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DILEAN BAPTISTA DE MELO SOUZA




ANÁLISE CRÍTICA DE COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO DE RUTE




                                 Monografia apresentada ao Prof.
                                 Dr. Carlos Osvaldo Cardoso Pinto
                                 em   cumprimento     parcial   dos
                                 requisitos da matéria Trabalho de
                                 Conclusão de Curso




             CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA

            SEMINÁRIO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA



                          Atibaia

                           2008



                             1
SUMÁRIO




                                                                                                       Páginas


1. INTRODUÇÃO ............................................................................... 1


2. O LIVRO DE RUTE – BASES INTRODUTÓRIAS PARA UMA
AVALIAÇÃO CONSERVADORA. ............................................................. 5

  2.1.    Contexto Histórico ................................................................................... 5

  2.2.    Data de Composição e Autoria ................................................................. 6

  2.3.    Estrutura Literária ................................................................................. 12

  2.4.    Propósito e Mensagem .......................................................................... 16


3. ABORDAGEM PRAGMÁTICA ......................................................... 18

  3.1.    Carlos Mesters ...................................................................................... 18

  3.2.    Panorama da obra................................................................................. 19

  3.3.    Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor ...... 20

  3.4.    Influência da posição hermenêutico-teológica na abordagem pragmática . 31


4. ABORDAGEM EXEGÉTICA ............................................................ 33

  4.1.    Joyce Elizabeth W. Every-Clayton ........................................................... 33

  4.2.    Panorama da obra................................................................................. 34

  4.3.    Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor ...... 36

  4.4.    Influência da posição hermenêutico-teológico na abordagem exegética .... 40

                                                       2
5. ABORDAGEM DEVOCIONAL ......................................................... 42

  5.1.    Ricardo Gondim Rodrigues..................................................................... 42

  5.2.    Panorama da obra................................................................................. 44

  5.3.    Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor. ..... 46

  5.4.    Influência da posição hermenêutico-teológico na abordagem devocional. . 48


6. ABORDAGEM TIPOLÓGICA .......................................................... 50

  6.1.    Norbert Lieth ........................................................................................ 52

  6.2.    Panorama da obra................................................................................. 52

  6.3.    Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor. ..... 54

  6.4.    Influência das pressuposições na abordagem tipológica .......................... 60


7. CONCLUSÃO ............................................................................... 62


8. BIBLIOGRAFIA ............................................................................ 65




                                                       3
1. INTRODUÇÃO

                Não é difícil encontrar em uma livraria evangélica ou na internet um

comentário bíblico. Existem dos mais variados, desde os comentários versículo por

versículo, que oferecem ao leitor os resultados de um trabalho profundo de crítica

textual, até aos mais simples, que dão somente uma visão superficial e panorâmica

dos livros bíblicos. Outros dois fatores que influenciam diretamente os comentários

bíblicos são a posição teológica do autor e o propósito do autor ao oferecer seu texto

aos leitores. A situação não é diferente com o livro de Rute, que escolhemos como

tema para o trabalho. É possível encontrar comentários inseridos em grandes obras

exegéticas, mas também livretos com comentários sucintos e superficiais.


                Com este trabalho queremos oferecer ao leitor uma contribuição

para ajudá-lo a avaliar de forma crítica a grande variedade de publicações

evangélicas disponíveis no mercado. Queremos que o leitor se desperte para filtrar

as informações à luz do conhecimento advindo da boa interpretação da Palavra.

Interpretar corretamente o texto bíblico é importante para todos os que desejam

aplicá-lo devidamente à sua vida e é essencial aos ministros de Deus, que devem

oferecer alimento sólido da Palavra àqueles que Deus confiou em suas mãos.



                                          1
Muito tem sido escrito sobre o livro de Rute. Por ser uma novela, sua

história é usada para ilustrar e dar força a movimentos que visam ações sociais e

políticas. Também é usado para o encorajamento de pessoas que se encontram em

diversas situações de sofrimento, e ainda para ilustrar o plano salvífico de Deus ao

longo da história. Certamente há obras que têm trazido boas contribuições.

Encontramos também obras com aplicações para a atualidade, mas muitas vezes a

custa de um trabalho regido somente por ideais sócio-políticos ou em defesa de

posicionamentos teológicos, sem levar em conta a historicidade do livro e a

mensagem de Deus para o leitor de Rute.


                Escolhemos avaliar os comentários do livro de Rute escritos por

quatro autores com posições hermenêutico-teológicas e propósitos diferentes. Para

validar a posição hermenêutico-teológica em cada abordagem, são aplicadas quatro

regras gerais de hermenêutica: (1) literalidade da interpretação – a busca por

compreender o texto de forma natural, na tentativa de identificar o sentido primário

do texto para seu compositor e seus leitores originais, sem alegoria ou busca por um

sentido oculto; (2) contexto histórico-cultural – determinação dos valores e costumes

da época em que foi escrito o livro bíblico; (3) gramática – estudo da língua original,

valendo-se do estudo de vocábulos e análise sintática do livro; (4) interpretação

teológica – a procura por encaixar o livro estudado no todo da Escritura Sagrada,

mostrando como o livro se insere no desenvolvimento progressivo da revelação

divina. Para um dos comentaristas escolhidos, é preciso considerar uma

interpretação específica denominada hermenêutica tipológica, que tem por objetivo

                                          2
traçar correlatos entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento com base em

prefiguração (tipo) e seu cumprimento (antítipo).


               Nas quatro críticas, toma-se o texto do capítulo três do livro de Rute

para uma análise crítica mais detalhada, embora nem todos os autores preocuparam-

se em fazer uma exegese do texto.


               O corpo do trabalho divide-se em cinco capítulos. O primeiro capítulo

dá uma introdução conservadora ao livro de Rute e oferece as bases para uma

avaliação crítica dos comentários, levando em conta os princípios hermenêuticos

acima citados. O segundo capítulo analisa a abordagem pragmática proposta pela

teologia da libertação, revelando os pressupostos teológicos e seu uso na

hermenêutica bíblica. No terceiro capítulo, avaliamos a abordagem exegética, que se

vale dos princípios hermenêuticos, e mostramos como um bom trabalho de

hermenêutica faz um comentário ser atual e aplicativo para o leitor contemporâneo.

O quarto capítulo avalia uma abordagem devocional, em que o autor impõe ao livro

de Rute suas impressões pessoais, sem se valer de um estudo dedicado da Palavra

de Deus. No quinto e último capítulo, analisamos a tendência comum a muitos

interpretes de criar uma ponte entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento pelo

estudo tipológico, um princípio hermenêutico válido, mas que possui regras que

devem ser observadas quando usado.




                                          3
Auxiliado pelo exemplos apresentados no decorrer deste trabalho,

espera-se que o leitor encontre percepções úteis para a análise crítica de outras

obras.




                                       4
2. O LIVRO DE RUTE – BASES INTRODUTÓRIAS PARA
    UMA AVALIAÇÃO CONSERVADORA.

                O livro tem como título o nome da personagem principal, uma

moabita chamada Rute. A etimologia do nome é incerta, mas sugere-se uma

associação à palavra hebraica     tW[r>     que significa “amizade, companheirismo,

associação” e tem sua raiz na palavra   h['r' .


2.1. Contexto Histórico

                A história inicia com um casal efrateu de Belém de Judá, Elimeleque

e Noemi. Para fugir da fome que assola a sua terra no período em que os juízes

julgavam Israel, eles emigram com a família para Moabe, território ao sul de Israel.

Lá seus dois filhos se casam com as moabitas Rute e Orfa. Após um tempo, morrem

Elimeleque e seus dois filhos.


                Na narrativa bíblica, o período dos juízes nos revela que o povo de

Israel enfrentava um constante ciclo de apostasia, que gerava desordem religiosa e,

conseqüentemente, desordens sociais e morais. Mantendo-se fiel à Aliança, Yahweh

castigava o povo pela rebeldia e, após o castigo, levantava um juiz que livrava os

israelitas da opressão e das desordens.

                                             5
O livro de Juízes nos conta que, após a morte de Josué, os israelitas

ficaram sem liderança nacional. Depois de morrer toda a geração que viu os feitos

realizados pelo Senhor com Josué, o texto sagrado nos diz que “... surgiu uma nova

geração que não conhecia o Senhor ...” (Jz 2. 10). O início do livro de Rute retrata

um dos períodos de rebeldia desse povo. Porém, diferente do livro de Juízes, que

destaca as lutas armadas do povo contra os inimigos, Rute mostra os

acontecimentos no núcleo familiar. Estabelece também um contraste, mostrando

judeus fiéis à Aliança de Yahweh e até mesmo uma moabita que se mantém fiel à

sua família e ao Deus da sua família durante um tempo de rebeldia. Joice Every-

Clayton nos diz que o livro


              ... tem a ver com a ação de Deus durante o período dos Juízes. Foi um
              período político um tanto confuso, permeado de idolatria, violência, fome e
              imoralidade. Nesse contexto, o livro de Rute relata a história de uma
              pequena família. Mas uma família é a célula na qual age o Deus da história;
              como conseqüência, o livro e a história da família de Rute também abordam
              assuntos de vida nacional e vida religiosa.1


2.2. Data de Composição e Autoria

                    Uma das maiores dificuldades encontradas para a datação do livro é

o intervalo de tempo entre os primeiros três capítulos, que nos apresentam os fatos

sucessivos da vida de Rute até o nascimento de seu filho Obede − fatos

declaradamente datados do período dos juízes de Israel − e o final do quarto

capítulo, onde encontramos a genealogia de Davi, bisneto de Rute. O início do livro




1
    EVERY-CLAYTON, Joyce W. Rute. Curitiba: Encontrão, 1993. p.11

                                                  6
determina o período em que aconteceram os fatos narrados, mas não a data final de

composição do livro.


                     É difícil estabelecer com exatidão a data dos acontecimentos, mas

sabemos que é “Nos dias em que julgavam os juízes” (cf. 1.1). Os fatos ocorrem,

portanto, em algum momento dentro de um período de aproximadamente 330 anos,

aproximadamente de logo após a morte de Josué (c. 1387 a.C.) até o começo do
                                      2
reinado de Saul (c. 1050 a.C.).


                     Como no começo do primeiro capítulo encontramos um período de

fome, entendemos que os acontecimentos iniciais deram-se em um dos intervalos de

apostasia do povo de Israel, enquanto que a volta para Belém e os capítulos

sucessivos deram-se em tempo de paz. Uma das possibilidades é que os

acontecimentos sejam da época entre Jefté e Sansão.3 Reese, em sua Bíblia

Cronológica, situa o livro de Rute entre Eúde e Débora. Reese nos dá uma data

provável para os acontecimentos, entre 1268 e 1251. 4


                     Na tentativa de datar os acontecimentos do livro, alguns cálculos têm

sido feitos também de acordo com a seqüência das gerações do capítulo quatro. Não




2
    PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento: estruturas e
       mensagens dos livros do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 220-223.
3
    WALTON, John H. Comentário bíblico Atos: Antigo Testamento. Belo Horizonte: Editora Atos, 2003.
       p. 285.
4
    REESE, Edward. The Reese chronological Bible. Minneapolis: Bethany House Publishers, 1980. p. 395

                                                   7
temos, porém, uma data conclusiva, apenas suposições e tentativas de encontrar

uma data que seja condizente com a historicidade do livro.


                     A genealogia no fim do livro nos deixa claro que, apesar de narrar

um acontecimento da época dos juízes, a data de composição do livro de Rute é

certamente posterior ao nascimento de Davi e, possivelmente, posterior à sua

coroação como rei de Israel. Considerando que Davi começou a reinar em Judá por

volta de 1010 a.C., e sobre todo o Israel por volta de 1004 a.C., a composição final

do livro não deve ser anterior a essa data. É mais provável que a composição final do

livro date do inicio do reinado de Davi em todo Israel.


                     Archer diz que se a composição final do livro fosse posterior ao

reinado de Davi, Salomão, seu filho tão famoso, deveria ter sido mencionado5, o que

não ocorre. Pratt concorda com Archer e acrescenta que “Parece mais provável que

as genealogias de Rute se estendessem até o rei que governava na época da

redação final. Se esse é o caso, o livro chegou à sua forma final antes da ascensão

de Salomão ao trono”.6 Carlos Osvaldo Pinto nos dá outro argumento a favor de uma

data mais recuada, “... a atmosfera amistosa nas relações entre Israel e Moabe, algo

impensável depois da cruel servidão imposta aos moabitas pelo reino do Norte”.7




5
    ARCHER, Gleason L. Jr. Merece confiança o Antigo Testamento: panorama e introdução. São Paulo:
       Vida Nova, 1974. p. 314
6
    PRATT, Richard L. Jr. Ele nos deu histórias: um guia completo para a interpretação de histórias do
       Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 335
7
    PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Op. Cit. p. 242

                                                     8
Outro argumento para a datação é a posição do livro na LXX. Apesar

de na Bíblia hebraica estar entre os cinco megillôt, motivo que leva alguns teólogos a

não considerarem o livro como histórico8, na LXX ele aparece logo depois de Juízes,

entre os livros históricos. Morris nos diz que, quanto à data da ordem dos livros na

LXX,


               ... é bem antiga. A maioria concorda em que é nossa evidencia mais antiga.
               Nesta ordem, Rute é colocado entre os livros históricos, imediatamente após
               Juízes. Gerleman observa que o mesmo acontece com outras antigas
               versões; ele vê nisto a comprovação da antiga tradição judaica segundo a
               qual Rute tem íntima relação com os livros históricos.9

                     Mas não só a LXX coloca o livro de Rute entre os livros históricos do

Antigo Testamento. A lista hebraico-aramaica dos livros do Antigo Testamento dada

no MS.54 da Biblioteca do Patriarcado Grego em Jerusalém ordena os livros da

seguinte forma: Gênesis, Êxodo, Levítico, Josué, Deuteronômio, Números, Rute, Jó e

Juízes.10


                     Outro argumento é o estilo literário.11 Morris diz que Myers classifica

Rute “...entre as narrativas ... do Pentateuco ... e afirma: ‘A simplicidade da própria

história, as frases curtas mas impressionantes, usadas como seu veiculo, e as figuras




8
     Veremos essa argumentação no capítulo Abordagem Pragmática. Os outros quatro livros são: Ester,
         Cânticos de Salomão, Eclesiastes e Lamentações.
9
    MORRIS, Leon. Rute: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1986. p. 214.
10
     Idem, p. 215
11
     Trataremos a questão do estilo literário mais adiante. Por hora, citaremos apenas como argumento
        para uma datação mais antiga.

                                                   9
e imagens gerais criadas na mente do leitor levam-nos a classificar a obra entre a

literatura antiga de Israel’”.12


                     Os teólogos liberais tentam defender uma data mais recente usando

argumentos baseados na linguagem do livro. Eles creditam ao livro aramaísmos e

palavras características de época posterior:


                ... näSä näšîm (1:4), lähën (1:13), o verbo `äGan (1:13), märä em lugar de
               märâh (1:20), `änâh B• (1:21), miqreh (2:3) Ta`ªbûrî (2:8), yiqcörûn (2:9),
               TidBäqîn (2:21), yäradTy (3:3) šäkäbTy (3:4), Ta`ªSîn (3:4), marG•löt (3:7, 8,
               14), Tëd•`in (3:18), P•lönî ´almönî (4:1), qayyëm (4:7), šälap na`ªlô (4:7).13

                     Porém, isso não é de forma alguma um argumento conclusivo para

uma data mais recente. No verso 13 do capítulo 1 temos a palavra                          !hel'   que em

aramaico significa “portanto”14, mas a mesma palavra existe em hebraico e significa

“pois, por isso”15. Archer ainda diz que poderia ser “... ‘para elas’, no sentido de

‘para estas (coisas)’”.16 Quanto a palavra märä´ em lugar de märâh Archer afirma o

seguinte:


               Embora seja verdade que mara ‘amarga’ tenha sido soletrada pela maneira
               aramaica, o equivalente hebraico, com som idêntico, só teve uma leve
               diferença de ortografia. Além disto, têm surgido a lume inscrições que




12
     MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 220
13
     Idem, p. 216.
14
     HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L. Jr.; WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de Teologia
       do Antigo Testamento. Tradução: Márcio Loureiro Redondo; Luiz A. T. Sayão; Carlos Osvaldo
       Cardoso Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998. Verbete !hel p. 1706
15
     HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L. Jr.; WALTKE, Bruce k. Op.Cit. Verbete    !hel p. 773
16
     ARCHER, Gleason L. Op. Cit. p. 315

                                                    10
remontam até o nono século a.C., evidenciando ortografias hebraicas e
               aramaicas no mesmíssimo texto ...17

                     Contudo, o livro apresenta formas bem primitivas do hebraico.


               Myers faz uma lista de arcaísmos. Menciona como formas arcaicas dignas de
               nota as seguintes: tidBäqîn (2:8, 21), yiqcörûn (2:9), yiš´ªbûn (2:9),
               w•yäradTy (3:3), w•šäkäBty (3:4), ta`ªSîm (3:4), Tëd•`in (3:18), qänîtäy (4:5).18

                     Para Morris e Myers, é mais fácil explicar palavras mais recentes em

documentos mais antigo do que o contrário, pois “... a Bíblia Hebraica toda passou

pelas mãos de editores judeus ...”19


                     Visto que as expressões mais novas não formam a base da

linguagem do livro, mas prevalece uma forma mais primitiva, o fato de editores

conformarem algumas partes do livro a padrões ortográficos mais recentes explicaria

o uso de palavras recentes no livro de Rute.


                     O livro é anônimo. Diante da autoria incerta, a tradição judaica

aponta para Samuel como autor do livro20. Outro fator que leva a creditar a autoria a

Samuel é sua escrita muito similar à de Juízes e os livros de Samuel. Porém, a

autoria de Samuel não parece ser a mais provável, pois a data da composição final

do livro seria então do período em que Davi era fugitivo de Saul.21 Duas outras

suposições de autoria são levantadas. A primeira diz respeito aos cronistas-profetas



17
     ARCHER, Gleason L. Op. Cit. p. 315.
18
     MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 220
19
     Idem. p. 221
20
     Idem, p. 213
21
     PINTO, Carlos Osvaldo C.Op. Cit. p. 241

                                                      11
Natã e Gade, mencionados em I Crônicas 29.29, que registraram os fatos

relacionados à vida do rei Davi22. A segunda é que um mestre narrador tenha sido

encarregado de registrar a história do rei Davi, tanto seus feitos como rei como os de

sua ascendência.



2.3. Estrutura Literária

                     O livro de Rute é uma novela breve. Uma poesia idílica “... altamente

artística em estilo e estrutura.”23 House acrescenta que “O livro inclui todos os

elementos de uma excelente literatura: personagens fortes, desenvolvimento de

enredo que inclui suspense e resolução, uso interessante do ambiente e técnica

sutil.”24


                     O autor de Rute, embora desconhecido, deixou-nos uma obra

destacada “... pela sua condensação, pela nitidez de seu vocabulário, pela

versatilidade de sua linguagem, pela proporção equilibrada de suas cenas e,

sobretudo, pela vivacidade e integridade de suas personagens principais”.25

Provavelmente, ele se preocupou com o fato de que o livro seria lido perante uma

grande audiência, conforme o costume judaico e, portanto, deveria manter a atenção

tanto do leitor como de seus ouvintes.



22
     Como seus escritos não foram preservados, torna-se impossível dar certeza quanto a essa hipótese.
23
     PINTO. Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 242
24
     HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005. p. 582
25
     SASSON, Jack M. Rute in: ALTER, R. e KERMODE, F. Guia literário da Bíblia. São Paulo: UNESP,
       1997. p. 344

                                                   12
A narrativa de Rute flui de forma simples e objetiva, sem perder seu

encanto e excelência literária. Toda a narrativa é serena e agradável, com diálogos

em vez de somente descrições, dando cor e brilho ao livro. O diálogo predomina no

livro todo26. Alter, citado por Jang Ho Kim diz que “... quando um evento da narrativa

parece importante, o escritor vai atribuir isso principalmente através de dialogo. Em

muitos casos, a narrativa vai avançar a linha de enredo não através de uma

descrição detalhada de eventos, mas através de diálogos”.27


                     As técnicas literárias usadas são diversificadas. É notável como o

autor fez uma perfeita simetria entre o primeiro e o ultimo capítulo, mantendo o

mesmo numero de palavras (71).28 Além da simetria, ele usa um grande jogo de

contrastes           tais      como         plenitude/esvaziamento,          altruísmo/egoísmo,29

esterilidade/fertilidade,        fome/fartura,     escape/retorno,      isolamento/comunidade,

recompensa/castigo, tradição/inovação, masculino/feminino, vida/morte.30


                     O autor consegue prender a atenção do leitor, mantendo um clima

de suspense até o fim. Segundo Carlos Osvaldo Pinto, ele consegue “... com rara




26
     Segundo SASSON, Jack M. Op. Cit p. 344, 55 dos 85 versos de Rute são diálogos.
27
     HO-KIM, Jang. Hebraico instrumental. Atibaia: Seminário Bíblico Palavra da Vida, 2008. (Apostila
       preparada para a disciplina Hebraico Instrumental). p. 3
28
     PINTO. Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 242
29
     Idem, Ibid.
30
     SASSON, Jack M. Op. Cit p. 344

                                                  13
felicidade, combinar narrativa, história e Heilsgeschichte, exaltando as virtudes de

lealdade pactual tanto em Yahweh quanto nos personagens principais”.31


                        Outro recurso para prender a atenção do leitor e do ouvinte são as

codas, utilizadas em cada cena do livro. Uma coda é um material utilizado para

complementar o cenário da história. Sasson nos diz que ...


