1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
LABORATÓRIO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA
LAURA MARIANO QUARENTEI
CIDADES (EN)CANTADAS: o uso da música como recurso para a
compreensão do território e da paisagem no ensino de Geografia
Vitória
2010
2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
LABORATÓRIO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA
LAURA MARIANO QUARENTEI
CIDADES (EN)CANTADAS: o uso da música como recurso para a
compreensão do território e da paisagem no ensino de Geografia
Trabalho de conclusão de curso
apresentado como requisito
parcial para a obtenção do título
de licenciada em Geografia pela
Universidade Federal do Espírito
Santo.
Orientação: Profª. M. Sc. Stela Maris Araújo
Vitória
2010
3. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
LEAGEO
LAURA MARIANO QUARENTEI
CIDADES (EN)CANTADAS: o uso da música como recurso para a
compreensão do território e da paisagem no ensino de Geografia
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Profª. M. Sc. Stela Maris Araújo (Centro de Educação – UFES)
Orientadora
_________________________________________________________
Prof. Dr. José Américo (Centro de Educação – UFES)
Vitória
2010
4. “(...) esta cidade é um gigante liquidificador onde
as informações diversas se misturam, se atritam
gerando novas fagulhas, interpretações,
exceções.” (Arnaldo Antunes).
5. RESUMO
Este trabalho apresenta uma proposta para se trabalhar o território em sala de
aula. Está ancorado nas abordagens mais atuais que a Geografia tem
apresentado sobre o território enquanto espaço vivido pelos homens e, por esta
razão, procura um caminho para que o aluno possa compreender o território
além da dominação político-econômica sob a qual ele é normalmente tomado.
Enquanto prática, adotamos a música como recurso alternativo para o ensino-
aprendizagem. A escolha foi baseada nas possibilidades que a música oferece
para abordar o tema, sob uma perspectiva que vai além da teórico-conceitual e
conta com a sensibilidade e a subjetividade que podem ser identificadas nas
letras de músicas escritas a partir da maneira como seu autor vive um
determinado território. Buscamos, ainda, fazer com que as atividades com a
música incentivassem os alunos a pensar sua própria maneira de viver seu
espaço e olhar para outros espaços vividos, dando a eles a possibilidade de
pensar o território além da sua materialidade e da sua função econômica e,
assim, facilitando a compreensão do papel e da função das pessoas no
território, assim como de sua relação com a paisagem.
6. SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................06
Capítulo 1: Parâmetros Curriculares Nacionais: abordagens e propostas para os
conceitos elementares da geografia e para o uso da música como recurso
didático................................................................................................................ 09
Capítulo 2. A Geografia, o território e a paisagem: propostas atuais para sua
observação e compreensão................................................................................ 14
Capítulo 3. A música na sala de aula: concebendo território e paisagem a partir
das interpretações da cidade por diferentes intérpretes: práticas e
experiências.........................................................................................................17
Capítulo 4. A atividade em sala de aula: considerações sobre como se propôs a
atividade e sobre as experiências de sua aplicação........................................... 26
Capítulo 5. Discussões conclusivas ................................................................... 31
Referências........................................................................................................ 33
7. 6
Introdução
Os diferentes momentos pelos quais a Geografia passa influenciam tanto a
produção acadêmica, a respeito de conceitos centrais para a disciplina, quanto
os modos de se fazer Geografia e ensinar a disciplina em sala de aula.
Por esta razão o que procuramos com este trabalho é traduzir para o professor,
enquanto principal elo entre a academia e a escola, as atuais concepções sobre
o território e paisagem e alguns de seus qualificadores que os valorizam
enquanto espaço vivido pelos homens.
Ao mesmo tempo julgamos relevante apresentar uma proposta facilitadora para
o ensino sobre o território e a paisagem em sala de aula, o que desdobrou na
proposta e aplicação de atividade prática que contou com uma coleção de
músicas selecionadas de forma a permitir que um mesmo limite urbano seja
observado sob as diversas perspectivas que se permite observar.
A proposta, além de buscar facilitar a compreensão daqueles conceitos, que
inserissem o aluno num processo de construção do saber que permita a ele
conceber, assimilar as dinâmicas, os contrastes e as particularidades que se
revelam no e pelo território, foi de trazer a paisagem através da música. Baseou-
se na idéia de apresentar uma paisagem não vivida diretamente pelos alunos,
mas que se apresentasse através da música composta por pessoas que vivem
uma paisagem “distante” da paisagem dos alunos.
A opção pela cidade justifica-se porque é ali, na concentração urbana, que se
tornam mais evidentes os amontoados de vidas, de rotinas, de diferenças e de
sentimentos que co-existem num mesmo espaço ou, como coloca Arnaldo
Antunes nas suas palavras sobre São Paulo, é na cidade que se podem ver as
informações que se misturam e geram diversas interpretações e exceções. Usar
as produções musicais que se relacionam com a cidade foi uma opção no
sentido de facilitar a compreensão do território urbano que é o território vivido
pelos alunos, mas é muito pouco pensado por eles enquanto multiplicidade
porque cada um a toma dentro de sua própria realidade.
A escolha das músicas se amparou na busca de textos que não trouxessem
explicitamente conteúdos que forçassem relações das músicas com clima, com
8. 7
questões ambientais, população, economia, desigualdade. Nesse sentido foram
priorizadas músicas que pudessem revelar o sentimento do seu autor com
relação à sua cidade, sentimentos que variam de pessoa para pessoa, de autor
para autor.
Por isso o título “Cidades (en)cantadas”, porque trabalhar a cidade cantada é
trabalhar a cidade sentida, percebida, vivida à maneira daquele que a canta, ou
seja, é a maneira como a cidade “encanta” aquele que a canta que faz com que
cada um tenha sua perspectiva com relação a ela.
Ao mesmo tempo, levamos em consideração o estilo musical, fugindo de
composições que pudessem ser pouco interessantes para alunos jovens que,
em sua maioria, transitam por estilos marcantes que definem as diversas “tribos”
de jovens que vivem nas cidades, indo do rock ao funk, passando pelo pop e
ainda pela nova geração da música popular brasileira.
Desta maneira fechamos a proposta do trabalho que apresenta:
Objetivo geral
Usar a música como ferramenta para facilitar a compreensão do território
urbano enquanto espaço vivido por pessoas e não apenas enquanto recorte
político e econômico; desenvolvendo, para tanto, material de apoio ao professor,
contendo músicas, versos e interpretações comentadas sobre as relações das
letras musicais com as concepções atuais do território. Usa o recurso da música
para trazer à sala de aula uma paisagem sem que fosse necessário sair da sala
com os alunos para observar aquela paisagem.
