Este diário descreve o amor proibido entre Inês de Castro e Pedro, o príncipe herdeiro de Portugal. Apesar dos desafios que enfrentam por causa de seu relacionamento secreto, eles tiveram três filhos juntos: Beatriz, João e Dinis. Inês teme por seu futuro com Pedro devido à oposição da sociedade a seu casamento.
2. 12 de Outubro de 1345
Querido Diário,
deparei-
Hoje, ao despertar, deparei-me com
uma entre as muitas respostas de Pedro
saudades…
às minhas sentidas e tristes saudades…
pois, desde a lastimosa morte de sua
senhora D. Constança, ao dar à luz o
futuro novo herdeiro ao trono, que me
encontro no castelo de Albuquerque junto
à fronteira castelhana, ordem dada por
El-
El-Rei D. Afonso IV. IV.
3. O rei teve essa atitude por achar que
esta seria a única maneira de distanciar
algo que, por mais distância que exista,
nunca, jamais, será esquecido, ou
apagado…
simplesmente apagado…o cruel e forte
amor.
amor.
Desta vez, Pedro prometera vir
resgatar-
resgatar-me deste local, que se tornou um
Inferno insuportável. Para ser sincera,
insuportável.
pior…
não sei o que é pior…se estar neste
triste espaço, longe do meu bem-querer,
bem-
4. ou voltar para o local onde nos havemos de
esconder todos os dias, para que ninguém
nos julgue ou amaldiçoe, simplesmente
para sermos felizes, durante breves
minutos…
minutos…
Nunca, jamais quis criar este tipo de
situação, colocar pai e filho de costas
matrimónio.
voltadas, destruir um matrimónio.
Contudo, não posso voltar atrás, pois se
soubesse o que me esperava, jamais teria
Constança.
vindo com Constança.
5. Neste momento, só queria estar longe
de tudo e de todos, mas não me imagino
dele.
longe dele.
Neste momento, devo ser a pessoa
mais egoísta da humanidade, mas se ser
egoísta é amar intensamente
alguém…
alguém…então sim, sou a pessoa mais
egoísta da humanidade..
humanidade
Inês de Castro
6. 1 de Abril de 1346
Querido Diário,
Hoje foi o dia mais feliz da minha
vida…
vida…mas depressa se transformou no
dia mais infeliz, desgostoso, cruel,
doloroso…
penoso, choroso, trágico, doloroso…
busco pela palavra ‘perfeita’ para poder
injectar numa só folha o sentimento de
tristeza mais profunda que sinto neste
momento, mas nenhuma é suficiente
para descrever o que me vai na alma..
alma
7. Há 24 horas atrás, carregava em meu
ventre uma parte de Pedro e uma parte
de mim, isto é, duas partes numa
só…iria chamar--se Afonso..
só… chamar Afonso
************
Fiquei receosa pela reacção de Pedro e
de todo o povo, que cruelmente nos
julgava.
julgava. Receava ainda mais a reacção de
D. Afonso IV, quando viesse a saber.saber.
Quando contei a Pedro que estava à
espera de um filho dele, ele simplesmente..
simplesmente
8. transbordou de felicidade, como se fosse o
primeiro.
primeiro.
Entretanto, passaram os nove meses
chegou.
e o tão aguardado dia finalmente chegou.
Eis que tive o meu pequenino em meus
braços breves minutos e depressa gravei o
rosto daquele pequeno ser, pequeno
perfeito.
demais para ser algo tão perfeito.
Ao olhar para ele, vendo aqueles
olhos brilhantes como a luz da noite, não
consegui respirar, nem pensar, nem dizer
9. uma única palavra, simplesmente olhei-o,
olhei-
admirei-
admirei-o, e a única acção que houve
naquele espaço foram dois leves traços de
água salgada saídos dos meus olhos, mas
logo de seguida tudo o que estava a ser
‘mágico’ passou a ser horrível, pois, de um
momento para o outro, a pequena criatura
soltou um último folgo. Passaram-se
folgo. Passaram-
minutos e nada de diferente aconteceu, a
não ser o tempo, que cada vez passava
mais depressa e eu ali, sentada com o que
10. há uns minutos atrás eram lágrimas de
felicidade, agora não passavam de
sofridas lágrimas de profunda e dolorosa
dor…
dor…perante isto, não sei mais o que
dói-
escrever, pois só de relembrar dói-me a
alma que nem sabia que podia doer
tanto…
tanto…
Inês de Castro
11. 17 de Maio de 1347
Querido Diário,
data.
Hoje é uma próspera data.
Depois do trágico episódio que se
sucedera no ano anterior (episódio esse
que, por mais tempo que passe, jamais
será apagado da minha memória), um
outro milagre acontece e desta vez, este
feliz.
tem um final feliz.
Chama- Beatriz. Tive-
Chama-se Beatriz. Tive-a em
meus braços, segundos suficientes, para
12. ver a face de Pedro diante de meus olhos,
pois esta pequena e frágil bebé era a
imagem do pai, que ficara enternecido ao
encanto.
olhar para aquele encanto. Logo em
tomou-
seguida, tomou-a em seus braços, desta
feita, quem se comoveu em primeiro foi
Pedro, pois ao olhar para os seus olhos,
estes estavam inundados de felicidade,
fluindo esta em sua face transformada
água.
em límpidas gotas de água.
