariamente, por miopia. As
épocas, argumenta Santos, não se sucedem no resultado de uma soma zero. Tal como
o ciclo de uma vida, elas nascem, amadurecem e morrem; e as sementes de um
período novo "começam a ser impor quando o velho [ainda] é quantitativamente
dominante" (p. 141). Novo e velho se encontram, convivem, colaboram, tensionam,
interlacionam-se, modificam-se e se sucedem nas diferenças e variáveis de sua
historicização.
Mas o cenário contemporâneo seria bastante diferente do ritmo de uma sucessão
histórica regular. É o mesmo Santos quem defende que, pelo suporte e dinâmica que a
possibilitam na contemporaneidade, é errado "dizer que a globalização seja semelhante
às ondas anteriores, nem mesmo [que seja] uma continuidade do que havia antes" (p.
141).
Segundo ele, é possível perceber fenômenos que indicam a emergência de uma nova
história, posto que se verifica uma "enorme mistura de povos, raças, culturas, gostos,
em todos os continentes. A isso se acrescente, graças aos progressos da informação, a
mistura de filosofias, em detrimento do racionalismo europeu" (p. 120).
O autor sintetiza que as "bases materiais do período atual são, entre outras, a unicidade
da técnica, a convergência do momento e o conhecimento do planeta" (p. 20). Essa
aceleração do ritmo das mudanças acontece porque apenas agora a humanidade pode
16. 16
contar "com uma nova qualidade da técnica, providenciada pelo que está sendo
chamado de técnica informacional" (p.142).
As novas técnicas da informação e comunicação (NTICs) passam a exercer o papel de
elo entre as demais, unindo-as e assegurando uma presença ubíqua na espacialidade
global/virtual. Mas Santos também lembra que não existe determinismo técnico.
Tecnologia e conformação política sempre estiveram fortemente interdependentes na
efetivação do potencial da técnica. Neste sentido, o autor aponta que o atual caminho
entre a fluidez potencial e efetiva "é excludente e assegura exclusividades ou, pelo
menos, privilégios de uso". Ainda que essas mesmas tecnologias sejam potencialmente
revolucionárias na capacidade de dispor conteúdos para além da pauta hegemônica,
conectar pessoas mundo afora, reforçar comunidades, contradizer "verdades", articular
movimentos.
É neste contexto que Cocco e Negri (2005) defendem que seja estabelecido um “novo
pacto político”. Eles ressaltam a configuração de um cenário no qual a relação entre
homem e natureza passa a se dar entre sujeitos sem que eles estejam
necessariamente no chão de fábrica. A tônica comunicativa é o que determinaria as
relações de trabalho do que vem sendo chamado de nova economia. Eles sustentam
que a questão salarial não tem mais o poder de estabelecer um grande confronto. A
fábrica, dispersa globalmente, deixaria de ser um elemento aglutinador.
Os autores defendem que a constituição da cidadania não seria mais a meta, mas a
condição pressuposta para uma política econômica que esteja de acordo com a
contemporânea lógica de produtividade de riqueza. A questão por eles proposta, neste
caso desenvolvida retoricamente, é saber de que maneira se pode fazer com que a
sociedade seja cidadã, e por fim produtiva, se de forma maciça ela não tem acesso aos
meios tecnológicos produtivos para fazer circular o seu trabalho na atual forma
valorativa em que ele é configurado.
17. 17
Ainda nessa linha de argumentação, Santos é contundente ao afirmar que a história é
contada pelos atores que transitam nesse tempo real. O autor reflete que é imperativo
saber quem são de fato os donos dessa velocidade e espiritualidade que vivacionam o
discurso ideológico. Apenas, então, argumenta, será possível compreender melhor
nossa época.
O autor crítica, afirmando que quem de fato mora na "aldeia global", tem o "espaço e
tempo contraídos", e, portanto, vive uma realidade "desterritorializada", é o capital
norteado por sua inédita dinâmica de especulação financeira em condição, de fato,
desterritorializada. Pela distância que separa o potencial da efetividade, Santos reúne
essas três virtuais características da atual globalização (aldeia global, contração de
espaço e tempo e desterritorialização) como as grandes fábulas da
contemporaneidade. Sodré (2003, p. 23) completa:
Global mesmo é a medida da velocidade dos deslocamentos de capitais e
informações, tornados possíveis pelas teletecnologias – globalização é, portanto,
um outro nome para teledistribuição mundial de um determinado padrão de
pessoas, coisas e, principalmente, informações.
Independente das coordenadas na esfera planetária, tais tecnologias virtualizam a
realidade, fazendo com que múltiplos lugares sejam testemunhas de um mesmo
momento – a recíproca também é verdadeira. E é exatamente pelas NTICs suportarem
essa convergência dos momentos que elas também potencializam o capitalismo nas
questões que o singularizam na história como modo de produção.
Embora haja divergências políticas sobre a exatidão de seu surgimento, há até mesmo
quem diga que seja inerente à Humanidade, a amplitude dos textos situa o capitalismo
como fenômeno histórico entre os séculos XVI e XIX4
. Neste sentido e
independentemente de para qual fase se aponte a partir de então, Castells sustenta
que o capitalismo sempre buscou superar limites temporais e, portanto, espaciais:
4
Wood, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro. Zahar, 2001
18. 18
A economia informacional é global. A economia global é uma realidade histórica
diferente. [...] é uma economia com capaci dade de funcionar com uma unidade
em tempo real, em escala planetária. Embora o modelo de produção capitalista
seja caracterizado por sua expansão contínua, sempre tentando superar limites
temporais e espaciais, foi apenas no século XX que a economia mundial
conseguiu torna-se verdadeiramente global com base na nova infra-estrutura,
propiciada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, e com
ajuda decisiva das políticas de desregulamentação e da liberalização postas em
prática pelos governos e pelas instituições internacionais. (1999, p. 142)
O que se sucede, então, é que a multiplicidade de óticas de sempre entra em cena para
tentar apreender e interpretar os fenômenos do mundo contemporâneo, caracterizado
por Santos (2006) como confuso e confusamente percebido. Na diversidade de opções
políticas que conformam essas interpretações, a unidade reside na periodização a partir
da qual, aos poucos, a constituição de novos paradigmas sociopolíticos foi e está sendo
configurada.
1.1 Na crise, mudanças e avanços radicais
Silva (2004, p. 37) está entre aqueles que delimitam os anos 1970 como o período no
qual emergiram crises econômicas e políticas, "cujo epicentro é localizado nos países
desenvolvidos: Estados Unidos, Europa e Japão". Mas esta confluência de crises viria
antecedida por um período que se singularizou, nestes lugares, pela prosperidade
econômica e estabilidade social na intermitência de quase 30 anos no pós-Segunda
Guerra Mundial (CASTELLS, 1999, p. 55).
Essa prosperidade perde vigor quando o modelo keyneisiano5
de crescimento
capitalista começara a sinalizar esgotamento, tendo sua crise manifestada sob a forma
de inflação desenfreada (CASTELLS, idem). Tal abalo na estabilidade do crescimento
5
O chamado modelo keynesiano foi teorizado pelo economista britânico John Maynard Keynes (1883-
1946). "Ele argumentava que o pleno emprego não existia mesmo quando a economia estava em
equilíbrio. Mas defendia que o Estado poderia remediar essa situação por meio de políticas fiscais, como
ampliação doa gastos públicos ou redução de impostos o que elevaria a demanda agregada e
promoveria crescimento" - Cristiane Perini Lucchesi. Keynes criou a macroeconomia. Eu&Fim de
semana. Ano 8. Nº 392. Valor. 14/04/2008.
19. 19
encontraria seu elemento catalisador na expressiva alta do preço do petróleo verificada
nos anos de 1974 e 19796
.
Castells (1999, p. 55) afirma que governos e empresas engajaram-se na busca de
reformas que garantissem suas vitalidades ou que amortecessem os efeitos da crise.
Segundo o autor, as reformas daí decorrentes visavam a quatro objetivos fundamentais:
[...] aprofundar a lógica capitalista de busca de lucro nas relações de
capital/trabalho; aumentar a produtividade do trabalho e do capital; globalizar a
produção, circulação e mercados, aproveitando a oportunidade das condições
mais vantajosas para a realização de lucros em todos os lugares; e direcionar o
apoio estatal para ganhos de produtividade das economias nacionais,
freqüentemente em detrimento da proteção social e das normas de interesse
público.
Tal tentativa de reestruturação teria efeitos modestos se não contasse com o
concomitante surgimento do suporte das NTICs. A flexibilidade e adaptabilidade
possibilitadas por tais tecnologias, argumenta Castells, foram absolutamente cruciais
para garantir a velocidade e eficiência da reestruturação. "Economias de todo o mundo
passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação
entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema de geometria variável" (1999,
p. 39). A ação do Estado, ou regulamentações quaisquer, foi desvalorizada por se
acreditar, na ideologia neoliberal, que a supervisão limitaria desnecessariamente a livre
iniciativa do então revigorado mercado7
.
6
Taylor avalia que “Os Estados Unidos, durante os anos cinqüenta e sessenta, foram, sem dúvida, a
maior potência econômica do mundo. Sua tecnologia e indústria eram incompatíveis e sua economia
robusta, com baixas taxas de inflação e desemprego. Ano após ano, especialmente na década de
sessenta, o mercado de ações avolumou-se e o padrão de vida subiu. [...] Em 1972, o país entrou em
recessão, agravada pela crise do petróleo. Em 1975 a cidade de Nova Iorque quase foi à falência. [...] A
ascendência econômica do Japão forçou os Estados Unidos a enfrentarem a realidade de declínio
industrial. Cada ano parecia um novo horror econômico e, por volta da década de setenta, a economia
estava tão debilitada e de tal maneira confusa, que foi preciso criar uma nova palavra, 'estagflação', para
descrever o que ocorria”. In: Taylor, John. O circo da ambição. 1ª edição: julho de 1993. Editora Página
Aberta LTDA. Páginas 38-39.