Objetivos específicos:
a) Revisão dos Parâmetros curriculares Nacionais na busca de
sistematizar as demandas a respeito da abordagem dos conceitos
primordiais da Geografia em sala de aula;
b) Revisão de literatura sobre as atuais concepções de território na
Geografia, valorizando a idéia do território vivido pelo homem;
9. 8
c) Revisão dos Parâmetros Curriculares Nacionais, buscando pontos
relevantes que justifiquem e amparem o uso da música como recurso
didático em sala de aula;
d) Seleção, interpretação e discussão de músicas que tragam letras
interessantes para abordar o território e a paisagem urbanos
enquanto espaço vivido;
e) Organização de material de apoio ao professor para atividade com as
músicas em sala de aula realizando, ainda, uma atividade piloto com
o material desenvolvido.
10. 9
Capítulo 1: Parâmetros Curriculares Nacionais: abordagens e propostas
para os conceitos elementares da geografia e para o uso da música como
recurso didático.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) o ensino de Geografia
está ainda muito relacionado com os estudos descritivos da paisagem e da
sociedade que foram tendência marcada na Geografia Tradicional, nas
diversas correntes que dela se desdobraram (PCN, 1988).
Ainda segundo os PCN a urbanização que se acentuou a partir da Segunda
Grande Guerra, em função principalmente da industrialização, começou a
caracterizar novas grandes cidades e uma nova realidade se apresenta hoje a
partir da evolução da urbanização e das possibilidades que os lugares tem de
se conectar. Assim, “realidades locais passaram a estar articuladas em uma
rede de escala mundial. Cada lugar deixou de explicar-se por si mesmo”(PCN,
1988:104). Por esta razão os métodos e as teorias tradicionais da Geografia
tonam-se insuficientes para compreender as complexidades
Naquilo que diz respeito às escolas da Geografia, podemos traçar brevemente
suas características e a maneira como influenciaram o fazer e o ensinar
Geografia.
A Geografia Clássica se caracterizou como uma ciência do espaço terrestre a
partir da observação e descrição da paisagem, reflexões sobre a ação do
homem no meio e também da ação do meio sobre o homem. A partir da
sobreposição destes aspectos em vários locais, tem-se outra característica
marcante que é a regionalização dos lugares. Posteriormente
aproximadamente na década de 1950 a Geografia Teorética-Quantitativa
predominou, marcada pelo seu caráter de metodologias matemáticas e rigor
dos dados, com atividades voltadas para o planejamento do espaço.
Questionando as metodologias desta geografia quantitativa surgiu a Geografia
Crítica, marcada pelo posicionamento quanto ao modo de produção capitalista
tecendo reflexões sobre os problemas sociais. No mesmo período outra escola
geográfica chamada humanística surge, também em contraposição à geografia
quantitativa, com foco na análise da percepção que os sujeitos têm do espaço
e lugar, valorizando os sujeitos e a maneira como pessoas percebem o mesmo
11. 10
espaço de modo diferente, julgando, assim, que suas atitudes em relação ao
espaço também são diferentes.
Porém, as perspectivas das escolas Clássica e Crítica são ainda presentes em
muitos livros de Geografia, a primeira notada na exploração dos aspectos
naturais da Terra, na caracterização e localização do relevo, clima, hidrografia
e vegetação, fornecendo conhecimentos sobre aspectos naturais da Geografia.
A segunda nota-se pelos aspectos sociais, voltados às reflexões sobre os
modos de produção, a utilização dos recursos naturais e suas conseqüências
danosas à sociedade e à natureza, submetendo em muito os aspectos naturais
ao homem. Essas condições revelam a falta de clareza quanto ao papel da
Geografia. E isto também acaba influenciando nas questões relativas aos seus
conceitos centrais.
Porém, desde inícios dos anos 80 têm-se fortalecido uma geografia que vem
valorizando abordagens que considerem as “dimensões subjetivas e, portanto,
singulares que os homens em sociedade estabelecem com a natureza. Essas
dimensões são socialmente elaboradas – fruto das experiências individuais
marcadas pela cultura na qual se encontram inseridas – e resultam em
diferentes percepções do espaço geográfico e sua construção” (PCN,
1988:106).
Embora sejam positivas as transformações de perspectivas que resultam das
discussões sobre o objeto e o método da Geografia, elas trazem
conseqüências para o ensino da disciplina, que acaba prejudicado pela falta de
definição de conceitos e temas centrais que precisam ser desenvolvidos na
sala de aula e que contribuam com o ensino-aprendizagem.
Assim, não é apenas a prática do professor que fica prejudicada, mas também
a escolha dos conteúdos.
Por esta razão os PCN trazem a afirmação de que as propostas curriculares
trazem problemas como:
“O abandono de conteúdos fundamentais da Geografia, tais como as
categorias de nação, território, paisagem e até mesmo espaço
geográfico (...);
12. 11
São comuns, os modismos que buscam sensibilizar os alunos para
temáticas mais atuais, sem uma preocupação real em promover uma
compreensão dos múltiplos fatores que dela são causas.” (PCN,
1988:106)”
Os conceitos de território e paisagem, por esta razão, merecem ser trabalhados
dentro da perspectiva que assumem, ou seja, além de serem conceitos
importantes para a disciplina e que merecem atenção na sala de aula,
precisam ser trabalhados dentro das atuais perspectivas de sua abordagem.
Nesse sentido território e paisagem devem ser analisados a partir das
dinâmicas que se vinculam à sua configuração e transformação, ou seja,
precisam ser abordados enquanto elementos dinâmicos condicionados pela
ação humana no espaço e não apenas com elementos estanques (discussão
que será apresentada no próximo capítulo).
Quanto à música, é premente a necessidade de se buscar outras ferramentas
que auxiliem no processo ensino-aprendizagem de uma maneira geral e no
ensino de Geografia, em específico, além dos livros didáticos é premente, não
somente na constituição de uma aula mais dinâmica com finalidade de atrair a
atenção do aluno para o conteúdo, mas também porque a atual conjuntura de
nossa sociedade já não comporta mais essa escola fornecedora de uma
educação que parece desconectada da realidade social de seus alunos.
Essa urgência na busca de ferramentas que dinamizem o ensino-
aprendizagem em Geografia pode ser constatada em trabalhos (Anais dos
Encontros Nacionais de Prática de Ensino de Geografia - ENPEG; dos
Congressos Brasileiros de Geógrafos - CBG) e dos Encontros de Geógrafos da
América Latina (EGAL), dentre outros, nos quais podem ser encontrados
diversos trabalhos que trazem essa preocupação.
