SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 6
Downloaden Sie, um offline zu lesen
.36.
            A NTES D A TE M PEST A DE




     O rapaz colocou o athame sobre suas mãos espalmadas, posicionadas
à frente do tronco, mantendo a simetria com os cotovelos para os lados.
Cerrou os olhos e passou a expirar e inspirar com mais tranquilidade, co-
locou os pés para dentro, próximos à virilha, e os joelhos apontados para
fora da postura, e se concentrou. Primeiro limpou a mente de qualquer
pensamento possível, depois canalizou a energia que sentia nascer em si,
originando do estômago, queimando de dentro para fora e subindo pelo
peito num nível que o levava ao êxtase. Seus sentidos se desprendiam
das coisas materiais, o efeito tomava novas formas no processo e ia além,
arrebatando essências pessoais, até alcançar o estado mórbido que o fazia
perder por alguns segundos a consciência da própria existência. Então, o
athame reluziu seu ectoplasma vermelho, conectando-o àquele mundo e
este com a lâmina, permitindo-o alcançar a egrégora. A lâmina brilhava,
despejando rajadas escarlates para os quatro cantos da choça onde estava
acomodado. Assim que entrava em simetria energética com a arma, ele
precisava mantê-la por uma hora, oscilando para mais ou menos.
     Verne saiu exausto do cômodo que os lycans tinham levantado para
ele, perto da colina com arbustos e ribeirão. A chuva aumentava, atingindo
com força o lago onde se banhava. Ali, aproveitou para refletir. O processo
de alinhamento ectoplasmático ainda o cansava, mas não como antes. Não
como há muitas semanas atrás, em Paradizo, no seu quarto do Orfanato
Chantal. O treinamento forçado com Elói, ainda que rápido, parecia trazer
resultados mais efetivos naquele momento, ele conseguia notar isso. Uma
leve sensação de alívio e satisfação lhe banhava a alma.
     “Pling-ding.” O rapaz reconheceu o som de imediato.
     – Isis? – perguntou, sem avistar ninguém. – Você está aí?

                                   252
– Oh! – respondeu ele, ou ela. O dedilhar foi interrompido. – Sim,
Verne!
     O bardo andrógino estava sentado numa pedra que interferia no trajeto
do ribeirinho até o lago, segurando a harpa. Seus cabelos loiros e pálidos
estavam encharcados, colados em sua face delicada. Os olhos índigos se
apertavam pelo incômodo da chuva sobre o rosto. A camisa cândida e a
calça violeta, sempre limpas, agora estavam molhadas, com uma projeção
de barro subindo pelas botas brancas.
      – Desculpe-me, não tive a intenção. – cantou Isis. – Estava eu aqui,
refletindo na natureza, vendo Solux desaparecer atrás das nuvens tempes-
tuosas. Mas a chuva me acalma e me inspira.
     – Sem problemas, Isis. – disse Verne, enquanto se cobria com a toalha
que tinha trazido de seu mundo. – Está preparado para o que virá?
     – Sempre. Já cantei outras guerras, outras mortes. Tenho mais sangue
nessas solas do que barro. – Ele, ou ela, se levantou, caminhando até o
outro, desviando das poças na grama fofa e molhada como se fosse um
dançarino. – E, você, está preparado?
     Um trovão soou distante.
     – Acho que não. Mas estou disposto.
     – Isso é um começo. – sorriu tranquilo.
     – Gostaria de ter esse seu espírito calmo, Isis. – Verne vestia uma bata
limpa dentro da choça, assistido pelo andrógino da entrada.
     – Ainda bem que não tem. Você precisará do espírito guerreiro na
hora da batalha. – De repente, a tranquilidade do bardo se esvaiu, dando
lugar a uma expressão tensa, meio triste. – E terá de sujar as mãos... – sua
voz quase sumindo.
     – Isis tem razão. – zuniu Lupita, inesperadamente. Molhada, suja e
cansada, estava ofegante, como se tivesse corrido até ali. – Agora preciso
de você.
     Verne recuperou sua mochila, prendeu o athame na cintura e, junto de
Lupita, que carregava Magma no colo, atravessou o caminho do ribeirinho
até o Coração da Floresta. A tempestade ameaçava no horizonte. Durante
o trajeto, ele viu destacamentos de soldados-lobo se preparando sobre a
relva, tomando suas posições. Em sua maioria, machos, alguns jovens e
poucas fêmeas. A lycan lhe revelou que naquela região estavam presentes
mais de trezentos guerreiros, prontos para o combate. Os demais haviam
se espalhado para outras direções do Arvoredo Lycan. As ocas agora jaziam
vazias, não havia mais o som dos filhotes brincando, da cantoria e alegria
do povo da floresta, nem do porcellus estalando sobre o fogo. Somente o