               Cada uma das quatro cenas de Rute, equivalentes aos quatro capítulos em
               nossa Bíblia, é provida de uma coda cuja finalidade é resumir as atividades
               passadas, bem como prefigurar outras por vir. A primeira delas contém uma
               unidade inicial (1:1-6) que serve como prólogo à história e a última tem uma
               unidade de lastro (4:14-17) que fornece um epílogo satisfatório. A última
               coda antecipa um futuro além da estrutura imediata da história e inclui uma
               genealogia ...32




                        Para Pratt, o livro é uma narrativa de resolução e está dividido em

cinco partes e um apêndice:33


                   I.     A amargura de Noemi (1.1-22)
                  II.     Rute descobre o possível parente resgatador (2.1-23)
                 III.     Boaz concorda em ser o parente resgatador (3.1-18)
                 IV.      Boaz adquire o direito de ser o parente resgatador (4.1-12)
                  V.      A bênção de Noemi (4.13-17)
                          Apêndice genealógico (4.18-21)

                        Gordon Johnston, citado por Jang Ho Kim, faz um gráfico simples34

para apresentar o livro.


31
     PINTO, Carlos Osvaldo C. Op. Cit p. 242
32
     SASSON, Jack M. Op. Cit p 345
33
     PRATT, Richard L. Jr. Op. Cit. p. 335

                                                   14
Para ele o enredo de Rute é chamado “...enredo (plot) baseado [no]

problema...”35. Nesse tipo de narrativa, um problema é apresentado e as ações vão

em busca de uma solução para o mesmo. Tudo acontece num clima de tensão e/ou

suspense, onde o clímax é atingido logo antes da resolução. 36


                     Uma divisão em quatro cenas, tal como encontramos em nossas

Bíblias (os quatro capítulos do livro), parece ser mais contundente apesar de mais

simples.




34
     HO-KIM, Jang.Op. Cit. p. 5
35
     Idem, Ibid.
36
     Idem, Ibid.

                                             15
2.4. Propósito e Mensagem

                     Embora os comentaristas atribuam diferentes propósitos ao livro de

Rute37, na simples qualidade de uma novela Rute tem por bem relatar várias

nuances da vida cotidiana: casamento, viuvez, amizade, relacionamento familiar e

preocupações com a subsistência e a descendência.


                     É evidente que Yahweh é o personagem principal mesmo que oculto

no clímax do enredo da narrativa. Para pensarmos em propósito do livro, não

podemos ignorar Sua aliança com Seu povo, que se expressa ao longo de toda a

narrativa. House lembra que, no inicio do livro, “... duas mulheres sem maridos e

filhos apegam-se a Yahweh e uma à outra”.38 A fome que assolava a terra e fez com

que      Noemi     saísse de      sua terra por          quase    dez anos,      terminou   porque

~x,l'( ~h,Þl' tteîl' AMê[;-ta, ‘hw"hy> dq:Üp'-yKi   − Noemi ouve que        hw"hy>   (Yahweh) havia

visitado seu povo e novamente havia pão em                    ~x,l, tyBe   (casa de pão, ou seja,

Belém).


                     No livro de Rute, uma tragédia nacional e individual transforma-se

em bênção individual e nacional. Isso é o que acontece quando indivíduos e nação

estão dispostos a perseverarem em sua fidelidade a Yahweh. No plano individual,

temos duas mulheres e um judeu que devotam a Ele sua fé. A bênção nacional é

evidenciada pela genealogia encontrada no fim do livro, em que Rute é ancestral do


37
     Veremos o assunto em mais detalhes nos capítulos 3 a 6
38
     HOUSE, Paul R. Op. Cit. p. 583

                                                    16
grande rei de Israel, o rei Davi. Em todo o tempo e em quaisquer circunstancias, “...

Deus está vigiando seu povo, fazendo com que aconteça a eles o que é bom. O livro

é a respeito de Deus. Ele governa sobre todas as coisas e abençoa aos que confiam

nEle.”39


                     Considera-se, portanto, que o propósito do livro de Rute leva em

conta a fidelidade de Yahweh às Suas promessas pactuais em     dq;P' (visitar) seu povo,

desde o menor núcleo familiar até a cidade como núcleo maior, trazendo novamente

pão à     ~x,l, tyBe (casa do pão) e preparando à nação como um todo o seu rei. House

concorda com Robert Hubbard quando afirma que “... Rute expressa como Deus

abençoa a família e, por extensão, as multidões”.40


                     A mensagem do livro também leva em conta a aliança de Yahweh

com Seu povo. Da libertação individual à nacional, Deus age de acordo com Sua

aliança. A genealogia davídica no final do livro demonstra a “... intervenção divina na

vida de indivíduos que são leais à aliança.”41


                     O que vimos até aqui dá-nos um ponto de partida para avaliar o

trabalho dos comentaristas representantes de quatro diferentes expressões de

interpretação, que indicamos como abordagens pragmática, exegética, devocional e

tipológica.



39
     MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 226
40
     HOUSE, Paul R. Op. Cit. p. 583
41
     PINTO, Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 243

                                                17
3. ABORDAGEM PRAGMÁTICA

                     Entende-se aqui por abordagem pragmática a práxis hermenêutica

adotada pelos teólogos da libertação. Na busca de uma práxis em prol dos pobres, a

ótica da hermenêutica da teologia da libertação é a realidade concreta dos excluídos,

lutando contra o sistema que os está oprimindo. Sendo assim, a preocupação política

e sociológica se faz presente em toda sua forma de ler o texto bíblico e fazer

teologia. Tais teólogos buscam “... uma síntese teológica e ideológica para mudar o

rumo da história. A palavra práxis tornou-se chave.”42



3.1. Carlos Mesters

                     Carlos Mesters é frade carmelita, nascido na Holanda, mas reside há

muitos anos no Brasil, onde ajudou a criar o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos)43 .

Sua formação em Teologia e Ciências Bíblicas foi em Roma e na Escola Bíblica de

Jerusalém. Também é doutor em especialidade em literatura apocalíptica. É

conferencista requisitado em toda a América Latina.




42
     CONN, Harvey; STURZ, Richard. Teologia da Libertação. São Paulo: Mundo Cristão, 1984. p. 5.
43
     Maiores informações em http://www.cebi.org.br, acessado em out/2008.

                                                  18
Sua obra analisada é Rute, lançado pelas editoras Vozes, Imprensa

Metodista e Sinodal em 1986.



3.2. Panorama da obra

                 A obra é bem objetiva, tendo uma pequena introdução que

apresenta os argumentos para as interpretações e aplicações que o livro de Rute

pode oferecer às pessoas que hoje sofrem com problemas de falta de terra e de

fome. Após a introdução, o livro é bem dividido em capítulos que abrangem todo o

texto de Rute.


                 O livro levanta questões bem contemporâneas e nisso apresenta

algumas contribuições para o leitor. A primeira contribuição que se destaca é a

preocupação com a aplicabilidade para os nossos dias. A visão de que precisamos

aprender com o livro de Rute lições para o nosso dia-a-dia permeia todas as paginas

do livro. Isso nos leva a uma outra faceta importante, a contextualização que Carlos

Mesters propõe. Sua preocupação é que os leitores consigam tirar lições do livro, o

que faz com que ele constantemente estabeleça correlatos entre a situação das

personagens e as situações enfrentadas hoje pelos oprimidos. Outro fator é a fácil

linguagem do livro. O desejo do autor de que seus leitores possam aprender com seu

trabalho faz com que a linguagem seja acessível a todos. Nas palavras do próprio

autor,




                                        19
... um comentário bíblico, qualquer que ele seja, só pode ter um único
               objetivo, a saber, fazer com que a Palavra de Deus possa atingir, para além
               das divergências dos estudiosos, o seu objetivo na vida do povo que nela
               acredita e confia.44

                     O desenvolvimento da obra é claro e a progressão do pensamento se

faz de forma coerente com a proposta e a posição hermenêutico-teológica do autor,

a qual estudaremos no ponto que segue.



3.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-
         teológica do autor

                     Conforme apresentado no ponto anterior, a obra de Carlos Mesters

desenvolve um pensamento contemporâneo e contextual para o livro de Rute. Deixa,

porém, de levar em conta a historicidade do livro de Rute e as regras gerais de

hermenêutica. Na introdução do livro, destacamos duas preocupações do autor: uma

com respeito à datação e outra com respeito à mensagem. No comentário,

destacamos a hermenêutica adotada por Mesters na situação do resgate, o ponto de

clímax da narrativa.


                     Mesters faz um bom levantamento histórico da situação do povo na

época da narrativa e destaca a data dos acontecimentos como sendo o tempo dos

juízes. No entanto, usa esse levantamento de forma confusa quando trata a questão

da data de composição do livro. Isso está evidente no seu capítulo introdutório




44
     MESTERS, Carlos. Rute. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 17

                                                   20
quando, depois de mostrar os conflitos vividos pelo povo como a fome e a

desintegração da família, ele diz que


                  ... duas perguntas surgem e pedem uma resposta: 1. Qual a época desta
                  situação conflitiva que acabamos de analisar? Ou seja: em que época foi
                  escrito o livro de Rute? 2. Como a história de Rute toma posição frente a
                  esta situação? Ou seja: qual a mensagem do livro de Rute?45

                        Visto que quanto à época da situação narrada em Rute não resta

duvida, pois o próprio texto bíblico a especifica (Rt 1.1), não há justificativa para a

primeira parte da pergunta de Mesters.


                        Quanto à datação, Carlos Mesters defende uma data pós-exílica. O

primeiro argumento estabelece a posição de Rute no cânon hebraico (entre os

~ybWtK.)     e seu uso nos ritos judaicos em contraponto com sua posição no cânon

cristão (livros históricos). Mesters diz que “Nesta diferença milenar entre a bíblia (sic)

judaica e a bíblia (sic) cristã transparece a variedade de opiniões quanto à

mensagem e o objetivo do livro de Rute”46.


                        De acordo com Morris, esse argumento não vai além de nos deixar

com uma pergunta: “Quando foi Rute colocado, pela primeira vez, entre os ketubim?

Nada existe para indicar que este arranjo era primitivo; ao contrario, muita coisa

demonstra o contrário”47. O argumento de Mesters de que o cânon hebraico é

anterior ao da LXX não é conclusivo. Conforme mencionado no ponto 1.2, uma lista



45
     MESTERS, Carlos. Op. Cit.. p. 10
46
     Idem, p. 7
47
     MORRIS, Leon.Op. Cit. p. 214

                                                     21
hebraico-aramaica dada no MS.54 coloca Rute entre os livros históricos. Outra prova

dada por Morris é Eusébio que cita Melito de Sardes que visitou a Palestina “... e ali

esforçou-se ao máximo para certificar-se (e informar-lhe), a respeito dos ‘fatos

precisos concernentes aos escritos antigos: quantos eram, e qual sua ordem’. Isto

resultou numa lista em que Rute vem imediatamente após Juízes.”48


                     O segundo argumento de Mesters mostra uma preocupação em

estabelecer a época de escrita do livro de Rute como pós-exílica para, mais adiante,

estabelecer uma correlação com a atualidade. Mesters apresenta três fatores para

comprovar essa tese. O primeiro fator são os problemas que o povo enfrenta, i.e.,

um povo pobre e marcado pela fome, pela migração e pela desapropriação das

terras. As famílias estão desfeitas, sem garantia de continuidade e com um

sentimento de culpa diante de Deus. A sociedade é basicamente agrária e “... a terra

era objeto de negócios, pois ela podia ser comprada e vendida ...”49. Dentro disso,

Mesters vê um total desinteresse do povo para com a observância da lei do resgate,

problema também enfrentado em Neemias 5.8-11. A unidade familiar era o clã, “... a

grande família patriarcal”.50 Porém, a família enfrentava alguns problemas de

desintegração (cf. Ne 7.4-5) e muitos haviam casado com mulheres estrangeiras (Ed

9.1-2).




48
     MORRIS, Leon.Op. Cit. p. 215
49
     MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 9
50
     Idem, Ibid

                                         22
O segundo fator é que “... o rumo do pensamento do livro de Rute é

o mesmo de outros livros da bíblia (sic!) escritos durante e depois do cativeiro ...”51 .

Esse rumo de pensamento a que Mesters se refere está ligado ao universalismo e

abertura da fé em Yahweh, ao desejo do povo de ter um novo rei como Davi, aos

problemas do sofrimento e retribuição, e ao tema do servo sofredor.


                     Com relação ao universalismo, Carlos Mesters procura demonstrar

que a aceitação de Rute pelo povo judeu é uma crítica às tendência que ele

considera exclusivistas na época pós-exílica de Esdras e Neemias. Em suas próprias

palavras, “Transparece aqui uma defesa velada contra a acusação de relaxamento e

infidelidade (Esd 9,1-2; 10,2; Ml 9,11). O texto deixa bem claro que Noemi, ao

permitir a entrada de Rute ... não foi uma pessoa infiel nem relaxada.”52 Mais

adiante, Mesters tenta reforçar seu argumento dizendo que um dos motivos que

levaram Boaz a acolher Rute foi também uma crítica a Esdras: “Transparece aqui a

polêmica com Esdras em torno da aceitação ou expulsão das mulheres

estrangeiras”.53




51
     MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 11
52
     Idem, p. 29
53
     Idem, p. 37

                                             23
O terceiro fator refere-se à escrita do livro. Segundo Mesters, “o

jeito de falar ou de escrever do livro de Rute é, na opinião dos entendidos no

assunto, característico da época depois do cativeiro.”54


                     É difícil sustentar a hipótese de que a época da escrita do livro de

Rute é a do povo pós-exílico, conforme discorrido no capítulo 2. Quanto ao rumo do

pensamento do livro, questões como o universalismo não encontram sustentação em

Rute. Se o propósito do autor fosse fazer polêmica ou se posicionar contra as

decisões de Esdras e Neemias, o livro daria maior ênfase ao casamento e à aceitação

de Rute na comunidade judaica. Champlim, ao escrever sobre essa polêmica nos diz

que


               ... há fortes razões para não se aceitar essa opinião. A Canonicidade do livro
               dependeu, em grande escala, de judeus que eram herdeiros espirituais de
               Esdras e Neemias, pelo que, se esse tivesse sido o propósito do livro, eles o
               teriam rejeitado. Conforme dizem alguns comentaristas, a possibilidade de
               uma guerra literária em torno de questões ideológicas é muito duvidosa
               naquele período tão remoto.55

                     Concordando com Champlim, Morris diz que “... se o livro fosse

realmente uma polêmica contra Esdras e Neemias, a recusa do resgatador ... se

basearia, certamente, em que ela era uma moabita. Boaz teria replicado, repudiando

tais preconceitos”.56 Não obstante, Mesters trata de forma leviana duas situações

diferentes. Em Rute, Noemi adverte Rute a voltar para a casa de sua mãe, mas Rute




54
     MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 11
55
     CHAMPLIM, R.D. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Hagnos,
       2001. p. 1093
56
     MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 225

                                                    24
decide ir com ela e viver entre seu povo e com seu Deus. Em Esdras, o povo do

cativeiro se casa com mulheres da terra, as quais não estavam como Rute decidindo

pela terra e pelo Deus de Israel. Mesters diz o que o texto não diz. Quanto à escrita

do livro de Rute ser parecida com a de escritores pós-exílicos, já foi dada no capítulo

anterior uma lista de palavras arcaicas, que não se encaixariam com uma escrita

mais recente.


                     Carlos Mesters propõe para o livro uma mensagem baseada em

quatro fatores que mostramos a seguir.


                     1º. Os nomes dos personagens.


                     Para Mesters, os nomes possuem um sentido escondido. Cada nome

revela o que a pessoa é e faz dentro da história, e isso é evidenciado, por exemplo,

pelo nome Noemi. Mesters diz que “... dentro da história, Noemi é a imagem do

povo”.57 Sobre os nomes dos filhos de Elimelec e Noemi, Malon e Quilion, ele diz:

“Israel e Judá ... eles se esqueceram que Deus era o seu Rei e Senhor, e andaram

atrás de outros deuses e outros senhores. Por isso, foram ficando Doentes e

Frágeis.”58


                     Os nomes judaicos revelavam algo do caráter da pessoa ou de

alguma situação específica de sua vida. Segundo Atkinson, “... na maneira hebraica




57
     MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 21
58
     Idem, p. 22

                                            25
de pensar, saber o nome de uma pessoa é conhecer o seu caráter, conhecer a

pessoa”.59 O próprio Deus mudou o nome de pessoas, como de Abrão para Abraão

(Gn 17.5) e de Jacó para Israel (Gn 32.28). Em todos os casos, o nome foi mudado

depois de algum acontecimento que mudaria a vida e a forma de viver do

personagem bíblico. Porém, dizer que o nome dos personagens do livro de Rute

representam o povo, como no caso de Noemi, é uma inferência ao texto bíblico, que

anula as personagens e a historicidade do livro, reduzindo o livro como a um conto,

uma fábula. Não obstante, não podemos saber exatamente a etimologia do nome de

Rute e Orfa por serem nomes moabitas e não hebreus. São feitas associações com

palavras hebraicas, mas não são conclusivas.


                    2º. A geografia.


                    Para Mesters, a geografia ajuda o leitor a memorizar a história e

também contribui para a dramatização. Mesters divide a história em quatro cenas,

nas quais, segundo ele, a geografia revela o verdadeiro centro da história: o retorno

para a terra, a casa e a família. As quatro cenas são: 1ª – a família sai de Belém e

vai para Moab e volta para Belém; 2ª – Rute sai de casa, de junto de Noemi, vai até

o campo e volta para cidade; 3ª – Rute sai de casa, de junto de Noemi, vai até o

terreno e volta para casa; 4ª – Booz sai de casa e vai até a porta da cidade e, no

fim, volta para casa. Agora tudo se passa dentro da casa de Booz, onde o povo se

reúne para festejar o nascimento do filho.



59
     ATKINSON, David. A mensagem de Rute. São Paulo: ABU, 1991. p. 34

                                                26
Dizer que a geografia ajuda o leitor na memorização e dramatização

é correto, mas que ela revela o centro da história é atribuir ao ambiente geográfico

peso que ele não tem.


                     3º. O uso do Antigo Testamento.


                     Para Mesters, quando Rute foi escrito já havia “... uma grande parte

do Antigo Testamento”60 e o povo o conhecia praticamente de cor, pois nele

encontrava “... o retrato de sua vida e do seu passado”61. Sendo assim, ele presume

que o autor de Rute usa o Antigo Testamento para lembrar ao povo sua história,

desde o tempo dos juízes (Rt 1.1) até evocar a esperança de um novo rei como Davi

(Rt 4.17). Isso fica evidente nas associações que Mesters faz entre frases dos

personagens de Rute e a história do povo judeu, como no caso da frase de Boaz à

Rute “Você deixou pai e mãe; deixou a terra onde nasceu” (Rt 2.11). Ao comentar

esse verso, Mesters diz que “Esta frase lembra Abraão (Gn 12.1). Escolhendo ficar

com Noemi, Rute imitou Abraão, tornando-se filha de Abraão, membro do povo de

Deus”.62


                     Considerando que Rute foi escrito no período da monarquia63, o povo

já possuía o Pentateuco64, mas não muitos livros bíblicos como Mesters argumenta.



60
     MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 14
61
     Idem, Ibid.
62
     Idem, p. 37
63
     Conforme ponto 2.2 deste trabalho
64
     Coleção dos cinco primeiros livros da Bíblia: Genesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

                                                    27
Em Juízes 2.10, vemos que a geração posterior a Josué “... não conhecia ao Senhor,

nem tão pouco a obra que fizera a Israel.” Embora não possamos negar que sempre

houve um remanescente fiel no povo de Israel, exemplificado por Boaz que mostrou

ter conhecimento da Lei do resgate e das tradições de Israel quando foi à porta da

cidade para tratar dos assuntos relacionados ao resgate, o texto de Juízes demonstra

que Mesters está errado quando diz que o povo sabia quase de cor o texto bíblico65,


                     4º. As divisões do livro.


                     Para Mesters, as divisões do livro demonstram “... a situação real do

começo e situação ideal do fim ...”66 , i.e., a descrição da opressão, da fome e da

miséria em que o povo se encontrava e o desejo de libertação, de um final feliz, com

um rei governando em Israel. Cada um das quatro cenas demonstra esse

desenvolvimento para a reconstrução do povo.




                     1. O Quadro Inicial - descreve a situação real do povo


                     2. A Caminhada da Reconstrução do Povo


                           1º.   Passo – atraída pela Boa Notícia da visita de Deus ...

                           Noemi decide voltar para a terra




65
     MESTERS, Carlos. Op Cit. p. 14
66
     Idem, p. 15

                                                 28
2º.   Passo – Rute toma a iniciativa de catar a sobra da colheita


                     3º.   Passo – Booz se compromete a cumprir a lei do resgate


                     4º.   Passo – Booz cumpre a lei do resgate


                3. O quadro Final – descreve o nascimento do filho ... nele o

                problema do povo começa a ser resolvido


               4. Apêndice - genealogia de Davi.


               A crítica que fazemos não diz respeito ao esboço do livro em si. A

questão é como Mesters usa esse esboço no seu comentário. Para cada parte do

esboço, ele sugere uma associação ao povo pós-exílico. Em seguida, faz uma ponte

entre os problemas do povo pós-exílico e os problemas do povo atual.


               Um exemplo do que acabamos de dizer está no terceiro passo do seu

livro, quando Mesters comenta sobre o fato de Boaz cumprir a lei do resgate. Sua

relação entre os fatos e a lei judaica é bem feita. Noemi não tinha outros filhos e

nem mais poderia ter para que se cumprisse a lei do levirato para Rute; precisavam

portanto, da lei do resgate e Boaz se propõe a cumprir a lei. Mas sua aplicação desse

fato bem colocado é que a “... família de Noemi era a imagem do povo sofredor

daquele tempo [pós-exílico]. Como a família de Noemi, assim as famílias dos pobres

viviam desintegradas, incapazes de se defender conta a ambição dos ricos. Eram




                                          29
obrigados a vender suas terras, seus filhos e suas filhas (Ne 5,1-5)”.67 Conforme já

mencionamos anteriormente, essa ligação do livro de Rute a uma resposta às

sanções de Esdras e Neemias é insustentável. A ponte feita por Mesters entre Rute e

Esdras/Neemias e sua aplicação aos pobres da época pós-exílica é fruto do sistema

ideológico adotado previamente por ele, mas não encontra base contextual.