Doria e Costa (2004: s/p) mostram “a necessidade de um novo pensar a
Geografia, de modo que a simples transmissão do conhecimento fique de lado
e dê espaço à construção do conhecimento coletivo”, pois de acordo com
Schäffer apud Doria e Costa (2004: s/p)
13. 12
“quando na escola vigoram estratégias de ensino centradas na voz do
professor e na passividade do aluno, e o livro didático ainda comanda a cena
em sala de aula, outros recursos de excepcional relevância têm seu uso
relegado. É compreensível que, neste caso, com alunos assim desatendidos, o
conhecimento geográfico não seja construído e a memorização seja a forma
habitual utilizada para mascarar o entendimento”.
Desse modo, a importância de novas ferramentas no ensino de Geografia não
se refere somente na conquista pelo professor de maior dinamicidade nas suas
aulas, mas fundamentalmente na conquista de maior autonomia e
independência por parte dos alunos.
Visando a construção do conhecimento a partir dos mais diversos conteúdos, a
literatura realizada mostra que é válida a utilização das mais variadas
ferramentas e linguagens, desde o desporto, recursos de multimídia, jogos,
poesia, literatura e a música.
Costa e Silva (2003: 4) em seu trabalho acerca da utilização da música popular
brasileira para discutir a cidade, nos alertam que “a música deve iniciar o
trabalho do professor, nunca substituí-lo”. A música e a poesia levam o aluno a
se interessar pelo conteúdo trabalhado, possibilitando a compreensão e a
análise crítica do mesmo através da interpretação e relação com o conteúdo.
Refletindo acerca da necessidade de novas ferramentas no ensino de
Geografia e das perspectivas desanimadoras apresentadas pelos professores
quando estes comentam suas experiências em sala de aula e sobre a falta de
interesse e participação dos alunos, propusemos a utilização da música, em
diversos gêneros, como mais uma ferramenta a ser aplicada no cotidiano das
aulas de Geografia.
O uso da música na sala de aula está legalmente amparado e nos PCN está
previsto o ensino da música o que viabiliza, ainda, o uso da música e do ensino
da música como caminho para colaborar com o aprendizado de questões
centrais para a Geografia no desenvolvimento cultural dos alunos.
Ainda nos PCN afirma-se que “a leitura da paisagem deve ocorrer de forma
dinâmica e instigante para os alunos, mediante situações que problematizem
14. 13
os diferentes espaços geográficos, podendo acontecer de forma direta
(observação da paisagem) ou de forma indireta (fotografias, literatura, vídeos,
músicas, relatos); ou seja, a música se apresenta como uma ferramenta para a
observação indireta da paisagem.
Ao mesmo tempo é importante recorrer a material que seja interessante aos
alunos e relevante quanto ao seu conteúdo. Por esta razão as músicas
escolhidas foram de gêneros diferentes, porque procuramos apresentar um
material acessível a todos.
Seguindo ainda os PCN de Artes, estivemos amparados pelo fato de que eles
definem que “o ensino da arte deverá organizar-se de modo que, ao final do
Ensino Fundamental, os alunos sejam capazes de:
compreender e saber identificar e a música como fato histórico
contextualizado nas diversas culturas (...) e interagir com materiais,
procedimentos variados em artes (artes visuais, dança, música,
teatro) experimentando-os e conhecendo-os de modo a utilizá-los nos
trabalhos pessoais.”
Esta maneira, o uso da música como recurso para o ensino aprendizagem é
importante não só porque colabora com os conteúdos de Geografia, mas
também com o amadurecimento cultural dos alunos e com a
interdisciplinaridade, valorizada pelos PCN. Além disso, a música é algo
extremamente importante para que os alunos tenham uma visão abrangente do
mundo, o que pode ser facilitado pelas múltiplas visões que os artistas têm do
mundo, da sua cidade, do seu lugar.
15. 14
Capítulo 2. A Geografia, o território e a paisagem: propostas atuais para
sua observação e compreensão.
Trabalhar o território e a paisagem urbanos requer uma especial atenção pelo
fato de que ao mesmo tempo que é nos contornos da cidade se que tornam
mais evidentes as inúmeras dinâmicas que configuram o território, é na cidade
que elas se complexificam.
Carlos (1999, p. 86) chama a atenção para o fato de que
“quando pensamos a cidade como o construído nos enganamos,
pois a cidade é antes de mais nada trabalho humano materializado
em casas, prédios, praças, viadutos. É trabalho social que produz a
cidade enquanto espaço da vida urbana, dos contatos imediatos do
dia-a-dia. Portanto, a metrópole é um produto que vai se constituindo
ao longo de uma história que, junto com sua fisionomia, transforma
também a vida dos seus habitantes e conseqüentemente suas
relações com o espaço urbano.”
Também Clark (1991, p.101), afirma que “o conjunto da sociedade vem a ser
dominado por valores, expectativas e estilos de vida urbanos”, resultando em
importante complexidade, que, por sua vez, impõe grandes desafios para seu
estudo e compreensão.
Ao concordar com estas afirmações tomamos a perspectiva de que o olhar
sobre a cidade precisa ser um olhar atento às inúmeras possibilidades sob as
quais a cidade se apresenta, seja como lugar, seja como meio, seja como
território.
Assim, como proposta para a sala de aula, o pensar e o olhar para a paisagem
e o território urbano é uma perspectiva que requer que aluno e professor
tenham a noção de que território e paisagem são conceitos interligados,
interdependentes, relacionados.
16. 15
A paisagem revela o que se concretiza da realização geográfica dos grupos
sociais. Ela é o visível do território vivido e historicamente transformado.
Assim, pensar a paisagem hoje requer que se esteja afinado com o pensar o
território porque a paisagem é reveladora da maneira como os homens se
territorializam. Por isto mesmo é preciso ter a noção do território e da maneira
como ele resulta do realizar humano para se poder olhar e compreender a
paisagem.
Atualmente a Geografia conta com uma corrente de pensadores (Santos, 2005;
Souza, 2009; Saquet, 2009; Elias, 2005; Haesbaert, 2007 e 2009; entre outros)
que vinculam fortemente o território à noção do uso, do território vivido,
deixando clara a centralidade do homem na efetivação do território.
Para Saquet (2009:87)
“na natureza o homem vive relações. Na sociedade, o homem vive relações.
Em ambas, o homem, vive relações construindo um mundo subjetivo e objetivo,
material e imaterial. O homem vive relações sociais, construção do território,
interações e relações de poder; diferentes atividades cotidianas, que se
revelam na construção de malhas, nós e redes, constituindo o território.”
A paisagem, enquanto elemento visível da superfície, também segue as
mudanças de concepção e abordagem porque está intimamente relacionada
com o território vivido, já que é materialização resultante da interação dos
homens com o meio.
