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FAKE NEWS: A POPULARIZAÇÃO DA EXPRESSÃO EM CONTEXTO
POLÍTICO
Ezequiel Vieira Machado1
Rafael Cláudio Simões2
RESUMO
O objetivo é verificar quando, e sob quais temáticas mais recorrentes, ocorreram as primeiras
referências no Brasil em relação a fake news. Para tanto, este trabalho agrupa todas as
referências a esta expressão feitas pelos canais oficiais do Twitter dos jornais Estadão, Folha
de S. Paulo e O Globo. Além do levantamento teórico sobre as questões que envolvem o
fenômeno analisado, este estudo utiliza como suporte metodológico a análise de conteúdo
(BARDIN, 1988). Os tweets serão categorizados em quatro períodos básicos: pré-eleitoral,
primeiro turno, segundo turno e pós-eleições. A hipótese é que, embora, o uso de
desinformação na política seja uma prática antiga, o uso do termo fake news é algo recente e
reflexo direto de disputas político-eleitorais aqui no Brasil, tal como ocorreu na experiência
de outros países.
PALAVRAS-CHAVE: Fake news. Desinformação. Twitter. Eleições 2018.
ABSTRACT
The main goal is to verify when the references to the term fake news were first used in Brazil;
and to analyze to which recurrent themes it was linked. For this purpose, this paperwork
gathers all the references to this expression made by the official Twitter page of the
newspapers Estadão, Folha de S. Paulo and O Globo. In addition to the theoretical research on
the use of the term ―fake news‖, this study uses the content analysis as a methodological
approach (BARDIN, 1988) The tweets will be divided in four periods: pre-election, first
round, second round and post-election. Although the strategy of using misinformation in
Politics is a well-known practice, the hypothesis is that the use of the term fake new is recent
and it directly reflects the political-electoral disputes that occurred in Brazil and in other
countries.
KEYWORDS: Fake news. Desinformation. Twitter. Elections 2018
1
Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFES (2008). Pós -graduando em
Comunicação e Marketing Digital pela Universidade Vila Velha (2019). Email: ezequielvieira@gmail.com
2
Mestre em História no Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), 2014. Doutorando do mesmo programa (2016 - 2020). Professor na
Universidade Vila Velha (UVV).
2
INTRODUÇÃO
Pesquisa realizada pelo IBOPE, divulgada em novembro de 20183
, aponta que 90% dos
usuários de internet do Brasil afirmaram já ter recebido notícias falsas. A pesquisa foi
realizada entre 18 e 22 de outubro daquele mesmo ano, antes do 2º turno das eleições no
Brasil. A maior parte das fake news teriam sido lidas no Facebook (80%) e no WhatsApp
(75%).
Já uma pesquisa do Datafolha, realizada entre 24 e 25 de outubro de 20184
, indica que o
Whatsapp foi a rede ou aplicativo social mais utilizado pelos eleitores: 65% têm conta, sendo
que 24% o utilizariam para compartilhar notícias sobre políticas e eleições.
Essas pesquisas estão situadas no contexto das eleições brasileiras, ocorridas em outubro de
2018, e tiveram o objetivo de obter informações sobre um fenômeno que acabou obtendo
proporções inéditas. Dado o protagonismo assumido pelo usos de desinformações em nosso
período eleitoral, bem como pelos aplicativos e mídias sociais para consumo e produção de
notícias políticas, este projeto de pesquisa visa a verificar no Twitter as citações feitas pelos
principais jornais do Brasil em relação à expressão fake news.
Os jornais considerados neste estudo são Estadão, O Globo e Folha de S. Paulo. O Twitter foi
escolhido por ser uma mídia social com maiores recursos oferecidos pela própria ferramenta
para a recuperação do histórico de conteúdos publicados, diferente do que ocorre no
WhatsApp, Instagram, Facebook, ou nos próprios sites oficiais de veículos de imprensa.
Partimos da pressuposição principal que o uso da expressão fake news no Twitter dos jornais
analisados, desde o seu início, tem um uso, em sua grande maioria, dentro de temáticas que
envolvem disputas políticas. Assim, temos por objetivo criar um marco temporal a partir do
qual as referências a fake news começaram e verificar se o contexto político se confirma, e
sob quais principais temáticas.
3
Disponível em http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/9-em-cada-10-
internautas-receberam-fake-news/ Acesso em 02/03/2019
4
Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2018/10/1983765-24-dos-
eleitores-usam-whatsapp-para-compartilhar-conteudo-eleitoral.shtml Acesso em 02/03/2019
3
Buscar entender a dinâmica em torno das fake news também ganha relevância quando se
constata que esse assunto tem perpassado e influenciado importantes eventos políticos da
atualidade, como veremos adiante. No caso do Brasil, as eleições de 2018 foram as mais
disputadas e polarizadas desde a redemocratização5
.
O trabalho foi estruturado em dois tópicos principais. No primeiro, em referencial teórico,
será estudado o contexto que possibilita e explica a disseminação de fake news, fazendo
referência ainda às discussões em torno da tentativa de sua conceituação. No segundo tópico,
de resultados, o caso brasileiro será contextualizado a partir do estudo dos tweets dos jornais
analisados.
1 METODOLOGIA
Para alcançar os objetivos desse estudo, além da revisão de literatura em relação ao contexto
que possibilita a potencialização da disseminação de fake news, este artigo se fundamenta na
metodologia da análise de conteúdo, conforme o suporte metodológico de Bardin (1988). E
de acordo com essa metodologia, foi utilizada a técnica de análise categorial temática.
―Entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou análise
temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos directos (significações
manifestas) e simples.‖ (BARDIN, 1988, p. 153). Além disso, esse tipo de análise ―[...]
pretende tomar em consideração a totalidade de um «texto», passando-o pelo crivo da
classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou de ausência) de itens
de sentido.‖ (BARDIN, 1988, p. 37).
Fonseca Júnior explica que a análise temática está dentro das possibilidades de categorização,
a qual: ―[...] envolve duas etapas: o inventário e a classificação. A primeira consiste em isolar
o elemento enquanto a segunda consiste em repartir os elementos, reunindo-os em grupos
similares de forma a impor organização às mensagens.‖ (2014, p. 301, grifo do autor).
5
Disponível em https://portal.fgv.br/noticias/redes-sociais-retratam-eleicao-mais-
polarizada-historia-recente-brasil-afirma-fgvdapp. Acesso em 09/02/2019
4
Desta forma, foi realizado o levantamento, ou inventário, de todas as publicações com
menções a fake news feitas pelos jornais Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo em seus
canais oficiais do Twitter. Essas referências abrangem um período de dois anos, o que varia
desde a primeira menção, feita em 2017, até o final de 2018.
Aqui, vale retomar Bardin (1988, p. 119) quando afirma: ―A análise de conteúdo assenta
implicitamente na crença de que a categorização (passagem de dados brutos a dados
organizados) não introduz desvios (por excesso ou por recusa) no material, mas que dá a
conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados brutos.‖
Uma vez realizada a coleta desses dados, os tweets foram categorizados em quatro períodos
básicos: pré-eleitoral, primeiro turno, segundo turno e pós-eleições. Feita essa categorização
de todo conteúdo coletado, todas as publicações de cada período foram inseridas na
ferramenta online Voyant Tools, que cria uma nuvem de palavras mais usadas a partir da
inserção de determinado texto. Assim, foi verificado quais assuntos estiveram em destaque
nas menções a fake news dentro de cada categoria de análise.
O objetivo foi acompanhar a variação do volume referências feitas a fake news para, em
seguida, considerarmos, como foi nossa hipótese inicial, que essas menções, e os conteúdos
mais frequentes associados a elas no Twitter dos jornais verificados, emergiram e são reflexo
direto de disputas político-eleitorais.
2 REFERENCIALTEÓRICO
2. 1. CONTEXTO QUE POTENCIALIZA A DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS
Além de idealmente ser uma disputa de agendas e alternativas políticas, as eleições também
são um embate de versões. Aqui, a verdade pode estar matizada, ou mesmo ausente. E é neste
campo que entra em jogo o que tem sido chamado de fake news, um conceito que tem se
mostrado de uso antes de tudo político e que recentemente passou a ser recorrente para buscar
deslegitimar como mentiroso e mero boato o discurso adversário.
5
Inicialmente, vale destacar que o uso de estratégias de desinformação com motivação política
não é uma novidade (ALBUQUERQUE, 2018). Os exemplos apresentados pelos autores que
reforçam essa questão são, em sua maioria, de casos políticos e eleitorais.
Haveria, por exemplo, relatos de noticiário falso desde a época do Império Romano
(FERRARI, 2018). No entanto, esse artifício e as referências a ele obtiveram um novo fôlego
há pouco mais de dois anos.
De forma sintomática, o número de pesquisas por fake news no Google nos Estados Unidos
vai dar seu primeiro grande salto a partir do final de 2016, segundo aponta levantamento feito
a partir da ferramenta Google Trends (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Tendências de pesquisas nos Estados Unidos (2004 – 2018)
Esse período coincide com a fase que se sucedeu às eleições norte-americanas. Mas o volume
de pesquisas feitas foi ganhando força com a divulgação que a Rússia teria colaborado com a
eleição de Donald Trump por meio da divulgação de fake news contra a adversária Hillary
Clinton, informação que Trump classificou como fake news.
Na França, o salto de pesquisas por fake news também foi dentro de um contexto político-
eleitoral. As buscas pela expressão a partir do território francês obtiveram seu primeiro pico
em maio de 2017 (Gráfico 2). Naquele período, o país estava elegendo Emmanuel Macron
como presidente.
6
Gráfico 2 – Tendências de pesquisa na França (2004 – 2018)
O que primeiramente vale destacar é que essas dois países vivenciaram o salto de interesse e
publicações por fake news exatamente em um contexto político-eleitoral. E o elemento chave
e propulsor desse fenômeno foram as eleições nos Estados Unidos, que ocorreram em 2016.
Isso pode ser verificado a partir do momento em que os jornais norte-americanos (Tabela 01)
e franceses (Tabela 02) passaram a citar o termo.
