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Ciro Gomes
7/1/1991
O governador cearense eleito fala dos problemas do seu estado e do Nordeste e em como fazer face ao coronelismo, à indústria da seca e à pobreza
Jorge Escosteguy: Boa noite! Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O nosso convidado desta noite é o
mais  jovem  governador  eleito  do  Brasil.  Ciro  Gomes  tem  33  anos,  nasceu  em  Pindamonhangaba,  no  interior  de  São  Paulo,  mas  vai
governar o Ceará, estado para onde se mudou ainda criança. Começou na política como assessor do pai José Euclides Gomes [1918­1996],
prefeito de Sobral [no Ceará, de 1977 a 1982]. Em 1988, elegeu­se prefeito de Fortaleza pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático
Brasileiro]. Depois, mudou de partido, indo apoiar Mário Covas [(1930­2001), governador de São Paulo de 1995 a 2001], candidato a
presidente da República pelo PSDB [Partido da Social­Democracia Brasileira]. No centro do Roda Viva desta noite, Ciro Gomes vai poder
nos  contar,  por  exemplo,  como  se  sente  sendo  o  único  governador  eleito  do  PSDB,  um  partido  que  sempre  larga  como  favorito  nas
pesquisas mas, em geral, acaba "morrendo na praia" na apuração dos votos. Lembramos que o Roda Viva é transmitido ao vivo pelas TVs
Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É, ainda, retransmitido para
mais 15 emissoras, que formam a Rede Brasil através da TVE do Rio de Janeiro. Para entrevistar o Ciro Gomes esta noite no Roda Viva,
nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Tramontina, editor e apresentador do telejornal Bom Dia São Paulo, da TV Globo; Carlos
Alberto Sardenberg, diretor regional do Jornal do Brasil, sucursal São Paulo; Andrew Greenlees, editor adjunto de política da Folha de S.
Paulo; José Nêumanne Pinto, comentarista político da TV Manchete e editoralista do jornal O Estado de S. Paulo; Hugo Studart, sub­
editor de Política da revista Veja; Jayme Martins, repórter da TV Cultura; e Juca Kfouri, diretor editorial de revistas masculinas da editora
Abril. Lembramos aos telespectadores que quem quiser fazer perguntas por telefone pode chamar 252­6525, que a Cristina, a Bernadete e a
Iara estarão anotando as suas perguntas. Boa noite, governador!
Ciro Gomes: Boa noite.
Jorge Escosteguy: O seu partido é um partido notável pelas pessoas notáveis que fazem parte dele, mas, em geral, ele tem se mostrado,
nas últimas eleições, um partido fraco de votos. Ou seja, nesta última eleição, por exemplo, houve alguns desastres políticos importantes,
como Franco Montoro [(1916­1999), governador de 1983 a 1987] em São Paulo e Pimenta da Veiga [prefeito de Belo Horizonte de 1989 a
1990] em Minas Gerais. Com o distanciamento crítico da vitória que o senhor tem, a que o senhor atribui esse problema eleitoral, vamos
dizer assim, do PSDB?
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Ciro Gomes: A questão do PSDB é complexa, ela não comporta uma explicação só. Mas uma delas, sem dúvida nenhuma, é que o partido
tem apenas três anos ­ aliás, menos de três anos de idade [o PSDB foi fundado em junho de 1988]. E é um partido que não se adensou, não
se enraizou na base da organização social brasileira, porque não teve nem tempo. Já no primeiro ano de organização do PSDB nós tivemos
uma eleição municipal, que exige um estágio sofisticado de organização, que o partido não tinha ­ e, por não ter, não chamou a atenção e
nós não tivemos um grande desempenho na eleição [municipal] de 1988. Em 1989, tivemos a eleição presidencial, em que uma série de
fatores ­ a passionalização dos temas da campanha, a dominação pelo populismo e pelo maniqueísmo ideológico da campanha ­ acabou
esmaecendo a nossa proposta, que se situa na centro­esquerda do espectro ideológico ­ que é uma posição complexa de ser explicada em
ambientes assim, marcados pela visão maniqueísta, o preto e o branco, o mal, o bom, o ruim...
 
Jorge Escosteguy: O PRN [Partido da Reconstrução Nacional, depois Partido Trabalhista Cristão] é um partido quase tão novo quanto o
PSDB e elegeu o presidente da República [Fernando Collor de Mello, presidente de 1990 a 1992].
 
Ciro Gomes: Esta questão é de personalismo. O PRN evidentemente não elegeu o presidente da República. O presidente da República no
Brasil, mais uma vez, foi eleito pela característica personalíssima daquele intérprete de alguns valores epidérmicos de que a sociedade
brasileira se angustiava naquele momento, passando por um moralismo com fetiche do perseguidor de marajás etc. que correspondia a uma
angústia muito grande da população profundamente empobrecida e profundamente chocada com a corrupção do Estado brasileiro. Isso é o
que explica.
 