Duas questões, porém, são relevantes ara se pensar e observar a paisagem:
1. a paisagem é um elemento objetivo que resulta da interação de
fenômenos físicos, biológicos e humanos, sendo particular de cada lugar
e estando em contínua evolução, movimento;
2. a paisagem é uma unidade visual, uma cena, uma maneira de ver. É
uma porção do espaço apreendida pelo olhar e, enquanto depende da
percepção de quem a olha, não se limita apenas a dados sensoriais,
mas também da percepção de quem a vê e vive.
Somadas estas perspectivas e tomado o território enquanto espaço vivido,
pode-se colocar que “a paisagem percebida é também significada e construída.
17. 16
Sua estrutura e dinâmica são acessíveis ao homem e agem como guias para
suas atitudes e condutas” (Cabral, 2007:10).
Cabral (2007:10) ainda cita Berque (1998, p.84-85) ao resumir que:
“A paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas é
também uma matriz porque participa dos esquemas de percepção, de
concepção e de ação – ou seja, da cultura – que canalizam, em um
certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a
natureza”.
Nesse sentido o trabalho com a música na sala de aula, visando abordar
paisagem e território urbanos, deve procurar revelar não apenas um território
político e economicamente definidos nem uma paisagem estanque, mas, sim,
prever que a concepção destes conceitos pode e deve ser assimilada a partir
das dinâmicas das interações dos homens entre si e com o meio.
Seguindo as orientações didáticas dos PCN, procura-se trabalhar esses
conceitos de forma “mais dinâmica e instigante para os alunos, mediante
situações que problematizem os diferentes espaços geográficos materializados
em paisagens, lugares e territórios; que disparem relações entre o presente e o
passado, o específico e o geral, as ações individuais e as coletivas; e promovam
o domínio de procedimentos que permitam aos alunos ler a paisagem local e
outras paisagens presentes em outros tempos e espaços” (PCN, 1988:153)
Esta tarefa será empreendida no capítulo seguinte.
18. 17
Capítulo 3: A música na sala de aula: concebendo território e paisagem a
partir das interpretações da cidade por diferentes intérpretes
Neste capítulo apresentaremos a cidade do Rio de Janeiro pela visão de 5
diferentes intérpretes. A partir destas músicas é possível perceber que a cidade
é vivida de diversas maneiras e que o território urbano não é um só, mas sim
diversos fragmentos vividos por diferentes grupos de pessoas que “usam e
vivem” diferentes lugares e dinâmicas da cidade.
Segundo Reginaldo Elias Ferreira (Portal da Educação <portal da
educação.com.br>):
“Quando pensamos em música, logo imaginamos o ouvido como órgão importante
de sentido, mas é o cérebro que interpreta as ondas sonoras recebidas pelo ouvido.
Assim como todos os sentidos externos do corpo humano (audição, olfato, tato,
paladar e visão) a audição é resultado de uma interpretação cerebral. Quanto mais
rica for uma música em seus diferentes sons (agudos, médios e graves), timbres
(cordas, sopro e percussão), ritmos (pulsações), velocidades (notas longas, médias
e curtas), intensidade (forte, média e fraca) com harmonia (combinação de sons
simultâneos), mais o cérebro e quem a ouve será estimulado.
Recomenda-se às crianças em idades iniciais do desenvolvimento cerebral
(0 a 6 anos) ouvir músicas eruditas, a exemplo das "clássicas", por serem
ricas em expressões sonoras propícias ao desenvolvimento da acuidade
cerebral auditiva, característica esta que é de grande importância para a
aprendizagem de idiomas.
A música, arte de combinar os sons, é uma excelente fonte de trabalho
escolar porque, além de ser utilizada como terapia psíquica para o
desenvolvimento cognitivo, é uma forma de transmitir idéias e informações,
faz parte da comunicação social.
Na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I, usa-se a música há muito tempo
em sala de aula, mas normalmente de uma forma lúdica, sem cobrança pedagógica
do conteúdo aos alunos, salvo algumas exceções.
No Ensino fundamental II a música é raramente utilizada, mas ao professor
interessado em enriquecer a sua prática pedagógica com música cabe estar
atento à pertinência do tema musical à matéria lecionada e fazer um
19. 18
planejamento que permita ao aluno desenvolver análise e interpretação da
letra, defendendo-a, rebatendo-a e/ou lhe acrescentando algo.
Antes de apresentar a música aos alunos, deve-se ter consciência do tema a
ser trabalhado e do conhecimento prévio dos alunos. Se necessário for,
deve-se subsidiar o aluno com pré-requisitos conceituais.”
Partindo deste texto de Ferreira propôs uma atividade em sala de aula para se
trabalhar os conceitos de paisagem e território urbano.
A princípio os conceitos de paisagem e território podem ser rapidamente
apresentados aos alunos a partir da troca de informações sobre a sua cidade,
sobre as paisagens que vêem e que sentem. Pode-se optar pó não discutir os
conceitos anteriormente à apresentação das músicas, mas aqui propõe-se que
seja feito como forma de reforçar a atenção para o tema da aula que é a
paisagem e o território.
A escolha da cidade do Rio de Janeiro esteve fundada em diversos aspectos.
Primeiramente foi pensada a possibilidade da produção musical na grande
Vitória, mas isto dificultaria o uso do material didático por outros professores fora
da Região metropolitana.
Conta-se, aí, a questão de levar uma paisagem para a sala de aula sem sair
dela com os alunos, ou seja, seria necessário optar por uma paisagem “exótica”
aos alunos e, assim, a opção pelo Rio de Janeiro seria uma boa opção já que
embora a cidade do Rio seja amplamente divulgada, a paisagem cantada nas
músicas seria uma paisagem vivida pelos autores e não pelos alunos. Dessa
maneira, forçaríamos a relevância da música como vinculador da concepção da
paisagem e do território e não diretamente a paisagem já vivida pelos alunos.
Ao mesmo tempo a produção musical do Rio de Janeiro é intensa e circula pela
mídia com mais intensidade que a produção capixaba e, ainda, a cidade do Rio
de Janeiro é conhecida por todos, através da mídia, seja pelas suas paisagens,
seja pelos seus problemas sociais.
A razão da escolha do Rio de Janeiro enquanto cidade vivida e cantada esteve,
assim, vinculada à eficácia da leitura de sua paisagem e de seu território através
20. 19
da música de seus cantores, somada à paisagem e o território concebidos
através de outros meios de comunicação.
Copacabana, de Marcelo Camelo, compositor carioca de 32 anos, morador do
bairro com mesmo nome, A cegonha me deixou em Madureira, de Jorge Ben
Jor, compositor carioca de 68 anos, nascido no bairro de Madureira e que viveu
em outros bairros da cidade; Eu quero ver gol, de Marcelo Yuca, músico carioca
de 45 anos, nascido e morador do Morro de Santa Marta; Cidadão comum
refém, de MV Bill, rapper carioca de 35 anos, nascido na Cidade de Deus e
Outono no Rio, de Ed Motta, compositor carioca de 38 anos, nascido na Tijuca.