The New York Times, Washington Post e CNN têm conta no Twitter desde 2007. Mas o
salto relevante no número de menções começou apenas em 2016. The New York Times
passou de duas citações em 2015 para 42 referências em 2016. Washington Post também
passou de duas vezes em 2015 para 53 em 2016.
E, até 2015, a CNN não havia feito citações, mas fez 42 tweets em 2016. Essas referências
começaram a partir das eleições e o contexto do uso da expressão fake news esteve
marcadamente sob o guarda-chuva político.
Tabela 1
Criação da Conta Menções/2014 Menções/ 2015 Menções/ 2016
New York Times Março de 2007 ‗02 02 42
Whashington Post Março de 2007 01 02 53
CNN Fevereiro 2007 0 0 42
7
Quanto à imprensa francesa, também foram selecionados três jornais de abrangência nacional
para verificar o volume de citações a fake news: Le Monde, Le Figaro e Libération (Tabela
2). O ano determinante foi o de 2017, período das eleições presidenciais na França.
Até 2015, nenhum dos três jornais citaram fake news no Twitter, e igualmente fizeram uma
referência em 2016. A diferença ocorre em 2017, na cobertura das eleições no país e durante
as discussões para criar um marco legal contra a disseminação de notícias falsas.
Tabela 2
Criação da Conta Menções/ 2016 Menções/2017 Menções/2018
Le Monde Março 2009 01 20 21
Le Figaro Agosto 2007 01 32 58
Libération Agosto 2009 01 32 72
Embora a delimitação deste artigo seja o Twitter, esse fenômeno não ficou restrito a essa
mídia social, evidentemente. Aqui, vale citar as pesquisas realizadas por Cunha et at. (2018).
Em levantamento realizado em publicações entre 2010 e 2018 de jornais e revistas de língua
inglesa de 20 países, o que se constatou é que o número de citações variou de 95 em 2015
para 4.766 menções em 2016.
As eleições de 2016 nos Estados Unidos não somente fizeram alavancar o número de
referências a fake news como também realocaram o universo semântico da expressão para o
campo político (CUNHA et al., 2018). O primeiro tweet de Donald Trump citando fake news
foi em 10 de dezembro de 2016 – ele tem conta no Twitter desde março de 2009.
Naquela primeira publicação, Trump dizia que não era verdade que iria continuar
apresentando o programa O Aprendiz durante o exercício do mandato, conforme informação
que teria sido dada pela CNN6
. A partir de então, a recorrência ao termo passaria a ser algo
comum na conta oficial do Twitter do presidente eleito. Um tweet de Trump, de fevereiro de
2017, dá indícios sobre como foi a relação com a imprensa nas eleições e como seria ao longo
6
Disponível em https://twitter.com/realDonaldTrump/status/807588632877998081 Acesso em
07/03/2019
8
do mandato: ―Quaisquer pesquisas negativas são fake news, como as pesquisas da CNN,
ABC, NBC durante as eleições [...].7
‖
Em declaração à imprensa, o assessor da Casa Branca, Sebastian Gorka, disse que a
administração continuaria usando ‗notícias falsas‘ até que a imprensa entendesse que
‗atacar‘ o presidente era incorreto. Gorka confessou, portanto, tratar-se de uma
estratégia política que nada tinha a ver com a veracidade do que era dito sobre
Trump. (FERRARI, 2018, p. 67).
A expressão fake news foi tão usada por Donald Trump que, em entrevista a uma TV dos
EUA, ele teria afirmado acreditar que foi o inventor do termo. Contudo, o Merriam-Webster,
principal dicionário de inglês norte-americano, afirma que a expressão foi utilizada pela
primeira vez, também em contexto político, ainda no século 19 e desde então viria tomando
diversas conotações8
. Uma conceituação de fake news, portanto, precisa passar pelas disputas
políticas e a cobertura jornalística desses eventos, uma vez que foi nesse contexto que a
expressão ganhou a importância atual.
Perosa (2017) relaciona três fatores que teriam criado um ambiente propício para a
disseminação de fake news. O primeiro seria o ambiente de alta polarização política, que não
favorece nem o debate racional nem o apreço pelo consenso. O segundo seria a
descentralização da informação, por causa da ascensão de meios de comunicação alternativos
e independentes, propiciada pela internet. Parte dos novos canais contariam com uma agenda
política, e seus compromissos propagandísticos e ideológicos suplantariam qualquer
compromisso com informação factual. O terceiro fator seria o ceticismo generalizado entre as
pessoas quanto às instituições políticas e democráticas – sendo os principais alvos os
governos, os partidos e os veículos de mídia tradicional. Em, relação a esse último fator,
podemos citar Castells:
A conjuminância da degradação das condições materiais de vida e crise dos
governantes encarregados de conduzir os assuntos públicos leva as pessoas a tomar
as coisas em suas próprias mãos, envolvendo-se na ação coletiva fora dos canais
institucionais prescritos para defender suas demandas e, no final, mudar os
governantes e até as regras de suas vidas.(CASTELLS, 2013, p. 157)
7
Disponível em https://twitter.com/realDonaldTrump/status/828574430800539648 Acessado em
09/02/2019
8
Disponível em https://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,donald-trump-acredita-
terinventado-o-termo-fake-news,70002035012 Acesso em06/03/2019
9
E esse ceticismo em relação às instituições encontra apoio em pesquisa divulgada em 2017
pela Fundação Getúlio Vargas9
. De acordo com esse levantamento, governos e partidos
políticos aparecem como as instituições menos confiáveis. As redes sociais se apresentam
com um índice de confiança maior do que a imprensa escrita e emissoras de televisão,
conforme o mesmo estudo. Dessa forma, o compartilhamento de informações que não partem
de instituições tradicionais também seria a expressão de um desejo de se ―manter informado,
sem ser manipulado‖. (BLANCO; PAULA; SILVA, 2018). Llorente também pondera:
A divulgação de falsas notícias conduz a uma banalização da mentira e, deste modo,
à relativização da verdade. O valor ou a credibilidade dos meios de comunicação se
veem reduzidos diante das opiniões pessoais. Os acontecimentos passam a um
segundo plano, enquanto o ―como‖ se conta a história ganha importância e se
sobrepõe ao ―o quê‖. Não se trata, então, de saber o que ocorreu, mas de escutar,
assistir, ver, ler a versão dos fatos que mais concorda comas ideologias de cada um
(LLORENTE, 2017, p. 9).
2. 2. BUSCA PELA CONCEITUAÇÃO
A popularização do termo é recente e a busca por uma conceituação tem sido apontada por
diferentes autores como um desafio embora, a princípio, possa parecer autoexplicativo. Não
há na academia uma definição que seja consenso. Primeiramente, o que vale destacar é que
fake news não são simplesmente notícias falsas. ―Este termo não é apenas enganoso, mas
também generaliza as diferentes maneiras pelas quais as notícias podem ser manipuladas.‖
(PANGRAZIO, 2018, p. 8).
Marwick (2018, p. 476) também avalia que o termo é vago e carregado de valores. Haveria
uma diversidade de significados e práticas mascarados pelo termo, devendo ser buscada uma
expressão mais adequada. A autora prefere o termo ―informação problemática‖ e pondera que
há muita informação política e ideologicamente problemática e que não poderia ser
categorizada como fake news, a qual faria parte de um ecossistema de mídia maior.
Em uma busca de definição, Alcott e Gentzkow consideram que fake news são:
9
Disponível em https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/relatorio_icj_1sem2017.pdf
Acesso em09/02/2019.
10
artigos de notícias que são falsos, intencionalmente e verificadamente e que podem
enganar os leitores. […] Nossa definição inclui intencionalmente artigos de notícias
fabricados […] Inclui também artigos que se originam em sites satíricos e podem
ser tomados como factuais, especialmente se vistos fora de contexto, nos feeds do
Twitter ou do Facebook. Nossa definição exclui parentes próximos das notícias
falsas: 1) erros de reportagem não intencionais […] 2) rumores que não tem origem
num artigo de notícias específico; 3) teorias da conspiração (que são, por definição,
difíceis de verificar) […] 4) sátira que dificilmente será tomada como factual; 5)
declarações falsas de políticos e 6) relatos que são tendenciosos ou enganosos mas
não são completamente falsos (ALCOTT; GENTEZKOW, 2017, p. 213)
Já o Facebook, que esteve bastante envolvido em discussões para tomar providências de
combate a fake news em sua plataforma digital, traz a seguinte concepção:
O termo ―fake news‖ emergiu como uma expressão abrangente para se referir a
todo tipo de coisa, desde artigos de notícias que são factualmente incorretos até
artigos de opinião, paródias e sarcasmo, boatos, rumores, memes, abuso online e
erros factuais em declarações de figuras públicas que são corretamente
mencionados em matérias noticiosas. O uso excessivo e indevido do termo ―fake
news‖ pode ser problemático porque, sem definições comuns, não podemos
entender ou abordar completamente esses problemas. Adotamos a seguinte
terminologia para se referir a esses conceitos: […] artigos de notícias que parecem
ser factuais mas que contêm distorções intencionais de fatos com o propósito de
provocar paixões, atrair audiência ou enganar (WEEDON; NULAND; STAMOS,
2017, p. 4-5).
De forma similar, Lazer et al. (2018) definem fake news como uma informação fabricada que
busca se passar por conteúdo noticioso na forma, mas que não segue o mesmo processo ou
propósito organizacional. Por essa razão, aos produtores de fake news faltariam as normas e
procedimentos editoriais para garantir a precisão e credibilidade da informação.
Seguindo essa linha, fake news seriam diferentes e se sobreporiam a outras formas de
deturpação da informação, como a desinformação, tanto em relação à informação
simplesmente equivocada quanto no que diz respeito à informação equivocada que é
difundida intencionalmente com o objetivo de enganar. Portanto:
Podemos dizer então que entre aqueles que debatem a relevância analítica do termo
―notícias falsas‖ há grande controvérsia sobre pelo menos dois pontos: i) se o
conceito deve se referir apenas a conteúdo noticioso comprovadamente falso ou se
deve se referir também a outras técnicas de desinformação e engano, como os
exageros, as omissões, as informações tiradas de contexto e as especulações; ii) se o
conceito deve incluir apenas o conteúdo falso produzido intencionalmente ou se
compreende também qualquer tipo de equívoco factual verificável, mesmo que não
11
seja intencional, como um simples erro de apuração (RIBEIRO; ORTELLADO,
2018, p. 3).