7
Dani Rodrik. "Armas, drogas e mercados financeiros". Valor. 15/04/2008
20. 20
1.2 O berço social da Internet e sua apropriação capitalista
A Internet pode desafiar o poder8
mas, contraditoriamente, foi uma de suas
representações que esteve entre os elementos que interagiram para que ela se
desenvolvesse. Castells (2003b) indica que a pesquisa universitária, o financiamento
por parte do Departamento de Defesa do EUA e um período marcado por uma
contracultura libertária foram os fatores que, ao mesmo tempo, deram os contornos
iniciais do que veria a ser a Internet.
O período em questão é a década de 1960, também conformado pela geopolítica da
Guerra Fria. Em meio à derrota na Guerra do Vietnã, entre 1959 e 1975, os EUA viam
alguns avanços realizados pela então União Soviética. Ela havia colocado o primeiro
satélite em órbita espacial, o Sputnik (1957)9
e, quatro anos mais tarde, foi de um
astronauta russo, Yuri Gagarin, a frase “A Terra é azul”10
. É nesta esteira que em 1958
o Departamento de Defesa dos EUA cria a Arpa (Advanced Research Projects Agency)
“com o objetivo de alcançar superioridade tecnológica militar em relação à União
Soviética” (CASTELLS, 2003a, p. 13).
Em 1969 surgia a Arpanet (Advanced Research Projects Agency Network – Agência de
Pesquisa e Projetos Avançados em Redes de Trabalho). Em 1972 a rede funcionava
pela primeira vez ao interligar quatro universidades na costa oeste dos EUA:
Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Instituto de pesquisa de Stanford,
Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, e Universidade de Utah, em Nevada.
Vieira (2003, p. 5) relata que, dois anos depois dessa interligação inaugural entre locais
distintos, a Arpanet passou a conectar 100 computadores. Desde então, o crescimento
teria se caracterizado por seu modo exponencial. “Em 1973 foi a vez de o governo
8
Milagros Pérez Oliva. “El poder tiene miedo da Internet. El País. Disponível em
<http://www.elpais.com/articulo/reportajes/poder/tiene/miedo/Internet/elpepusocdmg/20080106elpdmgrep
_5/Tes> Acesso em 30/05/2008
9
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sputnik> Acesso em 04/06/2008
10
Disponível em <http://paginas.terra.com.br/educacao/mique/terra/yurigagarin.html> Acesso em
07/06/2008
21. 21
americano entrar definitivamente na jogada, assumindo a administração da Arpanet
espalhados pelo país”, registra Vieira.
Nessa caminhada, a fonte de desenvolvimento nunca teria partido da iniciativa
empresarial, ainda que, pelas possibilidades dinamizadoras dos negócios que trouxera
a reboque, tenha sido a iniciativa privada “que, 25 anos depois, encarregou-se de fazer
o gancho entre a Internet e a sociedade” (CASTELLS, 2003b, p. 258)11
. Isso porque,
como lembra Antoun (1998, online), a Internet se caracteriza pelo casamento do
potencial da computação, da teletransmissão e da rede de informação, estendidos a
qualquer um que consiga acessá-la. Essas três potentes formas de comunicação se
reúnem em uma única, a de realizar comunicações mediatizadas por computadores.
Ganha-se um "poder altamente amplificado quando [se tem ao alcance] três tecnologias
amadurecidas, anteriormente independentes e descentralizadas", afirma o Antoun.
Dessa maneira, Mauricio e Comarela (2007, online) também acrescentam:
percebe-se que o mercado foi amplamente transformado pela nova ótica
econômica e pela nova configuração de valor na economia. Na economia digital,
os fabricantes passaram a ser mais competitivos, porém, não seriam mais
competitivos por intermédio da sua habilidade de produção, mas pela sua
capacidade de estar conectado com seus fornecedores e clientes e no que se
refere à inserção da tecnologia da informação nos processos da empresa.
1.2.1 Brasil
A Internet chegou ao Brasil em 1988 por iniciativa da comunidade acadêmica de São
Paulo (FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Rio
de Janeiro UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), além do suporte do LNCC
(Laboratório Nacional de Computação Científica).
11
Segundo Castells (2003b, p. 258), a Arpanet foi oferecida de graça à AT&T para gerência e
desenvolvimento. Depois de ter estudado o projeto, a empresa teria dito que ele jamais seria rentável e
que não via nenhum interesse em comercializá-lo.
22. 22
Em 1991, a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos libera a rede para uso
comercial, o que só acontece pelo Brasil em 1995. A partir de então, surgia
oportunidade para que usuários fora da comunidade de educação e pesquisa do país
também obtivessem acesso à Internet, o que inclui a iniciativa privada.
1.3 Mercado que funciona com base na expectativa e na informação
Basta lembrar da crise econômica norte-americana de 1929 na Bolsa de Valores de
Nova York para concluir que o investimento em ações remonta há, pelo menos, 80
anos. Na verdade a bolsa nova-iorquina foi criada em 179212
, quando os ventos
começam a sinalizar os novos tempos de uma economia em vias de se industrializar.
Mas, nascido em um cenário caracterizado como bastante diferenciado em relação ao
atual estado de “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001), o mercado especulativo agora
ganha uma dinamicidade inédita uma vez tendo encontrado na tecnologia da
informação o suporte para operar globalmente em tempo real.
"Os fluxos financeiros", avalia Castells (1999, p. 143), "tiveram um crescimento
impressionante em volume, complexidade e conectividade". O autor entende que o
mercado financeiro se reconfigurou tão perfeitamente que hoje é o elemento-chave na
constituição e no entendimento do que seja a nova economia. No Brasil, são
companhias das regiões sul e sudeste aquelas que lideram no grupo dos estreantes no
mercado de capitais nacional13
.
Entre 2004 e 2007 o número foi ascendente em todos os estados. A variação, na
comparação entre esses dois anos, foi sempre, em todos os estados, acima de 110%.
Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins foram
12
Cf.: Origem da Bolsa de Valores no Mundo. Disponível em
<http://www.sociedadedigital.com.br/artigo.php?artigo=52&item=4> Acesso em 22/06/2008
13
Ivana Moreira e Graziella Valenti. “Bovespa busca composição mais plural”. Valor. 23/11/2007
23. 23
aqueles onde a variação do número de empresas que abriram capital ficou acima dos
300%. Uma das conseqüências mais diretas desse avanço é o fato de bancos
americanos de investimentos estarem se expandindo no país para aproveitarem o
número recorde de aberturas de capital, dentre outras oportunidades14
.
As NTICs, portanto, estão transformando os mercados financeiros. Em 1972, por
exemplo, a Bovespa era a primeira bolsa brasileira a implementar pregão automatizado,
com a disseminação de informações online e em tempo real. Em 2006 a bolsa paulista
completa o processo de integração com todas as demais bolsas brasileiras e concentra
toda a negociação nacional de ações15
.
Essa sucessão de acontecimentos nacional não é um caso isolado. Ela reúne e
sintetiza elementos de um mesmo fenômeno global com variáveis específicas. A partir
dos anos 1970 o capital dá um novo salto. Deixa de ser nacional e alcança a
globalidade. De bens e serviços, passa-se a comprar e vender dinheiro na regência do
acesso à informação e na das transações baseadas na Internet.
Castells (2003a, p. 72) entende que essa tendência
[...] aponta um papel essencial para a transação eletrônica como núcleo do
mercado financeiro e para consolidação da bolsa de valores em todo o mundo
num pequeno número de nós capazes de atrair investidores em razão de sua
massa crítica e flexibilidade de transação. Isso significará maior interdependência
dos mercados financeiros globais e maior volume de transações, com maior
velocidade.
Dentre os fatores que o autor (1999, p. 45) sistematiza como viabilizadores da atual
interdependência dos mercados financeiros, estão:
14
“O valor de mercado das empresas com ações listadas na Bovespa atingiu R$ 2,477 bilhões em
dezembro de 2007, um acréscimo de 60,4% em relação ao ano anterior. O ano também terminaria com
64 ofertas públicas iniciais de ações, um crescimento de 146%, que representaram uma captação de R$
55.5 bilhões ante os R$ 30.4 bilhões de 2006. Os fatores responsáveis pelo excepcional desempenho da
bolsa podem ser atribuídos à liquidez internacional, ao bom desempenho do setor produtivo, à inflação
controlada, aos juros em queda e à expansão do crédito”. IN Relatório Anual de 2007 da Eletrobrás.
15
Cf.: História da Bovespa. Disponível em < http://www.bovespa.com.br/Images/HistoriaBovespa03.swf >
Acesso em 22/06/2008
24. 24
- Desregulamentação dos mercados financeiros e liberalização das transações
internacionais;
- Criação de uma infra-estrutura tecnológica; e
- Firmas de avaliação de mercado que, por sua atividade, costumam ditar as regras dos
mercados em todo o mundo. A classificação de certificados segundo padrões globais
de confiabilidade tem por regularidade, lembra Castells, disparar movimentos em certos
mercados e, então, espalhar-se pelos demais mercados financeiros, dado o atual
estágio de conectividade que caracteriza essa atividade
Este último caso pode ser exemplificado com a Islândia no contexto do avanço, com
diferentes intensidades, dos efeitos da "primeira crise financeira mundial do século
XXI"16
, desencadeada pela crise no mercado imobiliário dos Estados Unidos.
O islandês Kaupthing Bank anunciara uma possível ação contra o banco americano de
investimentos Bear Stearns Cós por divulgar uma análise que colocava a Islândia em
situação de desvantagem em relação ao Cazaquistão e por aquele banco ter ajudado a
organizar uma viagem de fundos de hedge17
à Islândia este ano. O banco islandês
suspeitara que esta viagem era para fazer preparações para um ataque especulativo ao
sistema financeiro do país. Se concretizado, é possível que esse suposto “ataque”,
viesse a ter efeitos bem mais contundentes do que poderia vir a ser há 10 anos.