Apresentamos a seguir as letras das músicas:
COPACABANA
Sinto copacabana por perto é o vento do mar
Será que a gente chega
Eu sinto que o meu coração tá com jeito de bem me quer mulher
Mesmo pra quem só carece de ver a viagem todo caminho que fazem
Todo destino padece aqui
Você precisa ver como fica no carnaval
O baile do peixoto é um barato
E os velhinhos são bons de papo
Sinto copacabana por perto é o vento do mar
Será que a gente chega
Eu sinto que o meu coração tá com jeito de bem me quer mulher
Mesmo quando eu levo a vida de um astronauta eu sei quanto tempo que falta
Olha que o túnel está quase ali
Segura que a minha alegria não quer parar
O shopping da siqueira é um colosso
E as gordinhas um alvoroço
A CEGONHA ME DEIXOU EM MADUREIRA
A cegonha me deixou em Madureira
De presente para minha mãe Silvia Lenheira
Madureira, ô, ô Madureira, ô, ô
Me deixou numa santa casa barulhenta
Que tremia toda quando o trem passava
Olha o trem!!!!
Disseram que eu cheguei com dois quilos e meio
Com dois quilos e meio
O que é que é isso?
Um bebê ou um palito
Disseram também que eu cheguei sorrindo
E cantando
Em vez de chegar chorando
Acharam estranho
A cegonha me deixou em Madureira
De presente para minha mãe Silvia Lenheira
21. 20
Madureira, ô, ô
Madureira, ô, ô
Madureira, terra de bamba e de tradição
De casas coloridas e meninas bonitas
Do jogo do bicho, do comércio e do mistério
Terra de samba da Portela e do Império
Mas de madureira me levaram
Para o Rio Comprido / Tijuca
Do Rio Comprido / Tijuca
Me levaram
Para Copacabana / Zona Sul
E de lá eu caí no mundo
E de lá eu caí no mundo
Abençoado por Deus
Cantando "mas que nada"
Já não me chamam de vagabundo.
EU QUERO VER GOL
Batuque, balanço, swing, praia e carnaval
Hoje no pé do morro tem ensaio geral
Eu quero ver gol eu quero ver gol
Não precisa ser de placa eu quero ver gol
Dois dias sem dormir chega domingo de manhã,
Fica difícil passar sem um banho de mar
Tem a distância lotação, tumulto então,
Tô no favelinha, peguei fora da linha
Méier-copacabana é o bonde ideal,
No ponto final o rebu é total
Pular pela janela pro bonde é normal
Zuando no asfalto, zuando na areia
Quando chegar na água vou me acabar
Quando chegar na água jacaré o que vai dar,
Porque eu quero ver gol, eu quero ver gol
Não precisa ser de placa, eu quero ver gol(2)
Tem limão, tem mate, melancia fatiada,
O globo sal e doce, dragão chinês
Tô no rango desde as 2 e a lombra bateu
O jogo é as 5 e eu sou mais o meu
Tô com a geral no bolso garanti o meu lugar
Vou torcer, vou xingar pro meu time ganhar...
Porque eu quero ver gol eu quero ver gol
Não precisa ser de placa eu quero ver gol
CIDADÃO COMUM REFÉM
Não somos poucos e somos muito loucos
Guerreiro é guerreiro de noite e de dia
Mexeu com a família agora se vira, segura a seqüência segue a quadrilha
Toda vez a mesma história, criança correndo mãe chorando chapa quente
tiro pra todo lado silêncio na praça o corpo de um inocente
chega a maldita polícia, chega a polícia o medo é geral
armado fardado carteira assinada com o ódio na cara pronto para o mal
mais um preto que morre ninguém nos socorre a comunidade na cena a arma dispara o cambio
comenta parece até cinema não é
é real, as armas não são de brinquedo
quando a policia invade a favela espalha terror e medo
é gente da gente que não nos entende usam de violência
o corpo estendido no chão ao lado uma poça de sangue conseqüência do despreparo daqueles
22. 21
que eram pra dar segurança
e ganham aumento com bravura quando tudo termina em matança
refém do medo, guerreiro do inferno guiado por Jesus
na escuridão, tentando buscando achar uma luz
e por falar, fazendo uma curva uma viatura
vou ter que dar uma parada porque, agora vou ter que levar uma dura como sempre acontece
tapa no saco me chamam de preto abusado
documento na mão, vinte minutos depois eu to liberado
é complicado ser revistado por um mulato fardado
que acham que o preto favelado é o retrato-falado
sempre foi assim (sim), covardia até o fim (fim)
a porrada que bate na cara não dói no playboy porque só dói em mim
programado pra matar pá pá, atire depois pra perguntar
se ele trabalhava ou se traficava só sei que deitado no chão ele tá e gera revolta na cabeça da
comunidade
que é marginalizada pela sociedade
que se cala escondida no seu condomínio
na favela ainda impera a lei do genocídio
90% da população não anda de arma na mão
não confiam na proteção
medo de camburão
vê cacetete na mão
fica jogado no chão
REFRÃO: Quando o ódio dominar, não vai sobrar ninguém
o mal que você faz reflete em mim também, respeito é pra quem tem, pra quem tem (2X)
Autoridade vem e invade sem critério nenhum
o som da sirene o cheiro de morte derrubaram mais um
na frente do filho eles quebraram o pai
o Zé povinho fardado vem entra mata e sai
sem ser julgado corrompido alienado revoltado fracassado
vai pintando esse quadro
o quadro do filme da sua vida (da sua vida)
o quadro de vidas e vidas da maioria esquecida
decorrente do descaso e da corrupção
moleque cresceu não tinha emprego então virou ladrão
menor bolado por aqui tem de montão
morre um nasce um monte com maior disposição
E o pensamento de todos aqueles que à lei das favelas são fiéis
a revolta te consome da cabeça aos pés
e o pensamento de todos aqueles que à lei das favelas são fiéis
a revolta te consome da cabeça aos pés
A falta de perspectiva
sem a possibilidade de escolher o que é melhor pra sua vida
o que gera revolta na cabeça da comunidade
que é marginalizada pela sociedade
que se cala escondida no seu condomínio
na lei da favela ainda impera o genocídio
sua dura vida lhe ensinou a caminhar com as próprias pernas
resta agora você se livrar do mal que te corrói, e te destrói
porque o crime não é o creme bota a cara mister M
qualé mané o que que há, vacilou virou munrá
porque o crime não é o creme bota a cara mister M
qualé mané o que que há vacilou virou munrá
REFRÃO: 2x
Não é somente a favela
que é condenada a viver a luz de velas tática de guerra
tiro não me enterra
capitão do mato 5 pra atirar e não erra
23. 22
depois que descobre que o cara deitado no chão era inocente
revolta na mente favela que sente, ódio toma conta de muita gente
todo mundo pra rua querendo bota fogo no pneu
querem se manifestar por que alguém morreu
só a mãe que vai chorar sabe o que perdeu
tem rua fechada carro parado camisa na cara piloto assustado
relógio roubado busão ta quebrado neguinho bolado caminhão saqueado
batalhão de choque de porrete na mão
tiro para o alto pra assustar multidão
tira o pino da granada de efeito moral
nessa hora todo mundo apanha igual marginal
e xinga o pobre de preto botando geral pra correr
saia voado se não quer morrer
se pegar te esculacha
bomba de gás bala de borracha
a manifestação que era pra ser contra violência
deixa mais feridos como conseqüência
manda a molequada pra casa
tira a barricada a pista liberada não acontece nada multidão se cala
hoje eu vo falar tudo que acontece na favela não abala ninguém
pedir ajuda a quem veja o que tem o povo ta sem somos do bem
falta ou não alguém
só resta o choro e o lamento da família dos amigos
que perderam muitos queridos
procure Deus e diga amém
de boca fechada para o seu próprio bem
teve um menor de camisa na cara
que deu uma pedrada no guarda que tava
baixando a porrada e que não aceitava
que aquilo rolava
o morro chorava
peço proteção de quem não teme nada
só mais confusão e mais gente machucada
favela ocupada o medo dominando
quem é trabalhador fica em segundo plano
o sangue marcando
o povo enterrando
imposto pagando
desacreditando
justiça clamando
por Deus implorando
por almas orando
com a vida jogando
Favela ocupada por uma semana vivendo em clima de tensão
quem tenta esquecer não consegue se lembra quando vê o sangue no chão
a comunidade ainda assustada aos poucos retorna ao seu dia-a-dia
lágrima seca mente prepara o corpo pra próxima covardia.
