O documento discute a origem e o desenvolvimento da bioética. A bioética surgiu no contexto dos avanços científicos e tecnológicos do século XX e das questões éticas que estes trouxeram, especialmente sobre a vida e a morte. O documento também aborda alguns marcos históricos importantes para o campo, como o Código de Nuremberg e o surgimento do termo "bioética".
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BIOÉTICA: um texto introdutório 1
João dos Santos Carmo1
Jusele de Souza Matos2
RESUMO: De qualquer forma, por-
Discussões em torno da Bioética estão cada vez mais em pauta tanto, estamos nos referindo a
em função da crescente possibilidade de controle tecnológico comportamentos julgados como
dos fenômenos vida e morte tanto sobre nossa espécie quanto éticos ou não-éticos. Daí, cada
sobre outras espécies. As tomadas de decisões em torno do que época ser marcada por questões
é ético ou não-ético em pesquisa, bem como a aplicação de e conflitos éticos que convidam
conhecimentos oriundos de pesquisas genéticas e outras áreas os indivíduos a posicionarem-se
tecnológicas abre um campo novo de discussões e preocupações quanto ao que deve ou não ser
que tocam direta ou indiretamente a todos os indivíduos. O presente aceito e tido como moral e váli-
artigo, portanto, busca situar a Bioética dentro de um quadro do. Em nossa época, na socieda-
geral, desde sua definição, sua origem contextualizada, principais de ocidental, surgiram questões
vertentes e questões atuais, objetivando introduzir o leitor no e dilemas éticos que diziam e di-
entendimento desta disciplina. zem respeito diretamente ao
posicionamento diante da vida e
da morte. Em outras palavras, às
tomadas de decisões acerca do
A Ética tem sido defini- lar de escolhas e decisões que
que é vida e morte, e da autono-
da como uma disciplina da filoso- devemos tomar acerca do que é
mia individual ou coletiva sobre a
fia que trata dos modos e costu- certo ou errado, moral ou imo-
vida e sobre a morte. Estas ques-
mes em relação a si mesmo e ao ral, bom ou mal, benéfico ou
tões formam o cimento que deu
outro. Tem como objeto a moral nocivo. No dizer de Sarmento
base ao que mais tarde foi cha-
e, portanto, possui uma caracte- (2003, p. 95), a ética pode ser
mado de Bioética, uma discipli-
rística fundamental que é a va- entendida como
na que lida com os conflitos, de-
riabilidade cultural e temporal. cisões e dilemas em torno do par
Em outras palavras, o que cha- vida/morte.
mamos de ética poderia ser tra- O domínio do conheci-
mento, da crítica, e do Antes mesmo do
duzido por comportamentos éti-
enfrentamento social dos surgimento do neologismo
cos ou costumes e modos de agir, comportamentos, da
em relação ao outro ou a si mes- Bioética, cunhado por Van
moralidade e dos valores
mo, que são moralmente aceitá- Rensselaer Potter em 1971, al-
da ação humana, sejam
veis e permitidos em uma dada estéticos (belo/feio), eco- guns acontecimentos passaram a
época e cultura. Neste sentido, nômicos (útil/inútil), povoar as discussões éticas da
em grande medida podemos fa- cognitivos (verdadeiro e opinião pública e da academia.
o falso), políticos (justo/ Primeiramente, podemos situar
injusto) ou ainda outros.
1
O presente trabalho foi apresentado durante a II Semana Científica do Curso de Psicologia da Unama, de 25 a 29/08/2003.