Juca Kfouri: Governador, pelo que o senhor está dizendo, a gente pode entender que, pelo menos no Ceará, o eleitor soube distinguir o
maniqueísmo e acabou conduzindo a proposta tucana à vitória. Eu pergunto: será que o que faz com que o eleitor se afaste do PSDB não é
exatamente a propalada indefinição do partido? Por exemplo, vou dar um caso concreto e gostaria de saber como é que o senhor acha que o
partido deveria agir ou se agiu certo. Durante todo o período da montagem do ministério do presidente Collor falou­se ­ pelo menos, falou­
se muito ­ de alguns tucanos notáveis sendo convidados, sendo sondados para a participar do ministério: José Serra [governador de São
Paulo de 2007 a 2010], Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso [presidente da República de 1995 a 2002]. E a postura do partido foi
de absoluta rejeição a essa idéia. O senhor acha que o partido agiu bem? Ou será que, se tivesse aceito participar do governo Collor, teria
não só se definido com mais clareza perante o eleitorado, mas, ao mesmo tempo, quem sabe, poderiam dar uma contribuição maior ao
início de gestão do presidente, afinal eleito pelo povo?
 
Ciro  Gomes:  Primeiro,  uma  colocação:  a  nossa  experiência  no  Ceará  é  profundamente  atípica  para  ser  comparada  com  as  outras
experiências dos outros companheiros. No Ceará, nós temos estágios sofisticados de organização. Nós estamos no sindicato, estamos no
movimento  universitário,  estamos  no  movimento  comunitário,  estamos  no  movimento  de  estudantes,  de  mulheres,  ecológicos  e  nós
estamos organizados ­ temos diretórios ­ em todos municípios e temos um imenso êxito da administração do governador Tasso Jereissati
[governador de 1987 a 1991 e também de 1995 a 2002], que é o nosso emblema para garantir que o que a gente fala é praticado. Portanto,
isso faz uma diferença fundamental. [Quanto] à outra questão, eu também concordo com você que nós temos um papel fundamental para
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isso faz uma diferença fundamental. [Quanto] à outra questão, eu também concordo com você que nós temos um papel fundamental para
cumprir em relação ao governo Collor. Nós não devemos contribuir para o isolamento do presidente Collor do espectro da discussão do
país e ficarmos confundidos, aí, com uma certa oposição sectária que pretende sempre manipular as bandeiras, os estágios ideais de como
as coisas deviam ser e não põe a mão na massa para colaborar, para fazer. Entretanto, uma questão tem que ser colocada: esse papel nosso
não é participar do governo Collor. O governo Collor tem um discurso social­democrata, mas a prática do governo Collor não é social­
democrata. A prática do governo não é consentânea com o programa do PSDB ­ embora aqui e ali, por exemplo, na gestão da dívida
externa, eu aplauda e gostaria de ser chamado a contribuir mais ativamente, até que... Estou com medo de que o governo já, já, vá recuar
dessa proposta, porque falta, realmente... No governo, há um ensimesmamento completo que exclui as pessoas de participar e, na oposição,
há essa coisa, ainda, da ditadura no Brasil, que entrou na alma das pessoas.
 
José Nêumanne Pinto: Governador, eu gostaria de retomar um pouquinho antes do que o Juca falou. Talvez a coisa que mais explique a
derrota do PSDB nesta eleição, na última eleição, tenha sido a decisão que o PSDB tomou, não de não participar do governo, mas de apoiar
o [Luís Inácio] Lula [da Silva] [presidente da República de 2003 a 2010] no segundo turno da eleição presidencial.
 
Ciro Gomes: Aí, eu concordo. A forma de apoiar o Lula, especialmente em São Paulo, eu acho que foi um fator grave para contribuir para
a derrota.
 
Carlos Alberto Sardenberg: Como assim, a forma?
 
Ciro Gomes: Houve o seguinte. O nosso partido ­ aqui em São Paulo, especialmente ­ era um partido sedimentado na classe média, que
estava e está, em boa parte ainda, chocada com a experiência da administração municipal do PT [Partido dos Trabalhadores]. Então, nós
éramos a oposição ao PT, uma alternativa progressista, não­reacionária de oposição ao PT. Como confundir a nossa posição, traindo a
confiança do eleitorado apoiando o Lula? Isso, nós vivemos também no Ceará. Eu, particularmente, votei no Lula, mas votei calado e disse
claramente para as pessoas que não me sentia estimulado em participar daquele quadro absolutamente falso, pelos dois pólos em que se
desenhou. Então, eu não tinha vontade de me co­responsabilizar politicamente por nenhuma das duas experiências. Não recomendava voto
em branco e nulo, mas também não recomendava voto em ninguém. Excluía­me como liderança do processo e ia votar como cidadão
naquele que entendesse o menos ruim ou o melhor para a aquela conjuntura.
 