Castells (2003a) defende que, mesmo havendo certo temor pelos EUA e Europa, a
crise dos mercados financeiros que afetou a Rússia, Sudeste Asiático e Brasil em 1999
não se propagou pelo resto do mundo, fundamentalmente, por um simples fator: ainda
16
Marcus Walker, James Hookway, John Lyons e James T. Areddy. “Furacão financeiro mundial poupa
economias à antiga. Brasil é uma”. Valor. 03/04/2008
17
“Operações realizadas com o objetivo de obter proteção contra o risco de variações de taxas de juros,
de paridade entre moedas e do preço de mercadorias. Estratégia utilizada com o objetivo de reduzir o
risco do portfólio”. Cf.: Banco Central do Brasil. Glossário. Disponível em
<http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?id=GLOSSARIO&Definicao=hedge> Acesso em 22/06/2008
25. 25
não havia se consolidado o avanço do suporte tecnológico que pudesse integrar os
mercados globalmente.
Além disso, tais mercados em crise, à época, corresponderiam a apenas 7% do valor
financeiro global. Neste período, por exemplo, mais de 70 % do comércio mundial
estariam situados nos países ricos. Essa porcentagem teria sido reduzida agora para
60%. Já em 2007, o resultado da combinação dos BRICs (Brasil Rússia, Índia e China)
teria igualado os Estados Unidos, com 21% para cada lado.18
Negri e Cocco (2005, p. 34) avançam na argumentação e subscrevem que este novo
contexto requalifica os termos da antiga dependência: "esta última, mesmo quando se
aprofunda, na realidade transforma-se, apresentando-se como interdependência ora
entre o centro e a periferia, ora entre os próprios países da 'periferia'" – grifo dos
autores.
No que se refere a esta pesquisa, em 2000 a VALE dava início à implantação de um
sistema de gerenciamento de risco para avaliar e gerenciar o risco do mercado a seus
ativos financeiros. Segundo dados da Cia, tal acompanhamento acontece através de
cálculo de valor de risco – VaR (Value at Risk). Este método incorporaria os diversos
fatores de risco que afetam os resultados da empresa. Neste caso estariam incluídos os
preços de commodities, taxas de juros e taxas de câmbio, as volatibilidades associadas,
bem como as correlações dessas variáveis.
Essa política de gerenciamento de risco foi colocada em prática em dezembro de 2000.
Antes disso, em fevereiro, a VALE ingressava na Bolsa de Valores de Madri (Labitex).
Em junho as ações da Cia também passaram a ser capitalizadas na Bolsa de Valores
de Nova York, o que, na avaliação do relatório corporativo daquele ano19
, marcou
definitivamente a presença da empresa no cenário mundial e consolidara então a
18
Javier Santiso. “O centro e a periferia”. Valor. 11/04/2008
19
Cf.: Relatório Anual de 2000. Mensagem aos acionistas. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/hotsites/br%5Fextrafiles/infofin/ra2000/mensagem_acionistas.htm> Acesso em
22/06/2008
26. 26
estratégia de expandir, internacionalmente, sua base de investidores. Estes passam a
partir de então a contar com três opções de moedas para aplicar em ações da VALE:
reais, dólares americanos e euros20
.
No final de 2003, com ações aplicadas na Bovespa desde 1968, a VALE também aderia
ao nível 1 do Programa de Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa,
estipulado pela bolsa paulista três anos antes21
. No relatório anual de 2006, a Cia
iniciaria também a redação deste documento "à luz dos princípios da GRI – Global
Reporting Initiative22
, demonstrando o propósito da VALE em refletir o compromisso com
a sustentabilidade também em sua comunicação".23
Não por livre iniciativa, mas por
pressão dos mercados, uma sistemática e ampla prestação de contas tornou-se uma
questão chave da economia informacional.24
Tais adesões, mais do que significar o comprometimento com "práticas mais rigorosas
do que as exigidas por lei” 25
, são alguns de vários termos assinados, literalmente, na
busca de valorizar e elevar a liquidez26
dos investimentos dos acionistas, os quais,
como é claramente expresso nos relatórios apresentados pela VALE, representam o
20
Globalmente a VALE conta com 420 mil investidores, sendo que dois terços deles estão nos EUA. Cf.:
“Transcrição da Coletiva de Imprensa de Divulgação de Resultados da Vale” em 2007. Disponível em
<http://www.vale.com/saladeimprensa/pt/releases/release.asp?id=18072> Acesso em 22/06/2008
21
Nível 1 Bovespa Brasil. Disponível em <http://www.bovespa.com.br/pdf/RegulamentoNivel1.pdf>
Acesso em 22/06/2008
22
“Essa decisão é um marco na gestão da empresa e orientará nossas operações e iniciativas buscando
o aprimoramento dos indicadores sociais, ambientais e econômicos, que serão relatados de forma ainda
mais clara e acurada para todos os públicos com os quais interagimos.” In: Mensagem da Presidência.
Relatório das atividades e demonstrações contábeis de 2007. Para saber mais sobre o funcionamento da
GRI acesse <http://www.globalreporting.org/Home/WhatWeDoPortuguese.htm> Acessado em 22/06/2008
23
Cf.: Relatório de Sustentabilidade. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/templates/htm/vale/hot_sites/ra/2006/RA_CVRD_2006.pdf> Acesso em
22/06/2008
24
Silvia Czapski. “Reputação das marcas depende do certificado”. Valor. 24/04/2008
25
Cf.: Relatório Anual de 2003. Governança Corporativa. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/hotsites/br_extrafiles/infofin/ra2003/index.asp> Acesso em 22/06/2008
26
O site do Tesouro Nacional define liquidez como o “grau de agilidade na conversão de um investimento
em dinheiro, sem perda significativa de valor. Um investimento tem maior liquidez, quanto mais fácil for a
conversão em dinheiro e quanto menor for a perda de valor envolvida nesta transação.” Disponível em
<http://www.tesouro.fazenda.gov.br/tesouro_direto/servicos/glossario/glossario_l.asp> Acesso em
30/06/2008
27. 27
principal alvo para o qual é direcionado os resultados das políticas de criação de valor
que permeiam as estratégias de articulação corporativa adotadas27
.
Aliás, como se registrava nos primeiros relatórios anuais pós-privatização, num cenário
de “economia cada vez mais globalizada e competitiva”28
, submeter-se ao julgamento e
conquistar a confiança da sociedade e do mercado financeiro representam práticas que
direcionam as ações da empresa de forma determinante. Tais estratégias de conquista
e submissão, como veremos no capítulo 2, resulta, ambienta-se e se potencializa em
um cenário de sociedade midiatizada. A partir dela, o mundo passa a se mobilizar em
torno da informação, estrutural e dinamicamente.
Tabela 1 – Aceleração das mudanças
UM ANO DE: HOJE ACONTECE EM:
Crescimento de produção nos EUA em 1830 1 dia
Comércio mundial em 1949 1 dia
Atividades científicas em 1930 1 dia
Comércio de câmbio exterior em 1979 1 dia
Chamadas telefônicas em 1983 1 dia
Emails em 1989 1 dia
Grayson e Hodges (2003) apud Soares (2007, online)
27
A comunicação realizada pelas empresas de capital aberto (privadas ou estatais) aos analistas do
mercado financeiro e acionistas minoritários é uma obrigação legal. Como empresa listada no Brasil e em
Nova York, a VALE diz atender a todas as normas da Comissão de Valores Imobiliários
(http://www.cvm.gov.br/) e da Securities and Exchange Commssion (http://www.sec.gov/). Portanto, a
cada trimestre fiscal a Cia anuncia seus resultados financeiros no formato estipulado pelas normas
nacionais e norte-americanas. No calendário deste ano está previsto 47 desses anúncios e demais
reuniões com o mercado mundo afora. Ao longo de 2002, ano a partir do qual esses dados são
disponibilizados, o número desses eventos foi de 32. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=293> Acesso em 22/06/2008
28
Disponível em <http://www.vale.com/vale/hotsites/br%5Fextrafiles/infofin/ra1999/ra99_mensagem.htm>
Acesso em 22/06/2008
28. 28
A circulação de informações, movimento que confere existência ao mercado financeiro,
amplia-se de forma exponencial e o que estancaria o limite entre o cenário de
estabilidade advinda da confiança e o de fuga de capitais torna-se tênue. "Nesse
ambiente os investidores tem de reagir em tempo real, antes que a velocidade do
mercado os faça pagar por sua hesitação" (CASTELLS, 2003a, p. 74). A
contemporânea conformação do tempo "não só quer dizer que a hora dos relógios é a
mesma, mas que podemos usar esses mesmos relógios de maneira uniforme"
(SANTOS, p. 28). Neste contexto, os fundamentos de longo prazo devem ser sempre
renovados, posto que têm apenas o alcance do dia seguinte29
.
A construção de reputação torna-se um dos fatores vitais para amortecer os efeitos dos
períodos de crise, cada vez mais freqüentes30
. É neste contexto que se pode afirmar
que as empresas se distinguem pela percepção causada no cliente31
. "Ser querido é a
diferença para os concorrentes", sintetiza Olinta Cardoso, diretora de comunicação da
VALE. Num setor em consolidação (mineração), espera-se que a marca possa ser uma
vantagem estratégica a mais32
, seja na diluição dos efeitos de crises, seja quando se
está competindo também pelo afeto de clientes e investidores comuns33
.
De fato, Moreira (2004, p. 94) cita Brandão e Carvalho para argumentar que uma
imagem institucional bem trabalhada é "o grande patrimônio da empresa, algo que
possui um valor superior até aos produtos ou serviços que ela oferece ao mercado".34
A
centralidade dessa valorização acontece porque os "... fluxos de dinheiro e sua
avaliação em mercados financeiros livres são influenciados tanto por percepções
29
Daniele Camba. “Hoje, longo prazo é apenas o dia seguinte”. Valor. 20/03/2008.