                                    253
rosnar dos lycantropos e o barulho empapuçado de suas caminhadas na
grama atacada pela chuva incessante.
     – Vai soar meio óbvio, – disse Verne, enquanto seguia a lycan por uma
planície nua e castanha abaixo. – mas você me parece mais tensa do que
todos nós juntos!
     – É a chuva. – Lupita deixou seu olhar se perder por alguns instantes.
– Esse clima nublado, o céu encoberto completamente...
     – O lamaçal vai prejudicá-los? – Ele escorregou num trecho da descida,
arranhando cotovelo e coxa, mas ela o segurou antes que o rapaz estatelasse
onde não devia.
     – Não. Nosso problema não é a água, é Nyx. – Verne não compreen-
deu, então a lycan continuou: – A Senhora da Noite tem influência direta
sobre os lycantropos. Quando transformados, a luz de Nyx triplica a nossa
força. Teríamos vantagem se o céu estivesse limpo. – Ela empurrou uma
grande folha de pinheiropreto que lhes atrapalhava e então seguiu por um
caminho apertado, com pedregulhos fazendo vez de estrada, machucando
seus pés. – Com essa chuva, não teremos influência nenhuma. Justo agora,
que mais precisamos!
     – Mas foi Raul quem deu o Uivo de Guerra em resposta aos gnolls.
Ele poderia ter avaliado o clima, esperado um tempo melhor para guerrear.
     – Era a intenção. – Lupita revelou. – Mas Hoärr é esperto, um grande
estrategista. Enviou dezenas de assassinos para matar nosso líder durante
esses dias que você esteve viajando. Com isso, o canalha sabia que Raul
reagiria logo. E... Bem, foi o que aconteceu.
     Verne praguejou. Realmente os lycans estavam sem sorte. Além da
desvantagem numérica, a chuva. Uma péssima sensação devorava seu
coração de dentro para fora.
     – E o Violador?
     – Está protegido por dois guardas do Líder da Tribo de Sangue. Rufus
e Rico também defendem sua teoria da conspiração de Juan com os gnolls.
Então, concordaram em mantê-lo distante do campo de batalha.
     – Já é algo. – Ele queria respirar aliviado, mas sabia que era tarde
demais para isso e para qualquer outro tipo de boa sensação. – Afinal, para
onde estamos indo, Lupi?
     – O esconderijo.
     O casal chegou até um descampado. O terreno formava um semicírculo
e findava num grande pedaço de montanha que subia até um precipício
repleto de árvores cobrindo o céu. Estavam muito abaixo do Coração, mais
abaixo ainda de toda a floresta. Mas era nos pés daquela montanha que se

                                   254
encontrava a entrada para o esconderijo: um buraco há muito escavado,
com largura para duas pessoas passarem por vez. O jovem Vipero olhou
atentamente para o túnel estofado de mantimentos e notou o quão profun-
do era, num sem fim de escuridão e terra, iluminado apenas por archotes
alocados de modo estratégico.
     Avistaram de través o sacerdote rústico. Zenon Arriola, o Líder da
Tribo Negra, gritava ordens para sua matilha responsável por aquele túnel,
enquanto fêmeas e seus filhotes se abrigavam em segurança no esconderijo.
     – Arriola deixará metade de seus soldados-lobo guarnecendo este lugar.
– disse Lupita. – E como você mesmo se dispôs, protegerá junto deles aqui.
     – Sim, eu o farei! – bradou o rapaz, tentando trazer a coragem de volta
para aquele cenário, enquanto apertava o punho contra o athame. Suaria
se a chuva não levasse seu suor embora. – Estou... preparado – revelou,
sem certeza.
     – Não está. Ninguém nunca está. – disse ela, triste.
     Trovejou, agora mais próximo.
     E de novo.
     Eles ouviram murmúrios familiares, que depois ganharam formas mais
claras. Buscando a origem das vozes, a dupla viu o xamã na presença do
Líder Lycan e outros dois Vrhovni Volkodlak ao seu lado.
     – Ih, o Senhor da Noite tem razão! – zuniu Ochoa para os líderes. Estava
sentado em posição de lótus sobre a terra úmida, vestindo seus andrajos de
sempre, segurando o cajado com tranquilidade. Talvez o único, dentre as
tribos, realmente tranquilo naquela situação. – O Coração da Floresta será
o foco de ataque do Líder Gnorr.
     – É o lugar mais protegido de todo o Arvoredo, xamã. – sussurrou
Paranhos Tercero, serenamente.
     – Matarei o maldito do Hoärr antes dele chegar até o nosso Coração!
– vociferou Raul, nitidamente aflito, quase a fera que viria a se tornar.
     – Ih, prestem atenção! – continuou o xamã, indiferente as reações dos
líderes. – O Arbac Apuhc não deve ser tocado. Deve se manter enterrado
junto do Tratado Verde até o fim desta guerra. Se perdermos, pelo menos
ele estará a salvo.
     – Não perderemos! – disse o Líder Lycan novamente, quase um uivo.
Verne ficou arrepiado.
     – O tesouro já foi enterrado pela matilha do Senhor da Noite, senhor
soberano. – disse Estevan Escobar, o Branco, respeitosamente. – Muito
bem enterrado, muito bem protegido, lhe asseguro.
     Ainda era o meio da tarde em Necrópolis, mas já escurecia no Arvo-
redo Lycan.