Jorge Escosteguy: Governador ­ só um minutinho, por favor, só um minutinho ­, eu gostaria de registrar a presença, também, do jornalista
Kleber  de  Almeida,  editor  do  Caderno  de  Sábado  do  Jornal  da  Tarde,  que  chegou  e  também  vai  fazer  parte  da  nossa  banca  de
entrevistadores. Por favor.
 
Hugo Studart: Governador, nesse processo todo de eleição presidencial, que eu saiba, a única liderança de peso do PSDB que subiu no
palanque do Lula foi o senador Mário Covas. Porque, por exemplo, o senador José Richa [(1934­2003), governador do Paraná de 1983 a
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palanque do Lula foi o senador Mário Covas. Porque, por exemplo, o senador José Richa [(1934­2003), governador do Paraná de 1983 a
1987], do Paraná, foi pescar no Pantanal; o senador Fernando Henrique Cardoso, se não me engano, foi para o exterior. Então, o senhor
atribui essa culpa pela derrota do PSDB na eleição aos governadores?
 
Ciro Gomes: Não, eu disse que são vários os fatos que explicam. O primeiro, o mais grave para mim, é que nós somos um partido que
ainda não se enraizou nos movimentos sociais. Isso, não se pode perder de vista. E, evidentemente, há um toque aí, uma causa adicional em
São Paulo e em Minas, onde eu percebo com clareza que, nesse problema do apoio ao Lula e na forma como foi feito, houve uma certa
vacilação no princípio, para, depois, amadurecer o apoio ­ na contradição do que as consultas realizadas indicavam. Quer dizer, houve um
processo, não houve um apoio imediato; então, admitiu­se a discussão. Com essa discussão, todos os atores que tinham interesse em olhar
o PSDB como referência para o país se manifestaram. Por ampla e esmagadora maioria, a nossa base eleitoral em São Paulo, em Minas, no
Paraná, no Ceará era contra o Lula ­ embora não fosse necessariamente pró­Collor, como foi no Paraná. Em outros estados, não foi pró­
Collor, mas não [foram]Lula, também. E isso acabou contribuindo como uma causa a mais.
 
Andrew Greenlees: Governador, será que outra causa não foi uma excessiva confiança, digamos, das estrelas partidárias? Desde o início, o
PSDB, com uma proposta social­democrata, tinha pouquíssima base, por exemplo, operária, que é fundamental para o sucesso de qualquer
experiência social­democrata, que nem na Alemanha. Será que não confiaram um pouco demais nas estrelas e, na hora H, viram que não
tinha volta?
 
Ciro Gomes: A política do Brasil é, com muita clareza ­ especialmente nesta conjuntura, mas eu confio que nós vamos nos libertando
disso  na  proporção  dos  estágios  mais  avançados  de  organizações  da  nossa  sociedade  ­,  é  muito  marcada  pelo  personalismo,  é  muito
marcada pela personalidade dos atores da cena eleitoral. E nossos atores realmente foram para esse embate sem uma raiz nos movimentos
sociais como um todo. Não só a base trabalhista, porque aqui, especialmente, nós temos uma base mais de classe média ­ o que é natural,
também: a primeira compreensão vem por aquelas classes mais esclarecidas, que tiveram melhor sorte na vida; e, logo em seguida, vai se
enraizando. Mas isso exige militância e nós não tivemos, ainda não temos um estágio necessário de militantes.
 
Kleber de Almeida: O senhor, de certa forma, desejaria, numa eleição, que o PSDB não participasse da eleição no segundo turno?
 
Ciro Gomes: No segundo turno presidencial, sim. Defendi essa posição numa reunião em Brasília.
 
Kleber de Almeida: Mas o segundo turno existe realmente para isso. É uma segunda eleição...
 
Ciro Gomes: Não, não...
 
Kleber de Almeida: ...onde é natural, normal que os outros partidos se alinhem aos outros candidatos.
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Kleber de Almeida: ...onde é natural, normal que os outros partidos se alinhem aos outros candidatos.
 
Ciro Gomes: É natural, normal que haja aliança, mas não é imposição e, no quadro brasileiro, essas alianças... No mundo todo, onde há
esse sistema eleitoral de dois escrutínios, as aproximações são por frentes ideológicas, por similitudes ideológicas. No caso brasileiro, nos
não temos, ainda, a identificação desses agrupamentos ideológicos, não temos isso. O que nós temos são grupos de militância corporativa,
por assim dizer, que se arremedam em partidos; e isso não permite e nem recomenda para nós... Agora mesmo, São Paulo descobriu isso. O
PSDB de São Paulo fez na hora errada, descobriu que não é obrigado a... Você pode votar, até deve, eu não recomendo voto nulo e branco,
eu votei para a presidente; mas, quando você vai ao palanque, você assume uma co­responsabilidade por aquilo que está sendo construído
em perspectiva. E todos nós sabíamos, evidentemente, que a co­relação de forças, ou o despreparo, ou o sectarismo ou a federação de
interesses  que  o  PT  representa  não  estava  habilitada  para  a  governar  o  Brasil,  com  a  complexidade  que  o  Brasil  impõe  aos  seus
governantes. O presidente Collor também, ao nosso juízo, não tinha a densidade necessária, os instrumentos de controle social necessários
para ser um instrumento da promoção do bem­estar coletivo, como estamos vendo. Por que nos responsabilizarmos por um ou outro?
 