30
George Anders. “Trabalhar a reputação torna-se desafio para as empresas”. Valor 09/01/2008; Marcelo
Mariaca “Empresas começam a cuidar melhor da reputação”. Valor. 15/10/2007
31
A listagem em níveis especiais é cada vez mais valorizada por empresas e investidores. Em dezembro
de 2002 apenas 17 empresas, ou 30%, adotavam algum nível de governança. Em dezembro de 2007,
esse número foi a 45, ou 71% do total. - Guilherme Kobylko. “Impacto da governança corporativa no valor
de mercado”. Valor. 14/04/2008
32
Antonio Regalado. “Num setor em consolidação, Vale espera que marca seja vantagem”. Valor.
26/12/2007
33
Dana Cimilluca. “Sócios comuns podem ajudar BHP-Rio”. Valor. 21/02/2008
34
Moreira, Henrique. A modernidade nos discursos institucionais. In: universitas//comunicação. Brasília
vV 2 N 2 agosto de 2004
29. 29
quanto por realidade objetiva – ou talvez mais precisamente a percepção do que seja a
realidade". 35
O modelo de gestão corporativo da Bovespa incorporado em 2003 estabelece uma
prestação de contas de forma rápida e uma eficiente divulgação de informações a
acionistas e ao mercado financeiro36
. Tal interface, como veremos mais adiante,
acontece via o site oficial da empresa na Internet. Gerir uma boa reputação e comunicar
de maneira rápida e eficiente, portanto, jamais deverá ser fato ocasional ou opção para
quem tem suas ações avaliadas no mercado financeiro.
1.4 O minério na informatização da produção
A estruturação em rede acionária, ao longo da maior parte da história da VALE, não teria
sido fato tão delineante. Silva (2004, p. 359-62) anota que em 1997, 89% do capital
social da empresa vinha de recursos gerados pela própria atividade empresarial, sendo
os outros 11% originados de investimentos de acionistas (governo e outros). Segundo a
autora, essa proporcionalidade teria se mantido regular durante todo o tempo da
empresa em sua fase estatal (1942-1997). Os dados indicariam que o afluxo de
recursos dos acionistas não foi muito freqüente.
No período de 1971 a 1997, em termos de origem, a média de grande parte dos
recursos da VALE veio de sua própria atividade empresarial – cerca de 71% do total. O
restante teve origem em empréstimos e finanças (18%), e "aumentos de capital com
recursos de acionistas, o que significou ao longo do período, em enfoque, apenas 7%
do total, sendo os 4% restantes gerados por outras fontes (Idem, p. 361). A única
exceção desse período entre 1971 e 1997 seria verificada no ano de 1990, momento
em que o fluxo de capital de acionistas teria sido superior aos recursos gerados pela
própria atividade empresarial.
35
Cf.: Paul Volker [ex-presidente do Banco Central dos EUA] citado por Castells, 2003a, p. 74
36
Cf.: Relatório anual de 2004. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/hotsites/ra/2004/PDF/ra_por.pdf> p. 14 Acesso em 24/06/2008
30. 30
Em relação aos anos compreendidos entre 1943 a 1971, embora, segundo a autora,
não haja detalhes que dêem a mesma precisão de outros períodos, a injeção de
recursos vinda de acionistas não foi regular; não haveria, por exemplo, qualquer
registro de investimento acionário entre 1948 e 1966. Um editorial publicado na revista
Fortune, quatro anos antes da criação da VALE, demonstra bem o espírito que animava
a produtividade daquela época. A revista acreditava que o motivo pelo qual a economia
norte-americana ainda tinha que se recuperar da crise de 1929 era que os EUA haviam
perdido de vista a importância de se produzir coisas:
A idéia que a função básica e irreversível de uma economia industrial é a
produção de coisas; que, quanto mais de produz, maior será a renda, seja em
dólar ou bens de raiz; e assim a chave para aquele poder de recuperação
perdido […] na fábrica, onde estão os tornos e os perfuradores, a forja e o
martelo. É na fábrica, na terra e no subsolo que o poder de compra tem origem37
.
Silva diz que o aporte de recursos acionários verificado em 1990 deve-se à atuação de
Wilson Nélio Brumer como presidente da VALE. Sua gestão, entre abril de 1990 e
dezembro de 1992 sob indicação do então presidente do Brasil Fernando Collor, teria
sido caracterizada pela redução do endividamento externo da Cia e pela sua
capitalização via intensa interface com os mecanismos de bolsa de valores.
Este período se situa em um contexto em que o Brasil era palco dos primeiros passos
da concomitância de liberalização econômica e redemocratização. Sobre esta fase,
Sola (2004, p. 23) anota:
… os processos de mudança ganharam novo impulso com a adoção de
políticas de liberalização econômica e de integração tecnológica e financeira
por quase todos os países que integram circuitos periféricos do mundo
capitalista, independente do regime neles vigente. Consolidava-se, assim, uma
tendência de longo prazo, em curso desde os anos de 1970, de
estabelecimento de normas globais, às quais as economias emergentes foram
levadas a ajustar-se, em diferentes graus de êxito.
37
IN: Klein, Naomi. Marcado Mundo Novo. Sem logo. 2. ed. Rio de Janeiro : Record, 2002
31. 31
Giannotti argumenta (2007), por um contexto geopolítico, que o final da década de 1980
representou o final de uma era38
, simbolizado pela derrubada do muro de Berlim.
"Esses anos foram marcados por uma tremenda mudança no cenário mundial: um dos
dois pólos do poder mundial, que havia se constituído após a Segunda Guerra Mundial,
a União Soviética teve força política reduzida a zero” (p. 227). Bastos Cimatti (2007, p.
140) avalia que tal fato foi determinante para que a economia de mercado fosse alçada
à "posição de meio e finalidade entre os países ocidentais".
Na América Latina, Cocco e Negri (2005, p. 33) afirmam que houve a “transição de uma
ditadura a outra: de uma ditadura oligárquica, tecnocrática e corporativa à ditadura do
mercado, com a supervalorização do câmbio e inserção brutal [...] nos fluxos de
globalização segundo as receitas do ‘Consenso de Washington’”.
Hardt e Negri (2001) defendem que o pressuposto para qualquer argumentação deve
ser o reconhecimento dessa atual amplitude do capital. Nessa direção, os autores
apontam para uma tendência na qual
Até os países dominantes agora dependem do sistema global; as interações do
mercado mundial resultaram numa desarticulação generalizada de todas as
economias. Cada dia é mais verdade que qualquer tentativa de isolamento ou
separação significará apenas uma forma ainda mais brutal de dominação pelo
sistema global, uma redução à impotência e à pobreza (p. 305).
Eles sublinham ainda que a primeira característica da transição da economia industrial
para a da informação é decisiva descentralização da produção. Avanços nas
telecomunicações e nas tecnologias da informação tornaram possível desterritorializar a
produção. Diferentes instalações podem ser coordenadas para a produção simultânea
de uma única mercadoria, com fábricas espalhadas em diversos lugares, destacam
(HARDT e NEGRI p. 316).
38
Uma importante síntese dos fatores condicionantes e conseqüentes “desse final de uma era” é reunida
por Ianni no capítulo “A grande transformação” (2001, p. 25-31).
32. 32
Sobre este aspecto, a VALE anunciava em julho de 2007 a criação de uma Diretoria
Executiva de Tecnologia da Informação e Gestão. A iniciativa veio justificada pelo
"crescimento das atividades da Cia em escala mundial, o que requer a implementação
de aperfeiçoamentos no atual modelo de gestão, apoiados em sólida plataforma
tecnológica que integre nossas operações em todos os países onde atua".39
Em situação bem diferente ao que marcou toda a história da Cia, em fevereiro de 2008
as ações disponíveis (free float) para negociação em bolsas de valores correspondiam
a 62,1% do capital social da VALE
40
. No Brasil, a porcentagem de capitalização máxima
permitida em mercados é de dois terços do capital social41
.
Dentro dessa porcentagem permitida, o grau de abertura de capital é bem variável – vai
depender da capacidade de ajuste e adaptação organizacional comunicativa - , mas
tem-se como norte o fato de que
em última análise o sucesso de um projeto [dependa] do julgamento do
mercado financeiro. [...] O destino de companhias tradicionais que se
reinventam na nova economia [...] depende também da capacidade de atrair
investidores no mercado financeiro com base na sua avaliação. E essa
avaliação é uma função da inovação tecnológica, inovação empresarial e
criação de imagem no mercado financeiro (CASTELLS, 2003a, p. 69-70).
1.5 Dinheiro automatizado
Não por acaso, Santos (2006) situa a atual condição do dinheiro como global e
automatizada. A essa condição de "dinheiro em estado puro" e "equivalente dele
próprio", indica o autor, "todas as economias nacionais são chamadas a se adaptar" (p.
36).
39
Disponível em <http://www.vale.com/vale/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2181&sid=512 >Acesso
em 24/06/2008
40
Cf.: Composição Acionária. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=99> Acesso em 24/06/2008
41
Cf.: Nota 18
33. 33
Neste sentido, Negri (2005, online) recupera que o Estado-Nação detinha uma
soberania à qual "se supunha uma independência quase absoluta". Esse entendimento,
aponta o filósofo, advinha da capacidade estatal de cunhar moeda de maneira
independente ou de construir uma cultura relativamente isolada, por exemplo.
No condicionamento contemporâneo esses dois fatores ficariam cada vez menos
importantes, posto que no mundo global no qual estamos imersos, "com todas as
diferenças, os processos de unificação e homogeneização adquirem cada vez mais
importância", afirma Negri.
Isso faz com que a organização do espaço também mude. Pelos espaços globais áreas
específicas são selecionadas – os espaços de fluxos – e nelas se estabelecem inter-
relações contínuas42
. Para Moraes (2006, p. 44), “ainda que os processos não sejam
lineares e suportem variações, o mapeamento das redes não suprime e até pode repor
divisórias entre conectados e desconectados”. A rede viabiliza esse novo território
(Anexo 4). É nova extensão e arquitetura. A empresa, e não mais a fábrica, moderniza-
se e se modifica em uma dinâmica de redes.
Mesmo que a "economia eletrônica [transforme] gradualmente a velha economia numa
nova economia que alcança o planeta inteiro, embora num padrão extremamente
desigual" (CASTELLS, 2003a, p. 87), o cenário de informatização não sucede ou abole
os clássicos setores de produção da economia (matérias-primas, indústria e serviços).