                                    255
– Ih, não é só isso! – disse Ochoa. – Vocês, qualquer um de vocês, só
deve usar o Arbac Apuhc em última instância. Esse tesouro é uma entidade
viva e saberá se for utilizado para fins escusos.
     – Não mexeremos nele, Ochoa! – rosnou Raul, já caminhando para
longe.
     – Ih! Em algum momento, talvez, seja necessário usá-lo. – sorriu. A
água da chuva demorava a descer por sua face, se perdendo entre as rugas.
– Mas esse momento ficará claro para o lycan certo, na hora certa.
     Paranhos e Estevan pediram a licença do Soberano das Grans e passa-
ram por ele, na direção do Coração da Floresta, bem acima. No caminho,
estavam Verne e Lupita.
     – Oh! – o Líder da Tribo de Prata se mostrou surpreso. – Não é este o
morto-que-voltou de que tanto nosso povo falou?
     – Sou Verne Vipero, da Terra. – afirmou. Postou-se de forma segura,
cabeça erguida, com um olhar feroz somente para o Líder Lycan. Sabia
que tinha de se impor perante ele.
     – Terrestre. – era o Líder da Tribo das Neves. – Torço para que não
morra novamente nesta guerra. – E o cumprimentou com um aceno res-
peitoso, partindo dali. Paranhos o seguiu.
     Raul permaneceu. Ambos se encaravam com seriedade. Sem perceber,
Lupita deu longos passos para trás, temerosa. Magma regougava baixinho
em seu colo.
     – Menino.
     – Raul Sanchez I.
     Tão logo falou, o rapaz retirou o athame da cintura com velocidade,
ajoelhou e enterrou a ponta da lâmina na terra fofa. Abaixou a cabeça e se
concentrou em silêncio, com os olhos fechados. O Líder Lycan e Lupita
ficaram curiosos, aguardando o próximo ato. Esperaram.
     As gotas da forte chuva começaram a diminuir quando se aproxima-
ram do corpo de Verne, diluindo no ar milímetros antes de tocarem sua
bata. Uma fina energia vermelha começava a envolvê-lo, deixando os dois
lycans com a pele formigando pela proximidade. Lupita quase interveio,
esperando uma má reação. Ele se levantou, abriu os olhos escarlate pelo
ectoplasma ativo e deixou o Líder da Tribo da Garra sentir o calor de seu
poder, agora sob controle. Ou quase.
     Então, o rapaz guardou o athame de volta na corda da cintura e sua
energia cessou, até dissipar-se gradualmente. A lycan respirou com alívio,
e Magma saltou do colo dela, correndo empolgado até os pés de seu dono.
     Raul sorriu. Era a primeira vez que ele via aquilo.

                                   256
– Eu, o morto-que-voltou, humano da Terra, lutarei a sua guerra. Ao
lado do seu povo. Não tente me impedir. – murmurou Verne com seriedade.
     – Você ainda é fraco, ainda é um menino e ainda é um terrestre. –
rosnou o Líder Lycan, ao coçar o farto bigode. – Mas tem coragem, tem
vontade e uma faca brilhante. Isso eu respeito. – Colocou sua enorme mão
sobre o ombro do rapaz e o apertou. – Mas, Verne Vipero, no campo de
batalha, lute como um lycan. Deixe a besta florescer em você, não perdoe
seus inimigos. Eles não o perdoarão.
     Verne assentiu. Postou sua mão sobre a de Raul, também com respeito,
e disse:
     – Sou o seu soldado!
     O Líder Lycan se mostrou satisfeito, retomou a subida até o Coração
junto dos outros líderes e, sem olhar para trás, ordenou:
     – Lupita, lembre-se de, após essa guerra, e independente dos resultados
dela, dar ao menino o título de Lycan-Honorário. Depois de tudo, gostaria
de tê-lo como um membro do povo da floresta. – E sumiu ladeira acima.
     Verne ficou ali, parecendo meio abobado. Mas obteve sua primeira
vitória. Conseguiu o respeito de Raul, o irredutível. A lycan se reaproximou,
com aquele sorriso triste.
     – Que honra, hein? – ela disse.
     Trovejou bem ali, assustando os filhotes de dentro do túnel.
     – Darei o meu melhor, Lupi. Eu prometo.
     Lupita o beijou. Seus lábios estavam quentes, mesmo na chuva fria.
Transmitindo sua paixão para a alma do novo guerreiro. Inevitavelmente,
Verne se sentiu revigorado. Nunca estaria pronto para a guerra, mas estaria
presente nesta, e faria o que achava certo.
     Ela depois o encarou profundamente, seus olhos enterrados no dele,
chorosa.
     – Espero que essa não seja a última vez que fazemos isso.
     As nuvens sufocaram os céus. O dia se tornou noite. A chuva deu lugar
à tempestade.
     E junto da tempestade, a guerra chegou.




                                    257

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

O inimigo
O inimigoO inimigo
O inimigo
LRede
 
Mestres da Poesia
Mestres da PoesiaMestres da Poesia
Mestres da Poesia
Chuck Gary
 
Erich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses Chegaram
Erich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses ChegaramErich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses Chegaram
Erich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses Chegaram
JNR
 
Aprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticos
Aprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticosAprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticos
Aprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticos
Cooperativa do Saber
 
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
Talles Lisboa
 
Aluisio azevedo demônios
Aluisio azevedo   demôniosAluisio azevedo   demônios
Aluisio azevedo demônios
Tulipa Zoá
 

Was ist angesagt? (19)

Post-mortem
Post-mortemPost-mortem
Post-mortem
 
O inimigo
O inimigoO inimigo
O inimigo
 
Ocidentais
OcidentaisOcidentais
Ocidentais
 
Poemas de Manuel Felipe de Sousa
Poemas de Manuel Felipe de SousaPoemas de Manuel Felipe de Sousa
Poemas de Manuel Felipe de Sousa
 