2
Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos e Professor Adjunto do Curso de Psicologia da Universidade da
Amazônia, responsável pela disciplina Técnica de Pesquisa em Psicologia II. E-mail: pjsc@iris.ufscar.br
3
Monitora da disciplina Técnica de Pesquisa em Psicologia II do Curso de Psicologia da Universidade da Amazônia. E-mail:
juselematos@bol.com.br
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as graves repercussões das ex- dade entre os sexos. Paralela- Como se vê, há todo um
periências médicas engendradas mente, crescem na academia as contexto no qual vão se acentu-
pelo nazismo. Os horrores prati- reflexões e debates em torno da ando cada vez mais as questões
cados com judeus em nome do ética na pesquisa com seres hu- em torno da possibilidade de de-
conhecimento científico, através manos e no uso aceitável da cisão sobre a vida e a morte. Na
de experimentações de substân- biotecnologia. Para Closet (2000, academia, algumas publicações
cias no organismo humano, ma- p. 111), as idéias bioéticas surgi- tiveram grande repercussão e
nipulações genéticas e mutilações ram a partir: serviram como textos de base para
passaram a ser denunciados logo Dos grandes avanços da as discussões acerca dos dilemas
após o fim da segunda grande biologia molecular e da éticos na experimentação com
guerra e acentuou-se ainda mais biotecnologia aplicada à seres humanos. Em 1962, Shana
nos anos 1960, culminando com medicina realizados nos Alexander, uma jornalista espe-
julgamentos dos responsáveis por últimos anos; cializada em questões médicas
essas ações que foram conside- Da denúncia dos abusos escreveu para a revista Life o
radas crimes contra a humani- realizados pela experimen- artigo intitulado “They decide
dade. Já em 1947, foi elaborado tação biomédica em seres who lives, who dies” (Eles de-
o Código de Nuremberg que tra- humanos; cidem quem vive e quem mor-
tava da conduta ética nas experi- Do pluralismo moral rei- re)4 , citado por Diniz e Guilhem
mentações biomédicas com se- nante nos países de cul- (2002), Sgreccia (2000) e Pessini
res humanos. tura ocidental; e Barchinfontaine (1997). Nesse
O clima político e cultu- Da maior aproximação dos artigo, Alexander relata a consti-
ral efervescente dos anos 1960 filósofos da moral aos tuição de um comitê formado por
foi bastante propício para o sur- problemas relacionados médicos, no Centro Renal de
gimento de agrupamentos preo- com a vida humana, a sua Seattle, cuja atribuição era defi-
cupados com os direitos huma- qualidade, o seu início e nir prioridades na alocação de
o seu final; recursos na área de saúde. Uma
nos e engajados na denúncia de
maus tratos e na proposição de Das declarações das ins- das questões prementes que o
alternativas de condutas voltadas tituições religiosas sobre comitê encarou foi a decisão so-
ao bem estar geral ou individual. os mesmos temas; bre os critérios de admissão de
O movimento hippie, por exem- Das intervenções dos
pacientes renais crônicos ao tra-
plo, abalou as tradições culturais poderes legislativos tamento de hemodiálise uma vez
e os valores éticos arcaicos da como também dos pode- que havia um número de pacien-
sociedade ocidental, pregando o res executivos em ques- tes que ultrapassava o número
slogan “paz e amor” cuja reper- tões que envolvem a pro- disponível de máquinas de
teção à vida ou os direi- hemodiálise. Dada a repercussão
cussão passou a ser mundial. O
tos dos cidadãos sobre da questão, o comitê decidiu por
movimento de negros organizou
sua saúde, reprodução e constituir um grupo de pessoas,
manifestações e tomou rumos morte;
políticos significativos em direção todos leigos em medicina, que
à igualdade de direitos. O movi- Do posicionamento dos deveria elaborar os critérios de
organismos e entidades seleção dos pacientes renais. No
mento feminista ganhou força
internacionais. dizer de Diniz e Guilhem (2002)
renovada naquela época, partin-
do para conquistas quanto à igual- “de uma forma inusitada, então,
o processo de decisão médica
4
Reproduzido em Josen, Albert R. The birth of bioethics. Hastings Center Reports, v. 23, n. 6, 1993.
2 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.
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passou para o domínio público” prévios do sujeito ou de seus res- térios para se definir a morte e a
(p. 14), o que pode ser encarado ponsáveis. Apenas para vida. A morte clínica, ou morte
sob dois aspectos: ao mesmo tem- exemplificar, Diniz e Guilhem cerebral, passou a ser o critério
po em que ocorre um avanço no (2002, p. 15-6) citam algumas definidor das decisões em casos
sentido de que há uma ruptura da pesquisas, relacionada por médicos semelhantes.