Antes, os perpassa e dinamiza (HARDT e NEGRI, 2001).
Dessa forma, e uma vez a nova economia tendo como símbolo o mercado financeiro
(CASTELLS, 2003a), do cunhamento de moedas, a valorização e o uso financeiro do
42
“Em suas dimensões tecnoeconômicas, a globalização põe em marcha um processo de interconexões
em nível mundial, que conecta tudo o que vale instrumentalmente – empresas, instituições, indivíduos -,
ao mesmo tempo que desconecta tudo o que, por esta razão não vale [...]. Tal processo de
inclusão/exclusão em escala planetária está produzindo não só entricheiramentos, mas também uma
separação profunda e crescente entre a lógica do global e as dinâmicas do local, entre os espaços da
economia política e os mundos de vida“ (MARTÍN-BARBEIRO, 2006, p. 59).
34. 34
dinheiro tornam-se os novos elementos de troca num cenário diretamente relacionado a
"grandes concentrações, grandes fusões, tanto na órbita da produção como das
finanças e da informação” (SANTOS, 2006, p. 46).
Em novembro de 2007, por exemplo, a BHP Billiton, maior mineradora do mundo,
apresentou um plano no valor de US$ 142 bilhões para a fusão com a Rio Tinto, ambas
anglo-australianas43
. Se a oferta for concretizada nesse formato inicial, será totalmente
em ações. Essa fusão também seria a segunda maior da história em menos de 10
anos. Em primeiro lugar está a compra por US$ 183 bilhões, da alemã Mannesmann
pela britânica Vodafone ainda em 2000, ambas do ramo de telefonia móvel.
Juntas, a BHP e a Rio Tinto teriam o lucro quase duas vezes maior que o da Microsoft e
45 vezes o da Yahoo. Também seria criada uma corporação tão dispersa pelo mundo e
igualmente influente politicamente que seria quase um país, avalia o jornalista do The
Wall Street Journal44
.
Todo esse processo de negociação resulta, principalmente, da crescente demanda por
minerais fundamentais na fabricação de aço. Capitaneados pela China, países em
desenvolvimento estão num crescente processo de urbanização e, portanto, também
estão em busca de matéria-prima para construir carros, eletrodomésticos, pontes,
prédios estradas e sistemas de esgoto45
.
Tal demanda seria uma das explicações para a Rio Tinto ainda não ter aceito a oferta
de fusão: como pela proposta inicial o pagamento seria integralmente em ações, os
acionistas da mineradora, antes, teriam se preocupado com a volatibilidade do mercado
e com a desvalorização de suas eventuais ações "em caixa" se a cotação das
commodities começarem a cair – isso mesmo com a China tendo triplicado o consumo
43
Cf.: Mary Kissel. “Revolução econômica asiática gera o interesse da BHP pela Rio-Tinto”. Valor.
31/03/2008.
44
Cf.: Dennis K. Berman. “Como uma fusão BHP-RIO Tinto teria impacto sobre todo o mundo”. Valor.
12/02/2008
45
Robert Guy Matthews. “Ofertas da Vale e BHP têm o mesmo objetivo: o aço”. Valor. 03/03/2008
35. 35
de aço entre 2000 e 2006, por exemplo46
. O dinheiro em seu estado automatizado,
portanto, mobiliza muito mais esforços no sentido da diária aferição especulativa de
lucros do que para garantir e selar, de vez, destinos corporativos.
Em relação à negociação de compra da mineradora anglo-suíça Xstrata pela VALE,
encerrada em março de 2008, se fosse efetuada conforme noticiado47
, o pagamento
também seria quitado em ações, mas parcialmente. No caso da aquisição integral da
mineradora canadense Inco, em 2006, o pagamento foi todo em dinheiro, US$ 18
bilhões. Esse estaria entre os motivos para o processo de negociação não ter-se
prolongado por muito tempo, sendo mais um passo dado no caminho da caracterização
global da VALE (Anexo 5). A aquisição representou a maior compra já feita por parte de
uma empresa latino-americana48
.
É neste contexto de disputas econômico-políticas que Kellner (2001. p. 401) também
coloca em perspectiva uma "sociedade que vai deixando de ser industrial e de estar
ligada à produção, passando a ser uma cultura da mídia e da informação". Por isso, ele
propõe o conceito do tecnocapitalismo. Este veria a ser caracterizado por "uma
organização da sociedade que reúne tecnologia e capital, na qual a tecnologia
(especialmente os meios de informação e comunicação) se transformam em capital,
e o capital é cada vez mais mediado pela tecnologia." (Idem, p. 386) – grifo nosso.
Tal conceito, portanto, implica uma relação direta com a midiatização das relações
sociais, sendo este o próximo assunto a ser estudado: a sociedade midiatizada como
46
“Embora não se espere um ano tão glamuroso para o mercado de capitais - em número de ofertas,
ingresso de novas empresas e valorização das ações -, as companhias abertas brasileiras devem
continuar a brilhar em 2008. A expectativa é que a saúde financeira e a rentabilidade das empresas
continuem fortes, a despeito da crise financeira externa e da possibilidade de aumento de juros no país.
Os setores que devem se destacar em resultados são praticamente os mesmos de 2007, como
mineração, siderurgia e financeiro. E o fato de se prever mais do mesmo não é uma má notícia, pois em
tempos de crise é tranqüilizante a avaliação de que se pode contar com a previsibilidade e a continuidade
do bom desempenho das economias”. IN: Silvia Fregoni. “Mineração, bancos e siderurgia navegam em
rentabilidade”. Valor. 14/04/2008
47
Raquel Balarin e Vera Saavedra Durão. “Vale pode pagar parte da compra da Xstrata com ações
preferenciais”. Valor. 21/01/2008
48
Antonio Regalado. “' Quem são esses brasileiros?’ Como a Vale muda a mineração mundial”. Valor.
25/04/2008
36. 36
pedra angular na cadeia de geração de valor empresarial, esta, sempre "em linha com
as prioridades de investimento estabelecidas pelos acionistas".49
49
Cf.: Relatório anual de 2002. Disponível em
<http://www.vale.com/vale/hotsites/br_extrafiles/infofin/ra2002/main.asp> Acesso em 24/06/2008
37. 37
CAPÍTULO 2 – ETHOS MIDIATIZADO
A rigor, globalização não é propriamente um fenômeno novo. Santos (2002, p. 38) cita
autores que historicamente distinguem “quatro ondas de globalização no passado
milênio”. Essas ondas seriam verificadas com mais intensidade nos séculos XIII, XVI,
XIX e no final do século XX. Longe de ser um processo linear, estanque ou mesmo
totalizante, a globalização, segundo Ianni (2001, p. 23), “enfrenta obstáculos, sobre
interrupções, mas generaliza-se e aprofunda-se como tendência”.
No movimento dessas ondas, é possível identificar um avanço comunicacional
fundamental. É a comunicação o processo que vai organizar o movimento de
globalização50
, ao mesmo tempo em que suporta e dinamiza o avanço do capitalismo
nas características que o singulariza como modo de produção: superação de limites
temporais e, portanto, espaciais.51
No século XVI, tem-se uma sociabilidade que se reorganiza paulatinamente ao avançar
na apropriação do uso da tipografia; na virada do século XIX e no início do século XX
registram-se avanços comunicacionais em termos de imagem e som que vão
possibilitar a gênese da sociabilidade atual conceituada por Rubim (2000) como “Idade
Mídia”; e, nos fins do século XX, tem-se o surgimento e avanço, de modo acelerado, da
Internet52
.
Vilches (2003, p. 214) também registra que, com a introdução da indústria e do
mercado, a partir do século XVI, o “intercâmbio do conhecimento” que se fazia
basicamente mediante a difusão de textos passa a experimentar grandes mudanças na
estratégia política e cultural. O acesso ao saber, que antes era restrito a um detentor do
50
Hardt e Negri (2001)
51
Castells (1999)
52
Para alcançar 50 milhões de usuários o telefone levou 74 anos; o rádio, 38 anos; a TV, 13 anos e a
Internet, 4 anos. Cf.: “Os tempos mudaram. E, eu, como fico?” Disponível em
<http://www.ftbp.com.br/Abibet/images/Palestra%202%20Darci%20Dusilek.pdf> Acesso em 06/05/2008
38. 38
conhecimento, dispersa-se, espalha-se e se globaliza a partir de quatro estágios
básicos propostos pelo autor:
1) Generalização do consumo de bens que incluem conteúdos de conhecimentos
impressos e escritos – a mídia clássica nesta fase seria o livro;
2) Redução do tempo entre produção e consumo de conteúdos – nesta fase coexistem
o telégrafo, o telefone e o rádio;
3) Capacidade de representar o conhecimento e a informação por imagens – neste
caso, a exemplificação é feita pela fotografia, cinema e televisão; e
4) síntese dos suportes anteriores numa rede de interfaces – vale destacar que
estágios anteriores não se excluem, mas se incluem e se intercambiam. Ao destacar a
novidade comunicacional que se estabelece, Rosa (2006) avalia que interatividade e
convergência são dois dos mantras que passaram a existir de uma década para cá.
A argumentação de Rubim (2000) em torno dessa rota comunicacional progressiva,
integradora de formatos anteriores e potencialmente promotora de uma
cognoscibilidade do planeta, sustenta a compreensão da contemporaneidade como
uma “Idade Mídia”.
No histórico que traça sobre os diferentes sentidos, formas e mutações da
comunicação, o autor demarca em meados do século XIX a emergência de uma
comunicação paradigmaticamente singular, posto que midiatizada. Ou seja,
como mediada necessariamente por um aparato sociotecnológico que requer uma
peculiar organização e uma tecnologia determinada [...], portanto, de uma modalidade
bastante distinta da comunicação interpessoal, de sua natural ‘espontaneidade’ e
‘intercambialidade’ (p. 26).