Passaram-
Passaram-se as horas e tanto Pedro
13. como eu estávamos receosos, pois
relembrávamos o antigo episódio que se
sucedera há um ano atrás… mas nada
atrás…
havia a apontar, pois Beatriz estava cada
viva.
vez mais viva. Pedro não afastava o seu
olhar daquela menina, nem eu conseguia
afastar o meu. Era fascinante vê-la a
meu. vê-
mexer-
mexer-se num espaço em que só estava ela
e somente ela, ver aquelas covinhas
perfeitas que fazia sempre que sorria,
14. dela,
em sonhos dela, simplesmente era
fascinante vê-la diante de mim viva.
vê- viva.
Inês de Castro
15. 9 de Junho 1354
Querido Diário,
Finalmente, encontro aqui o me
faltava…
faltava…algo onde possa escrever tudo o
que aconteceu ao longo destes anos…
anos…
quando escrevo tudo o que tenho na
desaparece.
minha cabeça, o peso desaparece. A
alivia-
escrita alivia-me um pouco da pressão, da
confusão em que a minha vida se tornou
depois de ter vindo com Constança para
Coimbra.
Coimbra.
16. É errado amar? – pergunto eu. eu.
Sim! Porque, desde que aqui estou,
e, por infelicidade ou não, me ter
enamorado por Pedro e ter sido
correspondida que todos os dias são uma
luta contra o nosso amor, pois a sociedade
coloca o estatuto social acima de tudo, isso
sim, não será errado?
Por vezes, imagino como seria se
nunca tivesse vindo para cá, mas por
mais que tente não consigo, pois, onde
17. me imagino, não está Pedro e não me
imagino noutro espaço sem ele, e não teria
os meus três preciosos rebentos Beatriz,
João que nascera em 1349 e Dinis que
atrás.
nascera há dois meses atrás.
Durante estes anos, aconteceram
imensas coisas, uma das quais o meu
casamento com Pedro. Foi um
Pedro.
casamento em segredo, nem imagino o
que o povo diria ou até mesmo o pai de
saber.
Pedro se viessem a saber. Talvez a nossa
18. vida se tornasse mais fácil, pois não
poderiam fazer nada ou tornar-se--ia um
tornar-se
inferno maior do que este, o que é quase
impossível de imaginar.
imaginar.
Por vezes, dou por mim tentada a
desistir de tudo, por mais que me custe e
me doa a alma, até não haver limite de
dão-
dor, mas Pedro e os nossos filhos dão-me
cabeça.
força para que erga a cabeça.
Inês de Castro
19. 7 de Janeiro de 1355
Querido Diário,
Ao despertar, mirei o que estava fora
daquelas quatro paredes, parecia uma
outra dimensão, o ar era leve, a brisa fazia
o arvoredo dançar de uma forma que
seduzia qualquer amante da Natureza..
Natureza
Ao contemplar todo aquele cenário,
peito.
uma forte pontada soou no meu peito. Ao
olhar para a porta, reparei numa folha de
papel sob o chão, que dizia:
dizia:
20. Inês, queria simplesmente antecipar o
nosso encontro de hoje. Antecipar-se-á
hoje. Antecipar-se-
uma hora no mesmo lugar, a fonte.. fonte
Pedro..’’
Pedro
Estas palavras não pareciam ser de
Pedro, eram demasiado bruscas para serem
dele, mas provavelmente deveria estar
atarefado.
atarefado.
Neste momento, olho para os nossos
rebentos e uma enorme mágoa enche--me o
enche
peito, uma vontade de os aprisionar a mim
21. tanto eles como a Pedro como se nunca
mais os fosse ver. Pedro…. Pedro….
ver. Pedro… Pedro…
Simples nome que traz consigo
numerosas memórias de momentos que
jamais serão esquecidos. Um deles, por
esquecidos.
exemplo, é o dia em que vim com
Constança para Coimbra e conheci aquele
por quem até hoje me sinto cada vez mais
enamorada e que revirou a minha simples
vida ao contrário. Relembro ainda os dias
contrário.
que passámos naquela que por nós ficou
22. intitulada ‘Fonte dos Amores’, pois lá
é o nosso local, o nosso mundo, onde não
somos julgados e vivemos o nosso amor
sem ter de o esconder, é onde podemos ser
nós ‘Pedro e Inês’, simplesmente nós,
sem o título de ‘príncipe ‘D. Pedro’ e a
‘D.
‘Aia de D. Constança’. Ali, éramos
Constança’.
nós dois amantes da paixão, dois escravos
Amor.
do Amor.
23. Cada recanto daquele local faz parte
das minhas memórias.. Tantas
memórias
recordações, tantos sorrisos, tantas
lágrimas, tantas juras de amor… ao
amor…
recordar todas elas, dou por mim, neste
instante, lavada em lágrimas, pois esses
mostram- longínquos.
momentos mostram-se tão longínquos. É
lembro-
agonizante pensar assim, pois lembro-me
do rosto de Pedro e volta o peso e a mágoa
no meu peito… porquê?!
peito… porquê?!
Sensação estranha, é como se estivesse
24. aterrorizada por não voltar a vê-lo…
vê-lo…
Amo-
Amo-o mais do que tudo, nunca
nada foi tão importante para mim e um
dia, quando repousar eternamente,
somente peço a Deus que os meus filhos
e ele saibam o quanto os amo, e que
podem vir mais ‘batalhas’ que enfrentarei
tudo por eles, pois eles (Pedro e os meus
filhos) são quem mais amo, são por quem
um dia, se for preciso, darei a vida.
vida.
Inês de Castro