                       Conforme mencionado anteriormente, a posição hermenêutica de

Mesters destaca-se em seu comentário sobre a trama de Noemi e Rute para mostrar

a Boaz que este deveria ser o resgatador de Noemi e, conseqüentemente, de Rute.

Para Mesters, Noemi usa da história do povo para preparar seu plano. Em suas

palavras, Noemi “ ... se inspirou na história de Tamar ... esposa do filho mais velho

de Judá [a qual] se fez por prostituta para obrigar o sogro a cumprir a lei ...”68. Com

isso, Mesters invalida a ação de Deus na história.


                       A essa altura, devemos lembrar que o texto bíblico não diz nada a

respeito de relação sexual, como Mesters insinua ao estabelecer uma ligação entre

do plano de Noemi e Rute com o plano de Tamar, que manteve relações sexuais com

seu sogro para que a lei do levirato fosse cumprida (Gn 38).


                       O pedido de Rute para que Boaz a cubra com seu manto (no

hebraico     @n"K'   “asa”), pode referir-se à expressão de Boaz no capítulo 2.12, quando

ele diz para Rute que deseja que Deus a recompense, o Deus sobre cujas asas ela



67
     MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 43-44
68
     Idem, p. 45

                                               30
procurou refúgio. A palavra hebraica nos dois versículos é a mesma. Carlos Osvaldo

Pinto, falando sobre a reputação de Rute, lembra que no capitulo 3.11 “… o caráter

de Rute é vindicado e ela é identificada como uma    lyIx:ß tv,aîe   [´ëšet Hayil] (3.11)”. 69

Fora isso, o fato de Boaz mandar embora Rute bem cedo é também para que a

imagem e a moral da moça não ficassem manchadas. Uma outra possibilidade é que

o pedido de estender o manto seja o próprio pedido de casamento que Rute fez a

Boaz. Nessa linha de pensamento, Morris diz que essa metáfora também é usada

posteriormente, em Ezequiel 16.8 “... para tomar alguém em casamento”.70



3.4. Influência da posição hermenêutico-teológica na
         abordagem pragmática

                     Conforme já dito acima, a obra de Carlos Mesters faz uma boa

contextualização e seu objetivo de aplicar o texto bíblico ao povo brasileiro é digno

de ser mencionado e de ser modelo para comentários que não o fazem. Contudo,

suas pressuposições teológicas da libertação dirigem todo seu trabalho e deturpam

suas aplicações. Seu desejo de situar o livro no período pós-exílico faz com que seu

trabalho transforme o livro de Rute num conto folclórico para debater ideologias

políticas e religiosas, perdendo o foco do livro de mostrar a soberana intervenção de

Deus na vida de Seu povo. Mesmo que houvesse sustentação para o pensamento de

datação pós-exílica, a intervenção de Deus não é levada em conta de forma objetiva,




69
     PINTO, Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 247
70
     MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 273

                                                31
pois a solução final de Mesters para o problema de Noemi e Rute deu-se por meios

ilícitos, transformando Rute numa promíscua e deixando de considerar o valor moral

que o próprio texto atribui a Rute, uma mulher de valor   lyIx:ß tv,aîe

               Apesar das contribuições positivas, o livro deturpa o contexto, a

historicidade, a hermenêutica e, conseqüentemente, a aplicabilidade para a

atualidade.




                                         32
4. ABORDAGEM EXEGÉTICA

                     Entende-se aqui por abordagem exegética a práxis hermenêutica que

busca o sentido original do texto valendo-se do contexto histórico, da língua original

e de princípios hermenêuticos. De acordo com Zuck, “O objetivo da exegese bíblica é

descobrir o que o texto diz e quer dizer, e não atribuir-lhe outro sentido”.71



4.1. Joyce Elizabeth W. Every-Clayton

                     Joyce Elizabeth W. Every-Clayton nasceu em 1944 na Irlanda do

Norte. É geógrafa e também formada em teologia pela Universidade de Londres e

pelo London Bible College (agora London School of Theology). Desde 1973, trabalha

no Brasil como missionária da Latin Link (antigamente chamada União Evangélica Sul

Americana). Reside em Recife e leciona Antigo Testamento e História Eclesiástica no

Seminário Congregacional e no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, onde

concluiu mestrado e doutorado. Também leciona na Escola de Missões Transculturais

da JUVEP (Juventude Evangélica Paraibana) as matérias Missões no Antigo




71
     ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
        1994. p.114

                                                    33
Testamento e História de Missões. É conferencista nas áreas de teologia e missões

por todo o Brasil.


                    Sua obra analisada é Rute, da série Em Diálogo com a Bíblia, lançada

pela editora Encontrão em 1993.



4.2. Panorama da obra

                    A autora faz um bom trabalho ao comentar cada parte do livro de

Rute. Sua preocupação não está em ser exaustiva, mas em mostrar o

desenvolvimento da narrativa a cada nova cena. Para Every-Clayton, Deus está

presente em toda a história, de forma direta ou indireta. Ela diz que “Marcante ... é a

descrição da maneira de Deus agir, ora direta, ora indiretamente. Cada capítulo

destaca uma ação direta de Deus – às vezes não passa de uma mera coincidência –

e uma indireta, mediada por seres humanos”.72


                    Every-Clayton faz uma pequena introdução no seu trabalho,

abordando de forma sucinta questões como autoria, estrutura literária e contexto

histórico do livro. Ela situa a história narrada no livro no período dos juízes, e diz que

seu autor desconhecido é da época do início da monarquia.


                    Sua obra é dividida em quatro capítulos e cada um deles discorre

sobre um capítulo do livro de Rute. Isso ajuda o leitor a fazer uma ponte entre o que

a autora está comentando e o livro de Rute, pois mantém as divisões do texto


72
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 11-12

                                               34
bíblico. Um recurso usado pela autora para ajudar na memorização e no

desenvolvimento do pensamento do livro é dividir os capítulos em trechos e, em

alguns deles, criar quiasmas.


                    Every-Clayton revela uma preocupação de que seu trabalho seja

aplicativo aos leitores brasileiros, em especial aos que moram no Nordeste, local

onde ela reside e ministra. Contextualizando o problema da fome e migração do

início do livro de Rute, ela diz que “Ainda hoje, a fome freqüentemente obriga um

grupo a mudar-se – o nosso Nordeste que o diga! Fotografias de flagelados magros,

retirantes doentes e encurvados fazem parte do cotidiano do nosso século”73. Outra

frase expressa essa preocupação:


              A dolorosa realidade descrita nesse prelúdio [os quatro versos iniciais do
              livro de Rute] já foi vivenciada muitas e muitas vezes por nosso povo, mais
              particularmente nas regiões sujeitas a secas periódicas. Temos Severinos e
              Severinas sem fim vivendo ‘vidas secas’ nos vastos sertões: e tentando a
              todo custo manter viva uma fé em Deus, apesar das dores e duvidas.74

                    Sua habilidade no fazer algumas perguntas orientadoras para nortear

a contextualização e a aplicabilidade do livro ajuda a manter o desenvolvimento do

raciocínio de forma clara:


              Como é que nos relacionamos com Deus? Como entender os caminhos de
              Deus? Quais são os fatores que promovem relacionamentos interpessoais
              feliz e duradouros? Como é que se enfrenta problemas de miséria, de fome?
              É possível conhecer e fazer a vontade de Deus num mundo pecaminoso? É
              possível viver com integridade pessoal nesse mundo?75




73
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 14
74
     Idem, p.17
75
     Idem. p.11

                                                  35
Em algumas situações, a autora induz a imaginação do leitor com

base em fatos que ela não afirma por não haver base textual. Um exemplo disso é

seu comentário sobre o verso quatro do capítulo primeiro quando os filhos de Noemi

casam-se com mulheres moabitas. “Há aqui um contraste com Gn 24, e podemos

imaginar Noemi um tanto nervosa quando os jovens não seguiram a orientação de

Abraão, que insistiu em buscar uma esposa para Isaque entre sua própria

parentela...”76 (grifo pessoal). Em outros momentos, ela levanta argumentos, como

por exemplo o de uma autoria feminina, mas nunca afirma aquilo para o qual não há

base textual ou histórica.


                    No geral, embora a autora deixe algumas questões em aberto como

as acima mencionadas, a qualidade e fidedignidade do comentário é sustentada pelo

seu trabalho hermenêutico.



4.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-
        teológica do autor

                    Na identificação da sua posição hermenêutico-teológica, ressaltamos

a preocupação da autora com o sentido original do texto, considerando o contexto

histórico da narrativa, o estudo da língua original e os princípios hermenêuticos.


                    Buscar o sentido original do texto é identificar o significado do texto

para o autor e para o seus leitores imediatos, i.e., as primeiras pessoas que teriam



76
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p.16

                                              36
acesso ao escrito. Uma evidencia dessa preocupação é sua afirmação de que “nos

dias em que os juízes governavam [que] sinaliza que no livro de Rute temos uma

retrospectiva histórica.”77. Com isso, Every-Clayton procura situar, assim como fez o

autor original, seus leitores num contexto e situação particular, possibilitando entrar

na história como os primeiros leitores fizeram.


                    Outra forma de percebermos essa busca é a investigação feita em

documentos antigos como o Talmude e a citação de Campbell do manuscrito

armênio78 sobre o livro de Rute. Com isso, Every-Clayton procura saber como os

rabinos e interpretes antigos entendiam o livro de Rute.


                    Quando situa a narrativa no período dos juízes, Every-Clayton não

atesta somente sua preocupação em buscar o sentido original, mas também em

identificar corretamente o contexto histórico. Desta forma, a autora pode criar uma

ponte hermenêutica entre a realidade dos leitores antigos e a dos leitores atuais.

Conforme apresentado no ponto anterior, Every-Clayton faz um comentário simples,

porém suficientemente completo, sobre todas as cenas e desdobramentos do livro de

Rute, preocupando-se, sempre que possível, com aplicar ao contexto do Nordeste

brasileiro. Em resumo, sua obra leva em conta a historicidade do livro e vale-se das

regras gerais de hermenêutica para criar as pontes entre o texto bíblico, seu tempo e

os leitores atuais.




77
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p.13
78
     Idem, p. 34

                                           37
A preocupação com a boa hermenêutica reflete-se também na

identificação da mensagem do autor original afinal, como ela mesma diz, o tema de

Rute “...tem a ver com a ação de Deus durante o período dos juízes”.79 Com esta

frase, Every-Clayton mostra considerar não somente o contexto histórico, mas a linha

mestra de pensamento que o fundo histórico transmitiu ao leitor original e transmite

a todos nós hoje.


                    Quanto ao estudo da língua original, destacamos na obra de Every-

Clayton duas situações em que se torna evidente o estudo da língua hebraica. A

primeira diz respeito à ligação da estrutura literária da introdução à do epílogo do

livro de Rute. Every-Clayton comenta que “... esses versículos não somente levantam

questões angustiantes; eles abrem um cenário maior. Suas setenta e uma palavras

no hebraico são paralelas às setenta e uma palavras da narrativa final do livro (4.13-

17). Comparando estas duas passagens percebemos um paralelismo ...”80.


                    A segunda situação é o uso da frase em Rute 1.6 “...o SENHOR tinha

visitado ...” (grifo pessoal), que ocorre em textos onde que existe uma declaração

clara do poder de Deus. Ela ilustra isso com duas passagens. A primeira, Gênesis

21.1, onde “O Senhor foi gracioso [hebr. Visitou] a Sara, como tinha dito, e fez por




79
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p 11.
80
     Idem, p. 17

                                            38
ela o que havia prometido”, exemplifica o aspecto individual. A segunda, Êxodo 2.24

quando Deus diz “... vos tenho visitado”81, exemplifica o aspecto nacional.


                      Como exemplo do bom trabalho hermenêutico, ressalta-se o capítulo

três da obra de Every-Clayton, em que ela discorre sobre a trama de Noemi e Rute

para declarar a Boaz que este era resgatador. A autora começa explicando toda a

orientação que Noemi dá a Rute, desde como se aprontar para o encontro como

também o que fazer durante o encontro:


               Tem-se notado a semelhança entre as situações de Noemi quanto
               preparação de Rute com a preparação da noiva para o casamento naqueles
               dias. Mas as providências recomendadas não se limitavam necessariamente
               ao dia do casamento (apesar da ênfase nisso em Ez 16.8-13) e nem
               tampouco são, por si só, sinais de promiscuidade ou imoralidade.82

                      Every-Clayton procura demonstrar logo no inicio de seu comentário

sobre este texto as intenções de Noemi e Rute, valendo-se de como Rute é tratada

como uma mulher virtuosa83. Mais adiante, diz que “Certamente, porém, justificar

promiscuidade ou prostituição a partir deste texto é não conseguir captar o que ele

pretende. E a menção explícita ao início do relacionamento sexual entre os dois só

[aparece] em 4.13 ...”84.




81
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 18
82
     Idem, p. 52
83
     Já explicado no capítulo três deste trabalho.
84
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 53

                                                     39
4.4. Influência da posição hermenêutico-teológico na
         abordagem exegética

                    Ao longo de todo o comentário de Every-Clayton, podemos observar

que o trabalho de situar o livro dentro de seu contexto, bem como a busca da

interpretação correta pelo uso da língua original e a pesquisa nos antigos interpretes,

fazem com que a obra tenha um precioso valor tanto interpretativo como de

aplicação atual.


                    O estudo da genealogia no capítulo quatro é um exemplo de como

seu estudo hermenêutico influencia sua percepção teológica. Em lugar de uma

contextualização histórica atual, a autora busca um entendimento focado na época

da narrativa. Falando sobre as bênçãos pronunciadas pelas testemunhas do

casamento (Rt 4.11-12), ela escreve: “Como estas humildes testemunhas do

casamento conheciam bem o Antigo Testamento, sabendo aplicá-lo à situação

presente!”.85


                    Em contraste com Carlos Mesters, cuja abordagem é fruto de um

sistema ideológico-político, e com os autores que veremos a seguir, cujas

abordagens são frutos de uma leitura interior e de sua posição escatológica, Every-

Clayton defende a percepção histórica conservadora. Nas suas próprias palavras:


              Essa percepção histórica não deixa de ser uma percepção teológica pois
              esses versículos insistem na continuidade da revelação de Deus. O livro de
              Rute não é uma mera história bonita, de uma pobre estrangeira que



85
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 76.

                                                 40
encontrou seu príncipe encantado. Nem tampouco é uma simples parábola
              ensinando acerca de Deus e Seu amor e cuidado por Seu povo, e nem ainda
              um tratado político ou polêmico. O livro é, acima de tudo, o relato da ação
              salvífica do Deus que intervêm na história humana fazendo convergir vidas
              sim, mas, o que é mais importante, fazendo convergir em vidas Seu próprio
              propósito último, a salvação. O livro não é uma mera dramatização dessa
              salvação – é o próprio registro dela.86

                    Ao descobrir por meio da exegese o sentido original do texto, torna-

se possível uma correta hermenêutica e uma aplicação relevante. Visto que para

Every-Clayton a ação de Deus permeia todos os acontecimentos narrados no livro e

constitui-se no próprio tema do livro, ela conduz o leitor a olhar suas situações à luz

da perspectiva divina, e não da contextualização histórica atual.




86
     EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 76

                                                  41
5. ABORDAGEM DEVOCIONAL

                    Entende-se aqui por abordagem devocional a dedicação ao estudo

da Palavra de Deus com a preocupação de ser aplicativo primeiramente a si e depois

aos seus leitores. A abordagem devocional tem sido muito mal utilizada e entendida,

conforme nos diz Jay Adams:


              Quando as pessoas mencionam um estudo devocional da Bíblia, não sei o
              que estão querendo dizer. Receio que freqüentemente queiram dizer: ‘Vou
              fechar minha mente para aquilo que a passagem possa significar ou que
              todos os comentários possam me ajudar a entender. Vou me limitar a
              permitir que as palavras penetrem lentamente em meu ser, e então filtrar
              algo que possa ser útil para mim. Seja ou não aquilo que Deus tencionava
              de fato dizer, de alguma maneira me fará bem.(grifo próprio)87


5.1. Ricardo Gondim Rodrigues

                    Ricardo Gondim Rodrigues é formado em administração de

empresas. Estudou teologia no Genesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia.

Pastoreou a Igreja Evangélica Assembléia de Deus Betesda em Fortaleza de 1982 a

1991. Atualmente, pastoreia a Igreja Betesda em São Paulo e é também presidente

nacional da Assembléia de Deus Betesda e presidente do Instituto Cristão de Estudos

Contemporâneos. É evangelista, conferencista e escritor.



87
     ADAMS, Jay E. A interpretação da Bíblia e o aconselhamento. In Coletâneas de aconselhamento
       bíblico. v.2 Atibaia: SBPV, 2000. p. 9.

                                                42
Ricardo Gondim tem adotado uma posição hermenêutico-teológica

que é criticada por vários teólogos brasileiros, a teologia relacional, que considera a

concepção tradicional de Deus como inadequada. De acordo com Augustus

Nicodemus, seus pontos principais são:


              1. O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão
              subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os
              dramas de suas criaturas.
              2. Deus não é soberano. Só pode haver real relacionamento entre Deus e
              suas criaturas se estas tiverem, de fato, capacidade e liberdade para
              cooperarem ou contrariarem os desígnios últimos de Deus. Deus abriu mão
              de sua soberania para que isto ocorresse. Portanto, ele é incapaz de realizar
              tudo o que deseja, como impedir tragédias e erradicar o mal. Contudo, ele
              acaba se adequando às decisões humanas e, ao final, vai obter seus
              objetivos eternos, pois redesenha a história de acordo com estas decisões.
              3. Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e não fora dele. Ele aprende
              com o passar do tempo. O futuro é determinado pela combinação do que
              Deus e suas criaturas decidem fazer. Neste sentido, o futuro inexiste, pois
              os seres humanos são absolutamente livres para decidir o que quiserem e
              Deus não sabe antecipadamente que decisão uma determinada pessoa
              haverá de tomar num determinado momento.
              4. Deus se arrisca. Ao criar seres racionais livres, Deus estava se arriscando,
              pois não sabia qual seria a decisão dos anjos e de Adão e Eva. E continua a
              se arriscar diariamente. Deus corre riscos porque ama suas criaturas,
              respeita a liberdade delas e deseja relacionar-se com elas de forma
              significativa.
              5. Deus é vulnerável. Ele é passível de sofrimento e de erros em seus
              conselhos e orientações. Em seu relacionamento com o homem, seus planos
              podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração quando os
              seres humanos não fazem o que ele gostaria.
              6. Deus muda. Ele é imutável apenas em sua essência, mas muda de planos
              e até mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele muda de acordo com
              as decisões de suas criaturas, ao reagir a suas próprias decisões. Os textos
              bíblicos que falam do arrependimento de Deus não devem ser interpretados
              de forma figurada. Eles expressam o que realmente acontece com Deus.88

                     Desde a década de noventa, Gondim vem sendo criticado por sua

posição teológica, embora ele tenha se posicionado mais abertamente nos últimos




88
     http://www.teologiabrasileira.com.br/Materia.asp?MateriaID=140, acessado em out/2008.

                                                    43
anos. Talvez seu texto mais criticado seja Quem Deus ouviu primeiro?89, em que ele

defende os pontos acima relacionados que caracterizam a teologia relacional.


                      Sua obra analisada é Creia na Possibilidade de Vitória, publicado pela

editora Abba em 1995.



5.2. Panorama da obra

                      Ricardo Gondim procura no livro de Rute “... princípios norteadores

para o homem enfrentar adversidades e reverter situações que, aparentemente,

arrasariam qualquer vida. A despeito de qualquer dificuldade, o livro de Rute ensina

que, com a ajuda de Deus, o homem pode ser vitorioso”.90 Antes de iniciar as

aplicações do texto, ele apresenta quatro princípios gerais: (1) Quando a sua visão

do todo estiver pessimista, tire os olhos do macro e ponha-os no micro; (2) A vida

das mulheres retratadas em Rute mostra a possibilidade do amor; (3) Deus é sábio,

poderoso e bom o suficiente para transformar os desastres de nosso viver em vitória,

e (4) Podemos viver, não apenas sobreviver, mesmo nas circunstancias mais

adversas91.




89
     O texto pode ser lido na íntegra em HTTP://www.ricardogondim.com.br, acessado em out/2008.
        Um exemplo de crítica foi feita por Eros Pasquini e pode ser lida na íntegra no endereço
        http://www.monergismo.com/textos/sofrimento/tsunami_gondim_eros.htm#1n, acessado em
        out/2008.
90
     RODRIGUES, Ricardo G. Creia na possibilidade da vitória: o que o livro de Rute ensina sobre o
       sucesso. São Paulo: Abba, 1995. p. 5.
91
     Idem, p. 7-11.

                                                 44
Ricardo Gondim situa o livro no período dos juízes de Israel, um

período de anarquia, onde não havia rei. Ele destaca corretamente que a terra era

constantemente invadida e os povos vizinhos escravizavam, roubavam e destruíam

os israelitas. Os juízes não conseguiam congregar a nação e formar um governo de

união. Como povo destruído e sem líder, cada um fazia o que parecia correto aos

próprios olhos. Num quadro caótico como o descrito acima, Rute surge como uma

espécie de “... refrigério, de sopro suave, de calma e bonança, no meio de um delírio

de tempestade”.92


                       Os capítulos da obra não seguem a ordem de divisão do livro de

Rute, mas decorrem do desejo de Ricardo Gondim salientar uma ou outra lição em

um determinado trecho do texto bíblico. O autor subdivide cada capítulo de sua obra

em princípios práticos, com frases curtas de fácil memorização. Ponto positivo é que

a linguagem é clara e prática, com um português de fácil entendimento para

qualquer público.