Jorge Escosteguy: Governador, nenhum dos dois estava habilitado a governar o país; agora, um dos dois, seguramente, iria governar o
país. Isso não dá aos políticos uma responsabilidade?
 
Ciro Gomes: Mas sem a nossa responsabilidade de influir naquela escolha. A nossa posição foi claramente colocada no Ceará, ante a
compreensão generalizada das pessoas.
 
Jorge Escosteguy: Quer dizer, não vale a pena nem o "dos males o menor"?
 
Ciro Gomes: Para votar, sim. Eu não sou a favor de voto em branco nem voto nulo. Para votar.
 
[...]: O senhor votou em quem?
 
Ciro Gomes: Eu votei no Lula.
 
Juca Kfouri: [Sobre] a questão da distância entre o discurso social­democrata do presidente Collor e a prática, que não é social­democrata:
será que [não é] exatamente pelo fato de que não existem aqueles quadros que possam pôr em prática esse discurso? E não seria este o
papel do PSDB?
 
Ciro Gomes: Em evolução, eu até admitiria. Se o presidente... Porque foi ele quem ganhou a eleição e é ele quem tem a responsabilidade
de liderar o processo de governo, não é o processo de monopólio das opiniões da nação, como aqui e ali parece ser. Mas o processo de
governar é iniciativa dele. A ele cabe a liderança, por origem legítima do seu mandato. Nós não vamos, não devemos ir lá e nos oferecer
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governar é iniciativa dele. A ele cabe a liderança, por origem legítima do seu mandato. Nós não vamos, não devemos ir lá e nos oferecer
para dizer como as coisas deveriam ser. Eu defendo que o PSDB deve urgentemente ­ vamos até fazer uma reunião esta semana, isso está
se generalizando na compreensão do partido ­ formular um projeto alternativo para o Brasil e discutir isso em praça pública. Aí se esgota a
nossa responsabilidade. Se o presidente pega esse projeto, ou um dos itens, ou alguns dos itens e os pratica, o PSDB deve, corajosamente,
apoiá­lo, sem participar do governo. Se ele negaceia, se ele faz errado, se faz diferente a nosso juízo, aí está uma razão objetiva, construtiva
para nós dizemos "não" a eventuais pontos do governo.
 
Juca Kfouri: Eu só não consigo entender o porquê dessa postura sistemática de um partido com o perfil do PSDB, que não é o PT ­ na
esquerda, o PT faz esse papel, eu acho que cumpre esse papel fielmente ­, essa negação da hipótese da participação.
 
Ciro Gomes: Não, mas você só deve participar de um projeto de governo se for a sua cara. Você não pode participar de um projeto de
governo que não tem a sua cara.
 
Juca Kfouri: Mas, na hipótese de o presidente chamar o PSDB...
 
Ciro Gomes: Para um projeto que nós vamos discutir com o país na luz do dia, de forma transparente, vamos discutir esse sacrifício que
vai importar no ajuste fiscal que é necessário fazer, vamos discutir a austeridade monetária que nós, do PSDB, defendemos...
 
Jose Nêumanne Pinto: Tudo bem, mas por que não participar do governo? Eu estou com esta pergunta: por que não?
 
Ciro  Gomes:  Podemos  participar!  [Mas,]  deste  governo  que  aí  está,  não  podemos  participar  por  duas  razões.  Uma,  de  origem:  nós
perdemos a eleição para as forças que estão aí. A segunda é de processo: a cara política que este governo está assumindo ­ não dá para
negar ­ é uma cara absolutamente atrasada, é uma cara fisiológica, é uma cara atrasada, é uma cara conservadora, é uma cara...
 
Juca Kfouri: Em relação à equipe econômica, também?
 
Ciro Gomes: Não, a equipe econômica ainda é um núcleo muito bom.
 
Carlos Tramontina: O senhor acha que, dentro do PSDB, há gente que gostaria de participar do governo?
 
Ciro Gomes: Admito; a vocação fisiológica da política brasileira, infelizmente, é um fato. Mas eu não conheço, não é ninguém de proa.
 