Ribeiro e Ortellado (2018) defendem que adotar uma dessas definições não deve ser uma
opção aleatória. Os autores argumentam que a análise do que tem sido chamado de ―sites de
notícias falsas‖ deveria deixar claro qual tipo de definição está sendo adotada. Isso porque o
que melhor definiria os ―sites de notícias falsas‖ não é a publicação de notícias falsas, o que
só ocorreria ocasionalmente. Ribeiro e Ortellado afirmam que o estudo do funcionamento
desses sites vai indicar que o que melhor os caracterizam é a publicação de ―informação de
combate‖ na forma de informação noticiosa.
Essa informação de combate pode ser apenas um recorte conveniente do noticiário
do dia, uma notícia com uma manchete sensacionalista, um fato retirado do seu
contexto, um exagero ou uma especulação apresentada como fato – ocasionalmente,
pode até mesmo ser uma mentira. Vários destes procedimentos distorcivos não são
exclusivos dos chamados ―sites de notícias falsas‖ e têm sido empregados também
pela grande imprensa. Por esse motivo, não é possível traçar uma linha demarcatória
muito clara separando os maus veículos, dos confiáveis, a verdade, da mentira. Mais
adequado, talvez, seja olhar para o contexto no qual a ―informação de combate‖ tem
sido produzida, tanto na imprensa alternativa, como na grande imprensa e pensar
que a fabricação de fatos e outros procedimentos de distorção na produção de
notícias são o resultado de um processo mais geral de rebaixamento dos padrões
editoriais para atender um ambiente político polarizado. É por esse motivo,
acreditamos, que uma parcela dos pesquisadores e analistas têm abandonado o
conceito de ―sites de notícias falsas‖ e se referido ao fenômeno como a emergência
de uma mídia ―hiper-partidária‖ (RIBEIRO; ORTELLADO, 2018, p. 3).
Wardle (2017) também aponta para a imprecisão conceitual e avança sobre as nuances em
torno dessa ideia e com uma proposta de categorização do que ela prefere chamar de
ecossistema da desinformação. Wardle defende que devemos fazer as seguintes divisões: os
diferentes tipos de conteúdo que são criados e compartilhados, as motivações daqueles que
criam este conteúdo e as formas como este conteúdo está sendo divulgado.
Assim, para a Wardle, (2017) há pelo menos sete tipos de desinformação – a falsa conexão:
quando manchetes, ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo; falso contexto:
quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa; manipulação
do contexto: quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar; sátira ou
paródia: quando não há intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar; conteúdo
enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou indivíduo; conteúdo
12
impostor: quando fontes genuínas são imitadas; conteúdo fabricado: conteúdo novo, que é
100% falso, criado para ludibriar e prejudicar.
Wardle (2017) começou a fazer essa sistematização em 2016, bem no contexto das eleições
presidenciais nos Estados Unidos, a partir das quais o uso do termo fake news passou a ser
popularizado pelo mundo. Foi também no ano de 2016 que o dicionário Oxford escolheu o
termo ―pós-verdade‖ como a palavra daquele ano10
. A escolha pelo termo do ano se daria
com base no ―potencial duradouro‖ e na ―significância cultural‖. A diferença fundamental
entre fake news e ―pós-verdade‖ estaria no fato de que a primeira não teria a necessidade de
apresentar fatos verídicos em uma notícia, enquanto a pós-verdade busca apelar para aspectos
emocionais de uma narrativa verdadeira (BLANCO; PAULA; SILVA, 2018).
Para ficar na definição do dicionário Oxford de ―pós-verdade‖: ―circunstâncias nas quais os
fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças
pessoais.11
‖ Ou seja, ―[...] o objetivo e o racional perdem peso diante do emocional ou da
vontade de sustentar crenças, apesar dos fatos demonstrarem o contrário.‖ (LLORENTE,
2017, p. 9). E por não se querer sair da zona de conforto da crença, acaba que são criadas
―bolhas de pensamento‖ nas quais há uma espécie de consenso sobre um assunto, e ideias
diferentes são logo refutadas (FERRARI, 2018). Contudo, o foco deste trabalho se volta para
os usos de fake news, uma vez que foi o termo mais popularizado recentemente dentre essas
duas expressões.
Exemplificando a aceitação ou refutação sobre uma determinada ideia, o professor de Gestão
de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado12
, afirma que tanto os eleitores de Fernando
Haddad quanto os de Jair Bolsonaro tiveram alta exposição a boatos, mas que a adesão foi
diferente entre eles. ―85% dos eleitores do Bolsonaro, por exemplo, ouviram o boato do kit
gay e 84% acreditaram — ou seja, quase todos que escutaram, acreditaram; já entre os
eleitores do Haddad, 61% escutou o boato, mas apenas 10% acreditou‖, diz Ortellado.
10
Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/pos-verdade-e-eleita-a-palavra-do-ano-
pelodicionario-oxford.ghtml Acessado em 09/02/2019
11
https://en.oxforddictionaries.com/definition/post-truth
12
Disponível em https://www.facebook.com/ortelladopablo/posts/2104468419618720 Acesso em
02/03/2019
13
Ortellado considera que essa diferença entre exposição e adesão segundo os eleitores de cada
candidato sugere que os boatos corroboram visões de mundo e narrativas políticas, mais do
que produzem juízos políticos equivocados isolados. O professor exemplifica considerando
que quando uma determinada narrativa é aceita e faz parte da cosmovisão de alguém, essa
pessoa fica mais suscetível a aceitar uma informação falsa que ilustra essa tese. ―Neste
sentido, embora a mentira isolada não tenha o poder de mudar um voto, ela é também
portadora de uma visão de mundo e de uma narrativa política que está chegando ao eleitor
por outros lados‖, finaliza o professor.
3 RESULTADOS
Vimos que o salto de pesquisas por fake news alcançou o ápice nos Estados Unidos e França
durante períodos de disputas eleitorais e deles decorrentes. Aqui no Brasil, a busca pela
expressão também atingiu seu auge ao longo do mesmo contexto de disputas políticas. O
maior volume de pesquisas ocorreu durante o 2º turno das eleições, em outubro de 2018
(Gráfico 3).
Gráfico 3 – Tendências de pesquisas no Brasil (2004 – 2018)
E com quase uma década de conta no Twitter, verificamos que Estadão, O Globo e Folha de
S. Paulo não contavam com qualquer menção a fake news até o ano de 2016 em suas contas
oficiais no Twitter. As referências só começaram a partir do ano de 2017 (Tabela 3).
14
Tabela 3
Criação da Conta Menções em 2016 Menções em 2017 Menções em 2018
O Globo Julho 2009 0 12 81
Folha Abril de 2008 0 22 142
Estadão Outubro de 2007 0 16 112
O Gráfico 4 indica o número total de referências diretas a fake news durante o período pré-
eleitoral, considerando todos os jornais analisados: esse primeiro período da seleção dos
tweets começa desde a primeira referência feita em cada jornal e termina em julho de 2018
Gráfico 4 – Pré-eleições - janeiro de 2017 a julho de 2018
Desde as primeiras menções, em 2017, o conteúdo das publicações está relacionado às
eleições de 2018 em uma problematização do cenário que poderia ser verificado aqui no
Brasil, tal como ocorreu em disputas políticas recentes em outros países.
Essa preocupação dos jornais pode ser percebida em uso de expressões tais como: combate,
combater, eleições, facebook, fux e tse, conforme vemos na Figura 1. ―Fux‖ é referente a
Luiz Fux, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
15
A cobertura da imprensa estava bastante direcionada para cobrar ações mais efetivas para que
a disseminação de fake news não ocorresse no Brasil tal como nos Estados Unidos e França.
Em outubro de 2018, a Folha publicava que ―Ministros avaliam que a comissão do TSE
contra fake news falhou‖13
.
Figura 1 – Referências de todos os jornais antes das eleições
Nas referências antes das eleições, ―Marielle‖ surge como um dos termos mais usados
especialmente devido à cobertura do jornal O Globo do assassinato da vereadora do Rio de
Janeiro Marielle Franco, em março de 2018. Mais do que os outros jornais acompanhados, O
Globo cobriu de forma mais intensa os boatos que logo começaram a se disseminar
digitalmente envolvendo a vida pessoal da vereadora.
As referências a fake news durante o 1º turno também se mantiveram relacionadas em sua
maioria a ―eleições‖ (Figura 2). No entanto, aqui emergem expressões como ―risco‖, ―robôs‖
e ―globo‖.
―Risco‖ e ―robôs‖ surgem especialmente a partir de publicações de O Globo com o
questionamento se a ocorrência e o resultado das eleições estariam em risco devido à
disseminação de fake news através de publicações de robôs. O trecho da matéria trazia: ―Na
eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016, as agências de inteligência
americanas afirmam que houve interferência russa no pleito, com cyberataque que incluía a
13
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2018/10/ministros-
avaliam-que-comissao-do-tse-contra-fake-news-falhou.shtml Acesso em08/06/2019
16
divulgação de fake news e o uso de bots. Como visto, no Brasil, esses artifícios também vêm
sendo usados.‖14
Figura 2 – Referências de todos os jornais durante o 1º turno
‗
A maior quantidade de menções a fake news pelos jornais ocorreu no 2º turno das eleições de
outubro de 2018, com maior destaque para as referências do jornal Folha de S. Paulo (Gráfico
5). Boa parte do protagonismo deste jornal se deve à matéria da jornalista Patrícia Campos
Mello. A publicação afirmava: ―Empresários bancam campanha contra o PT pelo
Whatsapp‖.15
A informação obteve uma forte reação contrária nas mídias sociais geridas pela
rede de apoiadores ao então candidato Jair Bolsonaro (PSL).
