O documento discute as causas da Revolução Francesa, incluindo fatores econômicos, sociais e políticos. Menciona a crise financeira, a organização da economia, a tensão entre a sociedade tradicional e as novas classes, e a fraqueza da monarquia. Também descreve a influência das ideias iluministas na opinião pública.
As revoluções liberais e a ruptura com o antigo regime resumo
1. As revoluções liberais e a ruptura com o Antigo Regime
Um primeiro grupo explicações, que só vê na revolução Francesa um mero acidente, resolve o
problema suprimindo dados. Segundo esta versão, a revolução não era fatal e podia não ter
acontecido. Não foi desejada pelo povo, quase não foi pelos revolucionários, e só um
concurso imprevisto de circunstâncias fortuitas teria provocado, por uma cascata de acidentes,
o deflagrar da revolução.
A INFLUÊNCIA OCULTA DAS MINORIAS
Este tipo de explicação, que encontra crédito junto de uma opinião que se satisfaz em pensar
que a História se reduz, em última análise, à acção de cabalas, faz o êxito de colecções de
obras ou de publicações. O esquema – um dos mais vulgarizados – pode aplicar-se a todos os
fenómenos históricos, por exemplo, aos conflitos sociais, que serão reduzidos à acção de
alguns cabecilhas, depressa classificados de maus pastores, aos quais se opõe a inocência de
um rebanho perdido. É então inútil empreender reformas: a culpa é de um punhado de
jacobinos que perverteram a opinião pública.
OS FACTORES DE ORDEM ECONÓMICA
As causas financeiras da revolução têm a ver com o défice orçamental, que desempenhou
seguramente um papel nos acontecimentos, pois está na origem da convocação dos Estados
Gerais. A situação cronicamente deficitária das finanças devida à ausência de administração
financeira, a que se juntava a impotência da monarquia para suprimir os privilégios.
A situação era agravada pela guerra de independência da América, que obriga a despesas
consideráveis e implica o recurso ao empréstimo.
Por outro lado, as causas económicas são mais importantes e mais duradouras e dizem
respeito ao próprio regime da economia francesa, isto é, ao modo de organização da produção
da riqueza e da distribuição dos bens. Em 1789, a economia francesa encontrava-se numa
situação difícil e atribui-se frequentemente a responsabilidade da crise que ela atravessava à
aplicação dos tratados de comércio e navegação assinados entre a França e os jovens Estados
Unidos, a Inglaterra. O tratado e as consequências que se lhe atribuíam poderão ter
contribuído para o nascimento de um estado de espírito revolucionário, já que o azedume dos
produtores os afastava de um regime que tão mal defendia a sua existência.
A ameaça crónica da penúria faz da fome o primeiro problema dos indivíduos e dos governos;
a França vive na fobia da escassez, na recordação das fomes.
Na verdade, em numerosos ramos de actividade, o trabalho não é livre, mas regulamentado, e
só se pode exercê-lo na condição de se pertencer a uma corporação. O progresso técnico, a
multiplicação das invenções, a acumulação dos capitais, o nascimento de novas formas de
indústria, a formação de uma classe de negociantes, concorrem para tornar caduca esta
organização.
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E A CRISE DA SOCIEDADE
A crise desta sociedade é determinada pelo antagonismo que opõe uma organização
tradicional (fundada na hierarquia, na desigualdade, na existência das ordens, na defesa dos
privilégios) e as novas aspirações das classes em ascensão. De ano para ano, o desfasamento é
acentuado pela deslocação da riqueza, que empobrece a nobreza e enriquece a burguesia, e
pela evolução dos espíritos, a contestação dos fundamentos jurídicos e intelectuais da ordem
tradicional. O endurecimento dos privilegiados, a firmeza com que defendem os seus lugares,
contribuem para exacerbar os antagonismos, para transformar as tensões inerentes a qualquer
sociedade em tensões propriamente revolucionárias, e tanto mais quanto mais o poder real,
até então o árbitro das competições de amor-próprio e das concorrências de interesses, já não
está em posição de as dirimir.
AS CAUSAS POLÍTICAS
As causas políticas são talvez as mais determinantes de todas, pois a revolução vai atacar a
própria forma do regime e a organização do poder.
Convém, no entanto, dissipar um equívoco. Há uma interpretação da Revolução Francesa –
que ainda frequentemente inspira os manuais escolares – que apresenta a revolução de 1789
como uma reacção liberal contra uma monarquia cujo jugo se teria tornado demasiado
2. pesado, contra a autoridade e o absolutismo. Tem muito disto, sem dúvida, e a tomada da
Bastilha é o símbolo do derrube do despotismo por um povo que quebra as grilhetas.