visão de onipotência da medicina Beecher como os exemplos 16 e Em 1971 surge a obra de
e dos médicos, novos 17: Van Rensselaer Potter,
questionamentos surgem acerca A pesquisa exigia a “Bioethics; bridge to the
da preparação ética da popula- inoculação intencional do ví- future” (Bioética: uma ponte
ção em geral acerca da tomada rus da hepatite em indivídu- para o futuro)6 , que, conforme
de decisões sobre vida e morte. os institucionalizados por re- havíamos citado em parágrafo
tardo mental, para possibili- anterior, apresenta pela primeira
Em 1967, Henry tar o acompanhamento da
Beecher publica o artigo “Ethics vez o termo Bioética. Em seu li-
etiologia da doença. No exem-
and Clinical Research” (Ética plo 17, médicos pesquisado-
vro, Potter estabelece claramen-
e Pesquisa Clínica)5 , citado por res injetaram células vivas de te as bases políticas da Bioética,
Diniz e Guilhem (2002) e câncer em 22 pacientes ido- posição esta que é assumida até
Sgreccia (2000). Beecher enfoca sos e senis hospitalizados, os dias atuais:
22 pesquisas médicas, subsidia- sem comunicá-los que as cé-
“O que nós temos de en-
das por recursos governamentais lulas eram cancerígenas, com
frentar é o fato de que a ética
e de companhias médicas e o objetivo de acompanhar as
respostas imunológicas do humana não pode estar separada
publicadas em periódicos cientí- de uma compreensão realista da
organismo.
ficos internacionais. Esses 22 re- ecologia em um sentido amplo.
latos de pesquisa foram selecio- Valores éticos não podem estar
nados a partir de uma investiga- Em 1967 ocorre o pri- separados de fatos
ção criteriosa, feita por Beecher, meiro transplante de coração, biológicos...Como indivíduos nós
em 50 artigos que se caracteri- realizado pelo cirurgião cardíaco não podemos deixar nosso desti-
zavam pelo desrespeito ao sujei- Christian Barnard. O que na épo- no nas mãos de cientistas, enge-
tos humanos submetidos a pro- ca foi aclamado como um gran- nheiros, tecnólogos e políticos que
cedimentos anti-éticos de pesqui- de avanço científico e tecnológico esqueceram ou nunca souberam
sa. Um aspecto que ligava as trouxe novos questionamentos estas verdades elementares” (ci-
pesquisa era o fato de os sujeitos acerca da possibilidade de deci- tado por Diniz e Guilhem, 2002,
experimentais serem provenien- dir sobre vida e morte. O cora- p. 11)
tes de camadas pobres da popu- ção transplantado pertencia a um
lação, excluídos sociais, deficien- Assim, a palavra Bioética
paciente tido pela equipe médico surge em 1971, mas historicamen-
tes mentais, pacientes psiquiátri- como quase morto, enquanto o
cos institucionalizados, recém te, como temos demonstrado, as
paciente que recebeu o coração idéias e debates em torno de uma
nascidos, dentre outros. Os pro- foi diagnosticado como paciente
cedimentos de coleta de dados ética da/para vida já vinham se
cardíaco terminal. A questão era constituindo a partir do final da
eram invasivos e não cogitavam identificar cientificamente os cri-
do conhecimento ou anuência primeira metade do século XX.
5
Beecher, Henry. Ethics and clinical research. The New England Journal of Medicine, v. 274, n. 24, 1996, p. 1354-1360.
6
Potter, Van Rensselaer. Bioethics: bridge to the future. New Jersey: Prentice-Hall, 1971.
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Estamos, agora, em con- de um rato de laboratório, possi- O campo desta discipli-
dições de definir Bioética. Este bilitando aos pesquisadores ma- na é bastante amplo e diversifi-
neologismo é formado pelos ter- nipular à distância, os movimen- cado, e alguns temas tornam-se
mos gregos Bios (Vida) e Ethike tos do animal independentemen- mais polêmicos em determinadas
(Ética) e se configura numa dis- te das contingências ambientais épocas, dependendo da visibilida-
ciplina que busca discutir, refletir a que estava exposto. Da mes- de dada pela mídia e das reivin-
e lançar bases criteriosas para a ma forma, está na pauta da práti- dicações de grupos organizados
prática da ética nas pesquisas, ca científica as discussões em dentro ou fora da academia.