Figura 3 - Referências de todos os jornais durante o 2º turno
14
Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/video-fake-news-robos-colocam-em-risco-as-
eleicoes-no-brasil-23015339 Acesso em08/06/2019
15
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-
opt-pelo-whatsapp.shtml Acesso em 16/04/2019
17
Não por acaso, as expressões mais recorrentes em associação a fake news durante esse
período foram: Bolsonaro, whatsapp, TSE, campanha e Haddad (Figura 3).
Depois das eleições, as referências a fake news registraram forte queda, conforme
verificamos no Gráfico 5. As menções que chegam a ser feitas ainda têm direcionamento
eleitoral (Figura 4), em sua maioria, mas que não podem ser comparadas com o volume
verificado durante os dois turnos das eleições.
Gráfico 5 – 1º turno (agosto e setembro); 2º turno (outubro) e pós-eleições (novembro e dezembro)
O assunto das eleições divide espaço com a notícia de que ―Banda marca turnê na Europa na
base da fake news e é desmascarada.‖ ―Enem‖ aparece devido à cogitação de que fake news
poderia ser tema de redação do exame, além de ter havido disseminação de boato de que a
prova seria cancelada.
Figura 4 - Referências de todos os jornais depois das eleições
18
dividido com o WhatsApp16
.
Os jornais se destacaram por trazer uma cobertura no direcionamento de orientar o público
Quando agrupamos o texto dos tweets de todos os jornais em uma única nuvem de palavras,
vemos que os tweets publicados durante o 2º turno foram os que mais tiveram peso no
resultado geral das expressões mais usadas pelos jornais. Os então candidatos Fernando
Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) aparecem em destaque dado o acirramento da disputa
eleitoral entre os dois durante o 2º turno das eleições, ambos os lados se diziam alvos de fake
news.
Figura 5 – Palavras que se destacam nos tweets dos jornais entre 2017 e 2018
sobre como identificar fake news, ao mesmo tempo em que fazia cobranças de ações mais
o lugar central dessa disseminação foi no Facebook. No Brasil, esse protagonismo foi
4 CONSIDERAÇÕESFINAIS
A proposta desse artigo surgiu a partir de uma observação pessoal de que o uso da expressão
fake news teria um contexto diretamente político. A relação não é apenas direta, mas também
16
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/whatsapp-e-vetor-de-fake-news-nobrasil-
nos-eua-papel-e-do-facebook.shtml Acesso em16/04/2019
efetivas por parte do TSE em relação a essa disseminação. Nas eleições nos Estados Unidos,
19
é embrionária, pelo menos no léxico em inglês. Vimos que na mais antiga referência que se
tem sobre fake news em inglês o uso também é verificado em ambiente político.
Apesar dessa relação antiga, Cunha et at. (2018) lembram que a expressão também vinha
sendo usada em outras situações, não apenas políticas. O ponto decisivo para que a associação
com a política viesse a ser quase direta foram as eleições nos Estados Unidos em 2016. A
partir delas, o uso se popularizou mundialmente, sempre em relação com disputas políticas.
Aqui no Brasil, os jornais buscavam maneiras de combater essa disseminação e educar as
pessoas em relação a fake news, ao mesmo tempo em que cobravam ações mais resolutivas
das instituições competentes. Enquanto isso, os políticos atribuíam ao adversário o uso de
fake news como arma política. Essa associação não foi apenas ao oponente eleitoral, mas
também foi em grande medida àquilo que era publicado pela imprensa.
Contra políticos e imprensa, a atribuição de publicação de fake news não tinha apreço pelas
diferenças de contexto. A generalização do uso do termo para caracterizar situações distintas
se mostra uma opção política com grande apelo emotivo. Aqui, o critério da caracterização de
fake news passa a ser o desagrado pessoal que a informação causa.
Nessa disputa discursiva, não importam os dados concretos e desmentidos contra determinada
informação. Antes disso, vale mais a posição e a crença previamente assumidas. Ou seja, a
consciência, ou a vivência política, exerce influência na interpretação dos dados. Vimos isso
na pesquisa sobre a recepção entre apoiadores de Bolsonaro e os de Haddad em relação ao
chamado kit gay, um dos grandes temas de discussão durante o 2º turno. O que se percebe é
que boatos corroboram visões de mundo e narrativas políticas, mais do que produzem juízos
políticos equivocados isolados, conforme considera Ortellado. Esse é o critério que ganha
peso como elemento da verdade.
Embora esse artigo tenha se dedicado ao estudo da emergência do uso de fake news, é ponto
pacífico entre os autores pesquisados que mentira e desinformação não é um recurso político
novo. Uma proposta de aprofundamento desse estudo é exatamente verificar quais as outras
formas anteriores para se referir a essa mesma prática.
20
Temos, por exemplo, vários livros que tratam do poder de "boatos". Uma das definições de
―boato‖ trazidas pelo Dicionário Aurélio é: ―notícia cuja fonte não é conhecida, geralmente
sem fundamento, sendo publicamente divulgada.‖ Será que esse termo dá conta do fenômeno
verificado desde 2016? O que foi visto é que a imprensa nacional importou um termo que se
consagrou internacionalmente, o que não quer dizer que não haveria em português alguma
expressão que pudesse corresponder a mesma coisa.
Outro questionamento: fake news ainda seguirá tendo uma associação tão estreita com
disputas políticas? Nesse sentido, vale observar como será o recurso retórico nas eleições
municipais de 2020 aqui no Brasil, e nas próximas disputas políticas internacionais.
Fato é que no contexto atual o que temos de diferente é a tríade da alta polarização política,
descentralização da produção e consumo das informações propiciados pela internet, além do
crescente ceticismo contra partidos política e veículos de imprensa. Cada qual tem seu
discurso, sua verdade e grupos políticos podem impor essas versões mediante as inauditas
possibilidades tecnológicas de disseminação de informações e de ataque contra quem se
posiciona de maneira diferente.
Nessa nova ambiência de construção de sentidos, Castells (2013, p. 11) afirma:
Embora cada mente humana individual construa seu próprio significado
interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse
processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Assim, a
mudança de ambiente comunicacional afeta diretamente as normas de construção de
significado e, portanto,a produção de relações de poder.
E para que o processo de comunicação ocorra haveria duas exigências: a consonância
cognitiva entre emissores e receptores da mensagem e um canal de comunicação eficaz
(CASTELLS, 2013).
A empatia no processo de comunicação é determinada por experiências semelhantes
às que motivaram o acesso emocional inicial. Em termos concretos, se muitos
indivíduos se sentem humilhados, explorados, ignorados ou mal representados, eles
estão prontos a transformar sua raiva em ação, tão logo superem o medo. E eles
superam o medo pela expressão extrema da raiva, sob a forma de indignação, ao
tomarem conhecimento de em evento insuportável ocorrido com quem se
identificam. Essa identificação é mais bem atingida compartilhando-se sentimentos
em alguma forma de proximidade criada no processo de comunicação (CASTELLS,
2013, p. 19).
21
Assim, historicamente, a existência dos diferentes segmentos dos movimentos sociais
dependeriam da mecanismos de comunicação específicos, tais como: boatos, sermões,
panfletos e manifestos passados de pessoa para pessoa. Isso pode ocorrer seja a partir de
púlpitos, imprensa, ou quaisquer que sejam os meios de comunicação disponíveis
(CASTELLS, 2013).
E o que temos atualmente de meio de comunicação disponível são as redes digitais: ―são os
veículos mais rápidos e mais autônomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda
a história‖ (CASTELLS, 2013, p. 19).
Nesse contexto, Castells lembra que é comum verificar que os movimentos sociais se tornem
matérias-primas para a experimentação ideológica ou a instrumentalização política. ―Por
vezes, até no legado histórico a experiência humana do movimento tende a ser substituída por
uma imagem reconstruída para a legitimação de líderes políticos ou a justificação das teorias
de seus líderes orgânicos‖ (CASTELLS, 2013, p. 20).
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Afonso. O Combate às Fake News nas Eleições de 2018: Rumo à
PósDemocracia? Disponível em http://iespnaseleicoes.com.br/o-combate-as-fake-news-
naseleicoes-de-2018-rumo-a-pos-democracia/. Acesso em 09/02/2019
ALCOTT, Hunt; GENTZKOW. Social media and fake news in the 2016 election. In:
Journal of Economic Perspectives—Volume 31, Number 2—Spring 2017—Pages 211–236
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1988
CASTELLS. Manuel. Redes de esperança e indignação. Rio de Janeiro: Zahar, 2013
CUNHA, Evandro et al. Fake news as we feel it: perception and conceptualization of the
term “fake news” in the media. Lecture Notes in Computer Science. 1ed.: Springer
International Publishing, 2018, v. p. 151-166. Disponível em
https://arxiv.org/abs/1807.06926 Acesso em 26/02/2019.
David M. Lazer et al., ―The Science of Fake News,‖ Science 359, no. 6380 (2018): 1094-
1096.
FERRARI, Pollyana, Como sair das bolhas. – São Paulo: Editora Armazém da Cultura, 2018
22
FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa. Análise do conteúdo. In: DUARTE, Jorge; BARROS,
Antonio (orgs.). Metódos e técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.
LLORENTE, José Antonio. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. In Revista
Uno, São Paulo, v 27, n. 1, março 2017.
MARWICK, Alice E. Why do people share fake news? A sociotechnical modelo of media
effects. In: GEO. L. TECH. REV. 474 (2018).
Ortellado, Pablo; RIBEIRO, M. M. . O que são e como lidar com as notícias falsas. SUR.
REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (IMPRESSO), v. 27, p. 5, 2018.
PANGRAZIO, Luci. What‟s new about „fake news‟? Critical digital literacies in an era
of fake news, post-truth and clickbait. Revista Páginas de Educación. Vol. 11, Núm. 1
(2018)
PAULA, Lorena Tavares de; SILVA, Thiago dos Reis da; BLANCO, Yuri Augusto.