Carlos Tramontina: Aqui em São Paulo... Essa questão da clareza do perfil do partido é uma coisa muito importante. Aqui em São Paulo,
a  gente  tem  um  fato  muito  recente  [sobre]  o  comportamento  da  bancada  do  PSDB  na  Câmara  Municipal,  que  faz  oposição  forte  e
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a  gente  tem  um  fato  muito  recente  [sobre]  o  comportamento  da  bancada  do  PSDB  na  Câmara  Municipal,  que  faz  oposição  forte  e
sistemática à administração do PT e que, para a vencer a eleição da Mesa Diretora da Câmara uniu­se aos grupos mais conservadores ­
inclusive, a vários políticos e parlamentares acusados de corrupção e de uma série de irregularidades administrativas. Isso não serve para a
complicar e botar mais lenha nessa fervura e tornar o PSDB alguma coisa como aquele balaio de gatos...?
 
Ciro Gomes: Olha, eu não vou, por gosto e amor ao meu partido, afirmar que o partido é um núcleo de anjos. Evidentemente, não é.
Entretanto  ­  e  para  a  reforçar  o  que  eu  estou  falando  ­,  eu  tenho  uma  visão  muito  prática  da  política,  mesmo  em  relação  a  essa  cara
conservadora que vai assumindo o governo do presidente Collor ­ essa cara mais do que conservadora; é uma cara com os mesmos atores,
com a mesma carteira de identidade daqueles que fizeram a orgia fisiológica que desmoralizou o Brasil e que acabou municiando o seu
discurso  moralista  para  a  ganhar  a  eleição.  Essas  pessoas  podem  até  ser  usadas  taticamente,  compreendo,  porque  a  emergência  dos
problemas, o momento de resolver os problemas era aquele, o de assumir o governo, não tinha outro. As energias potenciais de início de
governo têm que ser aproveitas, a hiperinflação não admitia adiamentos de providências; portanto, usar essas pessoas que estão aí ­ afinal
de contas, são os atores da política ­ para financiar um projeto sério de atendimento ao interesse público é ato de esperteza legítimo ou
legitimada pelo interesse público. Não sei se é o caso, eu não conheço detalhes da eleição da Mesa da Câmara de São Paulo, mas me parece
que foram os conservadores ou os eventuais corruptos a que você alude ­ eu não conheço, quero insistir em afirmar ­ que votaram num
nome que é bem respeitado em São Paulo, o presidente da Câmara [Antônio Paes de Andrade]. Portanto, se você tem conservadores,
reacionários ou fisiológicos admitindo, por razões as mais variadas, apoiar um projeto correto, eu acho que é uma ética lamentável, mas é o
que se pode fazer concretamente por imposição da realpolitik, da "política real". E eu admito que o presidente Collor, durante este ano aí e
até que o novo Congresso assuma, tenha que transar com estes atores que estão aí sem problemas. Não pode é tomar gosto.
 
Jayme Martins: Governador, partindo um pouco para o administrativo, um acontecimento que foi, tanto em 1986 como na sua vitória de
agora, em 1990, sobretudo na imprensa do sul... Essas duas vitórias no Ceará foram a ruptura do Ceará com o coronelismo. Agora, além
das  medidas  de  saneamento  moral  e  financeiro,  que  outras  medidas  em  matéria  de  benefícios  sociais  poderiam  ser  apontadas,  que
assinalassem os resultados da ruptura do Ceará com o coronelismo?
 
Ciro Gomes: Olha, nós temos nosso...
 
Jorge Escosteguy: Governador, desculpe interrompê­lo, só pegar uma carona na pergunta do Jayme, os seus conterrâneos de Fortaleza
estão telefonando. Carlos Alberto, de Fortaleza, por telefone, quer saber se é verdade que o senhor vai demitir 38 mil funcionários públicos.
 
Ciro Gomes: Bom, nós tomamos o estado quando esse grupo, liderado pelo governador Tasso Jereissati, assumiu com todas as receitas
correntes do estado só suficientes para a pagar 70% de uma folha de pessoal do mês. E os funcionários, havia três meses que estavam
atrasados os seus vencimentos; e havia um colapso completo em todos os serviços. Eu lembro, por ridículo aqui, só para a não me estender
muito além da conta, que a Polícia Civil tinha sete veículos; três deles estavam montados em cepos de madeira, porque não tinha dinheiro
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muito além da conta, que a Polícia Civil tinha sete veículos; três deles estavam montados em cepos de madeira, porque não tinha dinheiro
para comprar pneu para trocar, e os policiais revoltados, porque saíam com duas balas no revólver e, se [as] deflagrassem, era descontado
do salário. Eu acho que por aqui basta para mostrar o colapso em que se estava. Hoje, o estado do Ceará paga a sua folha pessoal com 65%
da sua arrecadação e 35% estão disponíveis para financiar um projeto de mudanças que nós chamamos, lá, basicamente, de "nossa infra­
estrutura social e econômica". Na área de infra­estrutura social, nó temos alguns indicadores importantes: construímos vinte mil casas,
vinte mil unidades. Esse número, talvez, para São Paulo não seja muito expressivo, mas isso significa a metade de tudo o que foi feito no
Ceará durante toda a vida. A metade de tudo o que foi feito por todos governos do Ceará foi feito em menos de dois anos ­ porque dois
anos nós gastamos consertando as coisas. Nós duplicamos a área irrigada do estado do Ceará. Nós tínhamos lá 4000 hectares; hoje, temos
mais de 8000 hectares irrigados com recursos diretos do estado do Ceará. Em projetos de assentamento, temos grandes indicadores nessa
área de reforma agrária, referidos pela própria Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura] como o melhor exemplo
de afirmação de um projeto de reforma agrária conseqüente. É no Ceará, esse exemplo. As escolas estavam todas destruídas; hoje, dois
terços delas estão totalmente recuperadas. As estradas inteiras estavam destruídas; 70% delas foram recuperadas. E esse saldo [restante] é a
minha tarefa.
 