nas decisões e nas aplicações torno do cultivo de células-tron- Pessini e Barchifontaine (1997)
biotecnológicas que envolvem co exclusivamente para o desen- listam os principais temas atuais
seres humanos e outros seres vi- volvimento de tecidos e órgãos em Bioética:
ventes. Para a Encyclopedia of sadios em substituição a tecidos
Bioethics7 , Bioética é definida e órgãos doentes ou incapacita-
como o “estudo sistemático das dos. As técnicas de clonagem em 1. Pesquisa com seres humanos;
dimensões morais – incluindo diferentes espécies, embora já
visão, decisão, conduta e normas utilizadas em plantas há pelo me-
morais – das ciências da vida e nos trinta anos, passaram a ser 2. Pesquisa com animais e ve-
da saúde, utilizando uma varieda- discutidas a partir do nascimento getais;
de de metodologias éticas num da ovelha Dolly, em 1996. Deba-
contexto interdisciplinar” e ainda tes semelhantes ocorreram a par-
como “estudo sistemático da con- tir de 1972 com o nascimento do 3. Direitos reprodutivos/Repro-
duta humana no âmbito das ciên- Louise Brown, o primeiro mem- dução medicamente assisti-
cias da vida e da saúde, enquan- bro de nossa espécie gerado atra- da;
to essa conduta é examinada à vés de fertilização in vitro, co-
luz de valores e princípios éticos”. nhecido como “o bebê de prove-
4. Engenharia genética;
ta”.
A Bioética, portanto, sur-
ge a partir de questões médicas A Bioética, dessa forma,
e biomédicas, exclusivamente convida ao debate de questões 5. Aborto/Eutanásia/Suicídio/
com seres humanos, mas assu- prementes acerca da administra- Solidariedade e dignidade no
me, hoje, um caráter de ética para ção da vida e da morte em todos adeus à vida;
a vida das espécies e para a pró- os seus aspectos. Para Sgreccia
pria sobrevivência do planeta. O (2000, p. 13):
avanço tecnológico em áreas que 6. Dizer a verdade ao doente;
O fato é que a bioética,
se interligam, como cibernética, iniciada no seu primitivo
biotecnologia, biossegurança e terreno da biomedicina,
biologia molecular, levantam ques- 7. Transplantes e doação de ór-
descobriu em pouco tem-
tões antes presentes somente em po campos sempre mais gãos;
textos de ficção científica, como vastos, interessando a
o controle remoto das ações dos novas disciplinas e, aos
poucos, a novos espaços 8. Comissões de ética;
organismos. Apenas para
exemplificar, em 2002 cientistas culturais que nos distan-
ciavam do período do
da Universidade de Nova York 9. Interfaces da medicina com
surgimento do nome, indo
implantaram um chip no córtex outras disciplinas.
para o ano 2000.
7
Encyclopedia of Bioethics, 2. ed, V. 1, 1995, W. T. Reich – editor.
4 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.
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Como toda disciplina, e A estes três princípios de conhecimentos (bio)tecnoló-
particularmente por tratar de têm sido acrescentados os con- gicos, tem recebido críticas em
questões éticas, visões diferen- ceitos de alteridade, sacrali- função de que seus defensores a
ciadas foram se constituindo em dade da vida e qualidade de confundem com a própria
torno da Bioética. Em sua con- vida. Na alteridade considera- Bioética. Em outras palavras, é
solidação, tornou-se hegemônica se o outro, enquanto individuali- preciso ficar claro que a Bioética
a abordagem conhecida como dade e enquanto coletividade. é uma disciplina ampla que abran-
principalista, representada por Nesse sentido, não é possível to- ge um conjunto variado de temas
Tom Beauchamp e James marem-se decisões e medidas em e questões, enquanto o
Childress, que propõe como prin- pesquisa e aplicação de conheci- principalismo é uma abordagem
cípios norteadores da Bioética: a mento sem que se leve em consi- em Bioética, isto é, é uma forma
beneficência, a justiça e a au- deração a quem essa pesquisa e de ver e interpretar os debates
tonomia. esses conhecimentos estão em Bioética. Nesse sentido, ou-
A beneficência, en- direcionados. Dessa forma, o ou- tras abordagens buscam ampliar
quanto conceito básico da tro passa a ser valorizado e não seus espaços dentro e fora da
Bioética, estabelece que as ex- mais visto como um simples de- academia. Uma delas, a chama-
perimentações deveriam estar talhe. Quanto à sacralidade da da abordagem histórico-crítica,
pautadas em fazer o bem, onde a vida - conceito introduzido por parte de um entendimento dife-
integridade e o direito à vida dos vertentes religiosas, particular- renciado do uso dos princípios