Pósverdade e Fontes de Informação: um estudo sobre fake news. In: Revista
Conhecimento em
Ação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./jun. 2018. Disponível em
https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/16764 Acesso em 09/02/2019
PEROSA, Teresa (2017). O império da pós-verdade. Disponível em
https://epoca.globo.com/mundo/noticia/2017/04/o-imperio-da-pos-verdade.html Acesso em
09/02/2019
WARDLE, Claire. Fake news. It‟s complicated. Disponível em
https://firstdraftnews.org/fakenews-complicated/ Acesso em 26/02/2019
WEEDON, Jen; NULAND, William; STAMOS, Alex. Information operations and
Facebook. 2017. Disponível em
https://fbnewsroomus.files.wordpress.com/2017/04/facebookand-information-operations-
v1.pdf Acesso em 07/03/2019

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Fake news: a popularização da expressão em contexto político

  • 1. FAKE NEWS: A POPULARIZAÇÃO DA EXPRESSÃO EM CONTEXTO POLÍTICO Ezequiel Vieira Machado1 Rafael Cláudio Simões2 RESUMO O objetivo é verificar quando, e sob quais temáticas mais recorrentes, ocorreram as primeiras referências no Brasil em relação a fake news. Para tanto, este trabalho agrupa todas as referências a esta expressão feitas pelos canais oficiais do Twitter dos jornais Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo. Além do levantamento teórico sobre as questões que envolvem o fenômeno analisado, este estudo utiliza como suporte metodológico a análise de conteúdo (BARDIN, 1988). Os tweets serão categorizados em quatro períodos básicos: pré-eleitoral, primeiro turno, segundo turno e pós-eleições. A hipótese é que, embora, o uso de desinformação na política seja uma prática antiga, o uso do termo fake news é algo recente e reflexo direto de disputas político-eleitorais aqui no Brasil, tal como ocorreu na experiência de outros países. PALAVRAS-CHAVE: Fake news. Desinformação. Twitter. Eleições 2018. ABSTRACT The main goal is to verify when the references to the term fake news were first used in Brazil; and to analyze to which recurrent themes it was linked. For this purpose, this paperwork gathers all the references to this expression made by the official Twitter page of the newspapers Estadão, Folha de S. Paulo and O Globo. In addition to the theoretical research on the use of the term ―fake news‖, this study uses the content analysis as a methodological approach (BARDIN, 1988) The tweets will be divided in four periods: pre-election, first round, second round and post-election. Although the strategy of using misinformation in Politics is a well-known practice, the hypothesis is that the use of the term fake new is recent and it directly reflects the political-electoral disputes that occurred in Brazil and in other countries. KEYWORDS: Fake news. Desinformation. Twitter. Elections 2018 1 Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFES (2008). Pós -graduando em Comunicação e Marketing Digital pela Universidade Vila Velha (2019). Email: ezequielvieira@gmail.com 2 Mestre em História no Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), 2014. Doutorando do mesmo programa (2016 - 2020). Professor na Universidade Vila Velha (UVV).
  • 2. 2 INTRODUÇÃO Pesquisa realizada pelo IBOPE, divulgada em novembro de 20183 , aponta que 90% dos usuários de internet do Brasil afirmaram já ter recebido notícias falsas. A pesquisa foi realizada entre 18 e 22 de outubro daquele mesmo ano, antes do 2º turno das eleições no Brasil. A maior parte das fake news teriam sido lidas no Facebook (80%) e no WhatsApp (75%). Já uma pesquisa do Datafolha, realizada entre 24 e 25 de outubro de 20184 , indica que o Whatsapp foi a rede ou aplicativo social mais utilizado pelos eleitores: 65% têm conta, sendo que 24% o utilizariam para compartilhar notícias sobre políticas e eleições. Essas pesquisas estão situadas no contexto das eleições brasileiras, ocorridas em outubro de 2018, e tiveram o objetivo de obter informações sobre um fenômeno que acabou obtendo proporções inéditas. Dado o protagonismo assumido pelo usos de desinformações em nosso período eleitoral, bem como pelos aplicativos e mídias sociais para consumo e produção de notícias políticas, este projeto de pesquisa visa a verificar no Twitter as citações feitas pelos principais jornais do Brasil em relação à expressão fake news. Os jornais considerados neste estudo são Estadão, O Globo e Folha de S. Paulo. O Twitter foi escolhido por ser uma mídia social com maiores recursos oferecidos pela própria ferramenta para a recuperação do histórico de conteúdos publicados, diferente do que ocorre no WhatsApp, Instagram, Facebook, ou nos próprios sites oficiais de veículos de imprensa. Partimos da pressuposição principal que o uso da expressão fake news no Twitter dos jornais analisados, desde o seu início, tem um uso, em sua grande maioria, dentro de temáticas que envolvem disputas políticas. Assim, temos por objetivo criar um marco temporal a partir do qual as referências a fake news começaram e verificar se o contexto político se confirma, e sob quais principais temáticas. 3 Disponível em http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/9-em-cada-10- internautas-receberam-fake-news/ Acesso em 02/03/2019 4 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2018/10/1983765-24-dos- eleitores-usam-whatsapp-para-compartilhar-conteudo-eleitoral.shtml Acesso em 02/03/2019
  • 3. 3 Buscar entender a dinâmica em torno das fake news também ganha relevância quando se constata que esse assunto tem perpassado e influenciado importantes eventos políticos da atualidade, como veremos adiante. No caso do Brasil, as eleições de 2018 foram as mais disputadas e polarizadas desde a redemocratização5 . O trabalho foi estruturado em dois tópicos principais. No primeiro, em referencial teórico, será estudado o contexto que possibilita e explica a disseminação de fake news, fazendo referência ainda às discussões em torno da tentativa de sua conceituação. No segundo tópico, de resultados, o caso brasileiro será contextualizado a partir do estudo dos tweets dos jornais analisados. 1 METODOLOGIA Para alcançar os objetivos desse estudo, além da revisão de literatura em relação ao contexto que possibilita a potencialização da disseminação de fake news, este artigo se fundamenta na metodologia da análise de conteúdo, conforme o suporte metodológico de Bardin (1988). E de acordo com essa metodologia, foi utilizada a técnica de análise categorial temática. ―Entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos directos (significações manifestas) e simples.‖ (BARDIN, 1988, p. 153). Além disso, esse tipo de análise ―[...] pretende tomar em consideração a totalidade de um «texto», passando-o pelo crivo da classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou de ausência) de itens de sentido.‖ (BARDIN, 1988, p. 37). Fonseca Júnior explica que a análise temática está dentro das possibilidades de categorização, a qual: ―[...] envolve duas etapas: o inventário e a classificação. A primeira consiste em isolar o elemento enquanto a segunda consiste em repartir os elementos, reunindo-os em grupos similares de forma a impor organização às mensagens.‖ (2014, p. 301, grifo do autor). 5 Disponível em https://portal.fgv.br/noticias/redes-sociais-retratam-eleicao-mais- polarizada-historia-recente-brasil-afirma-fgvdapp. Acesso em 09/02/2019
  • 4. 4 Desta forma, foi realizado o levantamento, ou inventário, de todas as publicações com menções a fake news feitas pelos jornais Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo em seus canais oficiais do Twitter. Essas referências abrangem um período de dois anos, o que varia desde a primeira menção, feita em 2017, até o final de 2018. Aqui, vale retomar Bardin (1988, p. 119) quando afirma: ―A análise de conteúdo assenta implicitamente na crença de que a categorização (passagem de dados brutos a dados organizados) não introduz desvios (por excesso ou por recusa) no material, mas que dá a conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados brutos.‖ Uma vez realizada a coleta desses dados, os tweets foram categorizados em quatro períodos básicos: pré-eleitoral, primeiro turno, segundo turno e pós-eleições. Feita essa categorização de todo conteúdo coletado, todas as publicações de cada período foram inseridas na ferramenta online Voyant Tools, que cria uma nuvem de palavras mais usadas a partir da inserção de determinado texto. Assim, foi verificado quais assuntos estiveram em destaque nas menções a fake news dentro de cada categoria de análise. O objetivo foi acompanhar a variação do volume referências feitas a fake news para, em seguida, considerarmos, como foi nossa hipótese inicial, que essas menções, e os conteúdos mais frequentes associados a elas no Twitter dos jornais verificados, emergiram e são reflexo direto de disputas político-eleitorais. 2 REFERENCIALTEÓRICO 2. 1. CONTEXTO QUE POTENCIALIZA A DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS Além de idealmente ser uma disputa de agendas e alternativas políticas, as eleições também são um embate de versões. Aqui, a verdade pode estar matizada, ou mesmo ausente. E é neste campo que entra em jogo o que tem sido chamado de fake news, um conceito que tem se mostrado de uso antes de tudo político e que recentemente passou a ser recorrente para buscar deslegitimar como mentiroso e mero boato o discurso adversário.
  • 5. 5 Inicialmente, vale destacar que o uso de estratégias de desinformação com motivação política não é uma novidade (ALBUQUERQUE, 2018). Os exemplos apresentados pelos autores que reforçam essa questão são, em sua maioria, de casos políticos e eleitorais. Haveria, por exemplo, relatos de noticiário falso desde a época do Império Romano (FERRARI, 2018). No entanto, esse artifício e as referências a ele obtiveram um novo fôlego há pouco mais de dois anos. De forma sintomática, o número de pesquisas por fake news no Google nos Estados Unidos vai dar seu primeiro grande salto a partir do final de 2016, segundo aponta levantamento feito a partir da ferramenta Google Trends (Gráfico 1). Gráfico 1 – Tendências de pesquisas nos Estados Unidos (2004 – 2018) Esse período coincide com a fase que se sucedeu às eleições norte-americanas. Mas o volume de pesquisas feitas foi ganhando força com a divulgação que a Rússia teria colaborado com a eleição de Donald Trump por meio da divulgação de fake news contra a adversária Hillary Clinton, informação que Trump classificou como fake news. Na França, o salto de pesquisas por fake news também foi dentro de um contexto político- eleitoral. As buscas pela expressão a partir do território francês obtiveram seu primeiro pico em maio de 2017 (Gráfico 2). Naquele período, o país estava elegendo Emmanuel Macron como presidente.