Carlos Alberto Sardenberg: Governador...
 
Jorge Escosteguy: Desculpe, desculpe, só um pouquinho ­ desculpe Carlos Alberto...
 
Ciro Gomes: Ah, sim, eu preciso responder ao...
 
Jorge Escosteguy: ...o outro Carlos Alberto, de Fortaleza, quer saber se o senhor vai demitir 38 mil funcionários públicos.
 
Ciro Gomes: É, eu preciso responder. Eu não tenho o número de demissões nem intenção de demitir, porque, infelizmente, a Constituição
federal e a estadual estenderam o estatuto da estabilidade a todos os servidores que foram contratados na orgia, clientelistas dos governos e
dos coronéis durante muito tempo em que... Houve uma noite que se contrataram quarenta mil pessoas no estado do Ceará. Numa noite,
apenas. Para a financiar uma eleição, foi feito esse absurdo ­ e, hoje, a Constituição engessou isso. Agora, todos ficam. Portanto, eu não
posso fazer a quantidade de demissões que necessitaríamos fazer para definitivamente resolver.
 
Jorge Escosteguy: Mas vai demitir?
 
Ciro Gomes: Agora nós vamos demitir rotineiramente todos os servidores que não cumpram rigorosamente seus deveres de assiduidade,
de seriedade, de tratar bem o contribuinte. Vai ser demitido...
 
Juca Kfouri: O governador Jereissati já não...
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Juca Kfouri: O governador Jereissati já não...
 
Ciro Gomes: Ele já fez, tirou 43 mil cheques da folha de pessoal. E nós vamos continuar fazendo.
 
Carlos Alberto Sardenberg: Governador, aproveitando esse embalo da questão do Ceará, eu gostaria que o senhor me explicasse o que é
social­democracia no Ceará. Porque a social­democracia, pela tradição, pela história, é uma formação política que nasceu e se desenvolveu
­ formou­se a sua teoria ­ em países capitalistas avançados, basicamente na Europa; e a mensagem dessa idéia social­democrata está bem
ligada com país capitalista avançado, com a classe operária, com a aristocracia operária, essas coisas todas. O Ceará é um estado pobre, um
estado com muito daquela coisa brasileira de conflito muito nítido entre gente muito rica e gente muito pobre. O que significa social­
democracia lá? Claro que havia um sentido por detrás, que é o seguinte: as pessoas dizem que, se o senhor e o governador Tasso tivessem
entrado no Partido Democrata Cristão teriam ganho a eleição; se tivessem entrado no PRN, o PRN teria ganho a eleição, não importa qual
fosse a mensagem.
 
José  Nêumanne  Pinto:  Aliás,  só  complementando  isso  que  o  Carlos  Alberto  falou,  o  deputado  Florestan  Fernandes  [(1920­1995)
sociólogo e político, autor de A integração do negro na sociedade de classes (1964)] escreveu um artigo dizendo que num país pobre como
o Brasil a social­democracia é uma bobagem, uma ilusão; isso seria uma coisa de países ricos.
 
Ciro Gomes: Isso é complicado, especialmente dito por ele, porque [Karl] Marx [(1818­1883), fundador do marxismo, autor de O capital]
também  prescrevia  a  revolução  proletária  onde  poderia  haver  proletariado.  E  prescreveu,  inclusive,  que  seria  na  Inglaterra,  onde  a
Revolução Industrial aconteceu. E foi acontecer na União Soviética, rompendo uma sociedade rural, feudal...
 
[...]: E na China...
 