OUTONO NO RIO
Me dê a mão
Vai amanhecer
Juntos pela madrugada
Luz, contra-luz
Sobre os Dois Irmãos
Pra mim
24. 23
Há um lugar para ser feliz
Além de abril em Paris
Outono, outono no Rio
No seu olhar
Já se fez manhã
Vamos logo a Guanabara
Vai se fechar
Vou levar você
Pra mim
As letras das músicas revelam as diferentes percepções e visões que cada autor
tem da mesma cidade. A sua origem e a maneira diversa como circulam e como
vivem a cidade são reveladas pelas suas músicas. Cantar a cidade é cantar seu
cotidiano, sua realidade. Esses diferentes cotidianos e realidades se revelam na
paisagem como as inúmeras participações que diferentes grupos sociais e
diferentes porçoes da cidade têm na configuração de seu território e,
consequentemente, em sua paisagem.
As composições fogem da descriçao do sentimento explícito com relação à
cidade como um todo em sua paisagem e pesonagens, como acontece em
composições como a marchinha Cidade Maravilhosa de andré Martins ou Aquele
Abraço, de Gilberto Gil. São composições que ilustram o viver de seus poetas
com o Rio de Janeiro, revelam a relação que eles mantém com os espaços da
cidade e podem, assim, permitir pensar uma paisagem vivida, construída a partir
de diferentes grupos.
Marcelo Camelo, na canção Copacabana, revela sua Copacabana (“Sinto
copacabana por perto é o vento do mar”;; “Segura que a minha alegria não quer parar”),
enquanto está parado no trânsito (“Será que a gente chega?”), o bairro que, segundo
os dados da prefeitura do Rio de Janeiro agrega a maio parte dos moradores de
rua vindos de poutras cidades em busca das promessas da gande cidade (“Todo
destino padece aqui”). O autor circula entre seus sentimentos e mostra que mesmo
quando está muito tempo longe do bairro, viajando em turnês, ao voltar sabe o
tempo que leva para chegar, e lembra das particularidades que o agradam (“O
shopping da siqueira é um colosso, E as gordinhas um alvoroço”). Ainda comenta que para
quem não vive aquele lugar na sua rotina e chega apenas no carnaval, ainda
assim ali existem as particularidades (“O baile do peixoto é um barato
E os velhinhos são bons de papo”).
25. 24
É uma Copacabana vivida sob a perspectiva dele, apaixonada, que se mantém
por causa de suas particularidades como o vento do mar, os mendigos na rua,
os velinhos no carnaval, as gordinhas nas compras da rua Siqueira.
É uma visão romântica assim como a de Ed motta em Outono no Rio, em que
revela um Rio de Janeiro de outono que é a Paris da primavera, cobrindo o Rio
de Janeiro de conotações românticas para o amor (“Luz, contra-luz sobre os dois
irmãos pra mim...” ou “há um lugar para ser feliz...outono no Rio...”), usando a paisagem
natural da cidade, como os morros do pão de açúcar e a baía de Guanabara
como cenário para se vive a e na paisagem.
As três outras composições assumem outras perspectivas. Cidadão comum
refém revela o cotidiano na cidade de Deus, da favela repleta de diferenças e
indiferenças (“quando a policia invade a favela espalha terror e medo
é gente da gente que não nos entende usam de violência
o corpo estendido no chão ao lado uma poça de sangue conseqüência do despreparo daqueles
que eram pra dar segurança”) e do sentimento de medo e indignação que revela o
seu autor (“programado pra matar pá pá, atire depois pra perguntar se ele trabalhava ou se
traficava só sei que deitado no chão ele tá e gera revolta na cabeça da comunidade que é
marginalizada pela sociedade que se cala escondida no seu condomínio na favela ainda impera
a lei do genocídio”).
É uma Rio de Janeiro do ódio, do medo, da indignação. Uma parte indiganada
da cidade, que ignora belezas naturais, que ignora a visão romântica e valoriza a
dinâmica diária do embate entre o rio de Janeiro planejado para ser visto pelos
turistas e o Rio de Janeiro repleto de diferenças sociais e problemas de
segurança pública. Revela a violência transbordando pelas ruas e pelos bairros
onde o tráfico supera as possibilidades das belezas, do acesso ao carnaval, ao
mar, à cidade enquanto ambiente agregador de modernidades.
Em A cegonha me deixou em Madureira Ben Jor revela a sua Rio de Janeiro de
Madureira, o seu lugar “terra de bamba e de tradição, de casas coloridas e meninas bonitas,
do jogo do bicho, do comércio e do mistério. Terra de samba da Portela e do Império.”