Seria a partir desta fase que a comunicação começar a (re) constituir-se como “mônoda
gravitacional específica” que se defronta com outros poderes e, ao mesmo tempo em
39. 39
que resignificaria essas relações estritas, também delinearia uma “própria e singular
circunstância societária” (p. 28). O que se tem por realidade deixa de se circunscrever
apenas a uma dimensão de contigüidade. Uma telerrealidade se constitui como nova
forma de percepção da realidade para além do que a experiência concreta e regular
pudesse alcançar.
Traquina (2004), por exemplo, rememora que, por meio das linhas telegráficas, Europa
e EUA foram interligados ainda nas décadas de 50 e 60 do século XIX. Na década
seguinte, foi a vez de a Europa se conectar com o Japão, América do Sul e Japão. As
agências de notícias, anota o autor, também avançavam e faziam o mundo conhecido
na mesma rota da “expansão colonialista”. Traquina exemplifica com o caso da agência
Reuters, criada em 1851:
[Ela] abriu escritório em Alexandria em 1865, Bombaim em 1866, Melbourne e
Sydney em 1874 e Cidade do Cabo em 1876 [...]. Em 1859, três agências,
Havas (França), Reuters (Reino Unido) e Wolff (Alemanha) assinaram o
primeiro acordo entre agências pela divisão do mundo em regime de
“exploração exclusiva”; [...] (p. 39)
2.1 Ser é estar conectado
Ainda que a informação sempre tenha sido crucial para todas as sociedades, “[...] a
geração, o processamento e a transmissão de informação tornam-se as fontes
fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas
surgidas [neste] período histórico” (CASTELLS, 1999, p. 65). Em nossas sociedades, o
consumo de e a produtividade em torno da informação passa a ser o motor único de
que Santos (2006) fala. Nesse diapasão, crescentemente, vive-se de versões que nos
são contadas. Do nível local ao global, a mídia torna-se o espaço vital de experiência
da realidade. Na medida em que muda a forma de se experenciar e de se relacionar
40. 40
com o mundo, pode-se dizer que o modo como se constitui a subjetividade do homem
também muda. As marcas da contemporaneidade midiatizada, no entendimento de
Rubim (2000), são: “o espaço eletrônico, a televivência e globalização” (p. 37).
Escalonam-se novas possibilidades de viver, sonhar, imaginar, pensar, sentir, conhecer
e agir, sem esquecer das tensões e conflitos então decorrentes – renovados ou
inaugurados. Martín-Barbero (2006, p. 54) sintetiza:
Os processos de globalização econômica e informacional estão reavivando a
questão das identidades culturais – éticas, raciais, locais, regionais – até ao
ponto de convertê-las em dimensão protagônica de muitos dos mais ferozes e
complexos conflitos internacionais dos últimos anos, ao mesmo tempo em que
essas mesmas identidades, mais as de gênero e as de idade, estão
reconfigurando a força e o sentido dos laços sociais, e as possibilidades de
convivência no nacional e ainda no local.
Rosa (2006, p. 45) caracteriza nossa “Idade Mídia” como “uma realidade que se
desdobra diariamente em torno de nossos olhos e que cria uma nova forma de ver o
mundo e, conseqüentemente, uma nova forma de se expor”. Nessa nova forma de
exposição e relacionamento
[...] há de se apreender/absorver uma gramática peculiar codificada pelo tempo
real, pelo efêmero e pela dramatização e emoção [...] num mundo que vive de
consumir produtos simbólicos, para existir historicamente, ou seja, representar
algo para o grupo, é preciso estar disponível no formato de informação tratada
jornalística ou ludicamente (MARTINUZZO, 2006, online).
Na conceituação de Castells (1999), estamos imersos na cultura da virtualidade real
(CVR). Esta se caracteriza por um modo de viver que é cada vez mais estruturado pelo
consumo de produtos midiáticos. A própria realidade (a experiência simbólica/material
das pessoas), enxerga o autor, é inteiramente captada a partir das telas dessa rede
midiática.
41. 41
Castells situa seu conceito de CVR em um “mundo de faz de conta” e composto de
imagens virtuais, no qual as aparências não apenas se encontram na tela
comunicadora da experiência, mas se transformam na experiência. É por isso que
Sodré (2002) aponta para a constituição de um ethos diferente, um ethos midiatizado
que, como tal, traria rebatimentos para a esfera dos costumes, hábitos, regras e
espaços de realização da experiência humana. A vivência é virtual, mas de inegáveis
conseqüências na vivência concreta resultantes dessa configuração binária de estar ou
não-estar disponível midiaticamente (CASTELLS, 1999).
Castells (2003a, p. 132) diz que “num mundo caracterizado por interdependência global
e moldado pela informação e comunicação, a capacidade de atuar sobre fluxos de
informação e sobre mensagens de mídia, torna-se uma ferramenta essencial”. O que
fica de fora do espaço midiático “simplesmente não tem chance de obter apoio popular,
visto que as mentes das pessoas são informadas fundamentalmente pelos meios de
comunicação”. Além da questão de que a versão de mundo trazida pela mídia tenha
forte credibilidade e também tem por regularidade virar verdade para a maioria das
pessoas53
.
Não por acaso, Kellner caracteriza essa “cultura da mídia” como “um terreno de disputa
no qual grupos sociais importantes e ideologias políticas rivais lutam pelo domínio, e
que os indivíduos vivenciam essas lutas por meio de imagens, discursos, mitos e
espetáculos veiculados pela mídia” (2001, p. 11). Isso porque, esta, conta com a “posse
dos mais importantes equipamentos de combate, quais sejam, a ‘verdade’ das
53
Segundo matéria publicada pela Folha: “A mídia é a instituição em que a elite brasileira mais confia
(64%), à frente de empresas (61%), ONGs (51%), instituições religiosas (48%) e governo (22%). De
acordo com o nono estudo de confiança da empresa de relações públicas Edelman, o Brasil é o terceiro
dos 18 países pesquisados com o maior índice de credibilidade da mídia – atrás de México, com 66%, e
Índia, 65%. Entre os meios de comunicação, os brasileiros colocam os veículos impressos no topo do
ranking de confiança. Os entrevistados, na faixa dos 25% com a maior renda familiar do país, dizem
recorrer como primeira fonte de informação a impressos (87%), depois a TV (82%), internet (52%) e rádio
(32%). Ao acessar a internet, as notícias (93%) estão no topo do interesse dos brasileiros. Em segundo
lugar, vem pesquisa (85%) e, empatados com 79%, compras e troca de mensagens instantâneas. A
preferência por notícias é a mais citada também em outros 13 países.” Cf.: “Elite brasileira confia mais na
mídia do que no governo, afirma estudo”. Folha Online. 30/01/2008. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u368150.shtml> Acesso em 30/04/2008
42. 42
pesquisas, a ‘objetividade’ da notícia, a análise de conjuntura, e o fundamental: a
audiência” (MARTINUZZO, 2006, online).
Nesse ambiente, Santos (2006, p. 40) aponta que, na briga pela sobrevivência e
hegemonia, “em função da competitividade, as empresas não podem existir sem
publicidade, que se tornou o nervo do comércio”. Contudo, sendo a midiatização um
conceito social, o produto de sua projeção pode ser modificado, transformado ou
mesmo subvertido, afirma Castells (1999). Apesar de o mesmo autor ponderar de que
em uma sociedade que se relaciona fundamentalmente por interfaces midiáticas, a
existência de mensagens fora dessa forma de relação fica restrita a redes
interpessoais, e, portanto, desaparece do inconsciente coletivo. É, pois, uma forma
nova de ser, ver e ser visto. Um dos sinalizadores que podem balizar essa proposição é
que dentre “as soluções com mais tendência a crescer dentro das empresas latino-
americanas [no ano de 2008] são as aplicações de serviços relacionados a software e
de gerenciamentos de identidade e de conteúdo”54
– grifo nosso.
Vale destacar ainda que jornalistas, junto com psicólogos, também aparecem como
aqueles que compõem a “nova safra dos gurus da administração”. Dois profissionais da
área de comunicação aparecem entre os cinco primeiros em uma lista total de vinte e
um pensadores que seriam mais influentes no mundo empresarial, segundo
levantamento feito pelo The Wall Street Journal55
. Thomas Friedman, colunista do New
York Times, aparece nessa lista como segundo colocado, à frente de Bill Gates.
54
Cf.: “IDC Brasil: Estudo da IDC identifica os desafios de negócios de CEOs latino-americanos e seu
alinhamento com a área de TI”. http://www.idclatin.com/news.asp?ctr=bra&id_release=1195 Acesso em
05/05/2008. Segundo dados dessa mesma consultoria, “estima-se que, a cada ano, o mundo digital crie
cerca de 3 vezes a informação contida em todos os livros já escritos. Cf.: Steve Hamm e Kerry Capell.
“Economizar energia vira desafio em TI.”. Valor. 04/04/2008
55
Erin White. “Psicólogos, jornalistas fazem nova safra dos gurus da administração.” Valor. 05/05/2008
43. 43
2.1.1 No tempo da notícia
Ao mesmo tempo em que se consolida o consumo de produtos midiatizados, há que se
acrescentar que a velocidade é uma outra marca da atual sociabilidade
capitalisticamente midiatizada. Como foi visto no capítulo anterior, tal sentido de
urgência é menos uma carência da totalidade social em busca de satisfação do que
uma influência do diapasão de mercado. Uma compreensão socioeconômica, portanto,
"somente pode ser compreendida considerando-se as diversas velocidades em
presença" (SANTOS, 2006, p. 125).
Em retrospecto, Reis (2005, p. 400) identifica outras três formas de sociabilidade que já
teriam sido hegemônicas na percepção do tempo. As formas de viver, o que não deixa
de incluir também as formas de se trabalhar56
, teriam estado conformadas pela
observação da natureza, por uma cultura transcendente, por uma cultura imanente e,
agora, por uma cultura do tempo real dinamizada pela mídia. Nas palavras da autora:
Neste ambiente, move-se uma nova temporalidade, que já foi registrada como
suficiente pelo giro do sol (natureza), pelo bandalar do sino da igreja (cultura
transcendente) e pelo giro homogêneo do relógio (cultura imanente). O presente
fixa-se na promessa de cada nova emissão no mundo da informação, lugar onde
o tempo caminha veloz e novo (news), deixa de emparelhar-se com o ritmo da
natureza. As notícias que chegam no jornal matinal já são velhas perante a
marcha ininterrupta do mundo ciberespacial.