                       O terceiro capítulo de sua obra, que recebe o título do livro, resume

todo seu trabalho:


               Uma maneira de sintetizar o livro de Rute é apresentá-lo como a história de
               uma família que recomeçou das cinzas, de alguém que acreditou na
               possibilidade de reconstruir, de retornar a vida ... Como Rute retoma a
               caminhada, a partir dos pedaços, desponta como grande lição desta crônica
               bíblica.93




92
     RODRIGUES, Ricardo G. Op. Cit. p. 6
93
     Idem, p. 35-36.

                                                   45
Aparentemente, a proposta de Ricardo Gondim é ilustrar a novela da

vida a partir da novela de Rute. Não negamos que a história de Rute revela uma

reviravolta na vida pessoal e familiar das personagens, uma caminhada pelos

problemas comuns à época da narrativa e à vida contemporânea. O que falta na

síntese de Gondim é a percepção teológica da atuação soberana de Deus intervindo

em toda a história pessoal e nacional narrada e a resposta de fé dos personagens a

esse Deus que expressa sua    ds,x,   (hesed) e nos chama a expressá-la em nossos

relacionamentos.



5.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-
     teológica do autor.

               Embora Ricardo Gondim situe o livro em seu contexto histórico, a

base de seus comentários não leva em conta nem a historicidade do livro nem o

estudo da língua original. Os versículos do livro de Rute são inseridos no comentário

de forma ilustrativa e não como base de desenvolvimento lógico para uma ponte

hermenêutica entre os acontecimentos narrados e a vida cotidiana do leitor

contemporâneo.


               Um exemplo do que foi dito acima é o capitulo quatro: Semeando e

colhendo bênçãos. O texto de Rute 2.8-23 é transcrito como introdução. Após a

transcrição, Ricardo Gondim começa a contar três experiências pessoais: a primeira

sua e de sua família, a segunda de um seminarista amigo seu e a terceira do pastor

Ottis Skinner. Os testemunhos pessoais são adequados, mas o texto bíblico não é

                                          46
trabalhado em momento algum. Não há uma exposição da Bíblia, mas apenas quatro

ilustrações, sendo que a primeira é o próprio texto bíblico. Conforme já dito, o livro

bíblico torna-se uma novela que ilustra a novela da vida. Após os três testemunhos,

Ricardo Gondim desenvolve a Lei da semeadura e da colheita, fazendo uma

paráfrase às palavras de Boaz a Rute no verso onze: “Tu plantaste, está na hora de

colher, Rute”.94 Isso é tudo quanto podemos encontrar de comentário sobre o texto

do livro de Rute.


                     Ricardo Gondim levanta uma questão que abordaremos no capítulo

seguinte deste trabalho: a questão da tipologia no livro de Rute. Para ele “Boaz é tão

extraordinário no Antigo Testamento que, todos concordam que Boaz é um símbolo

do Antigo Testamento, da pessoa de Jesus Cristo.”95


                     Conforme feito nas duas abordagens anteriores, o texto escolhido

para uma analise da hermenêutica é o capítulo três de Rute, a trama de Noemi e

Rute para anunciar a Boaz que ele é o resgatador que as duas procuram. Ricardo

Gondim trata desse texto no capítulo cinco de sua obra: Como ser extraordinário.

Inicialmente, ele conta duas histórias e depois comenta o fato de que Boaz era um

homem “... cujo exemplo de vida, cujo testemunho de história, nos mostra essa

qualidade [de alguém cujo o mundo não é digno conf. Hb 11.38] de gente”.96

Ricardo Gondim passa então a explicar o que faz de Boaz uma pessoa extraordinária.


94
     RODRIGUES, Ricardo G. Op. Cit. p. 50
95
     Idem, p. 63.
96
     Idem, Ibid.

                                            47
Alguns questionamentos naturais do texto são sanados, como o ato da noite na eira

e a vindicação da integridade. Porém, não é vindicada a integridade de Rute, mas a

de Boaz. Segundo Gondim, Boaz teria uma “... boa desculpa para ele passar as mãos

nas pernas de Rute. Que boa desculpa para se aproveitar dela sexualmente. Bebeu

vinho, que álibi poderoso! Mas ele age com integridade com aquela mulher, dentro

de sua própria casa”.97


                     No trabalho de Gondim, não há referências ao estudo da língua

original nem tampouco o contexto histórico é levantado como significativo para os

comentários práticos. Um exemplo disso é o fato de Gondim provar a integridade de

Boaz ignorando, na situação que acabamos de citar, que a eira era um espaço

público e não a casa de Boaz. Ao longo de todo o livro, podemos perceber apenas a

tendência de usar as narrativas de Rute para estabelecer uma ponte com a vida do

leitor.



5.4. Influência da posição hermenêutico-teológico na
         abordagem devocional.

                     Por usar o livro de Rute para ilustrar situações e promover emoções

nos leitores de sua obra, Ricardo Gondim não revela uma posição hermenêutico-

teológica clara. Podemos perceber em sua obra o reflexo de suas palavras:


               Redirecionei minha leitura bíblica. Mais do que saber os detalhes exegéticos
               ou técnicos, ansiei que a Palavra me levasse a uma relação mais íntima com



97
     RODRIGUES, Ricardo G. Op. Cit. p. 64.

                                                   48
Deus. Reli a Bíblia de capa a capa, procurando o coração paterno de Deus.
              Dialoguei com pessoas que tratam da Espiritualidade Clássica. Recompus
              minha vida devocional. Aprendi sobre oração contemplativa e redescobri a
              meditação bíblica. Devorei alguns clássicos como "A Imitação de Cristo" de
              Tomás de Kempis, "A Volta do Filho Pródigo" de Henry Nowen, "A Montanha
              dos Sete Patamares" de Thomas Merton e o "Schabat" de Abraham Joshua
              Heschel. Eles e outros se tornaram meus mentores nessa nova busca
              interior.(grifo pessoal)98
              Quero tão somente que meu texto destile verdade, mesmo confusa, infantil,
              tosca, mas que espelhe a integridade de minha alma (grifo pessoal)99

                    No que se propõe a ser – um comentário devocional que procura

mostrar, a partir de Rute, princípios para uma vida de vitória – o autor não distorce o

texto, mas também não se dedica ao trabalho hermenêutico.




98
     http://palavrasdevida.wordpress.com/2006/02/25/quero-ser-mais-humano/, acessado em out/2008.
99

        HTTP://ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&form_search=&pg=1&id=1
        920, acessado em out/2008.

                                                 49
6. ABORDAGEM TIPOLÓGICA

                     Entende-se aqui por Abordagem Tipológica o estudo dos tipos e

antítipos estabelecendo ligação entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. É

evidente que alguns textos bíblicos estabelecem legitimamente este tipo de relação,

mas os teólogos que enfatizam a abordagem tipológica costumam aplicá-la de

maneira indiscriminada. Zuck nos dá um exemplo dos absurdos feitos por aqueles

que valem-se dessa abordagem, mostrando como são interpretadas as dobradiças

das portas do Templo de Salomão, as quais supostamente “... representam as duas

naturezas de Cristo”.100


                     O estudo tipológico é um princípio hermenêutico válido e essencial

para entendermos algumas passagens principalmente do Antigo Testamento. Zuck

nos diz que o estudo tipológico “... nos permite enxergar o traçado divino da história,

pelo fato de ele [Deus] escolher pessoas, acontecimentos e elementos de Israel para

retratar e predizer aspectos de Cristo e seu relacionamento com os crentes de

hoje”.101 O estudo da tipologia revela sombras deixadas no Antigo Testamento que

foram reveladas de forma clara no Novo Testamento. Um exemplo disso são as



100
      ZUCK, Roy B. Op. Cit. p. 197
101
      Idem, p. 212

                                             50
palavras de Jesus em João 3.14-15 “... do modo por que Moisés levantou a serpente

no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o

que nele crê tenha a vida eterna”.


                     A hermenêutica adota os seguintes critérios para validar a tipologia:

(1) a semelhança entre o tipo e o antítipo; (2) a realidade histórica – o tipo deve

surgir naturalmente do texto, cf. Hebreus 8.5; (3) a prefiguração, i.e., num tipo

autentico, a correspondência ou semelhança precisa conter o aspecto de predição,

prefiguração do antítipo; (4) elevação, i.e., o antítipo é superior ao tipo; (5) o

planejamento divino, i.e., não são meras analogias, mas são semelhanças planejadas

por Deus, fazendo que com os tipos tenham forte valor apologético; (6) os tipos

devem ser identificados como tais no Novo Testamento.102


                     Este último critério é de extrema importância para que não haja

exageros nas interpretações tipológicas. As vários personagens e as situações

narradas no Antigo Testamento devem ser entendidas como tipos se o Novo

Testamento assim o afirmar. Se isso não ocorrer, concordamos em encontrar

semelhanças, mas não podemos afirmar claramente que são tipos.


                     Existe uma forte tendência em confundir a hermenêutica tipológica

com a alegorização. Contudo, “... a tipologia é a busca de vínculos entre os eventos

históricos, pessoas ou coisas dentro da história da salvação; o alegorismo é a busca




102
      ZUCK, Roy B. Op. Cit. p 200-207.

                                              51
de significados secundários e ocultos que sublinham o significado primário e óbvio da

narrativa histórica”.103



6.1. Norbert Lieth

                    Norbert Lieth, suíço, é diretor            da Chamada da Meia-Noite

Internacional. Suas mensagens têm como tema central a Palavra Profética, ou seja,

as profecias escatológicas do Antigo e Novo Testamentos. Logo após sua conversão,

estudou na Escola Bíblica da Chamada da Meia-Noite no Uruguai, onde ficou até

concluir seus estudos. Por alguns anos, trabalhou como missionário na Bolívia. Mais

tarde, iniciou a divulgação da literatura da missão na Venezuela, onde permaneceu

até 1985. Nesse ano, voltou à Suíça e é o principal preletor nas conferências da

Missão na Europa. É autor de vários livros publicados em alemão, português e

espanhol.


                    Sua obra analisada é Rute à Luz do Plano de Salvação, publicada

pela editora Chamada da Meia Noite em 2000.



6.2. Panorama da obra

                    Na obra de Norbert Lieth não há uma introdução ao livro de Rute.

Questões como contexto histórico, língua original ou debates a respeito do texto

bíblico não são sequer enunciadas. Norbert Lieth faz um prefácio onde explica sua



103
      VIRKLER, Henry A. Hermenêutica avançada: princípios e processos de interpretação bíblica. São
        Paulo: Vida, 1999. p. 142.

                                                 52
abordagem nas palavras abaixo, que comentaremos no início do ponto seguinte do

trabalho:


               Neste livro interpretei alegoricamente os personagens do livro de Rute e as
               circunstâncias em que viveram... A alegoria não leva em conta todos os
               aspectos do assunto, mas apresenta pensamentos de forma figurada para
               ensinar uma lição ou iluminar uma verdade, ou apenas um aspecto da
               verdade. ... o leitor, por sua vez, não deveria perder de vista que uma
               aplicação alegórica é simbólica e deve ser entendida como tal. Pois um
               símbolo não pode transmitir todas as facetas do original.104

                     Após esse prefácio, a obra começa a fazer aquilo a que se propõe:

tratar de forma alegórica o texto bíblico. Para isso, Norbert Lieth divide seu trabalho

em cinco capítulos que tratam os seguintes temas: (1) a dispersão e restauração de

Israel, simbolizados pela família de Elimeleque; (2) a posição do cristianismo nominal

em relação a Israel, simbolizado por Orfa; (3) a eleição da Igreja e sua posição em

relação a Israel, simbolizado por Rute; (4) o arrebatamento, simbolizado pelo

descanso de Noemi, e (5) a vinda de Cristo para restaurar Israel, simbolizado pela

herança de Noemi.


                     O livro permanece fiel à proposta inicial do autor. Seu pensamento e

desenvolvimento são claros, e são usadas várias fotos ilustrativas para ajudar o leitor

a entrar na cena.




104
      LIETH, Norbert. Rute à luz do plano de salvação. Porto Alegre: Chamada da Meia Noite, 2000. p. 7

                                                   53
6.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-
         teológica do autor.

                      Norbert Lieth anuncia de forma clara sua posição no prefácio que faz

da obra. A sua intenção é criar uma alegoria com os personagens de Rute, usando

da hermenêutica tipológica para alcançar seu objetivo. Sendo assim, o sentido

autoral do texto não é buscado nem são levados em conta os princípios

hermenêuticos como contexto histórico-cultural ou língua original. Usando o princípio

hermenêutico da tipologia, Norbert Lieth chega a conclusões completamente

estranhas ao texto bíblico. Suas aplicações simbólicas, como ele mesmo adverte,

impedem que o livro de Rute seja entendido pelo seu leitor em seu todo. Seu

trabalho não é um comentário, mas uma tentativa de impor sua posição teológica à

história narrada.


                      Na primeira alegoria, o autor trabalha a saída de Elimeleque e sua

família da terra de Belém para as terras de Moabe. Segundo Norbert Lieth, “Na

pessoa de Elimeleque vemos figuradamente duas situações: (1) a queda e (2) a

dispersão de Israel”.105 Elimeleque saiu de Belém, a casa do pão, local onde mais

tarde nasceu o pão da vida, Jesus Cristo. O povo judeu rejeitou o pão da vida, que

nasceu em Belém, a casa do pão, e por isso teve fome espiritual. Quanto à dispersão

e sofrimento, ele diz que “esse trecho [saída de Elimeleque de Belém] representa




105
      LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 11

                                               54
simbolicamente a tragédia e o sofrimento dos judeus na Diáspora (Dispersão)”.106 Os

judeus andaram errantes por 1900 anos, sem terra, sem pátria, espalhados pelo

mundo.


                      Elimeleque rejeitou a terra que Deus havia concedido ao Seu povo

quando saiu de Belém para Moabe. Sua decisão foi pessoal, diferente dos judeus na

dispersão, que saíram de sua terra pela atuação de Deus na história. Não faz sentido

a relação que Norbert Lieth faz da saída de Elimeleque com a história vivida pelos

judeus até 1948, quando Israel torna-se novamente um Estado. Essa história foi

vivenciada por toda a nação, diferente de Elimeleque que sai somente com sua

família.


                      A segunda alegoria baseada na tipologia trabalha a figura de Orfa,

que simboliza o cristianismo nominal. Norbert Lieth diz que “na vida dessas duas

moabitas, Orfa e Rute, o Senhor nos dá simbolicamente uma visão profunda do

Plano de Salvação ... Rute e Orfa são, segundo o meu entendimento, representações

do cristianismo verdadeiro e do falso cristianismo”107. Orfa, que segundo Lieth

significa nuca, demonstra a dureza e teimosia dos cristãos que não querem obedecer

a Cristo. Quando Noemi revelou as possíveis dificuldades do caminho e da vida em

Belém, ela deu as costas e voltou para o seu povo e o seu deus. Assim, Orfa




106
      LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 18.
107
      Idem, p 28.

                                              55
simboliza o cristianismo nominal, que constantemente dá as costas a Deus e anda

por caminhos contrários ao cristianismo.


                      Outra questão levantada por Norbert Lieth na alegoria de Orfa é que

ela só decide deixar Noemi quando esta resolve voltar para Israel. Com isso, o autor

discorre sobre o fato de muitas nações serem contrárias ao plano de Deus para com

Israel, incluindo as nações chamadas cristãs. Segundo o autor, “Grande parte dos

povos considerados cristãos o são nominalmente. Por isso, eles são incapazes de

entender o plano de Deus com Israel”.108 Mais adiante, ele diz que “da mesma forma

[que Orfa deu as costas para Noemi], poucos cristãos permanecem decididamente

ao lado de Israel desde a fundação do Estado e desde o início do retorno dos judeus

à sua terra, e poucos reconhecem que é tempo de colheita”.109 Para ter o antítipo no

Novo Testamento, Norbert Lieth usa a história do centurião romano em Lucas 7.1-6.

Segundo ele, esse centurião romano “...atravessou a fronteira, posicionando-se de

maneira positiva em relação a Israel”.110


                      Dizer que Orfa é um tipo do cristianismo nominal implica dizer que

ela havia se convertido ao Deus de Israel, o que o texto bíblico não afirma. Norbert

Lieth é confuso em esclarecer se as pessoas que desistem no caminho realmente

tomaram uma decisão ao lado de Deus. Ele diz que Orfa “... representa os muitos

cristãos que só chegam até a fronteira e, no momento do desafio decisivo, desviam-


108
      LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 31.
109
      Idem, p. 33.
110
      Idem, p. 35.

                                              56
se e mostram a dureza do seu coração ...”111. Se assim for, essas pessoas que Orfa

representa não chegaram a tomar uma decisão, apenas seguiram por certo tempo as

práticas cristãs, não podendo ser chamadas de cristãs.


                        A terceira alegoria estabelece o contrário de tudo quanto Orfa

simboliza: Rute representa simbolicamente a Igreja verdadeira e os amigos de Israel.

No retorno de Noemi para Israel Rute representou o cristianismo verdadeiro. Com

isso, segundo o autor, “... nós cristãos somos exortados a nos colocarmos ao lado de

Israel e acompanhá-lo abençoando-o. Os verdadeiros cristãos deveriam estar cientes

de que se converteram ao Deus de Israel”.112 Para Lieth, o cristão verdadeiro deveria

servir a Israel, pois servimos ao Deus de Israel, ou seja, o cristianismo deveria fazer

o mesmo que Rute fez para com Noemi, tornando-se companheiro, deleite,

refrigério, amigo. Ao deixar tudo e ir para Belém com Noemi, Rute pôde encontrar o

resgatador. Segundo Norbert Lieth, o segundo capitulo do livro de Rute, que narra o

encontro com Boaz no campo descreve “... alegoricamente a história da conversão

da Igreja dentre os gentios a Jesus Cristo, seu Salvador”.113 Rute estava à procura, e

encontrou Boaz. Norbert Lieth diz que esta é a situação de um bom numero de

pessoas que estão em busca de encontrar “...Aquele aos olhos de quem há graça e

benevolência ...”.114




111
      LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 29.
112
      Idem, p. 43-44.
113
      Idem, p. 50.
114
      Idem, Ibid.

                                              57
Rute decidiu favoravelmente ao Deus e ao povo de Israel. Sua

decisão de seguir Noemi no caminho para Belém a fez participante do povo e das

bençãos prometidas por Deus a Israel. Não temos base bíblica para dizer que Rute

representa a Igreja. Sua história apenas mostra a benevolência de Deus ao permitir

que pessoas passassem a fazer parte do povo de Israel ao decidirem pela devoção a

Ele, assim como também Raabe citada na genealogia em Rute quatro.


                      A quarta alegoria diz respeito ao arrebatamento. O primeiro encontro

de Rute com Boaz deu-se no campo em Belém. O segundo encontro acontece no lar

de Boaz, o que faz “uma representação impressionante do arrebatamento da

Igreja”.115 Norbert Lieth faz um paralelo entre os acontecimentos do capítulo três de

Rute com os acontecimentos do arrebatamento descritos pelo Novo Testamento. Ele

diz que


               É profético o que Noemi incute no coração de Rute, pois Noemi simboliza o
               povo de Israel que volta para sua terra. Israel também já sabe hoje
               intuitivamente, como Noemi sabia, que Boaz (Jesus) é ‘nosso parente’. O
               Senhor Jesus é nosso redentor, e Ele também é o futuro redentor de Israel.
               Perguntamo-nos: quando a Igreja entrará no descanso eterno? O judeu
               Paulo o revelou: por ocasião do arrebatamento.116

                      Lieth procura estabelecer correlatos em tudo que é narrado no

terceiro capítulo de Rute: (1) a ordem de Noemi para Rute para banhar-se, ungir-se

e por seu melhor vestido é o lavar através da Palavra de Deus, a unção do óleo do

Espírito Santo e o andar na santificação respectivamente;(2) descer à eira é o




115
      LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 55.
116
      Idem, p. 57.

                                                  58
caminho para encontra-se com o Senhor; (3) o encontro de Rute com Boaz à meia-

noite, o que representa um momento específico (cf. Mateus 25.6): “Mas, à meia-

noite, ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seu encontro!”.


                     Na busca de estabelecer uma relação tipológica, Norbert Lieth

afasta-se totalmente da verdade bíblica, e chega a absurdos. O primeiro encontro

aconteceu na propriedade de Boaz. O segundo, na eira, local onde os grãos de cereal

eram separados e os talos moídos. A eira localizava-se perto da vila, em ponto alto e

aberto. Como a vila de Belém situava-se no topo de uma colina, a eira estava pouco

abaixo dela, o que explica o fato de Rute descer à eira. As melhores condições para

o trabalho na eira, na primavera e no verão, se davam a partir das quatro ou cinco

horas da tarde, quando o vento era favorável — não tão forte, mas suficiente.

Durante a limpeza do cereal, os proprietários alternavam-se no uso da eira117, e o

trabalho prosseguia até tarde da noite, sendo comum que os trabalhadores

acampassem na própria eira. Completada a tarefa do dia, tomavam uma refeição e

se deitavam para dormir. O texto, portanto, não diz nada a respeito da casa de Boaz,

como Lieth afirma. Também não há como deduzir que o primeiro encontro

representa a conversão dos gentios e o segundo encontro representa o

arrebatamento ou volta para casa. Uma vez estabelecido isso, invalida-se os

correlatos feitos por Norbert Lieth na seqüencia da narrativa.




117
      REED, John W. Ruth. In: WALVOORD, John, ZUCH, Roy B. The Bible knowledge commentary: an
        exposition of the Scriptures by Dallas Seminary faculty. Wheaton, Ill. : Victor, 1986. p. 424.

                                                   59
A quinta e ultima alegoria refere-se à herança que Noemi recebe, o

filho de Rute. Para Norbert Lieth esse retrato representa o cumprimento da profecia

da vinda de Jesus para restaurar a nação de Israel. Embora a nação de Israel tenha

vivido muito tempo fora de sua terra, ainda tem direito a ela. Nas palavras do autor

“... assim como Noemi não perdeu sua terra por ocasião de sua ida a Moabe, e

quando voltou pôde reivindicar totalmente a sua posse, também os judeus, ao

retornarem de sua dispersão provocada por Deus, têm o direito de posse total de

sua terra”.118


                      Reconhecemos que o nascimento de Obede representa a benção de

Deus sobre a nação de Israel, pois da descendência de Obede nasceu o rei Davi e,

mais tarde, Jesus. Jesus voltará e restaurará a nação de Israel. Isto são fatos e não

alegorias. Norbert Lieth, porém, não trata o texto como uma benção de Deus para a

nação daquele tempo, mas como uma visão escatológica.