Contudo, observando mais perto, para lá do simbolismo de acontecimentos espectaculares,
acabamos por interrogar-nos se a monarquia não terá perecido mais por excesso de fraqueza
do que de autoridade: por não ter conseguido impor aos privilegiados o respeito pelo interesse
geral. Um poder mais forte, mais respeitado, teria talvez sabido prevenir uma crise
revolucionária.
A revolução começou por ser uma revolta dos privilegiados antes de ser a revolta do Terceiro
Estado contra a sociedade privilegiada. Foram eles que deram o sinal de desobediência e
abriram, à sua custa, a vida para o processo revolucionário. Se a monarquia tivesse sido mais
forte, se tivesse disposto de meios ao nível das suas ambições, teria mantido os privilegiados
na ordem e conseguido impor as reformas que lhe eram ditadas por uma bem entendida
preocupação com a razão de Estado.
O conluio que é patente nas vésperas da revolução entre o poder real e os privilegiados
lançará a burguesia na oposição revolucionária.
O MOVIMENTO DAS IDEIAS E A SUA DIFUSÃO NA OPINIÃO PÚBLICA
Os factores de ordem intelectual e o movimento das ideias do século XVIII contribuíram
muito para a génese da revolução. Na verdade, as teorias políticas não são apenas concebidas
no silêncio dos gabinetes por pensadores isolados, mas alimentam também os movimentos de
opinião. No entanto, entre o conteúdo original e a difusão, as teorias alteram-se. É assim que
o que é retido dos escritos de Voltaire ou de Montesquieu está consideravelmente afastado do
que estes escreveram ou pensaram. De facto, com os leitores de Montesquieu e Rosseau ou os
assinantes da Encyclopédie não haveria com que fazer uma revolução: a Encyclopédie não
teve mais de 4000 ou 5000 subscritos, menos do que as nossas revistas de interesse geral.
Paralelamente aos escritos, existe também a virtude dos exemplos, o contributo dos
precedentes e das experiências. O da revolução americana propõe uma solução alternativa a
uma parte da opinião pública que deseja de forma confusa uma renovação profunda e para a
qual as simples reformas já não se afiguram suficientes.
É a conjugação de todas estas causas que origina o poder explosivo da revolução e nos
impede de a tomarmos por um simples acidente.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
A 26 de Agosto de 1789, a Assembleia Constituinte terminou a redacção do texto jurídico a
que chamou Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta declaração constituía
uma espécie de preâmbulo para a futura Constituição e baseava-se nos princípios da filosofia
iluminista e no articulado da Declaração dos Direitos dos vários Estados americanos.
A liberdade individual foi, de facto, a ideia-base de todo o documento, que começa por
afirmar que todos os homens nascem e permanecem iguais. A liberdade individual é, por
consequência, um direito natural, inviolável e imprescritível, e manifesta-se pelo poder de
fazer tudo o que não prejudique outrem. Inclui a liberdade de opinião e a liberdade de
imprensa (Todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente), embora nada
mencione sobre a liberdade de culto, de ensino, de domicílio ou de comércio e indústria. Os
outros direitos naturais são, significativamente, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão.
A segunda ideia-base desta Declaração é a igualdade que é, segundo o artigo 1.º, um direito
natural: os homens nascem iguais. O direito à igualdade implicava a igualdade perante a lei,
perante a justiça (Tudo aquilo que não é proibido pela lei não pode impedido (…). Ninguém
pode ser acusado, preso ou detido senão os casos determinados pela lei), perante a
administração e perante o imposto. A aprovação desta Declaração significava, pois, a
destruição da sociedade de ordens.
Como postulado destes direitos naturais, o poder maior residia no povo. Mas a soberania não
era apenas nacional, ela era também una e indivisível, o que, mais uma vez, excluía a
existência da sociedade de ordens.
3. O rei era apenas o mandatário do povo, de quem recebia o poder; e a lei, a expressão da
vontade geral. Para assegurar o respeito pela lei e a isenção do poder político, este devia
funcionar tripartido, estando cada função entregue a órgãos diferentes e independentes – era a
concretização do princípio iluminista da separação dos poderes.
Obra da burguesia letrada, maioritária na Assembleia Constituinte, a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão foi um documento revolucionário que ultrapassou em muito os
ideais iluministas e as declarações americanas. Os seus princípios fundamentais não se
dirigiam unicamente aos franceses, e os seus preceitos eram aplicáveis a qualquer regime
político e não apenas ao da França, em 1789.
Este carácter universalista, assumido pela Revolução Francesa desde o seu início, explica a
tremenda repercussão deste documento na Europa e no mundo.