  • 6. 6 Gráfico 2 – Tendências de pesquisa na França (2004 – 2018) O que primeiramente vale destacar é que essas dois países vivenciaram o salto de interesse e publicações por fake news exatamente em um contexto político-eleitoral. E o elemento chave e propulsor desse fenômeno foram as eleições nos Estados Unidos, que ocorreram em 2016. Isso pode ser verificado a partir do momento em que os jornais norte-americanos (Tabela 01) e franceses (Tabela 02) passaram a citar o termo. The New York Times, Washington Post e CNN têm conta no Twitter desde 2007. Mas o salto relevante no número de menções começou apenas em 2016. The New York Times passou de duas citações em 2015 para 42 referências em 2016. Washington Post também passou de duas vezes em 2015 para 53 em 2016. E, até 2015, a CNN não havia feito citações, mas fez 42 tweets em 2016. Essas referências começaram a partir das eleições e o contexto do uso da expressão fake news esteve marcadamente sob o guarda-chuva político. Tabela 1 Criação da Conta Menções/2014 Menções/ 2015 Menções/ 2016 New York Times Março de 2007 ‗02 02 42 Whashington Post Março de 2007 01 02 53 CNN Fevereiro 2007 0 0 42
  • 7. 7 Quanto à imprensa francesa, também foram selecionados três jornais de abrangência nacional para verificar o volume de citações a fake news: Le Monde, Le Figaro e Libération (Tabela 2). O ano determinante foi o de 2017, período das eleições presidenciais na França. Até 2015, nenhum dos três jornais citaram fake news no Twitter, e igualmente fizeram uma referência em 2016. A diferença ocorre em 2017, na cobertura das eleições no país e durante as discussões para criar um marco legal contra a disseminação de notícias falsas. Tabela 2 Criação da Conta Menções/ 2016 Menções/2017 Menções/2018 Le Monde Março 2009 01 20 21 Le Figaro Agosto 2007 01 32 58 Libération Agosto 2009 01 32 72 Embora a delimitação deste artigo seja o Twitter, esse fenômeno não ficou restrito a essa mídia social, evidentemente. Aqui, vale citar as pesquisas realizadas por Cunha et at. (2018). Em levantamento realizado em publicações entre 2010 e 2018 de jornais e revistas de língua inglesa de 20 países, o que se constatou é que o número de citações variou de 95 em 2015 para 4.766 menções em 2016. As eleições de 2016 nos Estados Unidos não somente fizeram alavancar o número de referências a fake news como também realocaram o universo semântico da expressão para o campo político (CUNHA et al., 2018). O primeiro tweet de Donald Trump citando fake news foi em 10 de dezembro de 2016 – ele tem conta no Twitter desde março de 2009. Naquela primeira publicação, Trump dizia que não era verdade que iria continuar apresentando o programa O Aprendiz durante o exercício do mandato, conforme informação que teria sido dada pela CNN6 . A partir de então, a recorrência ao termo passaria a ser algo comum na conta oficial do Twitter do presidente eleito. Um tweet de Trump, de fevereiro de 2017, dá indícios sobre como foi a relação com a imprensa nas eleições e como seria ao longo 6 Disponível em https://twitter.com/realDonaldTrump/status/807588632877998081 Acesso em 07/03/2019
  • 8. 8 do mandato: ―Quaisquer pesquisas negativas são fake news, como as pesquisas da CNN, ABC, NBC durante as eleições [...].7 ‖ Em declaração à imprensa, o assessor da Casa Branca, Sebastian Gorka, disse que a administração continuaria usando ‗notícias falsas‘ até que a imprensa entendesse que ‗atacar‘ o presidente era incorreto. Gorka confessou, portanto, tratar-se de uma estratégia política que nada tinha a ver com a veracidade do que era dito sobre Trump. (FERRARI, 2018, p. 67). A expressão fake news foi tão usada por Donald Trump que, em entrevista a uma TV dos EUA, ele teria afirmado acreditar que foi o inventor do termo. Contudo, o Merriam-Webster, principal dicionário de inglês norte-americano, afirma que a expressão foi utilizada pela primeira vez, também em contexto político, ainda no século 19 e desde então viria tomando diversas conotações8 . Uma conceituação de fake news, portanto, precisa passar pelas disputas políticas e a cobertura jornalística desses eventos, uma vez que foi nesse contexto que a expressão ganhou a importância atual. Perosa (2017) relaciona três fatores que teriam criado um ambiente propício para a disseminação de fake news. O primeiro seria o ambiente de alta polarização política, que não favorece nem o debate racional nem o apreço pelo consenso. O segundo seria a descentralização da informação, por causa da ascensão de meios de comunicação alternativos e independentes, propiciada pela internet. Parte dos novos canais contariam com uma agenda política, e seus compromissos propagandísticos e ideológicos suplantariam qualquer compromisso com informação factual. O terceiro fator seria o ceticismo generalizado entre as pessoas quanto às instituições políticas e democráticas – sendo os principais alvos os governos, os partidos e os veículos de mídia tradicional. Em, relação a esse último fator, podemos citar Castells: A conjuminância da degradação das condições materiais de vida e crise dos governantes encarregados de conduzir os assuntos públicos leva as pessoas a tomar as coisas em suas próprias mãos, envolvendo-se na ação coletiva fora dos canais institucionais prescritos para defender suas demandas e, no final, mudar os governantes e até as regras de suas vidas.(CASTELLS, 2013, p. 157) 7 Disponível em https://twitter.com/realDonaldTrump/status/828574430800539648 Acessado em 09/02/2019 8 Disponível em https://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,donald-trump-acredita- terinventado-o-termo-fake-news,70002035012 Acesso em06/03/2019
  • 9. 9 E esse ceticismo em relação às instituições encontra apoio em pesquisa divulgada em 2017 pela Fundação Getúlio Vargas9 . De acordo com esse levantamento, governos e partidos políticos aparecem como as instituições menos confiáveis. As redes sociais se apresentam com um índice de confiança maior do que a imprensa escrita e emissoras de televisão, conforme o mesmo estudo. Dessa forma, o compartilhamento de informações que não partem de instituições tradicionais também seria a expressão de um desejo de se ―manter informado, sem ser manipulado‖. (BLANCO; PAULA; SILVA, 2018). Llorente também pondera: A divulgação de falsas notícias conduz a uma banalização da mentira e, deste modo, à relativização da verdade. O valor ou a credibilidade dos meios de comunicação se veem reduzidos diante das opiniões pessoais. Os acontecimentos passam a um segundo plano, enquanto o ―como‖ se conta a história ganha importância e se sobrepõe ao ―o quê‖. Não se trata, então, de saber o que ocorreu, mas de escutar, assistir, ver, ler a versão dos fatos que mais concorda comas ideologias de cada um (LLORENTE, 2017, p. 9). 2. 2. BUSCA PELA CONCEITUAÇÃO A popularização do termo é recente e a busca por uma conceituação tem sido apontada por diferentes autores como um desafio embora, a princípio, possa parecer autoexplicativo. Não há na academia uma definição que seja consenso. Primeiramente, o que vale destacar é que fake news não são simplesmente notícias falsas. ―Este termo não é apenas enganoso, mas também generaliza as diferentes maneiras pelas quais as notícias podem ser manipuladas.‖ (PANGRAZIO, 2018, p. 8). Marwick (2018, p. 476) também avalia que o termo é vago e carregado de valores. Haveria uma diversidade de significados e práticas mascarados pelo termo, devendo ser buscada uma expressão mais adequada. A autora prefere o termo ―informação problemática‖ e pondera que há muita informação política e ideologicamente problemática e que não poderia ser categorizada como fake news, a qual faria parte de um ecossistema de mídia maior. Em uma busca de definição, Alcott e Gentzkow consideram que fake news são: 9 Disponível em https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/relatorio_icj_1sem2017.pdf Acesso em09/02/2019.