Ciro Gomes:  ...enfim,  essa  coisa  é  absolutamente  secundária.  Não  se  esqueça  do  "B":  "pê­esse­dê­bê".  Nós  somos  social­democracia
brasileira.  Isso  não  quer  dizer  que  é  peru  à  brasileira,  como  o  inesquecível  Sobral  Pinto  [(1893­1991),  jurista,  defensor  dos  direitos
humanos] quer afirmar. O que tem que se fazer é o seguinte. É uma compreensão básica. Qual é a compreensão básica? É que o Estado não
pode se demitir de uma responsabilidade central: de promover o bem­estar das pessoas, não só como Estado prestador de serviços ­ Estado­
polícia, Estado­posto médico, Estado­educação ­, mas Estado interventor na economia, para dirimir, ou para diminuir, ou para eliminar ­
este é o objetivo ideal ­ as desigualdades entre as pessoas. No Ceará, isso é uma coisa eloqüente, é um vasto campo para se praticar isso.
Como fazer isso? O Estado é um Estado que, ao longo do tempo, foi apropriado por corporações e por uma visão patrimonial das elites
políticas que tomaram conta dele e passaram a se servir reciprocamente com o parco recurso do Estado. O que é a social­democracia no
Ceará? É dar um "chega para lá" nessas elites e repartir o que sobrar desse esforço de sacrifícios, de lutas permanentes, de brigas, de
confrontos  com  todos  os  setores  ­  aparentemente  muito  poderosos  mas,  no  fim,  fragílimos,  desde  que  você  consiga  a  emergência  da
população para lhe apoiar ­ e pegar esses recursos e repartir com as pessoas, na direção de mudar a condição de vida delas na habitação,
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população para lhe apoiar ­ e pegar esses recursos e repartir com as pessoas, na direção de mudar a condição de vida delas na habitação,
acabei de falar aqui das escolas, acabei de falar das estradas, acabei de falar da irrigação. Nós temos, lá, financiamentos de atividades
produtivas. Nós manipulamos, por exemplo... Veja o que é social­democracia no Ceará: todas as encomendas do poder público cearense
que possam ser induzidas a gerar empregos em microempresas, em pequenas unidades, no interior e na capital, de produção comunitária,
assim são feitas. Quando nós assumimos, as carteiras escolares, o material mobiliário escolar, eu comprava no Paraná; hoje, todas são feitas
em micro­unidades de produção.
 
Jose Nêumanne Pinto: Quer dizer que pobre também pode ser social­democrata?
 
Ciro Gomes: Mas claro que pode. Deve ser, mais do que ninguém. Mais do que ninguém, deve ser o pobre. O que não está certo é este
neoliberalismo hoje, que pretende demitir o Estado da sua responsabilidade de interventor na economia ­ não de burocratizar a economia,
de engessar a economia, de fazer "socialismo de direita" como o período autoritário no Brasil fez [referência ao regime militar de 1964 a
1985], mas liberando as forças da economia, agindo como um indutor do desenvolvimento e agindo como um promotor da justiça social
via tributos, via repartição de rendas, via distribuição de serviços de boa qualidade.
 
Carlos Tramontina: O senhor falou, agora há pouco, lembrou da estabilidade garantida aos funcionários públicos através da Constituição.
Sobre isso, também falou o presidente do Banco Central, Ibrahim Eris. Esse foi um dos motivos que ele usou para a afirmar no final que a
atual Constituição brasileira é responsável pela crise. O senhor concorda com essa afirmação?
 
Ciro Gomes: Não, a Constituição brasileira não é responsável pela crise. A crise no Estado brasileiro é conceitual ao nosso "modelo",
entre aspas, de desenvolvimento. Nós temos um modelo de desenvolvimento que hiper concentrou renda na dimensão pessoal, na dimensão
setorial e na dimensão regional ­ para a gente colocar a questão aqui bem sob o ponto de vista nacional; não sou daqueles chorões do
Nordeste  para  chorar  em  cima.  O  problema,  o  vício  fundamental  do  Estado  brasileiro  é  o  vício  do  aleijão  do  nosso  modelo  de
desenvolvimento. A hiper concentração de renda ao nível pessoal, ao nível setorial e, mais gravemente, ao nível regional é que é a base dos
nossos problemas. Há outros problemas: a exaustão fiscal do modelo do Estado brasileiro é verdadeira, também. O Estado brasileiro hoje
gasta uma fábula, que arrecada dos contribuintes, com bobagens ­ ou auto­consumindo esses recursos, ou financiando a incompetência, a
ineficiência de um aparato estatal que é absolutamente...
 
Carlos Alberto Sardenberg: E, se a Constituição consagrou isso tudo, ela não é culpada?
 
Ciro Gomes: Não é a Constituição que consagrou. Isso foi a cultura política brasileira que consagrou. Não adianta colocar... Isso é um
vício que o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] resgatou da UDN [União Democrática Nacional] e insiste em colocar,
é um vício institucional. Nós temos pequenos defeitos na Constituição que precisam ser corrigidos. Eu acho que ela concedeu demais ao
corporativismo. Sem dúvida, fez isso. Eu acho que ela equivocou­se quando legitimou pelo voto da população um modelo tributário hiper
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corporativismo. Sem dúvida, fez isso. Eu acho que ela equivocou­se quando legitimou pelo voto da população um modelo tributário hiper
concentrador  de  renda  sob  o  ponto  de  vista  espacial.  Há  muitos  defeitos.  Eu  acho  que  ela  errou  gravemente  na  engenharia  básica
institucional brasileira quando não optou claramente pelo parlamentarismo. Sem problemas. Mas dizer que a inflação que nós temos hoje é
culpa da Constituição é procurar bode expiatório.
 