Unic 04 - iracema-1865-2019-pr wsf
Unic 04 - iracema-1865-2019-pr wsfUnic 04 - iracema-1865-2019-pr wsf
Unic 04 - iracema-1865-2019-pr wsf
 
Mestres da Poesia
Mestres da PoesiaMestres da Poesia
Mestres da Poesia
 
Mestres Da Poesia
Mestres Da PoesiaMestres Da Poesia
Mestres Da Poesia
 
Erich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses Chegaram
Erich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses ChegaramErich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses Chegaram
Erich Von Daniken O Dia Em Que Os Deuses Chegaram
 
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowskiBestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
 
Bhdfo
BhdfoBhdfo
Bhdfo
 
Aprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticos
Aprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticosAprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticos
Aprofundamento aula 5_interpretação_textos_poéticos
 
Mestres da poesia
Mestres da poesiaMestres da poesia
Mestres da poesia
 
Tigana 2 trecho
Tigana 2 trechoTigana 2 trecho
Tigana 2 trecho
 
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
 
Os 12 anjos
Os 12 anjosOs 12 anjos
Os 12 anjos
 
Jesus - Amanhecer da Ressurreição
Jesus - Amanhecer da RessurreiçãoJesus - Amanhecer da Ressurreição
Jesus - Amanhecer da Ressurreição
 
59
5959
59
 
Auta de Souza e Chico Xavier
Auta de Souza e Chico XavierAuta de Souza e Chico Xavier
Auta de Souza e Chico Xavier
 
Aluisio azevedo demônios
Aluisio azevedo   demôniosAluisio azevedo   demônios
Aluisio azevedo demônios
 

Andere mochten auch (20)

Web 2 0
Web 2 0Web 2 0
Web 2 0
 
Prueba1
Prueba1Prueba1
Prueba1
 
מערכת הנשימה - מבנה ותפקיד
מערכת הנשימה - מבנה ותפקידמערכת הנשימה - מבנה ותפקיד
מערכת הנשימה - מבנה ותפקיד
 
Abode Magazine Feature
Abode Magazine FeatureAbode Magazine Feature
Abode Magazine Feature
 
lA reVoLuCioN liBerAl
lA reVoLuCioN liBerAllA reVoLuCioN liBerAl
lA reVoLuCioN liBerAl
 
Jour et mois
Jour et moisJour et mois
Jour et mois
 
Psicomotricitat extr
Psicomotricitat extrPsicomotricitat extr
Psicomotricitat extr
 
Pensamento e ciencia
Pensamento e cienciaPensamento e ciencia
Pensamento e ciencia
 
180 metodologia-de-inovação-na-gestão-pública-do-estado-de-minas-gerais
180 metodologia-de-inovação-na-gestão-pública-do-estado-de-minas-gerais180 metodologia-de-inovação-na-gestão-pública-do-estado-de-minas-gerais
180 metodologia-de-inovação-na-gestão-pública-do-estado-de-minas-gerais
 
Recreo*-*
Recreo*-*Recreo*-*
Recreo*-*
 
Ingenieria economica
Ingenieria economicaIngenieria economica
Ingenieria economica
 
Instagram
InstagramInstagram
Instagram
 
Guia de normas apa
Guia de normas apaGuia de normas apa
Guia de normas apa
 
Blas de Otero - En el principio
Blas de Otero - En el principioBlas de Otero - En el principio
Blas de Otero - En el principio
 
Actividad 4 de daniela elizalde obregon 6ºg
Actividad 4 de daniela elizalde obregon 6ºgActividad 4 de daniela elizalde obregon 6ºg
Actividad 4 de daniela elizalde obregon 6ºg
 
Elements de l'ordinador
Elements de l'ordinadorElements de l'ordinador
Elements de l'ordinador
 
Recursos TIC para preescolares
Recursos TIC para preescolaresRecursos TIC para preescolares
Recursos TIC para preescolares
 
La seleccion
La seleccionLa seleccion
La seleccion
 
Parcial gbi2
Parcial gbi2Parcial gbi2
Parcial gbi2
 
Proyecto de trabajo
Proyecto de trabajoProyecto de trabajo
Proyecto de trabajo
 

Ähnlich wie Np2 cap36

Angélica, a marquesa dos anjos 25 - angélica e a estrela mágica
Angélica, a marquesa dos anjos   25 - angélica e a estrela mágicaAngélica, a marquesa dos anjos   25 - angélica e a estrela mágica
Angélica, a marquesa dos anjos 25 - angélica e a estrela mágica
kennyaeduardo
 
Christian jacq pedra de luz 4 - o lugar de verdade
Christian jacq   pedra de luz 4 - o lugar de verdadeChristian jacq   pedra de luz 4 - o lugar de verdade
Christian jacq pedra de luz 4 - o lugar de verdade
Ariovaldo Cunha
 
Poemas sobre biodiversidade
Poemas sobre biodiversidadePoemas sobre biodiversidade
Poemas sobre biodiversidade
BE ESGN
 
52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite
52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite
52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite
omoogun olobede
 