56
"A temporalidade que conhecemos (pelo menos em meu caso que já sou bastante velho, que vivi a
época do trabalho fordista, do trabalho taylorista) era caracterizada por uma extensão temporal da
jornada de trabalho: se entrava às seis e se saía às duas da fábrica, depois havia o turno das duas da
tarde às dez da noite e outro das dez à seis da manhã. A jornada de trabalho, como a das cidades de
minha infância próximas de Veneza, era caracterizada assim, a rotina da vida passava pelas horas dos
turnos dos trabalhadores. Hoje tudo mudou totalmente. Vivemos em um tempo unificado, disperso, no
qual a jornada de trabalho clássica não é medida da temporalidade, já que esta medida desapareceu ou
se modificou completamente. Além disso, vivemos em uma situação na qual o espaço também se alterou
completamente. O espaço do trabalho, da atividade, se converteu em um espaço de inter-relações
contínuas, o que se supõe uma dimensão ontológica diferente." (Negri, 2005, online).
44. 44
Sendo as mídias “máquinas de produzir o presente” (MARTIN-BARBEIRO, 2006, p.
171), a condição de estar informado envelhece rápido, conformada "por relógios que
transmitem notícias e previsão do tempo", minuto a minuto, ao mesmo tempo em que
tal afluxo de informações baliza e "afigura-se como elemento-chave para a diminuição
dos prazos de resposta de investidores e especuladores à volatibilidade dos mercados
financeiros", analisa Moraes (2006, p. 34).
A sociedade midiatizada, em seu frenético fluxo de informações atualizada a cada
instante, sustenta o capitalismo em sua fase informacional. "A intensificação
tecnomidiática atravessa, articula e condiciona o atual estágio do capitalismo, cujo pilar
de sustentação é a capacidade de acumulação financeira numa economia de
interconexões eletrônicas”57
, afirma o autor.
57
A Bovespa recomenda: “É importante também que o investidor seja bem assessorado ao decidir suas
aplicações. Acompanhar o noticiário econômico, seguir as publicações legais das companhias,
acessar informações específicas requerem esforço e conhecimentos técnicos especializados. [...] O
mercado acionário reflete a opinião dos principais agentes sobre a conjuntura econômica doméstica e
internacional e suas perspectivas, constituindo-se também em importante formador de opinião. [...] O
mercado de ações é movido a informação. [...] A informação sobre o passado e o presente é, de início,
utilizada para a avaliação de desempenho de uma ação ou do mercado como um todo. [...] Atualmente,
a informação ganhou perfil de ferramenta mercadológica. A companhia que busca reconhecimento
perante o mercado e objetiva fixar sua imagem institucional mantém política de divulgação de
informações superior ao patamar legal. [...]Os investidores podem obter informações sobre as bolsas e
outros segmentos do mercado de capitais nos cadernos econômicos da imprensa, em programas
especializados da mídia (rádio e TV) e em agências de notícias que transmitem instantaneamente, por
terminais de vídeo, informações importantes de todo o mundo. [...] A imprensa especializada
publica informações sobre o desempenho desses intermediários, o que pode ser útil na escolha
do intermediário adequado para o tipo e volume de negócios desejados”. – grifos meus. Cf.:
http://www.bovespa.com.br/Investidor/Iniciantes/FundamentosDefinicoes.asp. Acesso em 30/04/2008
45. 45
2.1.2 “Nova ecologia midiática”
Somente para situar o elemento da rede midiática que oferece o nosso objeto de
estudo, no caso do Brasil, o número de internautas residenciais ativos em março de
2008 atingiu o número de 22,7 milhões, 40% a mais do que foi verificado no ano
anterior. O país lidera a lista mundial dos que mais tempo ficam online, (23h51).
Completam a lista dos cinco países com maior tempo médio mensal por pessoa no
domicílio: França (21h30min), Estados Unidos (20h24min), Japão (20h21min) e
Alemanha (19h09min)58
. Como padrão global, Castells (1999, p. 418) conclui que “o
consumo da mídia é a segunda maior categoria de atividade e, certamente, a atividade
predominante nas casas.” O ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, diz que
até 2010 “teremos 80% da população brasileira acessando regularmente a internet de
uma forma ou de outra. Essa é uma meta global”, garante – nesta projeção, leva-se em
conta a construção de telecentros59
. Segundo o Centro de Estudos sobre as TICS
(CETIC)60
, a proporção dos que em 2007 utilizavam Internet para lazer era de 88%, 17
pontos a mais em relação à última pesquisa. Desse percentual, a principal atividade de
“lazer” era ler jornais e revistas (47%), seguida de “jogar ou fazer download de jogos”
(43%) e “assistir filmes ou vídeos” utilizando sites como o Youtube (43%).
Portanto, acesso à informação jornalística e entreterimento são atividades
preponderantes realizadas na Internet. No que se refere especificamente às redes
sociais, segundo pesquisa divulgada pelo Ibope em junho deste ano61
, só no mês
anterior, 18,5 milhões de pessoas navegaram em sites relacionados a comunidades. Se
58
“Mais tempo on-line”.
http://www.b2bmagazine.com.br/web/interna.asp?id_canais=4&id_subcanais=13&id_noticia=22345&nom
e=&descricao=&foto=&colunista=1&pg= Acesso em 30/04/2008
59
Cf.: “Acesso à web para 80% dos brasileiros até 2010”. In:
http://www.b2bmagazine.com.br/web/interna.asp?id_canais=4&id_subcanais=21&id_noticia=22352&nom
e=&descricao=&foto=&colunista=1&pg= Acesso em 30/04/2008
60
CETIC. BR “TIC Domicílios e Usuários 2007” Disponível em
<http://www.cetic.br/usuarios/tic/2007/index.htm> Acesso em 24/06/2008
61
IBOPE//NetRatings lança estudo inédito sobre redes sociais. Disponível em
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T&no
me=home_materia&db=caldb&docid=DF1CAE890B4D16F88325746D00604588>Acesso em 24/06/2008
46. 46
forem acrescidos a este número fotologs, videologs e mensageiros instantâneos, o
número salta para 20,6 milhões de brasileiros por mês acessando espaços de redes
sociais. Essa quatidade representaria cerca de 90% do total de usuários que acessam a
Internet mensalmente, segundo dados do Ibope.
Esse avanço no espaço público comunicacional está entre as variáveis que interagem
na reestruturação do formato midiático clássico. Está-se tendo uma forte interrelação
entre a atividade jornalística e a interatividade com o leitor/usuário. Malini (2008, online)
situa a mudança nos seguintes termos: “as redes sociais e os blogs alargariam o campo
jornalístico, difundindo e debatendo as histórias que circulam no mainstream midiático.”
No centro da figura (Ilustração 1) permaneceriam os jornalistas dos diferentes meios e
veículos de comunicação. Já em relação à ambiência dessa nova configuração
midiática, segundo o mesmo esquema, ficariam situados os novos circuitos de difusão,
como comunidades de conversação e relacionamento, sites de notícias colaborativas,
mídias pessoais (como blogs) e redes sociais de trocas p2p (bittorrent, youtube etc)62
.
Ao mesmo tempo, tal mudança não implicaria dizer que deixe de acontecer o “trabalho
autônomo de jornalismo: reportagens testemunhais, checagem de informações
divulgadas pela imprensa e análises em geral.” Em relação ao âmbito empresarial ainda
são poucos os casos de quem se atentou para esses “novos ecossistemas de
comunicação”. Motivação para mudança agora não vai ser por falta de informação. A
pesquisa do Ibope traz um dado expressivo, positivo ou negativamente: “campanhas
on-line partindo de blogs e outras redes sociais podem ter impacto 500 maior do que se
partissem dos sites da própria empresa”.
62
“O P2P, Peer-to-Peer (do inglês: Par-a-Par), rede linear, rede distribuída ou rede não hierárquica é uma
topologia de redes caracterizada pela descentralização das funções na rede, onde cada terminal realiza
tanto funções de servidor quanto de cliente”. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/P2P> Acesso em
27/06/2008
47. 47
Ilustração 1 – nova ecologia midiática. Hiler apud Malini (2008, online)
Tainâ Bispo comenta que saber qual comportamento as pessoas têm nas redes sociais
se torna cada vez mais vital. “É na web que [elas comparam] preços e [pesquisam]
opiniões sobre determinado produto ou marca”63
. Além disso, tem-se a questão de que
essas informações, produzidas em sites de relacionamento e podendo ser facilmente
63
Tainã Bispo. Redes Sociais crescem e preocupam companhias. Valor. 20/06/2008
48. 48
replicadas, são “processadas por jornalistas, [e] acabam retornando para o público na
forma de histórias. Essa retroalimentação contínua constitui a própria base do
ecossistema da mídia online”, diz Malini. Em relação ao mercado de comunicação no
Brasil, os últimos números que o Ibope dispõe ainda são de 2005, período em que
nesta área teriam sido movimentados o total de R$ 54 bilhões. Segundo o instituto,
esse valor foi 24.6% superior em relação ao que foi verificado no ano anterior64
.
2.3 Produzir vira comunicar
A sociedade midiatizada, com seu ethos peculiar, permanentemente conectada e
atualizada, oferece, portanto, suporte e desafios às empresas nesta fase de capitalismo
informacional. Um dos principais é exatamente comunicar bem suas marcas, num
processo de disputa planetário. Conforme já foi tangenciado no capítulo anterior, Rubim
(2000, p. 30) também entende que
A repercussão da comunicação e cultura midiatizadas pode ser apontada, em
sentido mais amplo, como incidindo sobre o modo (capitalista) de vida ou
ensejando os atualíssimos processos de globalização econômica, através de
suportes dos fluxos financeiros e dos capitais, fiadoras da velocidade e dos
mercados planetarizados [...]. Por fim, pode-se reter a mídia como viabilizadora
da concorrência capitalista em escala mundial.