6.4. Influência das pressuposições na abordagem tipológica

                      Norbert Lieth entende todo o livro de Rute como uma novela

alegórica para ilustrar o plano de Deus referente à salvação do homem. Sua teologia

com ênfase nas profecias escatológicas permeia todo o livro. Para apresentar sua

alegoria e sua posição hermenêutico-teológica, o autor vale-se do estudo tipológico,




118
      LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 69.

                                              60
que é um princípio hermenêutico. Porém, como pudemos observar em sua obra, em

nenhum dos usos da hermenêutica tipológica foram respeitadas as devidas regras.


                A falta de um estudo sobre a intenção autoral para o livro de Rute e

a ausência de outras importantes regras da hermenêutica como contexto histórico-

cultural e uso da língua original para um comentário de um livro bíblico, fez da obra

de Norbert Lieth um conto em que o autor manipulou todas as situações e questões

do livro para seu propósito específico. O comentário perde a validade teológica por

não revelar as ações e o cuidado de Deus na história do Seu Povo; perde seu valor

exegético por não levar em conta a língua original e os princípios hermenêuticos para

uma narrativa bíblica e perde seu valor hermenêutico por não dar ao leitor atual as

lições e aplicações que ele poderia aprender com o livro de Rute.




                                         61
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Análise crítica de comentários sobre o livro de Rute