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
miguelmv076
 
14 maria de magdala
14 maria de magdala14 maria de magdala
14 maria de magdala
sidneyjorge
 

Ähnlich wie Np2 cap36 (20)

Eleonora
EleonoraEleonora
Eleonora
 
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
 
Angélica, a marquesa dos anjos 25 - angélica e a estrela mágica
Angélica, a marquesa dos anjos   25 - angélica e a estrela mágicaAngélica, a marquesa dos anjos   25 - angélica e a estrela mágica
Angélica, a marquesa dos anjos 25 - angélica e a estrela mágica
 
Christian jacq pedra de luz 4 - o lugar de verdade
Christian jacq   pedra de luz 4 - o lugar de verdadeChristian jacq   pedra de luz 4 - o lugar de verdade
Christian jacq pedra de luz 4 - o lugar de verdade
 
Poemas sobre biodiversidade
Poemas sobre biodiversidadePoemas sobre biodiversidade
Poemas sobre biodiversidade
 
52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite
52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite
52714265 jorge-amado-os-pastores-da-noite
 
Contos sertanejos
Contos sertanejosContos sertanejos
Contos sertanejos
 
Antologia Digital da ALSPA.pdf
Antologia Digital da ALSPA.pdfAntologia Digital da ALSPA.pdf
Antologia Digital da ALSPA.pdf
 
As mouras do rio seco
As mouras do rio secoAs mouras do rio seco
As mouras do rio seco
 
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
 
Salamanca do Jarau (Ensaio de Luiz Cosme)
Salamanca do Jarau (Ensaio de Luiz Cosme)Salamanca do Jarau (Ensaio de Luiz Cosme)
Salamanca do Jarau (Ensaio de Luiz Cosme)
 
Estorias do vo jaco
Estorias do vo jacoEstorias do vo jaco
Estorias do vo jaco
 
O Corvo / The Raven
O Corvo / The RavenO Corvo / The Raven
O Corvo / The Raven
 
Edgar allan poe silêncio
Edgar allan poe   silêncioEdgar allan poe   silêncio
Edgar allan poe silêncio
 
Silencio, edgar allan poe
Silencio, edgar allan poeSilencio, edgar allan poe
Silencio, edgar allan poe
 
O corvo. sb
O corvo. sbO corvo. sb
O corvo. sb
 
14 maria de magdala
14 maria de magdala14 maria de magdala
14 maria de magdala
 
100 lendas do folclore brasilei a.s franchini
100 lendas do folclore brasilei   a.s franchini100 lendas do folclore brasilei   a.s franchini
100 lendas do folclore brasilei a.s franchini
 
100 lendas do folclore brasilei a.s franchini 2
100 lendas do folclore brasilei   a.s franchini 2100 lendas do folclore brasilei   a.s franchini 2
100 lendas do folclore brasilei a.s franchini 2
 
100 lendas do folclore brasilei a.s franchini
100 lendas do folclore brasilei   a.s franchini100 lendas do folclore brasilei   a.s franchini
100 lendas do folclore brasilei a.s franchini
 

Kürzlich hochgeladen

ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
azulassessoria9
 
19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf
19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf
19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf
marlene54545
 
atividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdf
atividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdfatividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdf
atividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdf
Autonoma
 
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemáticaSlide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
sh5kpmr7w7
 
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturasSistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
rfmbrandao
 

Kürzlich hochgeladen (20)

ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 3 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
 
Slides 9º ano 2024.pptx- Geografia - exercicios
Slides 9º ano 2024.pptx- Geografia - exerciciosSlides 9º ano 2024.pptx- Geografia - exercicios
Slides 9º ano 2024.pptx- Geografia - exercicios
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
 
Sistema de Bibliotecas UCS - Cantos do fim do século
Sistema de Bibliotecas UCS  - Cantos do fim do séculoSistema de Bibliotecas UCS  - Cantos do fim do século
Sistema de Bibliotecas UCS - Cantos do fim do século
 
19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf
19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf
19- Pedagogia (60 mapas mentais) - Amostra.pdf
 
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptxMonoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
 
Educação Financeira - Cartão de crédito665933.pptx
Educação Financeira - Cartão de crédito665933.pptxEducação Financeira - Cartão de crédito665933.pptx
Educação Financeira - Cartão de crédito665933.pptx
 
Pesquisa Ação René Barbier Livro acadêmico
Pesquisa Ação René Barbier Livro  acadêmicoPesquisa Ação René Barbier Livro  acadêmico
Pesquisa Ação René Barbier Livro acadêmico
 
atividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdf
atividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdfatividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdf
atividade-de-portugues-paronimos-e-homonimos-4º-e-5º-ano-respostas.pdf
 
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
Aula 25 - A america espanhola - colonização, exploraçãp e trabalho (mita e en...
 
apostila filosofia 1 ano 1s (1).pdf 1 ANO DO ENSINO MEDIO . CONCEITOSE CARAC...
apostila filosofia 1 ano  1s (1).pdf 1 ANO DO ENSINO MEDIO . CONCEITOSE CARAC...apostila filosofia 1 ano  1s (1).pdf 1 ANO DO ENSINO MEDIO . CONCEITOSE CARAC...
apostila filosofia 1 ano 1s (1).pdf 1 ANO DO ENSINO MEDIO . CONCEITOSE CARAC...
 