  • 10. 10 artigos de notícias que são falsos, intencionalmente e verificadamente e que podem enganar os leitores. […] Nossa definição inclui intencionalmente artigos de notícias fabricados […] Inclui também artigos que se originam em sites satíricos e podem ser tomados como factuais, especialmente se vistos fora de contexto, nos feeds do Twitter ou do Facebook. Nossa definição exclui parentes próximos das notícias falsas: 1) erros de reportagem não intencionais […] 2) rumores que não tem origem num artigo de notícias específico; 3) teorias da conspiração (que são, por definição, difíceis de verificar) […] 4) sátira que dificilmente será tomada como factual; 5) declarações falsas de políticos e 6) relatos que são tendenciosos ou enganosos mas não são completamente falsos (ALCOTT; GENTEZKOW, 2017, p. 213) Já o Facebook, que esteve bastante envolvido em discussões para tomar providências de combate a fake news em sua plataforma digital, traz a seguinte concepção: O termo ―fake news‖ emergiu como uma expressão abrangente para se referir a todo tipo de coisa, desde artigos de notícias que são factualmente incorretos até artigos de opinião, paródias e sarcasmo, boatos, rumores, memes, abuso online e erros factuais em declarações de figuras públicas que são corretamente mencionados em matérias noticiosas. O uso excessivo e indevido do termo ―fake news‖ pode ser problemático porque, sem definições comuns, não podemos entender ou abordar completamente esses problemas. Adotamos a seguinte terminologia para se referir a esses conceitos: […] artigos de notícias que parecem ser factuais mas que contêm distorções intencionais de fatos com o propósito de provocar paixões, atrair audiência ou enganar (WEEDON; NULAND; STAMOS, 2017, p. 4-5). De forma similar, Lazer et al. (2018) definem fake news como uma informação fabricada que busca se passar por conteúdo noticioso na forma, mas que não segue o mesmo processo ou propósito organizacional. Por essa razão, aos produtores de fake news faltariam as normas e procedimentos editoriais para garantir a precisão e credibilidade da informação. Seguindo essa linha, fake news seriam diferentes e se sobreporiam a outras formas de deturpação da informação, como a desinformação, tanto em relação à informação simplesmente equivocada quanto no que diz respeito à informação equivocada que é difundida intencionalmente com o objetivo de enganar. Portanto: Podemos dizer então que entre aqueles que debatem a relevância analítica do termo ―notícias falsas‖ há grande controvérsia sobre pelo menos dois pontos: i) se o conceito deve se referir apenas a conteúdo noticioso comprovadamente falso ou se deve se referir também a outras técnicas de desinformação e engano, como os exageros, as omissões, as informações tiradas de contexto e as especulações; ii) se o conceito deve incluir apenas o conteúdo falso produzido intencionalmente ou se compreende também qualquer tipo de equívoco factual verificável, mesmo que não
  • 11. 11 seja intencional, como um simples erro de apuração (RIBEIRO; ORTELLADO, 2018, p. 3). Ribeiro e Ortellado (2018) defendem que adotar uma dessas definições não deve ser uma opção aleatória. Os autores argumentam que a análise do que tem sido chamado de ―sites de notícias falsas‖ deveria deixar claro qual tipo de definição está sendo adotada. Isso porque o que melhor definiria os ―sites de notícias falsas‖ não é a publicação de notícias falsas, o que só ocorreria ocasionalmente. Ribeiro e Ortellado afirmam que o estudo do funcionamento desses sites vai indicar que o que melhor os caracterizam é a publicação de ―informação de combate‖ na forma de informação noticiosa. Essa informação de combate pode ser apenas um recorte conveniente do noticiário do dia, uma notícia com uma manchete sensacionalista, um fato retirado do seu contexto, um exagero ou uma especulação apresentada como fato – ocasionalmente, pode até mesmo ser uma mentira. Vários destes procedimentos distorcivos não são exclusivos dos chamados ―sites de notícias falsas‖ e têm sido empregados também pela grande imprensa. Por esse motivo, não é possível traçar uma linha demarcatória muito clara separando os maus veículos, dos confiáveis, a verdade, da mentira. Mais adequado, talvez, seja olhar para o contexto no qual a ―informação de combate‖ tem sido produzida, tanto na imprensa alternativa, como na grande imprensa e pensar que a fabricação de fatos e outros procedimentos de distorção na produção de notícias são o resultado de um processo mais geral de rebaixamento dos padrões editoriais para atender um ambiente político polarizado. É por esse motivo, acreditamos, que uma parcela dos pesquisadores e analistas têm abandonado o conceito de ―sites de notícias falsas‖ e se referido ao fenômeno como a emergência de uma mídia ―hiper-partidária‖ (RIBEIRO; ORTELLADO, 2018, p. 3). Wardle (2017) também aponta para a imprecisão conceitual e avança sobre as nuances em torno dessa ideia e com uma proposta de categorização do que ela prefere chamar de ecossistema da desinformação. Wardle defende que devemos fazer as seguintes divisões: os diferentes tipos de conteúdo que são criados e compartilhados, as motivações daqueles que criam este conteúdo e as formas como este conteúdo está sendo divulgado. Assim, para a Wardle, (2017) há pelo menos sete tipos de desinformação – a falsa conexão: quando manchetes, ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo; falso contexto: quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa; manipulação do contexto: quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar; sátira ou paródia: quando não há intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar; conteúdo enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou indivíduo; conteúdo
  • 12. 12 impostor: quando fontes genuínas são imitadas; conteúdo fabricado: conteúdo novo, que é 100% falso, criado para ludibriar e prejudicar. Wardle (2017) começou a fazer essa sistematização em 2016, bem no contexto das eleições presidenciais nos Estados Unidos, a partir das quais o uso do termo fake news passou a ser popularizado pelo mundo. Foi também no ano de 2016 que o dicionário Oxford escolheu o termo ―pós-verdade‖ como a palavra daquele ano10 . A escolha pelo termo do ano se daria com base no ―potencial duradouro‖ e na ―significância cultural‖. A diferença fundamental entre fake news e ―pós-verdade‖ estaria no fato de que a primeira não teria a necessidade de apresentar fatos verídicos em uma notícia, enquanto a pós-verdade busca apelar para aspectos emocionais de uma narrativa verdadeira (BLANCO; PAULA; SILVA, 2018). Para ficar na definição do dicionário Oxford de ―pós-verdade‖: ―circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.11 ‖ Ou seja, ―[...] o objetivo e o racional perdem peso diante do emocional ou da vontade de sustentar crenças, apesar dos fatos demonstrarem o contrário.‖ (LLORENTE, 2017, p. 9). E por não se querer sair da zona de conforto da crença, acaba que são criadas ―bolhas de pensamento‖ nas quais há uma espécie de consenso sobre um assunto, e ideias diferentes são logo refutadas (FERRARI, 2018). Contudo, o foco deste trabalho se volta para os usos de fake news, uma vez que foi o termo mais popularizado recentemente dentre essas duas expressões. Exemplificando a aceitação ou refutação sobre uma determinada ideia, o professor de Gestão de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado12 , afirma que tanto os eleitores de Fernando Haddad quanto os de Jair Bolsonaro tiveram alta exposição a boatos, mas que a adesão foi diferente entre eles. ―85% dos eleitores do Bolsonaro, por exemplo, ouviram o boato do kit gay e 84% acreditaram — ou seja, quase todos que escutaram, acreditaram; já entre os eleitores do Haddad, 61% escutou o boato, mas apenas 10% acreditou‖, diz Ortellado. 10 Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/pos-verdade-e-eleita-a-palavra-do-ano- pelodicionario-oxford.ghtml Acessado em 09/02/2019 11 https://en.oxforddictionaries.com/definition/post-truth 12 Disponível em https://www.facebook.com/ortelladopablo/posts/2104468419618720 Acesso em 02/03/2019
  • 13. 13 Ortellado considera que essa diferença entre exposição e adesão segundo os eleitores de cada candidato sugere que os boatos corroboram visões de mundo e narrativas políticas, mais do que produzem juízos políticos equivocados isolados. O professor exemplifica considerando que quando uma determinada narrativa é aceita e faz parte da cosmovisão de alguém, essa pessoa fica mais suscetível a aceitar uma informação falsa que ilustra essa tese. ―Neste sentido, embora a mentira isolada não tenha o poder de mudar um voto, ela é também portadora de uma visão de mundo e de uma narrativa política que está chegando ao eleitor por outros lados‖, finaliza o professor. 3 RESULTADOS Vimos que o salto de pesquisas por fake news alcançou o ápice nos Estados Unidos e França durante períodos de disputas eleitorais e deles decorrentes. Aqui no Brasil, a busca pela expressão também atingiu seu auge ao longo do mesmo contexto de disputas políticas. O maior volume de pesquisas ocorreu durante o 2º turno das eleições, em outubro de 2018 (Gráfico 3). Gráfico 3 – Tendências de pesquisas no Brasil (2004 – 2018) E com quase uma década de conta no Twitter, verificamos que Estadão, O Globo e Folha de S. Paulo não contavam com qualquer menção a fake news até o ano de 2016 em suas contas oficiais no Twitter. As referências só começaram a partir do ano de 2017 (Tabela 3).
  • 14. 14 Tabela 3 Criação da Conta Menções em 2016 Menções em 2017 Menções em 2018 O Globo Julho 2009 0 12 81 Folha Abril de 2008 0 22 142 Estadão Outubro de 2007 0 16 112 O Gráfico 4 indica o número total de referências diretas a fake news durante o período pré- eleitoral, considerando todos os jornais analisados: esse primeiro período da seleção dos tweets começa desde a primeira referência feita em cada jornal e termina em julho de 2018 Gráfico 4 – Pré-eleições - janeiro de 2017 a julho de 2018 Desde as primeiras menções, em 2017, o conteúdo das publicações está relacionado às eleições de 2018 em uma problematização do cenário que poderia ser verificado aqui no Brasil, tal como ocorreu em disputas políticas recentes em outros países. Essa preocupação dos jornais pode ser percebida em uso de expressões tais como: combate, combater, eleições, facebook, fux e tse, conforme vemos na Figura 1. ―Fux‖ é referente a Luiz Fux, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
  • 15. 15 A cobertura da imprensa estava bastante direcionada para cobrar ações mais efetivas para que a disseminação de fake news não ocorresse no Brasil tal como nos Estados Unidos e França. Em outubro de 2018, a Folha publicava que ―Ministros avaliam que a comissão do TSE contra fake news falhou‖13 . Figura 1 – Referências de todos os jornais antes das eleições Nas referências antes das eleições, ―Marielle‖ surge como um dos termos mais usados especialmente devido à cobertura do jornal O Globo do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, em março de 2018. Mais do que os outros jornais acompanhados, O Globo cobriu de forma mais intensa os boatos que logo começaram a se disseminar digitalmente envolvendo a vida pessoal da vereadora. As referências a fake news durante o 1º turno também se mantiveram relacionadas em sua maioria a ―eleições‖ (Figura 2). No entanto, aqui emergem expressões como ―risco‖, ―robôs‖ e ―globo‖. ―Risco‖ e ―robôs‖ surgem especialmente a partir de publicações de O Globo com o questionamento se a ocorrência e o resultado das eleições estariam em risco devido à disseminação de fake news através de publicações de robôs. O trecho da matéria trazia: ―Na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016, as agências de inteligência americanas afirmam que houve interferência russa no pleito, com cyberataque que incluía a 13 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2018/10/ministros- avaliam-que-comissao-do-tse-contra-fake-news-falhou.shtml Acesso em08/06/2019