que são submetidos a estas práti- mente católicas – tem-se que a acima expostos e critica o uso dos
cas deveriam ser preservados. vida, em qualquer dimensão ou mesmos enquanto únicos critéri-
Aqui, se considera a postura éti- contexto, é sempre sagrada e, os de decisão nos embates
ca e profissional dos médicos e portanto, de valor inestimável, bioéticos. Por outro lado, os de-
de outros profissionais da saúde, estando acima de todo e qualquer fensores dessa abordagem bus-
como fundamentais para que o interesse individualista ou de se- cam descentralizar a Bioética do
princípio da beneficência seja res- tores hegemônicos. O conceito de seio dos países desenvolvidos,
peitado. qualidade de vida é introduzido particularmente os Estados Uni-
mais recentemente e traz uma dos. Não sendo objetivo do pre-
O princípio da justiça concepção diferenciada de saú- sente artigo o aprofundamento
ganhou força a partir da necessi- de que vai além do bem estar or- em nenhuma dessas abordagens,
dade de conscientização acerca gânico individual, realçando que lembramos apenas que há um
da distribuição eqüitativa e geral as condições de existência exi- movimento já bastante
dos benefícios e avanços propor- gem repensar e considerar os sedimentado de criação e siste-
cionados pela biotecnologia e pe- aspectos biológicos, psicológicos matização de uma bioética inter-
los serviços de assistência à saú- e sociais e, além disso, ajudam a nacional, defendido, por exemplo,
de. Da mesma forma que os prin- pensar a saúde em termos de por Campbell (2000). Este autor
cípios acima chamam atenção coletividade e não simplesmente ressalta que na atualidade exis-
para a prática profissional, o ter- de individualidade. tem diversas vertentes em
ceiro princípio, autonomia, con- Bioética, com especificidades
sidera de fundamental importân- A abordagem princi-
culturais e políticas, como: abor-
cia olharmos para a possibilidade palista, embora tenha o mérito de
dagens feministas da Bioética;
e direito que os indivíduos possu- sistematizar parâmetros para dis-
Bioética islâmica; Bioética
em em gerir suas existências e, cutir bioeticamente a experimen-
ambiental, etc.
portanto, tomarem decisões acer- tação com humanos e não-huma-
ca de sua vida e sua morte. nos e a distribuição e aplicação
Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003. 5
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CONSIDERAÇÕES FI- Partindo dos questiona- rafa, V.; Costa, S. I. F. (Org.), A
NAIS. mentos aqui expostos, entende- bioética no século XXI. 25-35.
se que o estudo introdutório so- Brasília: Editora da UNB, 2000.
bre a temática oportuniza momen- p.25-35.
O objetivo deste artigo foi tos de reflexões e indagações CLOSET, J. Bioética como ética
introduzir o leitor à disciplina acerca da Bioética e suas várias aplicada e genética. In: Garrafa,
Bioética. Para tanto, apresentou- ramificações. Viabilizando, por- V.; Costa, S. I. F. (Org.), A
se um panorama amplo de seu tanto, a busca de novas informa- bioética no século XXI.
surgimento e desenvolvimento, ções que envolvam discussões Brasília: Editora da UNB, 2000.
caracterizando-a quanto aos seus bioéticas, referentes ao p.110-128.
pressupostos gerais. posicionamento de profissionais
A discussão sobre da área da saúde quanto ao sig- DINIZ, D.; GUILHEM, D. O
Bioética, conforme vimos, nos nificado que estes atribuem à vida que é bioética. São Paulo:
remete a uma série de e à morte e como vivenciam tais Brasiliense, 2002.
questionamentos a respeito do situações na prática clínica. Con-
que esta representa e em quais figura-se, dessa forma, um novo PESSINI, L.; BARCHIFON-
situações é aplicada. Seu estudo cenário de discussões, permeado TAINE, C. P. Problemas atu-
provoca interrogações acerca de de modelos paradigmáticos que ais de bioética. São Paulo:
suas prováveis limitações quanto regem a prática profissional, mas Loyola, 1997.
à possibilidade de impedir avan- que são passíveis de redefinições.
ços científicos que favoreçam a SARMENTO, H. B. M. Ética:
cura ou melhoramento de algu- desafios, fronteiras e trilhas.
mas patologias, na medida em que
REFERÊNCIAS BIBLIO- Trilhas,Belém, v. 3, n. 2, p. 95-
a mesma coloca-se contrária à GRÁFICAS 110, 2003.
utilização de determinados méto-
dos experimentais, que violem a SGRECCIA, E. A bioética e o
CAMPBELL, A. V. Uma visão
integridade do indivíduo submeti- novo milênio. Bauru: EDUSC,
internacional da bioética. In: Gar-
do a estes. 2000.
6 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.