Tema de redação - As dificuldades para barrar o casamento infantil no Brasil ...
Tema de redação - As dificuldades para barrar o casamento infantil no Brasil ...Tema de redação - As dificuldades para barrar o casamento infantil no Brasil ...
Tema de redação - As dificuldades para barrar o casamento infantil no Brasil ...
 
Slides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptx
Slides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptxSlides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptx
Slides Lição 6, Betel, Ordenança para uma vida de obediência e submissão.pptx
 
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemáticaSlide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
 
Apresentação | Dia da Europa 2024 - Celebremos a União Europeia!
Apresentação | Dia da Europa 2024 - Celebremos a União Europeia!Apresentação | Dia da Europa 2024 - Celebremos a União Europeia!
Apresentação | Dia da Europa 2024 - Celebremos a União Europeia!
 
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturasSistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
 
P P P 2024 - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
P P P 2024  - *CIEJA Santana / Tucuruvi*P P P 2024  - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
P P P 2024 - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
 
Apresentação | Símbolos e Valores da União Europeia
Apresentação | Símbolos e Valores da União EuropeiaApresentação | Símbolos e Valores da União Europeia
Apresentação | Símbolos e Valores da União Europeia
 
M0 Atendimento – Definição, Importância .pptx
M0 Atendimento – Definição, Importância .pptxM0 Atendimento – Definição, Importância .pptx
M0 Atendimento – Definição, Importância .pptx
 
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º anoCamadas da terra -Litosfera  conteúdo 6º ano
Camadas da terra -Litosfera conteúdo 6º ano
 