  • 1. DILEAN BAPTISTA DE MELO SOUZA ANÁLISE CRÍTICA DE COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO DE RUTE Monografia apresentada ao Prof. Dr. Carlos Osvaldo Cardoso Pinto em cumprimento parcial dos requisitos da matéria Trabalho de Conclusão de Curso CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA SEMINÁRIO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA Atibaia 2008 1
  • 2. SUMÁRIO Páginas 1. INTRODUÇÃO ............................................................................... 1 2. O LIVRO DE RUTE – BASES INTRODUTÓRIAS PARA UMA AVALIAÇÃO CONSERVADORA. ............................................................. 5 2.1. Contexto Histórico ................................................................................... 5 2.2. Data de Composição e Autoria ................................................................. 6 2.3. Estrutura Literária ................................................................................. 12 2.4. Propósito e Mensagem .......................................................................... 16 3. ABORDAGEM PRAGMÁTICA ......................................................... 18 3.1. Carlos Mesters ...................................................................................... 18 3.2. Panorama da obra................................................................................. 19 3.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor ...... 20 3.4. Influência da posição hermenêutico-teológica na abordagem pragmática . 31 4. ABORDAGEM EXEGÉTICA ............................................................ 33 4.1. Joyce Elizabeth W. Every-Clayton ........................................................... 33 4.2. Panorama da obra................................................................................. 34 4.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor ...... 36 4.4. Influência da posição hermenêutico-teológico na abordagem exegética .... 40 2
  • 3. 5. ABORDAGEM DEVOCIONAL ......................................................... 42 5.1. Ricardo Gondim Rodrigues..................................................................... 42 5.2. Panorama da obra................................................................................. 44 5.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor. ..... 46 5.4. Influência da posição hermenêutico-teológico na abordagem devocional. . 48 6. ABORDAGEM TIPOLÓGICA .......................................................... 50 6.1. Norbert Lieth ........................................................................................ 52 6.2. Panorama da obra................................................................................. 52 6.3. Identificação e validação da posição hermenêutico-teológica do autor. ..... 54 6.4. Influência das pressuposições na abordagem tipológica .......................... 60 7. CONCLUSÃO ............................................................................... 62 8. BIBLIOGRAFIA ............................................................................ 65 3
  • 4. 1. INTRODUÇÃO Não é difícil encontrar em uma livraria evangélica ou na internet um comentário bíblico. Existem dos mais variados, desde os comentários versículo por versículo, que oferecem ao leitor os resultados de um trabalho profundo de crítica textual, até aos mais simples, que dão somente uma visão superficial e panorâmica dos livros bíblicos. Outros dois fatores que influenciam diretamente os comentários bíblicos são a posição teológica do autor e o propósito do autor ao oferecer seu texto aos leitores. A situação não é diferente com o livro de Rute, que escolhemos como tema para o trabalho. É possível encontrar comentários inseridos em grandes obras exegéticas, mas também livretos com comentários sucintos e superficiais. Com este trabalho queremos oferecer ao leitor uma contribuição para ajudá-lo a avaliar de forma crítica a grande variedade de publicações evangélicas disponíveis no mercado. Queremos que o leitor se desperte para filtrar as informações à luz do conhecimento advindo da boa interpretação da Palavra. Interpretar corretamente o texto bíblico é importante para todos os que desejam aplicá-lo devidamente à sua vida e é essencial aos ministros de Deus, que devem oferecer alimento sólido da Palavra àqueles que Deus confiou em suas mãos. 1
  • 5. Muito tem sido escrito sobre o livro de Rute. Por ser uma novela, sua história é usada para ilustrar e dar força a movimentos que visam ações sociais e políticas. Também é usado para o encorajamento de pessoas que se encontram em diversas situações de sofrimento, e ainda para ilustrar o plano salvífico de Deus ao longo da história. Certamente há obras que têm trazido boas contribuições. Encontramos também obras com aplicações para a atualidade, mas muitas vezes a custa de um trabalho regido somente por ideais sócio-políticos ou em defesa de posicionamentos teológicos, sem levar em conta a historicidade do livro e a mensagem de Deus para o leitor de Rute. Escolhemos avaliar os comentários do livro de Rute escritos por quatro autores com posições hermenêutico-teológicas e propósitos diferentes. Para validar a posição hermenêutico-teológica em cada abordagem, são aplicadas quatro regras gerais de hermenêutica: (1) literalidade da interpretação – a busca por compreender o texto de forma natural, na tentativa de identificar o sentido primário do texto para seu compositor e seus leitores originais, sem alegoria ou busca por um sentido oculto; (2) contexto histórico-cultural – determinação dos valores e costumes da época em que foi escrito o livro bíblico; (3) gramática – estudo da língua original, valendo-se do estudo de vocábulos e análise sintática do livro; (4) interpretação teológica – a procura por encaixar o livro estudado no todo da Escritura Sagrada, mostrando como o livro se insere no desenvolvimento progressivo da revelação divina. Para um dos comentaristas escolhidos, é preciso considerar uma interpretação específica denominada hermenêutica tipológica, que tem por objetivo 2
  • 6. traçar correlatos entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento com base em prefiguração (tipo) e seu cumprimento (antítipo). Nas quatro críticas, toma-se o texto do capítulo três do livro de Rute para uma análise crítica mais detalhada, embora nem todos os autores preocuparam- se em fazer uma exegese do texto. O corpo do trabalho divide-se em cinco capítulos. O primeiro capítulo dá uma introdução conservadora ao livro de Rute e oferece as bases para uma avaliação crítica dos comentários, levando em conta os princípios hermenêuticos acima citados. O segundo capítulo analisa a abordagem pragmática proposta pela teologia da libertação, revelando os pressupostos teológicos e seu uso na hermenêutica bíblica. No terceiro capítulo, avaliamos a abordagem exegética, que se vale dos princípios hermenêuticos, e mostramos como um bom trabalho de hermenêutica faz um comentário ser atual e aplicativo para o leitor contemporâneo. O quarto capítulo avalia uma abordagem devocional, em que o autor impõe ao livro de Rute suas impressões pessoais, sem se valer de um estudo dedicado da Palavra de Deus. No quinto e último capítulo, analisamos a tendência comum a muitos interpretes de criar uma ponte entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento pelo estudo tipológico, um princípio hermenêutico válido, mas que possui regras que devem ser observadas quando usado. 3
  • 7. Auxiliado pelo exemplos apresentados no decorrer deste trabalho, espera-se que o leitor encontre percepções úteis para a análise crítica de outras obras. 4
  • 8. 2. O LIVRO DE RUTE – BASES INTRODUTÓRIAS PARA UMA AVALIAÇÃO CONSERVADORA. O livro tem como título o nome da personagem principal, uma moabita chamada Rute. A etimologia do nome é incerta, mas sugere-se uma associação à palavra hebraica tW[r> que significa “amizade, companheirismo, associação” e tem sua raiz na palavra h['r' . 2.1. Contexto Histórico A história inicia com um casal efrateu de Belém de Judá, Elimeleque e Noemi. Para fugir da fome que assola a sua terra no período em que os juízes julgavam Israel, eles emigram com a família para Moabe, território ao sul de Israel. Lá seus dois filhos se casam com as moabitas Rute e Orfa. Após um tempo, morrem Elimeleque e seus dois filhos. Na narrativa bíblica, o período dos juízes nos revela que o povo de Israel enfrentava um constante ciclo de apostasia, que gerava desordem religiosa e, conseqüentemente, desordens sociais e morais. Mantendo-se fiel à Aliança, Yahweh castigava o povo pela rebeldia e, após o castigo, levantava um juiz que livrava os israelitas da opressão e das desordens. 5
  • 9. O livro de Juízes nos conta que, após a morte de Josué, os israelitas ficaram sem liderança nacional. Depois de morrer toda a geração que viu os feitos realizados pelo Senhor com Josué, o texto sagrado nos diz que “... surgiu uma nova geração que não conhecia o Senhor ...” (Jz 2. 10). O início do livro de Rute retrata um dos períodos de rebeldia desse povo. Porém, diferente do livro de Juízes, que destaca as lutas armadas do povo contra os inimigos, Rute mostra os acontecimentos no núcleo familiar. Estabelece também um contraste, mostrando judeus fiéis à Aliança de Yahweh e até mesmo uma moabita que se mantém fiel à sua família e ao Deus da sua família durante um tempo de rebeldia. Joice Every- Clayton nos diz que o livro ... tem a ver com a ação de Deus durante o período dos Juízes. Foi um período político um tanto confuso, permeado de idolatria, violência, fome e imoralidade. Nesse contexto, o livro de Rute relata a história de uma pequena família. Mas uma família é a célula na qual age o Deus da história; como conseqüência, o livro e a história da família de Rute também abordam assuntos de vida nacional e vida religiosa.1 2.2. Data de Composição e Autoria Uma das maiores dificuldades encontradas para a datação do livro é o intervalo de tempo entre os primeiros três capítulos, que nos apresentam os fatos sucessivos da vida de Rute até o nascimento de seu filho Obede − fatos declaradamente datados do período dos juízes de Israel − e o final do quarto capítulo, onde encontramos a genealogia de Davi, bisneto de Rute. O início do livro 1 EVERY-CLAYTON, Joyce W. Rute. Curitiba: Encontrão, 1993. p.11 6
  • 10. determina o período em que aconteceram os fatos narrados, mas não a data final de composição do livro. É difícil estabelecer com exatidão a data dos acontecimentos, mas sabemos que é “Nos dias em que julgavam os juízes” (cf. 1.1). Os fatos ocorrem, portanto, em algum momento dentro de um período de aproximadamente 330 anos, aproximadamente de logo após a morte de Josué (c. 1387 a.C.) até o começo do 2 reinado de Saul (c. 1050 a.C.). Como no começo do primeiro capítulo encontramos um período de fome, entendemos que os acontecimentos iniciais deram-se em um dos intervalos de apostasia do povo de Israel, enquanto que a volta para Belém e os capítulos sucessivos deram-se em tempo de paz. Uma das possibilidades é que os acontecimentos sejam da época entre Jefté e Sansão.3 Reese, em sua Bíblia Cronológica, situa o livro de Rute entre Eúde e Débora. Reese nos dá uma data provável para os acontecimentos, entre 1268 e 1251. 4 Na tentativa de datar os acontecimentos do livro, alguns cálculos têm sido feitos também de acordo com a seqüência das gerações do capítulo quatro. Não 2 PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento: estruturas e mensagens dos livros do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 220-223. 3 WALTON, John H. Comentário bíblico Atos: Antigo Testamento. Belo Horizonte: Editora Atos, 2003. p. 285. 4 REESE, Edward. The Reese chronological Bible. Minneapolis: Bethany House Publishers, 1980. p. 395 7
  • 11. temos, porém, uma data conclusiva, apenas suposições e tentativas de encontrar uma data que seja condizente com a historicidade do livro. A genealogia no fim do livro nos deixa claro que, apesar de narrar um acontecimento da época dos juízes, a data de composição do livro de Rute é certamente posterior ao nascimento de Davi e, possivelmente, posterior à sua coroação como rei de Israel. Considerando que Davi começou a reinar em Judá por volta de 1010 a.C., e sobre todo o Israel por volta de 1004 a.C., a composição final do livro não deve ser anterior a essa data. É mais provável que a composição final do livro date do inicio do reinado de Davi em todo Israel. Archer diz que se a composição final do livro fosse posterior ao reinado de Davi, Salomão, seu filho tão famoso, deveria ter sido mencionado5, o que não ocorre. Pratt concorda com Archer e acrescenta que “Parece mais provável que as genealogias de Rute se estendessem até o rei que governava na época da redação final. Se esse é o caso, o livro chegou à sua forma final antes da ascensão de Salomão ao trono”.6 Carlos Osvaldo Pinto nos dá outro argumento a favor de uma data mais recuada, “... a atmosfera amistosa nas relações entre Israel e Moabe, algo impensável depois da cruel servidão imposta aos moabitas pelo reino do Norte”.7 5 ARCHER, Gleason L. Jr. Merece confiança o Antigo Testamento: panorama e introdução. São Paulo: Vida Nova, 1974. p. 314 6 PRATT, Richard L. Jr. Ele nos deu histórias: um guia completo para a interpretação de histórias do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 335 7 PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Op. Cit. p. 242 8
  • 12. Outro argumento para a datação é a posição do livro na LXX. Apesar de na Bíblia hebraica estar entre os cinco megillôt, motivo que leva alguns teólogos a não considerarem o livro como histórico8, na LXX ele aparece logo depois de Juízes, entre os livros históricos. Morris nos diz que, quanto à data da ordem dos livros na LXX, ... é bem antiga. A maioria concorda em que é nossa evidencia mais antiga. Nesta ordem, Rute é colocado entre os livros históricos, imediatamente após Juízes. Gerleman observa que o mesmo acontece com outras antigas versões; ele vê nisto a comprovação da antiga tradição judaica segundo a qual Rute tem íntima relação com os livros históricos.9 Mas não só a LXX coloca o livro de Rute entre os livros históricos do Antigo Testamento. A lista hebraico-aramaica dos livros do Antigo Testamento dada no MS.54 da Biblioteca do Patriarcado Grego em Jerusalém ordena os livros da seguinte forma: Gênesis, Êxodo, Levítico, Josué, Deuteronômio, Números, Rute, Jó e Juízes.10 Outro argumento é o estilo literário.11 Morris diz que Myers classifica Rute “...entre as narrativas ... do Pentateuco ... e afirma: ‘A simplicidade da própria história, as frases curtas mas impressionantes, usadas como seu veiculo, e as figuras 8 Veremos essa argumentação no capítulo Abordagem Pragmática. Os outros quatro livros são: Ester, Cânticos de Salomão, Eclesiastes e Lamentações. 9 MORRIS, Leon. Rute: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1986. p. 214. 10 Idem, p. 215 11 Trataremos a questão do estilo literário mais adiante. Por hora, citaremos apenas como argumento para uma datação mais antiga. 9
  • 13. e imagens gerais criadas na mente do leitor levam-nos a classificar a obra entre a literatura antiga de Israel’”.12 Os teólogos liberais tentam defender uma data mais recente usando argumentos baseados na linguagem do livro. Eles creditam ao livro aramaísmos e palavras características de época posterior: ... näSä näšîm (1:4), lähën (1:13), o verbo `äGan (1:13), märä em lugar de märâh (1:20), `änâh B• (1:21), miqreh (2:3) Ta`ªbûrî (2:8), yiqcörûn (2:9), TidBäqîn (2:21), yäradTy (3:3) šäkäbTy (3:4), Ta`ªSîn (3:4), marG•löt (3:7, 8, 14), Tëd•`in (3:18), P•lönî ´almönî (4:1), qayyëm (4:7), šälap na`ªlô (4:7).13 Porém, isso não é de forma alguma um argumento conclusivo para uma data mais recente. No verso 13 do capítulo 1 temos a palavra !hel' que em aramaico significa “portanto”14, mas a mesma palavra existe em hebraico e significa “pois, por isso”15. Archer ainda diz que poderia ser “... ‘para elas’, no sentido de ‘para estas (coisas)’”.16 Quanto a palavra märä´ em lugar de märâh Archer afirma o seguinte: Embora seja verdade que mara ‘amarga’ tenha sido soletrada pela maneira aramaica, o equivalente hebraico, com som idêntico, só teve uma leve diferença de ortografia. Além disto, têm surgido a lume inscrições que 12 MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 220 13 Idem, p. 216. 14 HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L. Jr.; WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Tradução: Márcio Loureiro Redondo; Luiz A. T. Sayão; Carlos Osvaldo Cardoso Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998. Verbete !hel p. 1706 15 HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L. Jr.; WALTKE, Bruce k. Op.Cit. Verbete !hel p. 773 16 ARCHER, Gleason L. Op. Cit. p. 315 10
  • 14. remontam até o nono século a.C., evidenciando ortografias hebraicas e aramaicas no mesmíssimo texto ...17 Contudo, o livro apresenta formas bem primitivas do hebraico. Myers faz uma lista de arcaísmos. Menciona como formas arcaicas dignas de nota as seguintes: tidBäqîn (2:8, 21), yiqcörûn (2:9), yiš´ªbûn (2:9), w•yäradTy (3:3), w•šäkäBty (3:4), ta`ªSîm (3:4), Tëd•`in (3:18), qänîtäy (4:5).18 Para Morris e Myers, é mais fácil explicar palavras mais recentes em documentos mais antigo do que o contrário, pois “... a Bíblia Hebraica toda passou pelas mãos de editores judeus ...”19 Visto que as expressões mais novas não formam a base da linguagem do livro, mas prevalece uma forma mais primitiva, o fato de editores conformarem algumas partes do livro a padrões ortográficos mais recentes explicaria o uso de palavras recentes no livro de Rute. O livro é anônimo. Diante da autoria incerta, a tradição judaica aponta para Samuel como autor do livro20. Outro fator que leva a creditar a autoria a Samuel é sua escrita muito similar à de Juízes e os livros de Samuel. Porém, a autoria de Samuel não parece ser a mais provável, pois a data da composição final do livro seria então do período em que Davi era fugitivo de Saul.21 Duas outras suposições de autoria são levantadas. A primeira diz respeito aos cronistas-profetas 17 ARCHER, Gleason L. Op. Cit. p. 315. 18 MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 220 19 Idem. p. 221 20 Idem, p. 213 21 PINTO, Carlos Osvaldo C.Op. Cit. p. 241 11
  • 15. Natã e Gade, mencionados em I Crônicas 29.29, que registraram os fatos relacionados à vida do rei Davi22. A segunda é que um mestre narrador tenha sido encarregado de registrar a história do rei Davi, tanto seus feitos como rei como os de sua ascendência. 2.3. Estrutura Literária O livro de Rute é uma novela breve. Uma poesia idílica “... altamente artística em estilo e estrutura.”23 House acrescenta que “O livro inclui todos os elementos de uma excelente literatura: personagens fortes, desenvolvimento de enredo que inclui suspense e resolução, uso interessante do ambiente e técnica sutil.”24 O autor de Rute, embora desconhecido, deixou-nos uma obra destacada “... pela sua condensação, pela nitidez de seu vocabulário, pela versatilidade de sua linguagem, pela proporção equilibrada de suas cenas e, sobretudo, pela vivacidade e integridade de suas personagens principais”.25 Provavelmente, ele se preocupou com o fato de que o livro seria lido perante uma grande audiência, conforme o costume judaico e, portanto, deveria manter a atenção tanto do leitor como de seus ouvintes. 22 Como seus escritos não foram preservados, torna-se impossível dar certeza quanto a essa hipótese. 23 PINTO. Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 242 24 HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005. p. 582 25 SASSON, Jack M. Rute in: ALTER, R. e KERMODE, F. Guia literário da Bíblia. São Paulo: UNESP, 1997. p. 344 12
  • 16. A narrativa de Rute flui de forma simples e objetiva, sem perder seu encanto e excelência literária. Toda a narrativa é serena e agradável, com diálogos em vez de somente descrições, dando cor e brilho ao livro. O diálogo predomina no livro todo26. Alter, citado por Jang Ho Kim diz que “... quando um evento da narrativa parece importante, o escritor vai atribuir isso principalmente através de dialogo. Em muitos casos, a narrativa vai avançar a linha de enredo não através de uma descrição detalhada de eventos, mas através de diálogos”.27 As técnicas literárias usadas são diversificadas. É notável como o autor fez uma perfeita simetria entre o primeiro e o ultimo capítulo, mantendo o mesmo numero de palavras (71).28 Além da simetria, ele usa um grande jogo de contrastes tais como plenitude/esvaziamento, altruísmo/egoísmo,29 esterilidade/fertilidade, fome/fartura, escape/retorno, isolamento/comunidade, recompensa/castigo, tradição/inovação, masculino/feminino, vida/morte.30 O autor consegue prender a atenção do leitor, mantendo um clima de suspense até o fim. Segundo Carlos Osvaldo Pinto, ele consegue “... com rara 26 Segundo SASSON, Jack M. Op. Cit p. 344, 55 dos 85 versos de Rute são diálogos. 27 HO-KIM, Jang. Hebraico instrumental. Atibaia: Seminário Bíblico Palavra da Vida, 2008. (Apostila preparada para a disciplina Hebraico Instrumental). p. 3 28 PINTO. Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 242 29 Idem, Ibid. 30 SASSON, Jack M. Op. Cit p. 344 13
  • 17. felicidade, combinar narrativa, história e Heilsgeschichte, exaltando as virtudes de lealdade pactual tanto em Yahweh quanto nos personagens principais”.31 Outro recurso para prender a atenção do leitor e do ouvinte são as codas, utilizadas em cada cena do livro. Uma coda é um material utilizado para complementar o cenário da história. Sasson nos diz que ... Cada uma das quatro cenas de Rute, equivalentes aos quatro capítulos em nossa Bíblia, é provida de uma coda cuja finalidade é resumir as atividades passadas, bem como prefigurar outras por vir. A primeira delas contém uma unidade inicial (1:1-6) que serve como prólogo à história e a última tem uma unidade de lastro (4:14-17) que fornece um epílogo satisfatório. A última coda antecipa um futuro além da estrutura imediata da história e inclui uma genealogia ...32 Para Pratt, o livro é uma narrativa de resolução e está dividido em cinco partes e um apêndice:33 I. A amargura de Noemi (1.1-22) II. Rute descobre o possível parente resgatador (2.1-23) III. Boaz concorda em ser o parente resgatador (3.1-18) IV. Boaz adquire o direito de ser o parente resgatador (4.1-12) V. A bênção de Noemi (4.13-17) Apêndice genealógico (4.18-21) Gordon Johnston, citado por Jang Ho Kim, faz um gráfico simples34 para apresentar o livro. 31 PINTO, Carlos Osvaldo C. Op. Cit p. 242 32 SASSON, Jack M. Op. Cit p 345 33 PRATT, Richard L. Jr. Op. Cit. p. 335 14
  • 18. Para ele o enredo de Rute é chamado “...enredo (plot) baseado [no] problema...”35. Nesse tipo de narrativa, um problema é apresentado e as ações vão em busca de uma solução para o mesmo. Tudo acontece num clima de tensão e/ou suspense, onde o clímax é atingido logo antes da resolução. 36 Uma divisão em quatro cenas, tal como encontramos em nossas Bíblias (os quatro capítulos do livro), parece ser mais contundente apesar de mais simples. 34 HO-KIM, Jang.Op. Cit. p. 5 35 Idem, Ibid. 36 Idem, Ibid. 15
  • 19. 2.4. Propósito e Mensagem Embora os comentaristas atribuam diferentes propósitos ao livro de Rute37, na simples qualidade de uma novela Rute tem por bem relatar várias nuances da vida cotidiana: casamento, viuvez, amizade, relacionamento familiar e preocupações com a subsistência e a descendência. É evidente que Yahweh é o personagem principal mesmo que oculto no clímax do enredo da narrativa. Para pensarmos em propósito do livro, não podemos ignorar Sua aliança com Seu povo, que se expressa ao longo de toda a narrativa. House lembra que, no inicio do livro, “... duas mulheres sem maridos e filhos apegam-se a Yahweh e uma à outra”.38 A fome que assolava a terra e fez com que Noemi saísse de sua terra por quase dez anos, terminou porque ~x,l'( ~h,Þl' tteîl' AMê[;-ta, ‘hw"hy> dq:Üp'-yKi − Noemi ouve que hw"hy> (Yahweh) havia visitado seu povo e novamente havia pão em ~x,l, tyBe (casa de pão, ou seja, Belém). No livro de Rute, uma tragédia nacional e individual transforma-se em bênção individual e nacional. Isso é o que acontece quando indivíduos e nação estão dispostos a perseverarem em sua fidelidade a Yahweh. No plano individual, temos duas mulheres e um judeu que devotam a Ele sua fé. A bênção nacional é evidenciada pela genealogia encontrada no fim do livro, em que Rute é ancestral do 37 Veremos o assunto em mais detalhes nos capítulos 3 a 6 38 HOUSE, Paul R. Op. Cit. p. 583 16
  • 20. grande rei de Israel, o rei Davi. Em todo o tempo e em quaisquer circunstancias, “... Deus está vigiando seu povo, fazendo com que aconteça a eles o que é bom. O livro é a respeito de Deus. Ele governa sobre todas as coisas e abençoa aos que confiam nEle.”39 Considera-se, portanto, que o propósito do livro de Rute leva em conta a fidelidade de Yahweh às Suas promessas pactuais em dq;P' (visitar) seu povo, desde o menor núcleo familiar até a cidade como núcleo maior, trazendo novamente pão à ~x,l, tyBe (casa do pão) e preparando à nação como um todo o seu rei. House concorda com Robert Hubbard quando afirma que “... Rute expressa como Deus abençoa a família e, por extensão, as multidões”.40 A mensagem do livro também leva em conta a aliança de Yahweh com Seu povo. Da libertação individual à nacional, Deus age de acordo com Sua aliança. A genealogia davídica no final do livro demonstra a “... intervenção divina na vida de indivíduos que são leais à aliança.”41 O que vimos até aqui dá-nos um ponto de partida para avaliar o trabalho dos comentaristas representantes de quatro diferentes expressões de interpretação, que indicamos como abordagens pragmática, exegética, devocional e tipológica. 39 MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 226 40 HOUSE, Paul R. Op. Cit. p. 583 41 PINTO, Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 243 17
  • 21. 3. ABORDAGEM PRAGMÁTICA Entende-se aqui por abordagem pragmática a práxis hermenêutica adotada pelos teólogos da libertação. Na busca de uma práxis em prol dos pobres, a ótica da hermenêutica da teologia da libertação é a realidade concreta dos excluídos, lutando contra o sistema que os está oprimindo. Sendo assim, a preocupação política e sociológica se faz presente em toda sua forma de ler o texto bíblico e fazer teologia. Tais teólogos buscam “... uma síntese teológica e ideológica para mudar o rumo da história. A palavra práxis tornou-se chave.”42 3.1. Carlos Mesters Carlos Mesters é frade carmelita, nascido na Holanda, mas reside há muitos anos no Brasil, onde ajudou a criar o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos)43 . Sua formação em Teologia e Ciências Bíblicas foi em Roma e na Escola Bíblica de Jerusalém. Também é doutor em especialidade em literatura apocalíptica. É conferencista requisitado em toda a América Latina. 42 CONN, Harvey; STURZ, Richard. Teologia da Libertação. São Paulo: Mundo Cristão, 1984. p. 5. 43 Maiores informações em http://www.cebi.org.br, acessado em out/2008. 18
  • 22. Sua obra analisada é Rute, lançado pelas editoras Vozes, Imprensa Metodista e Sinodal em 1986. 3.2. Panorama da obra A obra é bem objetiva, tendo uma pequena introdução que apresenta os argumentos para as interpretações e aplicações que o livro de Rute pode oferecer às pessoas que hoje sofrem com problemas de falta de terra e de fome. Após a introdução, o livro é bem dividido em capítulos que abrangem todo o texto de Rute. O livro levanta questões bem contemporâneas e nisso apresenta algumas contribuições para o leitor. A primeira contribuição que se destaca é a preocupação com a aplicabilidade para os nossos dias. A visão de que precisamos aprender com o livro de Rute lições para o nosso dia-a-dia permeia todas as paginas do livro. Isso nos leva a uma outra faceta importante, a contextualização que Carlos Mesters propõe. Sua preocupação é que os leitores consigam tirar lições do livro, o que faz com que ele constantemente estabeleça correlatos entre a situação das personagens e as situações enfrentadas hoje pelos oprimidos. Outro fator é a fácil linguagem do livro. O desejo do autor de que seus leitores possam aprender com seu trabalho faz com que a linguagem seja acessível a todos. Nas palavras do próprio autor, 19