  • 16. 16 divulgação de fake news e o uso de bots. Como visto, no Brasil, esses artifícios também vêm sendo usados.‖14 Figura 2 – Referências de todos os jornais durante o 1º turno ‗ A maior quantidade de menções a fake news pelos jornais ocorreu no 2º turno das eleições de outubro de 2018, com maior destaque para as referências do jornal Folha de S. Paulo (Gráfico 5). Boa parte do protagonismo deste jornal se deve à matéria da jornalista Patrícia Campos Mello. A publicação afirmava: ―Empresários bancam campanha contra o PT pelo Whatsapp‖.15 A informação obteve uma forte reação contrária nas mídias sociais geridas pela rede de apoiadores ao então candidato Jair Bolsonaro (PSL). Figura 3 - Referências de todos os jornais durante o 2º turno 14 Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/video-fake-news-robos-colocam-em-risco-as- eleicoes-no-brasil-23015339 Acesso em08/06/2019 15 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra- opt-pelo-whatsapp.shtml Acesso em 16/04/2019
  • 17. 17 Não por acaso, as expressões mais recorrentes em associação a fake news durante esse período foram: Bolsonaro, whatsapp, TSE, campanha e Haddad (Figura 3). Depois das eleições, as referências a fake news registraram forte queda, conforme verificamos no Gráfico 5. As menções que chegam a ser feitas ainda têm direcionamento eleitoral (Figura 4), em sua maioria, mas que não podem ser comparadas com o volume verificado durante os dois turnos das eleições. Gráfico 5 – 1º turno (agosto e setembro); 2º turno (outubro) e pós-eleições (novembro e dezembro) O assunto das eleições divide espaço com a notícia de que ―Banda marca turnê na Europa na base da fake news e é desmascarada.‖ ―Enem‖ aparece devido à cogitação de que fake news poderia ser tema de redação do exame, além de ter havido disseminação de boato de que a prova seria cancelada. Figura 4 - Referências de todos os jornais depois das eleições
  • 18. 18 dividido com o WhatsApp16 . Os jornais se destacaram por trazer uma cobertura no direcionamento de orientar o público Quando agrupamos o texto dos tweets de todos os jornais em uma única nuvem de palavras, vemos que os tweets publicados durante o 2º turno foram os que mais tiveram peso no resultado geral das expressões mais usadas pelos jornais. Os então candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) aparecem em destaque dado o acirramento da disputa eleitoral entre os dois durante o 2º turno das eleições, ambos os lados se diziam alvos de fake news. Figura 5 – Palavras que se destacam nos tweets dos jornais entre 2017 e 2018 sobre como identificar fake news, ao mesmo tempo em que fazia cobranças de ações mais o lugar central dessa disseminação foi no Facebook. No Brasil, esse protagonismo foi 4 CONSIDERAÇÕESFINAIS A proposta desse artigo surgiu a partir de uma observação pessoal de que o uso da expressão fake news teria um contexto diretamente político. A relação não é apenas direta, mas também 16 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/whatsapp-e-vetor-de-fake-news-nobrasil- nos-eua-papel-e-do-facebook.shtml Acesso em16/04/2019 efetivas por parte do TSE em relação a essa disseminação. Nas eleições nos Estados Unidos,
  • 19. 19 é embrionária, pelo menos no léxico em inglês. Vimos que na mais antiga referência que se tem sobre fake news em inglês o uso também é verificado em ambiente político. Apesar dessa relação antiga, Cunha et at. (2018) lembram que a expressão também vinha sendo usada em outras situações, não apenas políticas. O ponto decisivo para que a associação com a política viesse a ser quase direta foram as eleições nos Estados Unidos em 2016. A partir delas, o uso se popularizou mundialmente, sempre em relação com disputas políticas. Aqui no Brasil, os jornais buscavam maneiras de combater essa disseminação e educar as pessoas em relação a fake news, ao mesmo tempo em que cobravam ações mais resolutivas das instituições competentes. Enquanto isso, os políticos atribuíam ao adversário o uso de fake news como arma política. Essa associação não foi apenas ao oponente eleitoral, mas também foi em grande medida àquilo que era publicado pela imprensa. Contra políticos e imprensa, a atribuição de publicação de fake news não tinha apreço pelas diferenças de contexto. A generalização do uso do termo para caracterizar situações distintas se mostra uma opção política com grande apelo emotivo. Aqui, o critério da caracterização de fake news passa a ser o desagrado pessoal que a informação causa. Nessa disputa discursiva, não importam os dados concretos e desmentidos contra determinada informação. Antes disso, vale mais a posição e a crença previamente assumidas. Ou seja, a consciência, ou a vivência política, exerce influência na interpretação dos dados. Vimos isso na pesquisa sobre a recepção entre apoiadores de Bolsonaro e os de Haddad em relação ao chamado kit gay, um dos grandes temas de discussão durante o 2º turno. O que se percebe é que boatos corroboram visões de mundo e narrativas políticas, mais do que produzem juízos políticos equivocados isolados, conforme considera Ortellado. Esse é o critério que ganha peso como elemento da verdade. Embora esse artigo tenha se dedicado ao estudo da emergência do uso de fake news, é ponto pacífico entre os autores pesquisados que mentira e desinformação não é um recurso político novo. Uma proposta de aprofundamento desse estudo é exatamente verificar quais as outras formas anteriores para se referir a essa mesma prática.
  • 20. 20 Temos, por exemplo, vários livros que tratam do poder de "boatos". Uma das definições de ―boato‖ trazidas pelo Dicionário Aurélio é: ―notícia cuja fonte não é conhecida, geralmente sem fundamento, sendo publicamente divulgada.‖ Será que esse termo dá conta do fenômeno verificado desde 2016? O que foi visto é que a imprensa nacional importou um termo que se consagrou internacionalmente, o que não quer dizer que não haveria em português alguma expressão que pudesse corresponder a mesma coisa. Outro questionamento: fake news ainda seguirá tendo uma associação tão estreita com disputas políticas? Nesse sentido, vale observar como será o recurso retórico nas eleições municipais de 2020 aqui no Brasil, e nas próximas disputas políticas internacionais. Fato é que no contexto atual o que temos de diferente é a tríade da alta polarização política, descentralização da produção e consumo das informações propiciados pela internet, além do crescente ceticismo contra partidos política e veículos de imprensa. Cada qual tem seu discurso, sua verdade e grupos políticos podem impor essas versões mediante as inauditas possibilidades tecnológicas de disseminação de informações e de ataque contra quem se posiciona de maneira diferente. Nessa nova ambiência de construção de sentidos, Castells (2013, p. 11) afirma: Embora cada mente humana individual construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação. Assim, a mudança de ambiente comunicacional afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto,a produção de relações de poder. E para que o processo de comunicação ocorra haveria duas exigências: a consonância cognitiva entre emissores e receptores da mensagem e um canal de comunicação eficaz (CASTELLS, 2013). A empatia no processo de comunicação é determinada por experiências semelhantes às que motivaram o acesso emocional inicial. Em termos concretos, se muitos indivíduos se sentem humilhados, explorados, ignorados ou mal representados, eles estão prontos a transformar sua raiva em ação, tão logo superem o medo. E eles superam o medo pela expressão extrema da raiva, sob a forma de indignação, ao tomarem conhecimento de em evento insuportável ocorrido com quem se identificam. Essa identificação é mais bem atingida compartilhando-se sentimentos em alguma forma de proximidade criada no processo de comunicação (CASTELLS, 2013, p. 19).
  • 21. 21 Assim, historicamente, a existência dos diferentes segmentos dos movimentos sociais dependeriam da mecanismos de comunicação específicos, tais como: boatos, sermões, panfletos e manifestos passados de pessoa para pessoa. Isso pode ocorrer seja a partir de púlpitos, imprensa, ou quaisquer que sejam os meios de comunicação disponíveis (CASTELLS, 2013). E o que temos atualmente de meio de comunicação disponível são as redes digitais: ―são os veículos mais rápidos e mais autônomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda a história‖ (CASTELLS, 2013, p. 19). Nesse contexto, Castells lembra que é comum verificar que os movimentos sociais se tornem matérias-primas para a experimentação ideológica ou a instrumentalização política. ―Por vezes, até no legado histórico a experiência humana do movimento tende a ser substituída por uma imagem reconstruída para a legitimação de líderes políticos ou a justificação das teorias de seus líderes orgânicos‖ (CASTELLS, 2013, p. 20). 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Afonso. O Combate às Fake News nas Eleições de 2018: Rumo à PósDemocracia? Disponível em http://iespnaseleicoes.com.br/o-combate-as-fake-news- naseleicoes-de-2018-rumo-a-pos-democracia/. Acesso em 09/02/2019 ALCOTT, Hunt; GENTZKOW. Social media and fake news in the 2016 election. In: Journal of Economic Perspectives—Volume 31, Number 2—Spring 2017—Pages 211–236 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1988 CASTELLS. Manuel. Redes de esperança e indignação. Rio de Janeiro: Zahar, 2013 CUNHA, Evandro et al. Fake news as we feel it: perception and conceptualization of the term “fake news” in the media. Lecture Notes in Computer Science. 1ed.: Springer International Publishing, 2018, v. p. 151-166. Disponível em https://arxiv.org/abs/1807.06926 Acesso em 26/02/2019. David M. Lazer et al., ―The Science of Fake News,‖ Science 359, no. 6380 (2018): 1094- 1096. FERRARI, Pollyana, Como sair das bolhas. – São Paulo: Editora Armazém da Cultura, 2018
  • 22. 22 FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa. Análise do conteúdo. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (orgs.). Metódos e técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. LLORENTE, José Antonio. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. In Revista Uno, São Paulo, v 27, n. 1, março 2017. MARWICK, Alice E. Why do people share fake news? A sociotechnical modelo of media effects. In: GEO. L. TECH. REV. 474 (2018). Ortellado, Pablo; RIBEIRO, M. M. . O que são e como lidar com as notícias falsas. SUR. REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (IMPRESSO), v. 27, p. 5, 2018. PANGRAZIO, Luci. What‟s new about „fake news‟? Critical digital literacies in an era of fake news, post-truth and clickbait. Revista Páginas de Educación. Vol. 11, Núm. 1 (2018) PAULA, Lorena Tavares de; SILVA, Thiago dos Reis da; BLANCO, Yuri Augusto. Pósverdade e Fontes de Informação: um estudo sobre fake news. In: Revista Conhecimento em Ação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./jun. 2018. Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/16764 Acesso em 09/02/2019 PEROSA, Teresa (2017). O império da pós-verdade. Disponível em https://epoca.globo.com/mundo/noticia/2017/04/o-imperio-da-pos-verdade.html Acesso em 09/02/2019 WARDLE, Claire. Fake news. It‟s complicated. Disponível em https://firstdraftnews.org/fakenews-complicated/ Acesso em 26/02/2019 WEEDON, Jen; NULAND, William; STAMOS, Alex. Information operations and Facebook. 2017. Disponível em https://fbnewsroomus.files.wordpress.com/2017/04/facebookand-information-operations- v1.pdf Acesso em 07/03/2019