Np2 cap36

  • 1. .36. A NTES D A TE M PEST A DE O rapaz colocou o athame sobre suas mãos espalmadas, posicionadas à frente do tronco, mantendo a simetria com os cotovelos para os lados. Cerrou os olhos e passou a expirar e inspirar com mais tranquilidade, co- locou os pés para dentro, próximos à virilha, e os joelhos apontados para fora da postura, e se concentrou. Primeiro limpou a mente de qualquer pensamento possível, depois canalizou a energia que sentia nascer em si, originando do estômago, queimando de dentro para fora e subindo pelo peito num nível que o levava ao êxtase. Seus sentidos se desprendiam das coisas materiais, o efeito tomava novas formas no processo e ia além, arrebatando essências pessoais, até alcançar o estado mórbido que o fazia perder por alguns segundos a consciência da própria existência. Então, o athame reluziu seu ectoplasma vermelho, conectando-o àquele mundo e este com a lâmina, permitindo-o alcançar a egrégora. A lâmina brilhava, despejando rajadas escarlates para os quatro cantos da choça onde estava acomodado. Assim que entrava em simetria energética com a arma, ele precisava mantê-la por uma hora, oscilando para mais ou menos. Verne saiu exausto do cômodo que os lycans tinham levantado para ele, perto da colina com arbustos e ribeirão. A chuva aumentava, atingindo com força o lago onde se banhava. Ali, aproveitou para refletir. O processo de alinhamento ectoplasmático ainda o cansava, mas não como antes. Não como há muitas semanas atrás, em Paradizo, no seu quarto do Orfanato Chantal. O treinamento forçado com Elói, ainda que rápido, parecia trazer resultados mais efetivos naquele momento, ele conseguia notar isso. Uma leve sensação de alívio e satisfação lhe banhava a alma. “Pling-ding.” O rapaz reconheceu o som de imediato. – Isis? – perguntou, sem avistar ninguém. – Você está aí? 252
  • 2. – Oh! – respondeu ele, ou ela. O dedilhar foi interrompido. – Sim, Verne! O bardo andrógino estava sentado numa pedra que interferia no trajeto do ribeirinho até o lago, segurando a harpa. Seus cabelos loiros e pálidos estavam encharcados, colados em sua face delicada. Os olhos índigos se apertavam pelo incômodo da chuva sobre o rosto. A camisa cândida e a calça violeta, sempre limpas, agora estavam molhadas, com uma projeção de barro subindo pelas botas brancas. – Desculpe-me, não tive a intenção. – cantou Isis. – Estava eu aqui, refletindo na natureza, vendo Solux desaparecer atrás das nuvens tempes- tuosas. Mas a chuva me acalma e me inspira. – Sem problemas, Isis. – disse Verne, enquanto se cobria com a toalha que tinha trazido de seu mundo. – Está preparado para o que virá? – Sempre. Já cantei outras guerras, outras mortes. Tenho mais sangue nessas solas do que barro. – Ele, ou ela, se levantou, caminhando até o outro, desviando das poças na grama fofa e molhada como se fosse um dançarino. – E, você, está preparado? Um trovão soou distante. – Acho que não. Mas estou disposto. – Isso é um começo. – sorriu tranquilo. – Gostaria de ter esse seu espírito calmo, Isis. – Verne vestia uma bata limpa dentro da choça, assistido pelo andrógino da entrada. – Ainda bem que não tem. Você precisará do espírito guerreiro na hora da batalha. – De repente, a tranquilidade do bardo se esvaiu, dando lugar a uma expressão tensa, meio triste. – E terá de sujar as mãos... – sua voz quase sumindo. – Isis tem razão. – zuniu Lupita, inesperadamente. Molhada, suja e cansada, estava ofegante, como se tivesse corrido até ali. – Agora preciso de você. Verne recuperou sua mochila, prendeu o athame na cintura e, junto de Lupita, que carregava Magma no colo, atravessou o caminho do ribeirinho até o Coração da Floresta. A tempestade ameaçava no horizonte. Durante o trajeto, ele viu destacamentos de soldados-lobo se preparando sobre a relva, tomando suas posições. Em sua maioria, machos, alguns jovens e poucas fêmeas. A lycan lhe revelou que naquela região estavam presentes mais de trezentos guerreiros, prontos para o combate. Os demais haviam se espalhado para outras direções do Arvoredo Lycan. As ocas agora jaziam vazias, não havia mais o som dos filhotes brincando, da cantoria e alegria do povo da floresta, nem do porcellus estalando sobre o fogo. Somente o 253
  • 3. rosnar dos lycantropos e o barulho empapuçado de suas caminhadas na grama atacada pela chuva incessante. – Vai soar meio óbvio, – disse Verne, enquanto seguia a lycan por uma planície nua e castanha abaixo. – mas você me parece mais tensa do que todos nós juntos! – É a chuva. – Lupita deixou seu olhar se perder por alguns instantes. – Esse clima nublado, o céu encoberto completamente... – O lamaçal vai prejudicá-los? – Ele escorregou num trecho da descida, arranhando cotovelo e coxa, mas ela o segurou antes que o rapaz estatelasse onde não devia. – Não. Nosso problema não é a água, é Nyx. – Verne não compreen- deu, então a lycan continuou: – A Senhora da Noite tem influência direta sobre os lycantropos. Quando transformados, a luz de Nyx triplica a nossa força. Teríamos vantagem se o céu estivesse limpo. – Ela empurrou uma grande folha de pinheiropreto que lhes atrapalhava e então seguiu por um caminho apertado, com pedregulhos fazendo vez de estrada, machucando seus pés. – Com essa chuva, não teremos influência nenhuma. Justo agora, que mais precisamos! – Mas foi Raul quem deu o Uivo de Guerra em resposta aos gnolls. Ele poderia ter avaliado o clima, esperado um tempo melhor para guerrear. – Era a intenção. – Lupita revelou. – Mas Hoärr é esperto, um grande estrategista. Enviou dezenas de assassinos para matar nosso líder durante esses dias que você esteve viajando. Com isso, o canalha sabia que Raul reagiria logo. E... Bem, foi o que aconteceu. Verne praguejou. Realmente os lycans estavam sem sorte. Além da desvantagem numérica, a chuva. Uma péssima sensação devorava seu coração de dentro para fora. – E o Violador? – Está protegido por dois guardas do Líder da Tribo de Sangue. Rufus e Rico também defendem sua teoria da conspiração de Juan com os gnolls. Então, concordaram em mantê-lo distante do campo de batalha. – Já é algo. – Ele queria respirar aliviado, mas sabia que era tarde demais para isso e para qualquer outro tipo de boa sensação. – Afinal, para onde estamos indo, Lupi? – O esconderijo. O casal chegou até um descampado. O terreno formava um semicírculo e findava num grande pedaço de montanha que subia até um precipício repleto de árvores cobrindo o céu. Estavam muito abaixo do Coração, mais abaixo ainda de toda a floresta. Mas era nos pés daquela montanha que se 254