  • 23. ... um comentário bíblico, qualquer que ele seja, só pode ter um único objetivo, a saber, fazer com que a Palavra de Deus possa atingir, para além das divergências dos estudiosos, o seu objetivo na vida do povo que nela acredita e confia.44 O desenvolvimento da obra é claro e a progressão do pensamento se faz de forma coerente com a proposta e a posição hermenêutico-teológica do autor, a qual estudaremos no ponto que segue. 3.3. Identificação e validação da posição hermenêutico- teológica do autor Conforme apresentado no ponto anterior, a obra de Carlos Mesters desenvolve um pensamento contemporâneo e contextual para o livro de Rute. Deixa, porém, de levar em conta a historicidade do livro de Rute e as regras gerais de hermenêutica. Na introdução do livro, destacamos duas preocupações do autor: uma com respeito à datação e outra com respeito à mensagem. No comentário, destacamos a hermenêutica adotada por Mesters na situação do resgate, o ponto de clímax da narrativa. Mesters faz um bom levantamento histórico da situação do povo na época da narrativa e destaca a data dos acontecimentos como sendo o tempo dos juízes. No entanto, usa esse levantamento de forma confusa quando trata a questão da data de composição do livro. Isso está evidente no seu capítulo introdutório 44 MESTERS, Carlos. Rute. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 17 20
  • 24. quando, depois de mostrar os conflitos vividos pelo povo como a fome e a desintegração da família, ele diz que ... duas perguntas surgem e pedem uma resposta: 1. Qual a época desta situação conflitiva que acabamos de analisar? Ou seja: em que época foi escrito o livro de Rute? 2. Como a história de Rute toma posição frente a esta situação? Ou seja: qual a mensagem do livro de Rute?45 Visto que quanto à época da situação narrada em Rute não resta duvida, pois o próprio texto bíblico a especifica (Rt 1.1), não há justificativa para a primeira parte da pergunta de Mesters. Quanto à datação, Carlos Mesters defende uma data pós-exílica. O primeiro argumento estabelece a posição de Rute no cânon hebraico (entre os ~ybWtK.) e seu uso nos ritos judaicos em contraponto com sua posição no cânon cristão (livros históricos). Mesters diz que “Nesta diferença milenar entre a bíblia (sic) judaica e a bíblia (sic) cristã transparece a variedade de opiniões quanto à mensagem e o objetivo do livro de Rute”46. De acordo com Morris, esse argumento não vai além de nos deixar com uma pergunta: “Quando foi Rute colocado, pela primeira vez, entre os ketubim? Nada existe para indicar que este arranjo era primitivo; ao contrario, muita coisa demonstra o contrário”47. O argumento de Mesters de que o cânon hebraico é anterior ao da LXX não é conclusivo. Conforme mencionado no ponto 1.2, uma lista 45 MESTERS, Carlos. Op. Cit.. p. 10 46 Idem, p. 7 47 MORRIS, Leon.Op. Cit. p. 214 21
  • 25. hebraico-aramaica dada no MS.54 coloca Rute entre os livros históricos. Outra prova dada por Morris é Eusébio que cita Melito de Sardes que visitou a Palestina “... e ali esforçou-se ao máximo para certificar-se (e informar-lhe), a respeito dos ‘fatos precisos concernentes aos escritos antigos: quantos eram, e qual sua ordem’. Isto resultou numa lista em que Rute vem imediatamente após Juízes.”48 O segundo argumento de Mesters mostra uma preocupação em estabelecer a época de escrita do livro de Rute como pós-exílica para, mais adiante, estabelecer uma correlação com a atualidade. Mesters apresenta três fatores para comprovar essa tese. O primeiro fator são os problemas que o povo enfrenta, i.e., um povo pobre e marcado pela fome, pela migração e pela desapropriação das terras. As famílias estão desfeitas, sem garantia de continuidade e com um sentimento de culpa diante de Deus. A sociedade é basicamente agrária e “... a terra era objeto de negócios, pois ela podia ser comprada e vendida ...”49. Dentro disso, Mesters vê um total desinteresse do povo para com a observância da lei do resgate, problema também enfrentado em Neemias 5.8-11. A unidade familiar era o clã, “... a grande família patriarcal”.50 Porém, a família enfrentava alguns problemas de desintegração (cf. Ne 7.4-5) e muitos haviam casado com mulheres estrangeiras (Ed 9.1-2). 48 MORRIS, Leon.Op. Cit. p. 215 49 MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 9 50 Idem, Ibid 22
  • 26. O segundo fator é que “... o rumo do pensamento do livro de Rute é o mesmo de outros livros da bíblia (sic!) escritos durante e depois do cativeiro ...”51 . Esse rumo de pensamento a que Mesters se refere está ligado ao universalismo e abertura da fé em Yahweh, ao desejo do povo de ter um novo rei como Davi, aos problemas do sofrimento e retribuição, e ao tema do servo sofredor. Com relação ao universalismo, Carlos Mesters procura demonstrar que a aceitação de Rute pelo povo judeu é uma crítica às tendência que ele considera exclusivistas na época pós-exílica de Esdras e Neemias. Em suas próprias palavras, “Transparece aqui uma defesa velada contra a acusação de relaxamento e infidelidade (Esd 9,1-2; 10,2; Ml 9,11). O texto deixa bem claro que Noemi, ao permitir a entrada de Rute ... não foi uma pessoa infiel nem relaxada.”52 Mais adiante, Mesters tenta reforçar seu argumento dizendo que um dos motivos que levaram Boaz a acolher Rute foi também uma crítica a Esdras: “Transparece aqui a polêmica com Esdras em torno da aceitação ou expulsão das mulheres estrangeiras”.53 51 MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 11 52 Idem, p. 29 53 Idem, p. 37 23
  • 27. O terceiro fator refere-se à escrita do livro. Segundo Mesters, “o jeito de falar ou de escrever do livro de Rute é, na opinião dos entendidos no assunto, característico da época depois do cativeiro.”54 É difícil sustentar a hipótese de que a época da escrita do livro de Rute é a do povo pós-exílico, conforme discorrido no capítulo 2. Quanto ao rumo do pensamento do livro, questões como o universalismo não encontram sustentação em Rute. Se o propósito do autor fosse fazer polêmica ou se posicionar contra as decisões de Esdras e Neemias, o livro daria maior ênfase ao casamento e à aceitação de Rute na comunidade judaica. Champlim, ao escrever sobre essa polêmica nos diz que ... há fortes razões para não se aceitar essa opinião. A Canonicidade do livro dependeu, em grande escala, de judeus que eram herdeiros espirituais de Esdras e Neemias, pelo que, se esse tivesse sido o propósito do livro, eles o teriam rejeitado. Conforme dizem alguns comentaristas, a possibilidade de uma guerra literária em torno de questões ideológicas é muito duvidosa naquele período tão remoto.55 Concordando com Champlim, Morris diz que “... se o livro fosse realmente uma polêmica contra Esdras e Neemias, a recusa do resgatador ... se basearia, certamente, em que ela era uma moabita. Boaz teria replicado, repudiando tais preconceitos”.56 Não obstante, Mesters trata de forma leviana duas situações diferentes. Em Rute, Noemi adverte Rute a voltar para a casa de sua mãe, mas Rute 54 MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 11 55 CHAMPLIM, R.D. O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 1093 56 MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 225 24
  • 28. decide ir com ela e viver entre seu povo e com seu Deus. Em Esdras, o povo do cativeiro se casa com mulheres da terra, as quais não estavam como Rute decidindo pela terra e pelo Deus de Israel. Mesters diz o que o texto não diz. Quanto à escrita do livro de Rute ser parecida com a de escritores pós-exílicos, já foi dada no capítulo anterior uma lista de palavras arcaicas, que não se encaixariam com uma escrita mais recente. Carlos Mesters propõe para o livro uma mensagem baseada em quatro fatores que mostramos a seguir. 1º. Os nomes dos personagens. Para Mesters, os nomes possuem um sentido escondido. Cada nome revela o que a pessoa é e faz dentro da história, e isso é evidenciado, por exemplo, pelo nome Noemi. Mesters diz que “... dentro da história, Noemi é a imagem do povo”.57 Sobre os nomes dos filhos de Elimelec e Noemi, Malon e Quilion, ele diz: “Israel e Judá ... eles se esqueceram que Deus era o seu Rei e Senhor, e andaram atrás de outros deuses e outros senhores. Por isso, foram ficando Doentes e Frágeis.”58 Os nomes judaicos revelavam algo do caráter da pessoa ou de alguma situação específica de sua vida. Segundo Atkinson, “... na maneira hebraica 57 MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 21 58 Idem, p. 22 25
  • 29. de pensar, saber o nome de uma pessoa é conhecer o seu caráter, conhecer a pessoa”.59 O próprio Deus mudou o nome de pessoas, como de Abrão para Abraão (Gn 17.5) e de Jacó para Israel (Gn 32.28). Em todos os casos, o nome foi mudado depois de algum acontecimento que mudaria a vida e a forma de viver do personagem bíblico. Porém, dizer que o nome dos personagens do livro de Rute representam o povo, como no caso de Noemi, é uma inferência ao texto bíblico, que anula as personagens e a historicidade do livro, reduzindo o livro como a um conto, uma fábula. Não obstante, não podemos saber exatamente a etimologia do nome de Rute e Orfa por serem nomes moabitas e não hebreus. São feitas associações com palavras hebraicas, mas não são conclusivas. 2º. A geografia. Para Mesters, a geografia ajuda o leitor a memorizar a história e também contribui para a dramatização. Mesters divide a história em quatro cenas, nas quais, segundo ele, a geografia revela o verdadeiro centro da história: o retorno para a terra, a casa e a família. As quatro cenas são: 1ª – a família sai de Belém e vai para Moab e volta para Belém; 2ª – Rute sai de casa, de junto de Noemi, vai até o campo e volta para cidade; 3ª – Rute sai de casa, de junto de Noemi, vai até o terreno e volta para casa; 4ª – Booz sai de casa e vai até a porta da cidade e, no fim, volta para casa. Agora tudo se passa dentro da casa de Booz, onde o povo se reúne para festejar o nascimento do filho. 59 ATKINSON, David. A mensagem de Rute. São Paulo: ABU, 1991. p. 34 26
  • 30. Dizer que a geografia ajuda o leitor na memorização e dramatização é correto, mas que ela revela o centro da história é atribuir ao ambiente geográfico peso que ele não tem. 3º. O uso do Antigo Testamento. Para Mesters, quando Rute foi escrito já havia “... uma grande parte do Antigo Testamento”60 e o povo o conhecia praticamente de cor, pois nele encontrava “... o retrato de sua vida e do seu passado”61. Sendo assim, ele presume que o autor de Rute usa o Antigo Testamento para lembrar ao povo sua história, desde o tempo dos juízes (Rt 1.1) até evocar a esperança de um novo rei como Davi (Rt 4.17). Isso fica evidente nas associações que Mesters faz entre frases dos personagens de Rute e a história do povo judeu, como no caso da frase de Boaz à Rute “Você deixou pai e mãe; deixou a terra onde nasceu” (Rt 2.11). Ao comentar esse verso, Mesters diz que “Esta frase lembra Abraão (Gn 12.1). Escolhendo ficar com Noemi, Rute imitou Abraão, tornando-se filha de Abraão, membro do povo de Deus”.62 Considerando que Rute foi escrito no período da monarquia63, o povo já possuía o Pentateuco64, mas não muitos livros bíblicos como Mesters argumenta. 60 MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 14 61 Idem, Ibid. 62 Idem, p. 37 63 Conforme ponto 2.2 deste trabalho 64 Coleção dos cinco primeiros livros da Bíblia: Genesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. 27
  • 31. Em Juízes 2.10, vemos que a geração posterior a Josué “... não conhecia ao Senhor, nem tão pouco a obra que fizera a Israel.” Embora não possamos negar que sempre houve um remanescente fiel no povo de Israel, exemplificado por Boaz que mostrou ter conhecimento da Lei do resgate e das tradições de Israel quando foi à porta da cidade para tratar dos assuntos relacionados ao resgate, o texto de Juízes demonstra que Mesters está errado quando diz que o povo sabia quase de cor o texto bíblico65, 4º. As divisões do livro. Para Mesters, as divisões do livro demonstram “... a situação real do começo e situação ideal do fim ...”66 , i.e., a descrição da opressão, da fome e da miséria em que o povo se encontrava e o desejo de libertação, de um final feliz, com um rei governando em Israel. Cada um das quatro cenas demonstra esse desenvolvimento para a reconstrução do povo. 1. O Quadro Inicial - descreve a situação real do povo 2. A Caminhada da Reconstrução do Povo 1º. Passo – atraída pela Boa Notícia da visita de Deus ... Noemi decide voltar para a terra 65 MESTERS, Carlos. Op Cit. p. 14 66 Idem, p. 15 28
  • 32. 2º. Passo – Rute toma a iniciativa de catar a sobra da colheita 3º. Passo – Booz se compromete a cumprir a lei do resgate 4º. Passo – Booz cumpre a lei do resgate 3. O quadro Final – descreve o nascimento do filho ... nele o problema do povo começa a ser resolvido 4. Apêndice - genealogia de Davi. A crítica que fazemos não diz respeito ao esboço do livro em si. A questão é como Mesters usa esse esboço no seu comentário. Para cada parte do esboço, ele sugere uma associação ao povo pós-exílico. Em seguida, faz uma ponte entre os problemas do povo pós-exílico e os problemas do povo atual. Um exemplo do que acabamos de dizer está no terceiro passo do seu livro, quando Mesters comenta sobre o fato de Boaz cumprir a lei do resgate. Sua relação entre os fatos e a lei judaica é bem feita. Noemi não tinha outros filhos e nem mais poderia ter para que se cumprisse a lei do levirato para Rute; precisavam portanto, da lei do resgate e Boaz se propõe a cumprir a lei. Mas sua aplicação desse fato bem colocado é que a “... família de Noemi era a imagem do povo sofredor daquele tempo [pós-exílico]. Como a família de Noemi, assim as famílias dos pobres viviam desintegradas, incapazes de se defender conta a ambição dos ricos. Eram 29
  • 33. obrigados a vender suas terras, seus filhos e suas filhas (Ne 5,1-5)”.67 Conforme já mencionamos anteriormente, essa ligação do livro de Rute a uma resposta às sanções de Esdras e Neemias é insustentável. A ponte feita por Mesters entre Rute e Esdras/Neemias e sua aplicação aos pobres da época pós-exílica é fruto do sistema ideológico adotado previamente por ele, mas não encontra base contextual. Conforme mencionado anteriormente, a posição hermenêutica de Mesters destaca-se em seu comentário sobre a trama de Noemi e Rute para mostrar a Boaz que este deveria ser o resgatador de Noemi e, conseqüentemente, de Rute. Para Mesters, Noemi usa da história do povo para preparar seu plano. Em suas palavras, Noemi “ ... se inspirou na história de Tamar ... esposa do filho mais velho de Judá [a qual] se fez por prostituta para obrigar o sogro a cumprir a lei ...”68. Com isso, Mesters invalida a ação de Deus na história. A essa altura, devemos lembrar que o texto bíblico não diz nada a respeito de relação sexual, como Mesters insinua ao estabelecer uma ligação entre do plano de Noemi e Rute com o plano de Tamar, que manteve relações sexuais com seu sogro para que a lei do levirato fosse cumprida (Gn 38). O pedido de Rute para que Boaz a cubra com seu manto (no hebraico @n"K' “asa”), pode referir-se à expressão de Boaz no capítulo 2.12, quando ele diz para Rute que deseja que Deus a recompense, o Deus sobre cujas asas ela 67 MESTERS, Carlos. Op. Cit. p. 43-44 68 Idem, p. 45 30
  • 34. procurou refúgio. A palavra hebraica nos dois versículos é a mesma. Carlos Osvaldo Pinto, falando sobre a reputação de Rute, lembra que no capitulo 3.11 “… o caráter de Rute é vindicado e ela é identificada como uma lyIx:ß tv,aîe [´ëšet Hayil] (3.11)”. 69 Fora isso, o fato de Boaz mandar embora Rute bem cedo é também para que a imagem e a moral da moça não ficassem manchadas. Uma outra possibilidade é que o pedido de estender o manto seja o próprio pedido de casamento que Rute fez a Boaz. Nessa linha de pensamento, Morris diz que essa metáfora também é usada posteriormente, em Ezequiel 16.8 “... para tomar alguém em casamento”.70 3.4. Influência da posição hermenêutico-teológica na abordagem pragmática Conforme já dito acima, a obra de Carlos Mesters faz uma boa contextualização e seu objetivo de aplicar o texto bíblico ao povo brasileiro é digno de ser mencionado e de ser modelo para comentários que não o fazem. Contudo, suas pressuposições teológicas da libertação dirigem todo seu trabalho e deturpam suas aplicações. Seu desejo de situar o livro no período pós-exílico faz com que seu trabalho transforme o livro de Rute num conto folclórico para debater ideologias políticas e religiosas, perdendo o foco do livro de mostrar a soberana intervenção de Deus na vida de Seu povo. Mesmo que houvesse sustentação para o pensamento de datação pós-exílica, a intervenção de Deus não é levada em conta de forma objetiva, 69 PINTO, Carlos Osvaldo C. Op. Cit. p. 247 70 MORRIS, Leon. Op. Cit. p. 273 31
  • 35. pois a solução final de Mesters para o problema de Noemi e Rute deu-se por meios ilícitos, transformando Rute numa promíscua e deixando de considerar o valor moral que o próprio texto atribui a Rute, uma mulher de valor lyIx:ß tv,aîe Apesar das contribuições positivas, o livro deturpa o contexto, a historicidade, a hermenêutica e, conseqüentemente, a aplicabilidade para a atualidade. 32
  • 36. 4. ABORDAGEM EXEGÉTICA Entende-se aqui por abordagem exegética a práxis hermenêutica que busca o sentido original do texto valendo-se do contexto histórico, da língua original e de princípios hermenêuticos. De acordo com Zuck, “O objetivo da exegese bíblica é descobrir o que o texto diz e quer dizer, e não atribuir-lhe outro sentido”.71 4.1. Joyce Elizabeth W. Every-Clayton Joyce Elizabeth W. Every-Clayton nasceu em 1944 na Irlanda do Norte. É geógrafa e também formada em teologia pela Universidade de Londres e pelo London Bible College (agora London School of Theology). Desde 1973, trabalha no Brasil como missionária da Latin Link (antigamente chamada União Evangélica Sul Americana). Reside em Recife e leciona Antigo Testamento e História Eclesiástica no Seminário Congregacional e no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, onde concluiu mestrado e doutorado. Também leciona na Escola de Missões Transculturais da JUVEP (Juventude Evangélica Paraibana) as matérias Missões no Antigo 71 ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1994. p.114 33
  • 37. Testamento e História de Missões. É conferencista nas áreas de teologia e missões por todo o Brasil. Sua obra analisada é Rute, da série Em Diálogo com a Bíblia, lançada pela editora Encontrão em 1993. 4.2. Panorama da obra A autora faz um bom trabalho ao comentar cada parte do livro de Rute. Sua preocupação não está em ser exaustiva, mas em mostrar o desenvolvimento da narrativa a cada nova cena. Para Every-Clayton, Deus está presente em toda a história, de forma direta ou indireta. Ela diz que “Marcante ... é a descrição da maneira de Deus agir, ora direta, ora indiretamente. Cada capítulo destaca uma ação direta de Deus – às vezes não passa de uma mera coincidência – e uma indireta, mediada por seres humanos”.72 Every-Clayton faz uma pequena introdução no seu trabalho, abordando de forma sucinta questões como autoria, estrutura literária e contexto histórico do livro. Ela situa a história narrada no livro no período dos juízes, e diz que seu autor desconhecido é da época do início da monarquia. Sua obra é dividida em quatro capítulos e cada um deles discorre sobre um capítulo do livro de Rute. Isso ajuda o leitor a fazer uma ponte entre o que a autora está comentando e o livro de Rute, pois mantém as divisões do texto 72 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 11-12 34
  • 38. bíblico. Um recurso usado pela autora para ajudar na memorização e no desenvolvimento do pensamento do livro é dividir os capítulos em trechos e, em alguns deles, criar quiasmas. Every-Clayton revela uma preocupação de que seu trabalho seja aplicativo aos leitores brasileiros, em especial aos que moram no Nordeste, local onde ela reside e ministra. Contextualizando o problema da fome e migração do início do livro de Rute, ela diz que “Ainda hoje, a fome freqüentemente obriga um grupo a mudar-se – o nosso Nordeste que o diga! Fotografias de flagelados magros, retirantes doentes e encurvados fazem parte do cotidiano do nosso século”73. Outra frase expressa essa preocupação: A dolorosa realidade descrita nesse prelúdio [os quatro versos iniciais do livro de Rute] já foi vivenciada muitas e muitas vezes por nosso povo, mais particularmente nas regiões sujeitas a secas periódicas. Temos Severinos e Severinas sem fim vivendo ‘vidas secas’ nos vastos sertões: e tentando a todo custo manter viva uma fé em Deus, apesar das dores e duvidas.74 Sua habilidade no fazer algumas perguntas orientadoras para nortear a contextualização e a aplicabilidade do livro ajuda a manter o desenvolvimento do raciocínio de forma clara: Como é que nos relacionamos com Deus? Como entender os caminhos de Deus? Quais são os fatores que promovem relacionamentos interpessoais feliz e duradouros? Como é que se enfrenta problemas de miséria, de fome? É possível conhecer e fazer a vontade de Deus num mundo pecaminoso? É possível viver com integridade pessoal nesse mundo?75 73 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 14 74 Idem, p.17 75 Idem. p.11 35
  • 39. Em algumas situações, a autora induz a imaginação do leitor com base em fatos que ela não afirma por não haver base textual. Um exemplo disso é seu comentário sobre o verso quatro do capítulo primeiro quando os filhos de Noemi casam-se com mulheres moabitas. “Há aqui um contraste com Gn 24, e podemos imaginar Noemi um tanto nervosa quando os jovens não seguiram a orientação de Abraão, que insistiu em buscar uma esposa para Isaque entre sua própria parentela...”76 (grifo pessoal). Em outros momentos, ela levanta argumentos, como por exemplo o de uma autoria feminina, mas nunca afirma aquilo para o qual não há base textual ou histórica. No geral, embora a autora deixe algumas questões em aberto como as acima mencionadas, a qualidade e fidedignidade do comentário é sustentada pelo seu trabalho hermenêutico. 4.3. Identificação e validação da posição hermenêutico- teológica do autor Na identificação da sua posição hermenêutico-teológica, ressaltamos a preocupação da autora com o sentido original do texto, considerando o contexto histórico da narrativa, o estudo da língua original e os princípios hermenêuticos. Buscar o sentido original do texto é identificar o significado do texto para o autor e para o seus leitores imediatos, i.e., as primeiras pessoas que teriam 76 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p.16 36
  • 40. acesso ao escrito. Uma evidencia dessa preocupação é sua afirmação de que “nos dias em que os juízes governavam [que] sinaliza que no livro de Rute temos uma retrospectiva histórica.”77. Com isso, Every-Clayton procura situar, assim como fez o autor original, seus leitores num contexto e situação particular, possibilitando entrar na história como os primeiros leitores fizeram. Outra forma de percebermos essa busca é a investigação feita em documentos antigos como o Talmude e a citação de Campbell do manuscrito armênio78 sobre o livro de Rute. Com isso, Every-Clayton procura saber como os rabinos e interpretes antigos entendiam o livro de Rute. Quando situa a narrativa no período dos juízes, Every-Clayton não atesta somente sua preocupação em buscar o sentido original, mas também em identificar corretamente o contexto histórico. Desta forma, a autora pode criar uma ponte hermenêutica entre a realidade dos leitores antigos e a dos leitores atuais. Conforme apresentado no ponto anterior, Every-Clayton faz um comentário simples, porém suficientemente completo, sobre todas as cenas e desdobramentos do livro de Rute, preocupando-se, sempre que possível, com aplicar ao contexto do Nordeste brasileiro. Em resumo, sua obra leva em conta a historicidade do livro e vale-se das regras gerais de hermenêutica para criar as pontes entre o texto bíblico, seu tempo e os leitores atuais. 77 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p.13 78 Idem, p. 34 37
  • 41. A preocupação com a boa hermenêutica reflete-se também na identificação da mensagem do autor original afinal, como ela mesma diz, o tema de Rute “...tem a ver com a ação de Deus durante o período dos juízes”.79 Com esta frase, Every-Clayton mostra considerar não somente o contexto histórico, mas a linha mestra de pensamento que o fundo histórico transmitiu ao leitor original e transmite a todos nós hoje. Quanto ao estudo da língua original, destacamos na obra de Every- Clayton duas situações em que se torna evidente o estudo da língua hebraica. A primeira diz respeito à ligação da estrutura literária da introdução à do epílogo do livro de Rute. Every-Clayton comenta que “... esses versículos não somente levantam questões angustiantes; eles abrem um cenário maior. Suas setenta e uma palavras no hebraico são paralelas às setenta e uma palavras da narrativa final do livro (4.13- 17). Comparando estas duas passagens percebemos um paralelismo ...”80. A segunda situação é o uso da frase em Rute 1.6 “...o SENHOR tinha visitado ...” (grifo pessoal), que ocorre em textos onde que existe uma declaração clara do poder de Deus. Ela ilustra isso com duas passagens. A primeira, Gênesis 21.1, onde “O Senhor foi gracioso [hebr. Visitou] a Sara, como tinha dito, e fez por 79 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p 11. 80 Idem, p. 17 38
  • 42. ela o que havia prometido”, exemplifica o aspecto individual. A segunda, Êxodo 2.24 quando Deus diz “... vos tenho visitado”81, exemplifica o aspecto nacional. Como exemplo do bom trabalho hermenêutico, ressalta-se o capítulo três da obra de Every-Clayton, em que ela discorre sobre a trama de Noemi e Rute para declarar a Boaz que este era resgatador. A autora começa explicando toda a orientação que Noemi dá a Rute, desde como se aprontar para o encontro como também o que fazer durante o encontro: Tem-se notado a semelhança entre as situações de Noemi quanto preparação de Rute com a preparação da noiva para o casamento naqueles dias. Mas as providências recomendadas não se limitavam necessariamente ao dia do casamento (apesar da ênfase nisso em Ez 16.8-13) e nem tampouco são, por si só, sinais de promiscuidade ou imoralidade.82 Every-Clayton procura demonstrar logo no inicio de seu comentário sobre este texto as intenções de Noemi e Rute, valendo-se de como Rute é tratada como uma mulher virtuosa83. Mais adiante, diz que “Certamente, porém, justificar promiscuidade ou prostituição a partir deste texto é não conseguir captar o que ele pretende. E a menção explícita ao início do relacionamento sexual entre os dois só [aparece] em 4.13 ...”84. 81 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 18 82 Idem, p. 52 83 Já explicado no capítulo três deste trabalho. 84 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 53 39
  • 43. 4.4. Influência da posição hermenêutico-teológico na abordagem exegética Ao longo de todo o comentário de Every-Clayton, podemos observar que o trabalho de situar o livro dentro de seu contexto, bem como a busca da interpretação correta pelo uso da língua original e a pesquisa nos antigos interpretes, fazem com que a obra tenha um precioso valor tanto interpretativo como de aplicação atual. O estudo da genealogia no capítulo quatro é um exemplo de como seu estudo hermenêutico influencia sua percepção teológica. Em lugar de uma contextualização histórica atual, a autora busca um entendimento focado na época da narrativa. Falando sobre as bênçãos pronunciadas pelas testemunhas do casamento (Rt 4.11-12), ela escreve: “Como estas humildes testemunhas do casamento conheciam bem o Antigo Testamento, sabendo aplicá-lo à situação presente!”.85 Em contraste com Carlos Mesters, cuja abordagem é fruto de um sistema ideológico-político, e com os autores que veremos a seguir, cujas abordagens são frutos de uma leitura interior e de sua posição escatológica, Every- Clayton defende a percepção histórica conservadora. Nas suas próprias palavras: Essa percepção histórica não deixa de ser uma percepção teológica pois esses versículos insistem na continuidade da revelação de Deus. O livro de Rute não é uma mera história bonita, de uma pobre estrangeira que 85 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 76. 40
  • 44. encontrou seu príncipe encantado. Nem tampouco é uma simples parábola ensinando acerca de Deus e Seu amor e cuidado por Seu povo, e nem ainda um tratado político ou polêmico. O livro é, acima de tudo, o relato da ação salvífica do Deus que intervêm na história humana fazendo convergir vidas sim, mas, o que é mais importante, fazendo convergir em vidas Seu próprio propósito último, a salvação. O livro não é uma mera dramatização dessa salvação – é o próprio registro dela.86 Ao descobrir por meio da exegese o sentido original do texto, torna- se possível uma correta hermenêutica e uma aplicação relevante. Visto que para Every-Clayton a ação de Deus permeia todos os acontecimentos narrados no livro e constitui-se no próprio tema do livro, ela conduz o leitor a olhar suas situações à luz da perspectiva divina, e não da contextualização histórica atual. 86 EVERY-CLAYTON, Joyce. Op. Cit. p. 76 41