Cocco (1995, p. 7) aponta que se perde a lógica predominante do funcionamento de
infra-estruturas rodoviárias que “sustentavam o desenvolvimento fordista.” Não se teria
mais uma estrutura que coloque em circulação o que é produzido. Ao mesmo tempo em
que integram esse papel de veículo, as infovias “são o próprio modo de produção de
64
Cf.: Jornal ANJ. Abril de 2008 – Nº 212
49. 49
relações de serviço, isto é, de bens imateriais nos quais produção e reprodução
coincidem”, afirma o autor.
Nessa direção, para Malini (2007, p. 83):
O efeito disso é que, nas bolsas financeiras, o capital financeiro quer e busca
ações de empresas que possui maiores ativos intangíveis: possuam
potencialidades de estrutura de marketing, força de venda, força futura de
produção, capacidade organizacional de sua direção, a força invenção do quadro
pessoal, bom relacionamento com a comunidade de consumidores, etc. O
patrimônio material, no mercado financeiro, é somente conseqüência do aumento
do capital imaterial das empresas. Dessa forma, o capital torna-se uma ficção
real.
Vilches (2006, p. 158) chega a afirmar que, pelo dinheiro em jogo e pelas
conseqüências bem concretas no mundo empresarial, o conceito de criação de valor no
âmbito da economia, diz o autor, é uma das mudanças mais espetaculares que se
apresentam. "A criação de valor é o objetivo de toda boa gerência. Se antes o objetivo
era a maximização do lucro, agora este objetivo de benefício foi suplantado pela criação
de valor", afirma. “Neste caso, leva-se em conta não somente o lucro, como também o
custo que supôs gerar esse lucro”. Sobre a importância de uma empresa se relacionar
midiaticamente com seus respectivos públicos, o autor afirma
A capacidade dos serviços ou os conteúdos oferecidos são os que devem gerar
valor para quem os utiliza. Quais são esses valores gerados para os clientes? A
qualidade do serviço ou o conteúdo oferecido. Como se traduz a informação
sobre a qualidade? Através do interesse que uma companhia suscita nos meios
de comunicação. Assim sendo, de forma difusa, somente sobrevivem, aquelas
empresas capazes de gerar interesse das mídias (p. 154).
Nesse cenário de oportunidades e desafios, Klein (2002, p. 452) exemplificou com Shell
e Texaco os poucos casos de multinacionais do ramo de recursos naturais que
investiriam em imagem para se tornarem mais facilmente acessíveis à sociedade em
geral.
50. 50
Seis anos atrás talvez esse grupo fosse realmente pequeno – hoje, nem tanto.
Processo a ser analisado no próximo capítulo, em novembro de 2007, a VALE avança
na estruturação do investimento em imagem e apresenta uma nova logomarca. Sérgio
Costa65
aponta para o fato de a Cia não ter um produto facilmente associável a ela,
"que fornece matéria-prima para diversas outras empresas com marcas mundialmente
muito mais conhecidas". A idéia, conclui o jornalista, foi a de "criar uma marca de
identificação forte e que possa ser associada a tudo o que é produzido a partir do
minério de ferro: de fogões a aviões". O novo posicionamento e a nova marca da VALE
foram criados pela empresa norte-americana Lippincott Mercer e sua parceira no Brasil,
a Cauduro Martino66
.
Seria fato comum a mineração ter ficado tradicionalmente atrás de outros setores
quando se trata de criar uma personificação corporativa bem definida. Uma das razões
para esse eventual atraso das mineradoras estaria no aspecto geográfico. Um dos
sócios da agência norte-americana responsável pela nova marca da VALE, James Bell,
exemplifica essa situação citando o caso das fabricantes de químicos DuPont, Dow e
Basf, por exemplo, que teriam marcas mais reconhecidas e sustentadas por campanhas
populares: “Como a maioria das grandes químicas e petroquímicas são empresas
americanas ou européias que operam em locais mais habitados e interconectados,
elas tiveram de ser mais atentas à reputação e à opinião pública em geral. [...] A
indústria mineradora, por sua vez, tendeu a ter sede na Austrália, Canadá e Brasil e
operava nas áreas mais remotas do planeta. Isso fez com que não enfrentassem o
mesmo nível de interesse — e vigilância — do público67
” (grifos nosso).
65
Sérgio Costa. “Vale vai mudar nome e marca em novembro”. Folha Online. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u334706.shtml>. Acesso em 30/04/2008
66
“A Lippincott é líder em design e estratégia de branding e tem entre seus principais clientes Coca-Cola,
General Electric, ABN-AMRO, IBM, Motorola e Rede Globo. A Cauduro Martino tem vasta bagagem em
implantação de marcas, com clientes como Banco do Brasil, Unimed, TAM e Natura”. Cf.:
http://www.vale.com/saladeimprensa/pt/releases/release.asp?id=17910. Acesso em 30/04/2008
67
Cf.: http://www.vale.com/saladeimprensa/pt/agencia_vale/noticia.asp?id=17949. Acesso em 30/04/2008
51. 51
Esse público vigilante/controlador emergente de uma sociedade tecnológica torna mais
visíveis transgressões que antes bem que poderiam passar despercebidas, afirma Rosa
(2006). Uma gestão de imagem deve considerar tal mudança sob “riscos de se expor a
abalos de reputação – e conseqüente perda de poder. Perda de poder para influenciar
o governo, perda de poder para expandir seus negócios ou apenas para continuar no
jogo” (p. 169-170).
Dessa forma, o investimento em imagem se consolida ao mesmo tempo em que avança
em outras regiões do mundo. Os países emergentes entram em cena e manterão o
crescimento mundial dos gastos em publicidade acima da média dos últimos 10 anos.
Para este ano, foi revisto para baixo, de 4.4% para 3.8%, o aumento na América do
Norte e Europa, devido à crise imobiliária. Na análise feita pelos demais países,
aumentou-se a projeção de crescimento em publicidade de 10,9% para 11,1%. Na
evolução entre 2007 visando a 2010, espera-se um aumento em 18.79%68
.
Em relação especificamente a mineradoras, Rifkin (2001, p. 42) remete a uma pesquisa
pela qual teria sido verificado
[...] que enquanto em 1982 os ativos intangíveis – propriedades, fábricas e
equipamentos – das empresas mineradoras e de manufatura respondiam por
62.3% do valor de mercado das empresas, dez anos mais tarde, os ativos
tangíveis caíram para 37.9% do valor de mercado das mesmas empresas.
No anúncio oficial da nova marca, de uma certa maneira a VALE reconhecia: a empresa
até então era mais forte do que conhecida. Dois exemplos podem corroborar essa
afirmação69
: a variação no valor de mercado e o posicionamento da empresa no ranking
mundial.
O valor de mercado da empresa em 1997 era de US$ 10 bilhões. Já em 2007 foi
68
Tainã Bispo. “Emergentes puxam alta nos gastos globais.”. Valor. 01/04/2008
69
Cf.: http://www.vale.com/saladeimprensa/pt/releases/release.asp?id=17910. Acesso em 30/04/2008
52. 52
alcançado o valor recorde de US$ 173, 9 bilhões, tendo encerrado esse mesmo ano em
151, 9 bilhões. Um outro fato é que em março de 2002 a Vale ocupava o 446º lugar na
lista do Financial Times das 500 maiores empresas do mundo. Em 2008 era alcançada
a 22ª posição. Em 10 anos Cia saltou do oitavo para o segundo lugar no ranking das
maiores mineradoras do mundo, posição consolidada pela compra da canadense Inco.
Uma das estratégias mais recentes da empresa, que mostra sua guinada em estar
atualizada em termos comunicacionais, em função da sociedade midiatizada, é
mudança de marca e nome da Companhia Vale do Rio Doce, para VALE, num processo
de priorização crescente da comunicação institucional, como também demonstra o
próprio portal, que estamos estudando. Nesse sentido, a seguir um panorama histórico
da VALE sob os pontos de vista empresarial e comunicacional.
53. 53
CAPÍTULO 3 – PANORAMA EMPRESARIAL E COMUNICACIONAL
Se o objetivo do percurso feito no capítulo anterior se pautou pelo panorama que
conduziu à conformação de uma produtividade que hoje se configura pela lógica
comunicacional, neste, a intenção é avançar na especificidade do estudo de caso e
passar a traçar em linhas gerais como foram os rebatimentos dessas mudanças no
âmbito da Companhia Vale do Rio Doce.
Na rota dessas transformações, o papel do comunicador foi paulatinamente crescendo
na direção da empresa, mesmo que essa integração tenha sido muito mais pelo seu
caráter numérico e de instrumentalidade do que por uma influência efetiva na gestão
dos negócios da Cia. Uma influência de fato efetiva e estrutural só passa a acontecer
de forma concreta a partir de 2002. Como será visto ao longo deste capítulo, "o
comunicador empresarial deixou de ser um fazedor de mídia para participar da
formulação das políticas das empresas” (NALDONIapudOLIVEIRAePAULA,2007,p.20).
3.1 O batismo internacional
Mesmo que primeiramente tenha sido organizada para escoar produtos agrícolas, os
quais compunham cerca de 90% das exportações brasileiras na época, a construção da
Estrada de Ferro Vitória-Minas (EVFM) acabou abrindo os caminhos iniciais, sem inicial
intenção deliberada, para que a VALE começasse suas operações 40 anos mais tarde
(1942). A construção da estrada foi iniciada em 1903, com um projetado traçado para
ligar Vitória (ES) a Peçanha (MG) (SILVA, 2004, p. 130).
Hoje, a EFVM faz conexão com outras ferrovias integrando os estados de Minas Gerais,
Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e o Distrito Federal,
além de ter acesso privilegiado aos principais portos do Espírito Santo, entre eles os de