E depois continua mostrando que para ganhar o mundo era preciso sair de lá,
passando do revelar a paisagem cênica de Madureira para o viver o Rio de
Janeiro, afirmando que para ganaha o mundo teria de passar pelos bairros da rio
26. 25
de Janeiro dos turistas, do dinheiro (“Mas de madureira me levaram Para o Rio
Comprido / Tijuca. Do Rio Comprido / Tijuca Me levaram Para Copacabana / Zona Sul. E de lá
eu caí no mundo. E de lá eu ganhei no mundo”).
O Rio de Janeiro de Macelo Yuca também é um rio de Janeiro vivido sob as
diferenças que, por fim, agregam e revelam a cidade dentro de suas inúmeras
possibilidades. O viver no morro e ir pro mar no final de semana pegando o trem
e o ônibus lotados (“Dois dias sem dormir chega domingo de manhã,
Fica difícil passar sem um banho de mar. Tem a distância lotação, tumulto então ”). E depois o
viver a praia em Copacabana onde “tem limão, tem mate, melancia fatiada,
O globo sal e doce, dragão chinês”, as iguarias mais vendidas nas praias do Rio de
Janeiro. E depois do dia na praia parti para o Maracanã (“O jogo é as 5 e eu sou mais
o meu. Tô com a geral no bolso garanti o meu lugar.
Vou torcer, vou xingar pro meu time ganhar”)
É um Rio de Janeiro do final de semana, onde as diferenças se encontram no
mar, na praia, no Maracanã.
27. 26
Capítulo 4. A atividade em sala de aula: considerações sobre como se
propôs a atividade e sobre as experiências de sua aplicação.
A finalidade foi enriquecer a aula ao tratar temas da cidade, principalmente os
grandes centros urbanos, que agregam as inúmeras possibilidades para se olhar
para a cidade e, assim, servem como base para se inserir conceitos de
paisagem e território urbano.
A atividade foi aplicada em quatro diferentes turmas, sendo duas turmas do
sexto ano na escola municipal Antonio Luiz Valliati, em Serra/ES, uma turma do
sexto ano e outra no primeiro ano do Ensino Médio, no Colégio Chav, escola
particular do município de Itapeva/SP.
A escolha das músicas, a princípio, seria feita pelo professor, mas embora se
pensasse em dividir esta atividade com os alunos, houve pouco interesse por
parte destes em participar da escolha das músicas.
Relevou-se o fato de que pelo menos duas músicas fossem escolhidas, a fim de
que se possibilitasse a comparação entre as músicas.
As letras,impressas em folhas individuais, seriam disponibilizadas aos alunos
pelo professor para que eles lessem e acompanhassem enquanto a música era
tocada.
A idéia de contrapor duas músicas serviu para despertar os alunos e facilitar
para eles a noção de que a cidade é vivida de váias maneiras e não só sob a
perspectiva amplamente difundida pela mídia da contaposição de opostos (do
rico e do pobre, do policial e do bandido) ou da perspectiva de que a grande
cidade agega muito dinheiro mas também muitos problemas (o trânsito, as
enchentes, o desemprego).
Após ouvir a música os alunos seriam questionados sobre o que acharam das
músicas e das letras. A expectativa era de que fizessem paralelo com a sua
realidade, com a sua cidade, com o seu bairro.
A diferença de participação entre os alunos das diferentes tumas foi muito
significativa.
28. 27
No Colégio Chav aconteceram duas experiências bem distintas. Na turma do
sexto ano os alunos não quiseram escolher as músicas e pediram que fossem
tocadas três músicas: a do Jorge Ben Jor, que era conhecida por alguns alunos,
assim como Copacabana, de Marcelo Camelo. Pediram, por fim que as
professoras (a professora responsável pela disciplina e a professora que estava
propondo a atividade) escolhessem mais uma música, que foi a música Eu quero
ver gol, do grupo O Rappa.
A primeira música a ser tocada foi A cegonha me deixou em Madureira. Neste
momento a coordenadora pedagógica do colégio se interpôs, pedindo que a
atividade fosse suspensa porque a letra da música “deturpa a idéia do Rio de
Janeiro e é muito agressiva para ser ouvida por crianças tão novas”.
Por esta razão a atividade foi suspensa e a professora responsável pela
disciplina retomou o que restava de tempo de aula para conversa com os alunos
sobre como é importante ouvir as músicas e pensar sobre cmo e porque elas
foram escritas, pensar sobre seus autores.
Como os alunos já haviam acessado as letras das músicas, aconteceu uma
rápida conversa, que touxe como conteúdo as reclamações ds alunos sobre a
coordenadora que “não deixa a gente fazer nada de diferente” e sobre as
músicas de Jorge Ben Jor e do Rappa, que eram “bem a cara do pessoal que
vive no morro e só consegue ir pra praia no final de semana”.
De uma certa maneira, embora a atividade tenha sido interrompida pela
coordenadora que se incomodou com a letra e ritmo da música de Jorge Ben,
houve uma breve discussão e ficou evidente a vontade dos alunos de participar
e falar sobre o conteúdo que foi proposto.
O interessante é que a maioria ds alunos já havia estado no Rio de Janeiro, mas
pouco fizeram referência às suas experiências na cidade, dando mais relevância
àquilo que captavam através dos meios de comunicação (“eu vi no jornal”, “tinha
na internet”), principalmente sobre a desigualdade social, já que nenhuma
referência foi feita sbre as paisagens ou sobre como seria o viver no Rio de
Janeiro.
29. 28
Na turma do primeiro ano do ensino Médio a atividade foi aplicada em outro dia
e durante a disciplina de Artes. Era uma turma de apenas seis alunos e todos
ficaram animados com a atividade proposta. Todas as músicas foram tocadas. A
coordenadora pedagógica não estava na escola.
Passado o primeiro momento foi feita a primeira leitura da paisagem, pedido aos
alunos que falassem que partes das músicas que ouviram revelam a paisagem,
fazendo-os pensar o porque de haver paisagens diferentes reveladas em cada
música.
A discussão foi muito produtiva. Os alunos usavam partes das letras de todas as
músicas para fazer comparações sobre cmo cada compositor vivia Rio. E ainda
fizeram comparações com outras cidades. São alunos que viajam muito com os
pais.
Houve comparações da cidade do Rio com Paris (música de Ed Motta), quando
dois alunos falaram sobre ambas as cidades serem “românticas” e comentaram
que, apesar disso, ambas tem um “trânsito infernal”.
Outros alunos falaram sobre as pessoas que precisam pegar ônibus para
trabalhar e que circulam pelo rio de Janeiro bonito e o rio de Janeiro feio. Neste
momento a discussão focou muito a questão da paisagem e do território vivido,
mostrando que as músicas fram eficientes para revelar as diferenças de
maneiras de ver e viver a cidade de acordo com a rotina das pessoas.