  • 45. 5. ABORDAGEM DEVOCIONAL Entende-se aqui por abordagem devocional a dedicação ao estudo da Palavra de Deus com a preocupação de ser aplicativo primeiramente a si e depois aos seus leitores. A abordagem devocional tem sido muito mal utilizada e entendida, conforme nos diz Jay Adams: Quando as pessoas mencionam um estudo devocional da Bíblia, não sei o que estão querendo dizer. Receio que freqüentemente queiram dizer: ‘Vou fechar minha mente para aquilo que a passagem possa significar ou que todos os comentários possam me ajudar a entender. Vou me limitar a permitir que as palavras penetrem lentamente em meu ser, e então filtrar algo que possa ser útil para mim. Seja ou não aquilo que Deus tencionava de fato dizer, de alguma maneira me fará bem.(grifo próprio)87 5.1. Ricardo Gondim Rodrigues Ricardo Gondim Rodrigues é formado em administração de empresas. Estudou teologia no Genesis Training Center em Santa Rosa, Califórnia. Pastoreou a Igreja Evangélica Assembléia de Deus Betesda em Fortaleza de 1982 a 1991. Atualmente, pastoreia a Igreja Betesda em São Paulo e é também presidente nacional da Assembléia de Deus Betesda e presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. É evangelista, conferencista e escritor. 87 ADAMS, Jay E. A interpretação da Bíblia e o aconselhamento. In Coletâneas de aconselhamento bíblico. v.2 Atibaia: SBPV, 2000. p. 9. 42
  • 46. Ricardo Gondim tem adotado uma posição hermenêutico-teológica que é criticada por vários teólogos brasileiros, a teologia relacional, que considera a concepção tradicional de Deus como inadequada. De acordo com Augustus Nicodemus, seus pontos principais são: 1. O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas. 2. Deus não é soberano. Só pode haver real relacionamento entre Deus e suas criaturas se estas tiverem, de fato, capacidade e liberdade para cooperarem ou contrariarem os desígnios últimos de Deus. Deus abriu mão de sua soberania para que isto ocorresse. Portanto, ele é incapaz de realizar tudo o que deseja, como impedir tragédias e erradicar o mal. Contudo, ele acaba se adequando às decisões humanas e, ao final, vai obter seus objetivos eternos, pois redesenha a história de acordo com estas decisões. 3. Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e não fora dele. Ele aprende com o passar do tempo. O futuro é determinado pela combinação do que Deus e suas criaturas decidem fazer. Neste sentido, o futuro inexiste, pois os seres humanos são absolutamente livres para decidir o que quiserem e Deus não sabe antecipadamente que decisão uma determinada pessoa haverá de tomar num determinado momento. 4. Deus se arrisca. Ao criar seres racionais livres, Deus estava se arriscando, pois não sabia qual seria a decisão dos anjos e de Adão e Eva. E continua a se arriscar diariamente. Deus corre riscos porque ama suas criaturas, respeita a liberdade delas e deseja relacionar-se com elas de forma significativa. 5. Deus é vulnerável. Ele é passível de sofrimento e de erros em seus conselhos e orientações. Em seu relacionamento com o homem, seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que ele gostaria. 6. Deus muda. Ele é imutável apenas em sua essência, mas muda de planos e até mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele muda de acordo com as decisões de suas criaturas, ao reagir a suas próprias decisões. Os textos bíblicos que falam do arrependimento de Deus não devem ser interpretados de forma figurada. Eles expressam o que realmente acontece com Deus.88 Desde a década de noventa, Gondim vem sendo criticado por sua posição teológica, embora ele tenha se posicionado mais abertamente nos últimos 88 http://www.teologiabrasileira.com.br/Materia.asp?MateriaID=140, acessado em out/2008. 43
  • 47. anos. Talvez seu texto mais criticado seja Quem Deus ouviu primeiro?89, em que ele defende os pontos acima relacionados que caracterizam a teologia relacional. Sua obra analisada é Creia na Possibilidade de Vitória, publicado pela editora Abba em 1995. 5.2. Panorama da obra Ricardo Gondim procura no livro de Rute “... princípios norteadores para o homem enfrentar adversidades e reverter situações que, aparentemente, arrasariam qualquer vida. A despeito de qualquer dificuldade, o livro de Rute ensina que, com a ajuda de Deus, o homem pode ser vitorioso”.90 Antes de iniciar as aplicações do texto, ele apresenta quatro princípios gerais: (1) Quando a sua visão do todo estiver pessimista, tire os olhos do macro e ponha-os no micro; (2) A vida das mulheres retratadas em Rute mostra a possibilidade do amor; (3) Deus é sábio, poderoso e bom o suficiente para transformar os desastres de nosso viver em vitória, e (4) Podemos viver, não apenas sobreviver, mesmo nas circunstancias mais adversas91. 89 O texto pode ser lido na íntegra em HTTP://www.ricardogondim.com.br, acessado em out/2008. Um exemplo de crítica foi feita por Eros Pasquini e pode ser lida na íntegra no endereço http://www.monergismo.com/textos/sofrimento/tsunami_gondim_eros.htm#1n, acessado em out/2008. 90 RODRIGUES, Ricardo G. Creia na possibilidade da vitória: o que o livro de Rute ensina sobre o sucesso. São Paulo: Abba, 1995. p. 5. 91 Idem, p. 7-11. 44
  • 48. Ricardo Gondim situa o livro no período dos juízes de Israel, um período de anarquia, onde não havia rei. Ele destaca corretamente que a terra era constantemente invadida e os povos vizinhos escravizavam, roubavam e destruíam os israelitas. Os juízes não conseguiam congregar a nação e formar um governo de união. Como povo destruído e sem líder, cada um fazia o que parecia correto aos próprios olhos. Num quadro caótico como o descrito acima, Rute surge como uma espécie de “... refrigério, de sopro suave, de calma e bonança, no meio de um delírio de tempestade”.92 Os capítulos da obra não seguem a ordem de divisão do livro de Rute, mas decorrem do desejo de Ricardo Gondim salientar uma ou outra lição em um determinado trecho do texto bíblico. O autor subdivide cada capítulo de sua obra em princípios práticos, com frases curtas de fácil memorização. Ponto positivo é que a linguagem é clara e prática, com um português de fácil entendimento para qualquer público. O terceiro capítulo de sua obra, que recebe o título do livro, resume todo seu trabalho: Uma maneira de sintetizar o livro de Rute é apresentá-lo como a história de uma família que recomeçou das cinzas, de alguém que acreditou na possibilidade de reconstruir, de retornar a vida ... Como Rute retoma a caminhada, a partir dos pedaços, desponta como grande lição desta crônica bíblica.93 92 RODRIGUES, Ricardo G. Op. Cit. p. 6 93 Idem, p. 35-36. 45
  • 49. Aparentemente, a proposta de Ricardo Gondim é ilustrar a novela da vida a partir da novela de Rute. Não negamos que a história de Rute revela uma reviravolta na vida pessoal e familiar das personagens, uma caminhada pelos problemas comuns à época da narrativa e à vida contemporânea. O que falta na síntese de Gondim é a percepção teológica da atuação soberana de Deus intervindo em toda a história pessoal e nacional narrada e a resposta de fé dos personagens a esse Deus que expressa sua ds,x, (hesed) e nos chama a expressá-la em nossos relacionamentos. 5.3. Identificação e validação da posição hermenêutico- teológica do autor. Embora Ricardo Gondim situe o livro em seu contexto histórico, a base de seus comentários não leva em conta nem a historicidade do livro nem o estudo da língua original. Os versículos do livro de Rute são inseridos no comentário de forma ilustrativa e não como base de desenvolvimento lógico para uma ponte hermenêutica entre os acontecimentos narrados e a vida cotidiana do leitor contemporâneo. Um exemplo do que foi dito acima é o capitulo quatro: Semeando e colhendo bênçãos. O texto de Rute 2.8-23 é transcrito como introdução. Após a transcrição, Ricardo Gondim começa a contar três experiências pessoais: a primeira sua e de sua família, a segunda de um seminarista amigo seu e a terceira do pastor Ottis Skinner. Os testemunhos pessoais são adequados, mas o texto bíblico não é 46
  • 50. trabalhado em momento algum. Não há uma exposição da Bíblia, mas apenas quatro ilustrações, sendo que a primeira é o próprio texto bíblico. Conforme já dito, o livro bíblico torna-se uma novela que ilustra a novela da vida. Após os três testemunhos, Ricardo Gondim desenvolve a Lei da semeadura e da colheita, fazendo uma paráfrase às palavras de Boaz a Rute no verso onze: “Tu plantaste, está na hora de colher, Rute”.94 Isso é tudo quanto podemos encontrar de comentário sobre o texto do livro de Rute. Ricardo Gondim levanta uma questão que abordaremos no capítulo seguinte deste trabalho: a questão da tipologia no livro de Rute. Para ele “Boaz é tão extraordinário no Antigo Testamento que, todos concordam que Boaz é um símbolo do Antigo Testamento, da pessoa de Jesus Cristo.”95 Conforme feito nas duas abordagens anteriores, o texto escolhido para uma analise da hermenêutica é o capítulo três de Rute, a trama de Noemi e Rute para anunciar a Boaz que ele é o resgatador que as duas procuram. Ricardo Gondim trata desse texto no capítulo cinco de sua obra: Como ser extraordinário. Inicialmente, ele conta duas histórias e depois comenta o fato de que Boaz era um homem “... cujo exemplo de vida, cujo testemunho de história, nos mostra essa qualidade [de alguém cujo o mundo não é digno conf. Hb 11.38] de gente”.96 Ricardo Gondim passa então a explicar o que faz de Boaz uma pessoa extraordinária. 94 RODRIGUES, Ricardo G. Op. Cit. p. 50 95 Idem, p. 63. 96 Idem, Ibid. 47
  • 51. Alguns questionamentos naturais do texto são sanados, como o ato da noite na eira e a vindicação da integridade. Porém, não é vindicada a integridade de Rute, mas a de Boaz. Segundo Gondim, Boaz teria uma “... boa desculpa para ele passar as mãos nas pernas de Rute. Que boa desculpa para se aproveitar dela sexualmente. Bebeu vinho, que álibi poderoso! Mas ele age com integridade com aquela mulher, dentro de sua própria casa”.97 No trabalho de Gondim, não há referências ao estudo da língua original nem tampouco o contexto histórico é levantado como significativo para os comentários práticos. Um exemplo disso é o fato de Gondim provar a integridade de Boaz ignorando, na situação que acabamos de citar, que a eira era um espaço público e não a casa de Boaz. Ao longo de todo o livro, podemos perceber apenas a tendência de usar as narrativas de Rute para estabelecer uma ponte com a vida do leitor. 5.4. Influência da posição hermenêutico-teológico na abordagem devocional. Por usar o livro de Rute para ilustrar situações e promover emoções nos leitores de sua obra, Ricardo Gondim não revela uma posição hermenêutico- teológica clara. Podemos perceber em sua obra o reflexo de suas palavras: Redirecionei minha leitura bíblica. Mais do que saber os detalhes exegéticos ou técnicos, ansiei que a Palavra me levasse a uma relação mais íntima com 97 RODRIGUES, Ricardo G. Op. Cit. p. 64. 48
  • 52. Deus. Reli a Bíblia de capa a capa, procurando o coração paterno de Deus. Dialoguei com pessoas que tratam da Espiritualidade Clássica. Recompus minha vida devocional. Aprendi sobre oração contemplativa e redescobri a meditação bíblica. Devorei alguns clássicos como "A Imitação de Cristo" de Tomás de Kempis, "A Volta do Filho Pródigo" de Henry Nowen, "A Montanha dos Sete Patamares" de Thomas Merton e o "Schabat" de Abraham Joshua Heschel. Eles e outros se tornaram meus mentores nessa nova busca interior.(grifo pessoal)98 Quero tão somente que meu texto destile verdade, mesmo confusa, infantil, tosca, mas que espelhe a integridade de minha alma (grifo pessoal)99 No que se propõe a ser – um comentário devocional que procura mostrar, a partir de Rute, princípios para uma vida de vitória – o autor não distorce o texto, mas também não se dedica ao trabalho hermenêutico. 98 http://palavrasdevida.wordpress.com/2006/02/25/quero-ser-mais-humano/, acessado em out/2008. 99 HTTP://ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&form_search=&pg=1&id=1 920, acessado em out/2008. 49
  • 53. 6. ABORDAGEM TIPOLÓGICA Entende-se aqui por Abordagem Tipológica o estudo dos tipos e antítipos estabelecendo ligação entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. É evidente que alguns textos bíblicos estabelecem legitimamente este tipo de relação, mas os teólogos que enfatizam a abordagem tipológica costumam aplicá-la de maneira indiscriminada. Zuck nos dá um exemplo dos absurdos feitos por aqueles que valem-se dessa abordagem, mostrando como são interpretadas as dobradiças das portas do Templo de Salomão, as quais supostamente “... representam as duas naturezas de Cristo”.100 O estudo tipológico é um princípio hermenêutico válido e essencial para entendermos algumas passagens principalmente do Antigo Testamento. Zuck nos diz que o estudo tipológico “... nos permite enxergar o traçado divino da história, pelo fato de ele [Deus] escolher pessoas, acontecimentos e elementos de Israel para retratar e predizer aspectos de Cristo e seu relacionamento com os crentes de hoje”.101 O estudo da tipologia revela sombras deixadas no Antigo Testamento que foram reveladas de forma clara no Novo Testamento. Um exemplo disso são as 100 ZUCK, Roy B. Op. Cit. p. 197 101 Idem, p. 212 50
  • 54. palavras de Jesus em João 3.14-15 “... do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna”. A hermenêutica adota os seguintes critérios para validar a tipologia: (1) a semelhança entre o tipo e o antítipo; (2) a realidade histórica – o tipo deve surgir naturalmente do texto, cf. Hebreus 8.5; (3) a prefiguração, i.e., num tipo autentico, a correspondência ou semelhança precisa conter o aspecto de predição, prefiguração do antítipo; (4) elevação, i.e., o antítipo é superior ao tipo; (5) o planejamento divino, i.e., não são meras analogias, mas são semelhanças planejadas por Deus, fazendo que com os tipos tenham forte valor apologético; (6) os tipos devem ser identificados como tais no Novo Testamento.102 Este último critério é de extrema importância para que não haja exageros nas interpretações tipológicas. As vários personagens e as situações narradas no Antigo Testamento devem ser entendidas como tipos se o Novo Testamento assim o afirmar. Se isso não ocorrer, concordamos em encontrar semelhanças, mas não podemos afirmar claramente que são tipos. Existe uma forte tendência em confundir a hermenêutica tipológica com a alegorização. Contudo, “... a tipologia é a busca de vínculos entre os eventos históricos, pessoas ou coisas dentro da história da salvação; o alegorismo é a busca 102 ZUCK, Roy B. Op. Cit. p 200-207. 51
  • 55. de significados secundários e ocultos que sublinham o significado primário e óbvio da narrativa histórica”.103 6.1. Norbert Lieth Norbert Lieth, suíço, é diretor da Chamada da Meia-Noite Internacional. Suas mensagens têm como tema central a Palavra Profética, ou seja, as profecias escatológicas do Antigo e Novo Testamentos. Logo após sua conversão, estudou na Escola Bíblica da Chamada da Meia-Noite no Uruguai, onde ficou até concluir seus estudos. Por alguns anos, trabalhou como missionário na Bolívia. Mais tarde, iniciou a divulgação da literatura da missão na Venezuela, onde permaneceu até 1985. Nesse ano, voltou à Suíça e é o principal preletor nas conferências da Missão na Europa. É autor de vários livros publicados em alemão, português e espanhol. Sua obra analisada é Rute à Luz do Plano de Salvação, publicada pela editora Chamada da Meia Noite em 2000. 6.2. Panorama da obra Na obra de Norbert Lieth não há uma introdução ao livro de Rute. Questões como contexto histórico, língua original ou debates a respeito do texto bíblico não são sequer enunciadas. Norbert Lieth faz um prefácio onde explica sua 103 VIRKLER, Henry A. Hermenêutica avançada: princípios e processos de interpretação bíblica. São Paulo: Vida, 1999. p. 142. 52
  • 56. abordagem nas palavras abaixo, que comentaremos no início do ponto seguinte do trabalho: Neste livro interpretei alegoricamente os personagens do livro de Rute e as circunstâncias em que viveram... A alegoria não leva em conta todos os aspectos do assunto, mas apresenta pensamentos de forma figurada para ensinar uma lição ou iluminar uma verdade, ou apenas um aspecto da verdade. ... o leitor, por sua vez, não deveria perder de vista que uma aplicação alegórica é simbólica e deve ser entendida como tal. Pois um símbolo não pode transmitir todas as facetas do original.104 Após esse prefácio, a obra começa a fazer aquilo a que se propõe: tratar de forma alegórica o texto bíblico. Para isso, Norbert Lieth divide seu trabalho em cinco capítulos que tratam os seguintes temas: (1) a dispersão e restauração de Israel, simbolizados pela família de Elimeleque; (2) a posição do cristianismo nominal em relação a Israel, simbolizado por Orfa; (3) a eleição da Igreja e sua posição em relação a Israel, simbolizado por Rute; (4) o arrebatamento, simbolizado pelo descanso de Noemi, e (5) a vinda de Cristo para restaurar Israel, simbolizado pela herança de Noemi. O livro permanece fiel à proposta inicial do autor. Seu pensamento e desenvolvimento são claros, e são usadas várias fotos ilustrativas para ajudar o leitor a entrar na cena. 104 LIETH, Norbert. Rute à luz do plano de salvação. Porto Alegre: Chamada da Meia Noite, 2000. p. 7 53
  • 57. 6.3. Identificação e validação da posição hermenêutico- teológica do autor. Norbert Lieth anuncia de forma clara sua posição no prefácio que faz da obra. A sua intenção é criar uma alegoria com os personagens de Rute, usando da hermenêutica tipológica para alcançar seu objetivo. Sendo assim, o sentido autoral do texto não é buscado nem são levados em conta os princípios hermenêuticos como contexto histórico-cultural ou língua original. Usando o princípio hermenêutico da tipologia, Norbert Lieth chega a conclusões completamente estranhas ao texto bíblico. Suas aplicações simbólicas, como ele mesmo adverte, impedem que o livro de Rute seja entendido pelo seu leitor em seu todo. Seu trabalho não é um comentário, mas uma tentativa de impor sua posição teológica à história narrada. Na primeira alegoria, o autor trabalha a saída de Elimeleque e sua família da terra de Belém para as terras de Moabe. Segundo Norbert Lieth, “Na pessoa de Elimeleque vemos figuradamente duas situações: (1) a queda e (2) a dispersão de Israel”.105 Elimeleque saiu de Belém, a casa do pão, local onde mais tarde nasceu o pão da vida, Jesus Cristo. O povo judeu rejeitou o pão da vida, que nasceu em Belém, a casa do pão, e por isso teve fome espiritual. Quanto à dispersão e sofrimento, ele diz que “esse trecho [saída de Elimeleque de Belém] representa 105 LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 11 54
  • 58. simbolicamente a tragédia e o sofrimento dos judeus na Diáspora (Dispersão)”.106 Os judeus andaram errantes por 1900 anos, sem terra, sem pátria, espalhados pelo mundo. Elimeleque rejeitou a terra que Deus havia concedido ao Seu povo quando saiu de Belém para Moabe. Sua decisão foi pessoal, diferente dos judeus na dispersão, que saíram de sua terra pela atuação de Deus na história. Não faz sentido a relação que Norbert Lieth faz da saída de Elimeleque com a história vivida pelos judeus até 1948, quando Israel torna-se novamente um Estado. Essa história foi vivenciada por toda a nação, diferente de Elimeleque que sai somente com sua família. A segunda alegoria baseada na tipologia trabalha a figura de Orfa, que simboliza o cristianismo nominal. Norbert Lieth diz que “na vida dessas duas moabitas, Orfa e Rute, o Senhor nos dá simbolicamente uma visão profunda do Plano de Salvação ... Rute e Orfa são, segundo o meu entendimento, representações do cristianismo verdadeiro e do falso cristianismo”107. Orfa, que segundo Lieth significa nuca, demonstra a dureza e teimosia dos cristãos que não querem obedecer a Cristo. Quando Noemi revelou as possíveis dificuldades do caminho e da vida em Belém, ela deu as costas e voltou para o seu povo e o seu deus. Assim, Orfa 106 LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 18. 107 Idem, p 28. 55
  • 59. simboliza o cristianismo nominal, que constantemente dá as costas a Deus e anda por caminhos contrários ao cristianismo. Outra questão levantada por Norbert Lieth na alegoria de Orfa é que ela só decide deixar Noemi quando esta resolve voltar para Israel. Com isso, o autor discorre sobre o fato de muitas nações serem contrárias ao plano de Deus para com Israel, incluindo as nações chamadas cristãs. Segundo o autor, “Grande parte dos povos considerados cristãos o são nominalmente. Por isso, eles são incapazes de entender o plano de Deus com Israel”.108 Mais adiante, ele diz que “da mesma forma [que Orfa deu as costas para Noemi], poucos cristãos permanecem decididamente ao lado de Israel desde a fundação do Estado e desde o início do retorno dos judeus à sua terra, e poucos reconhecem que é tempo de colheita”.109 Para ter o antítipo no Novo Testamento, Norbert Lieth usa a história do centurião romano em Lucas 7.1-6. Segundo ele, esse centurião romano “...atravessou a fronteira, posicionando-se de maneira positiva em relação a Israel”.110 Dizer que Orfa é um tipo do cristianismo nominal implica dizer que ela havia se convertido ao Deus de Israel, o que o texto bíblico não afirma. Norbert Lieth é confuso em esclarecer se as pessoas que desistem no caminho realmente tomaram uma decisão ao lado de Deus. Ele diz que Orfa “... representa os muitos cristãos que só chegam até a fronteira e, no momento do desafio decisivo, desviam- 108 LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 31. 109 Idem, p. 33. 110 Idem, p. 35. 56
  • 60. se e mostram a dureza do seu coração ...”111. Se assim for, essas pessoas que Orfa representa não chegaram a tomar uma decisão, apenas seguiram por certo tempo as práticas cristãs, não podendo ser chamadas de cristãs. A terceira alegoria estabelece o contrário de tudo quanto Orfa simboliza: Rute representa simbolicamente a Igreja verdadeira e os amigos de Israel. No retorno de Noemi para Israel Rute representou o cristianismo verdadeiro. Com isso, segundo o autor, “... nós cristãos somos exortados a nos colocarmos ao lado de Israel e acompanhá-lo abençoando-o. Os verdadeiros cristãos deveriam estar cientes de que se converteram ao Deus de Israel”.112 Para Lieth, o cristão verdadeiro deveria servir a Israel, pois servimos ao Deus de Israel, ou seja, o cristianismo deveria fazer o mesmo que Rute fez para com Noemi, tornando-se companheiro, deleite, refrigério, amigo. Ao deixar tudo e ir para Belém com Noemi, Rute pôde encontrar o resgatador. Segundo Norbert Lieth, o segundo capitulo do livro de Rute, que narra o encontro com Boaz no campo descreve “... alegoricamente a história da conversão da Igreja dentre os gentios a Jesus Cristo, seu Salvador”.113 Rute estava à procura, e encontrou Boaz. Norbert Lieth diz que esta é a situação de um bom numero de pessoas que estão em busca de encontrar “...Aquele aos olhos de quem há graça e benevolência ...”.114 111 LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 29. 112 Idem, p. 43-44. 113 Idem, p. 50. 114 Idem, Ibid. 57
  • 61. Rute decidiu favoravelmente ao Deus e ao povo de Israel. Sua decisão de seguir Noemi no caminho para Belém a fez participante do povo e das bençãos prometidas por Deus a Israel. Não temos base bíblica para dizer que Rute representa a Igreja. Sua história apenas mostra a benevolência de Deus ao permitir que pessoas passassem a fazer parte do povo de Israel ao decidirem pela devoção a Ele, assim como também Raabe citada na genealogia em Rute quatro. A quarta alegoria diz respeito ao arrebatamento. O primeiro encontro de Rute com Boaz deu-se no campo em Belém. O segundo encontro acontece no lar de Boaz, o que faz “uma representação impressionante do arrebatamento da Igreja”.115 Norbert Lieth faz um paralelo entre os acontecimentos do capítulo três de Rute com os acontecimentos do arrebatamento descritos pelo Novo Testamento. Ele diz que É profético o que Noemi incute no coração de Rute, pois Noemi simboliza o povo de Israel que volta para sua terra. Israel também já sabe hoje intuitivamente, como Noemi sabia, que Boaz (Jesus) é ‘nosso parente’. O Senhor Jesus é nosso redentor, e Ele também é o futuro redentor de Israel. Perguntamo-nos: quando a Igreja entrará no descanso eterno? O judeu Paulo o revelou: por ocasião do arrebatamento.116 Lieth procura estabelecer correlatos em tudo que é narrado no terceiro capítulo de Rute: (1) a ordem de Noemi para Rute para banhar-se, ungir-se e por seu melhor vestido é o lavar através da Palavra de Deus, a unção do óleo do Espírito Santo e o andar na santificação respectivamente;(2) descer à eira é o 115 LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 55. 116 Idem, p. 57. 58
  • 62. caminho para encontra-se com o Senhor; (3) o encontro de Rute com Boaz à meia- noite, o que representa um momento específico (cf. Mateus 25.6): “Mas, à meia- noite, ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seu encontro!”. Na busca de estabelecer uma relação tipológica, Norbert Lieth afasta-se totalmente da verdade bíblica, e chega a absurdos. O primeiro encontro aconteceu na propriedade de Boaz. O segundo, na eira, local onde os grãos de cereal eram separados e os talos moídos. A eira localizava-se perto da vila, em ponto alto e aberto. Como a vila de Belém situava-se no topo de uma colina, a eira estava pouco abaixo dela, o que explica o fato de Rute descer à eira. As melhores condições para o trabalho na eira, na primavera e no verão, se davam a partir das quatro ou cinco horas da tarde, quando o vento era favorável — não tão forte, mas suficiente. Durante a limpeza do cereal, os proprietários alternavam-se no uso da eira117, e o trabalho prosseguia até tarde da noite, sendo comum que os trabalhadores acampassem na própria eira. Completada a tarefa do dia, tomavam uma refeição e se deitavam para dormir. O texto, portanto, não diz nada a respeito da casa de Boaz, como Lieth afirma. Também não há como deduzir que o primeiro encontro representa a conversão dos gentios e o segundo encontro representa o arrebatamento ou volta para casa. Uma vez estabelecido isso, invalida-se os correlatos feitos por Norbert Lieth na seqüencia da narrativa. 117 REED, John W. Ruth. In: WALVOORD, John, ZUCH, Roy B. The Bible knowledge commentary: an exposition of the Scriptures by Dallas Seminary faculty. Wheaton, Ill. : Victor, 1986. p. 424. 59
  • 63. A quinta e ultima alegoria refere-se à herança que Noemi recebe, o filho de Rute. Para Norbert Lieth esse retrato representa o cumprimento da profecia da vinda de Jesus para restaurar a nação de Israel. Embora a nação de Israel tenha vivido muito tempo fora de sua terra, ainda tem direito a ela. Nas palavras do autor “... assim como Noemi não perdeu sua terra por ocasião de sua ida a Moabe, e quando voltou pôde reivindicar totalmente a sua posse, também os judeus, ao retornarem de sua dispersão provocada por Deus, têm o direito de posse total de sua terra”.118 Reconhecemos que o nascimento de Obede representa a benção de Deus sobre a nação de Israel, pois da descendência de Obede nasceu o rei Davi e, mais tarde, Jesus. Jesus voltará e restaurará a nação de Israel. Isto são fatos e não alegorias. Norbert Lieth, porém, não trata o texto como uma benção de Deus para a nação daquele tempo, mas como uma visão escatológica. 6.4. Influência das pressuposições na abordagem tipológica Norbert Lieth entende todo o livro de Rute como uma novela alegórica para ilustrar o plano de Deus referente à salvação do homem. Sua teologia com ênfase nas profecias escatológicas permeia todo o livro. Para apresentar sua alegoria e sua posição hermenêutico-teológica, o autor vale-se do estudo tipológico, 118 LIETH, Norbert. Op. Cit. p. 69. 60
  • 64. que é um princípio hermenêutico. Porém, como pudemos observar em sua obra, em nenhum dos usos da hermenêutica tipológica foram respeitadas as devidas regras. A falta de um estudo sobre a intenção autoral para o livro de Rute e a ausência de outras importantes regras da hermenêutica como contexto histórico- cultural e uso da língua original para um comentário de um livro bíblico, fez da obra de Norbert Lieth um conto em que o autor manipulou todas as situações e questões do livro para seu propósito específico. O comentário perde a validade teológica por não revelar as ações e o cuidado de Deus na história do Seu Povo; perde seu valor exegético por não levar em conta a língua original e os princípios hermenêuticos para uma narrativa bíblica e perde seu valor hermenêutico por não dar ao leitor atual as lições e aplicações que ele poderia aprender com o livro de Rute. 61