  • 4. encontrava a entrada para o esconderijo: um buraco há muito escavado, com largura para duas pessoas passarem por vez. O jovem Vipero olhou atentamente para o túnel estofado de mantimentos e notou o quão profun- do era, num sem fim de escuridão e terra, iluminado apenas por archotes alocados de modo estratégico. Avistaram de través o sacerdote rústico. Zenon Arriola, o Líder da Tribo Negra, gritava ordens para sua matilha responsável por aquele túnel, enquanto fêmeas e seus filhotes se abrigavam em segurança no esconderijo. – Arriola deixará metade de seus soldados-lobo guarnecendo este lugar. – disse Lupita. – E como você mesmo se dispôs, protegerá junto deles aqui. – Sim, eu o farei! – bradou o rapaz, tentando trazer a coragem de volta para aquele cenário, enquanto apertava o punho contra o athame. Suaria se a chuva não levasse seu suor embora. – Estou... preparado – revelou, sem certeza. – Não está. Ninguém nunca está. – disse ela, triste. Trovejou, agora mais próximo. E de novo. Eles ouviram murmúrios familiares, que depois ganharam formas mais claras. Buscando a origem das vozes, a dupla viu o xamã na presença do Líder Lycan e outros dois Vrhovni Volkodlak ao seu lado. – Ih, o Senhor da Noite tem razão! – zuniu Ochoa para os líderes. Estava sentado em posição de lótus sobre a terra úmida, vestindo seus andrajos de sempre, segurando o cajado com tranquilidade. Talvez o único, dentre as tribos, realmente tranquilo naquela situação. – O Coração da Floresta será o foco de ataque do Líder Gnorr. – É o lugar mais protegido de todo o Arvoredo, xamã. – sussurrou Paranhos Tercero, serenamente. – Matarei o maldito do Hoärr antes dele chegar até o nosso Coração! – vociferou Raul, nitidamente aflito, quase a fera que viria a se tornar. – Ih, prestem atenção! – continuou o xamã, indiferente as reações dos líderes. – O Arbac Apuhc não deve ser tocado. Deve se manter enterrado junto do Tratado Verde até o fim desta guerra. Se perdermos, pelo menos ele estará a salvo. – Não perderemos! – disse o Líder Lycan novamente, quase um uivo. Verne ficou arrepiado. – O tesouro já foi enterrado pela matilha do Senhor da Noite, senhor soberano. – disse Estevan Escobar, o Branco, respeitosamente. – Muito bem enterrado, muito bem protegido, lhe asseguro. Ainda era o meio da tarde em Necrópolis, mas já escurecia no Arvo- redo Lycan. 255
  • 5. – Ih, não é só isso! – disse Ochoa. – Vocês, qualquer um de vocês, só deve usar o Arbac Apuhc em última instância. Esse tesouro é uma entidade viva e saberá se for utilizado para fins escusos. – Não mexeremos nele, Ochoa! – rosnou Raul, já caminhando para longe. – Ih! Em algum momento, talvez, seja necessário usá-lo. – sorriu. A água da chuva demorava a descer por sua face, se perdendo entre as rugas. – Mas esse momento ficará claro para o lycan certo, na hora certa. Paranhos e Estevan pediram a licença do Soberano das Grans e passa- ram por ele, na direção do Coração da Floresta, bem acima. No caminho, estavam Verne e Lupita. – Oh! – o Líder da Tribo de Prata se mostrou surpreso. – Não é este o morto-que-voltou de que tanto nosso povo falou? – Sou Verne Vipero, da Terra. – afirmou. Postou-se de forma segura, cabeça erguida, com um olhar feroz somente para o Líder Lycan. Sabia que tinha de se impor perante ele. – Terrestre. – era o Líder da Tribo das Neves. – Torço para que não morra novamente nesta guerra. – E o cumprimentou com um aceno res- peitoso, partindo dali. Paranhos o seguiu. Raul permaneceu. Ambos se encaravam com seriedade. Sem perceber, Lupita deu longos passos para trás, temerosa. Magma regougava baixinho em seu colo. – Menino. – Raul Sanchez I. Tão logo falou, o rapaz retirou o athame da cintura com velocidade, ajoelhou e enterrou a ponta da lâmina na terra fofa. Abaixou a cabeça e se concentrou em silêncio, com os olhos fechados. O Líder Lycan e Lupita ficaram curiosos, aguardando o próximo ato. Esperaram. As gotas da forte chuva começaram a diminuir quando se aproxima- ram do corpo de Verne, diluindo no ar milímetros antes de tocarem sua bata. Uma fina energia vermelha começava a envolvê-lo, deixando os dois lycans com a pele formigando pela proximidade. Lupita quase interveio, esperando uma má reação. Ele se levantou, abriu os olhos escarlate pelo ectoplasma ativo e deixou o Líder da Tribo da Garra sentir o calor de seu poder, agora sob controle. Ou quase. Então, o rapaz guardou o athame de volta na corda da cintura e sua energia cessou, até dissipar-se gradualmente. A lycan respirou com alívio, e Magma saltou do colo dela, correndo empolgado até os pés de seu dono. Raul sorriu. Era a primeira vez que ele via aquilo. 256
  • 6. – Eu, o morto-que-voltou, humano da Terra, lutarei a sua guerra. Ao lado do seu povo. Não tente me impedir. – murmurou Verne com seriedade. – Você ainda é fraco, ainda é um menino e ainda é um terrestre. – rosnou o Líder Lycan, ao coçar o farto bigode. – Mas tem coragem, tem vontade e uma faca brilhante. Isso eu respeito. – Colocou sua enorme mão sobre o ombro do rapaz e o apertou. – Mas, Verne Vipero, no campo de batalha, lute como um lycan. Deixe a besta florescer em você, não perdoe seus inimigos. Eles não o perdoarão. Verne assentiu. Postou sua mão sobre a de Raul, também com respeito, e disse: – Sou o seu soldado! O Líder Lycan se mostrou satisfeito, retomou a subida até o Coração junto dos outros líderes e, sem olhar para trás, ordenou: – Lupita, lembre-se de, após essa guerra, e independente dos resultados dela, dar ao menino o título de Lycan-Honorário. Depois de tudo, gostaria de tê-lo como um membro do povo da floresta. – E sumiu ladeira acima. Verne ficou ali, parecendo meio abobado. Mas obteve sua primeira vitória. Conseguiu o respeito de Raul, o irredutível. A lycan se reaproximou, com aquele sorriso triste. – Que honra, hein? – ela disse. Trovejou bem ali, assustando os filhotes de dentro do túnel. – Darei o meu melhor, Lupi. Eu prometo. Lupita o beijou. Seus lábios estavam quentes, mesmo na chuva fria. Transmitindo sua paixão para a alma do novo guerreiro. Inevitavelmente, Verne se sentiu revigorado. Nunca estaria pronto para a guerra, mas estaria presente nesta, e faria o que achava certo. Ela depois o encarou profundamente, seus olhos enterrados no dele, chorosa. – Espero que essa não seja a última vez que fazemos isso. As nuvens sufocaram os céus. O dia se tornou noite. A chuva deu lugar à tempestade. E junto da tempestade, a guerra chegou. 257