Foram apresentadas, aí, as noções de paisagem e território enquanto
reveladores das dinâmicas do homem no espaço, ou seja, uma paisagem é um
cenário que mostra como as coisas se dão num determinado recorte e, a partir
daí, foi agegado o conceito do território vivido.
Como os alunos participaram bastante, foi possível apresentar a eles a noção de
que território e paisagem são indissociáveis e que, além disso, cada um olha
para a paisagem que o circunda a partir da maneia como vive, circula e contribui
com a configuação do território.
A professora responsável pela turma também participou da atividade,
aproveitando a discussão para propor uma atividade posterior de se usar as
músicas para a aula de artes, partindo da cidade cantada para a cidade
30. 29
recortada e colada, ou seja, deixou já combinado com os alunos uma atividade
que seria realizada posteiormente em que os alunos reconstituiiam a paisagem
do Rio de Janeiro usando as músicas já ouvidas e recortes de revistas para
recriar paisagens gráficas da cidade do Rio de Janeiro.
Na escola Antonio Valliati a experiência de se tabalhar a música foi um tanto
frustrante. Em nenhuma das turmas houve interesse em participação. Os alunos,
dispersos da aula, mas concentrados em conversas paralelas, não
demonstraram nenhum interesse em saber das músicas, muito menos em ouví-
las.
A tentativa de trazer os alunos para a atividade foi nula. O que já de início
aconteceu porque não haviam tomadas funcionando nas salas de aula e muito
tempo foi demandado para resolver este problema.O esforço da professora
responsável pela disciplina de Geografia concentrou-se, assim, em pedir aos
alunos que copiassem as duas letras que foram escritas no quadro.
A opção por escrever as letras no quadro baseou-se na experiência da
professora com as tumas que, segundo ela, “só param quietas quando tem
conteúdo a ser copiado do quadro”.
Esta tentaviva foi escolhida como uma possibilidade de fazer cm que os alunos
acessassem as letras de alguma maneira. Grande parte do tempo de aula foi
usado para que s aluns copiassem as letras. Depois disto feito, houve a tentativa
de se discutir com eles os conteúdos das músicas, que eram Eu quero ver gol,
do Rappa e Cidadão comum refém, de MV Bill.
Porém não houve nenhum tipo de discussão possível através das músicas. Os
alunos insistiram em falar de outras músicas, mostrando que o funk ea seu estilo
preferido e que “só as músicas pra dançar no baile são boas”, ou que “essas
músicas não tem graça nenhuma”. Porém, quando foi pedido as alunos que
usassem exemplos de músicas que eles ouviam, houve insistência em dizer que
música é para ouvir e não para estudar na escola.
Vale ressaltar, ainda, que foa do ambiente da escola, as músicas e os tems
sobre o território e a paisagem foram apresentados para duas universitárias que
trabalham com pesquisa na UFES e estão envlvidas com um prjeto no qual a
31. 30
temática do território e da paisagem vem sendo tratada. Ambas sempre
colocaram para os clegas de pesquisa, que tinham dificuldade em entender
“esse tal de território vivido”.
Assim, após as atividades nas salas de aula, levamos as músicas e os
conteúdos teóricoos até elas. Ambas, após ouvir as cinco músicas de imediato
realizaram a noção do território vivido. Esta foi a melhor experiência que tivemos
com a atividade popsta neste trabalho. Certamente o fato de ambas já terem um
contato com os conceitos de territóio e paisagem facilitou porque, ainda que
julgassem não entender bem de que cada um deles tratava, ainda assim vinham
pensando nestes conceitos há tempos, o que facilitou a sua realização sobre
eles.
32. 31
5. Discussões conclusivas
Uma questão muito relevante com relação à experiência em sala de aula diz
respeito à falta de interesse dos alunos na escola Antonio Valliati.
É realmente difícil traçar uma causa específica para a falta de participação da
alunos. Principalmente porque a dificuldade não é a de fazê-los falar, mas sim,
conseguir trabalhar o interesse dos alunos quanto aos conteúdos relevantes
para aquilo que se propoe para aprendizado em sala de aula.
Certamente a distância existente entre a professora e os alunos pode ser uma
das explicações para a falta de participação, mas isto não foi o fato mais
relevante, e sim o desinteresse da turma em conhecer algo novo, diferente da
dinâmica cotidiana da sala de aula que consta do “copiar do quadro”.
Diante das dificuldades mencionadas no decorrer de nosso trabalho referentes à
pouca participação e interesse dos alunos e da aparente apatia em torno da
escola (o que foi gritante no caso da escola Antonio Valliati), do ensino de
Geografia e da educação de uma forma geral, procuramos inserir no conteúdo
deste trabalho uma proposta prática do uso da música no ensino de Geografia.
Porém, a partir do que foi proposto, tornou-se evidente que apenas novas idéias
e recursos não são suficientes para diminuir a apatia. Certamente não temos
aqui elementos suficientes para afirmar uma causa específica, mas a relação da
professora de Artes no Colégio Chav com os alunos mostrou que o envlvimento
do professor é fundamental para que a apatia não domine ambos, professores e
alunos.
Por outro lado, a falta de interesse dos alunos no colégio Antonio Valliati é uma
realidade que precisa ser pensada. E o pensar esta realidade não diz só de um
desinteresse sem fundamentos. A escola não tinha estrutura nenhuma para as
atividades. As tomadas não funcionavam e foi preciso um esforço dobrado até
que conseguíssemos coloca as músicas paa serem tocadas. A escola não tinha
água nem para beber, nem para os banheiros. A reclamação era geral e as
questões relevantes de sala de aula acabaram ficando para um segundo plano.
33. 32
É quase um desafio imaginar que professores e alunos se empenhem em propor
coisas novas e novos comportamentos sendo que sequer têm estrutura para
seguir com mínimo.
Sem dúvidas há muitas outras idéias e possibilidades, há muito que se fazer
pela nossa educação. O engajamento é fundamental, mesmo conhecendo o
processo de desvalorização pelo qual passou a educação e o profissional da
educação no Brasil. Contudo, temos a plena convicção de que a educação para
a cidadania pode mudar muita coisa para as próximas gerações neste país.
Poque embora seja fundamental uma estrutura mínima de trabalho, há
experiências que mostram que professores e alunos engajados já conseguiram
juntos alcançar novos caminhos para o aprendizado apesar de todos os
problemas estruturais.
O caso da coordenadora pedag´gica do Colégi Chav que, por causa da sua
religião, não admitiu que “certas músicas” fossem tocadas em sala de aula, é
revelador disto. O que queremos dizer é que no caso daquela escola, a falta de
estrutura ou os problemas sociais não foram empecilhos para o andamento da
atividade, mas sim a falta de engajamento da coordenadora, que se interessa
mais em manter práticas do que usar novos recursos para a realização dos
alunos.
34. 33
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