[sobreposição de vozes]
 
Ciro Gomes: Mas não é a causa básica.
 
Andrew Greenlees: Sobre a questão administrativa, de que o senhor estava falando há pouco, até com um tom otimista de construção de
casas etc... Mas o senhor, quando tomar posse, vai enfrentar, como no resto do país, uma economia em recessão. Isso aí vai trazer queda de
arrecadação, além de eventuais gastos que tenham sido feitos antes das eleições para a ajudar a sua eleição ­ não sei se é o caso, o senhor
pode me responder. Então, como é que vai ser? Esse tom otimista de agora antes da posse vai continuar depois da posse?
 
Ciro Gomes: Olha, eu não sou otimista e se algum otimismo fictício deve haver é antes da eleição. Eu estou eleito desde 3 de outubro, no
primeiro turno; portanto, se eu fosse assim, eu já deveria estar aqui puxando o trem de aterrissagem, já dizendo que não é bem assim, que a
recessão mudou meus planos. Entretanto, eu não tenho razão objetiva para recuar de nenhum dos compromissos que eu assumi em praça
pública. Só completando, porque esta é uma questão importante, a recessão é um fato. Ela está aí, insidiosa, mas ela não é do tamanho que
a propaganda está colocando. Não é mesmo. O estado do Ceará já pagou seu décimo­terceiro salário, já pagou o salário de todo mundo no
mês de dezembro ­ aliás, antecipando o pagamento da folha ­, continua pagando religiosamente a sua dívida ­ um dos únicos estados
adimplentes com o Banco do Brasil e com o Banco Central é o estado do Ceará ­, está financiando sozinho, com recursos próprios do
tesouro estadual, um programa de emergência... Porque desde março está instalada uma seca e, pela primeira vez na história do país, o
governo central não se abala. Milhares de pessoas perderam toda a sua produção. É responsabilidade constitucional do governo central
acudir a calamidade da seca e não apareceu lá um cruzeiro [moeda brasileira vigente de 1990 a 1993] que fosse para isso; e nós estamos,
com recurso do povo do Ceará, com 150 mil pais de famílias trabalhando e recebendo uma diária ­ quase meio salário mínimo, também,
para  a  meia  jornada  de  trabalho  ­,  é  com  isso  que  as  pessoas  não  estão  morrendo  de  fome.  E  está  sobrando  um  dinheirinho  para  a
investimento.
 
José Nêumanne Pinto: Mas ficou no ar, aí, faltou o senhor responder a respeito do investimento que foi feito pelo estado para a sua
eleição.
 
Ciro Gomes: Não, eu penso que neguei, porque a evidência... Enquanto São Paulo, o mega estado de São Paulo está desdobrando décimo­
terceiro, atrasando folha de pessoal, nós já pagamos tudo, pagamos dívidas, estamos enfrentado obrigações do governo federal ­ aliás,
estamos  pagando  o  Sine,  que  o  governo  federal  abandonou  faz  muito  tempo,  que  é  esse  Serviço  [na  verdade,  Sistema]  Nacional  de
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estamos  pagando  o  Sine,  que  o  governo  federal  abandonou  faz  muito  tempo,  que  é  esse  Serviço  [na  verdade,  Sistema]  Nacional  de
Emprego, estamos pagando o combustível da Sucam [Superintendência de Campanhas de Saúde Pública] até há bem pouco tempo, que
fazia tempo que o governo federal abandonou, e estamos trabalhando lá sem problemas.
 
José Nêumanne Pinto: Quer dizer, estado que não investe em candidato consegue pagar as contas?
 
Ciro Gomes: Estado que investe com o povo consegue eleger o candidato.
 
Carlos Alberto Sardenberg: Quantos funcionários o senhor tem lá? Quantos funcionários tem o governo?
 
Ciro Gomes: 108 mil.
 
Carlos Alberto Sardemberg: Quanto?
 
Ciro Gomes: 108 mil.
 
Jorge Escosteguy: Fora os 38 mil que estão...?
 
Ciro Gomes: Fora 43 mil que foram eliminados. 43 mil cheques, não necessariamente pessoas, porque, no Ceará, quando nós assumimos,
tinha gente com seis empregos, sete, morando em Brasília, em Paris, em São Paulo...
 
Carlos Alberto Sardenberg: Agora, tem...
 
Ciro Gomes: ...108 mil e ainda tem um bocado de gente sem trabalhar.
 
Jorge Escosguy: Governador, o senhor falou na importância do papel do Estado e há vários telespectadores aqui preocupados com uma
questão, que é da migração cearense e de nordestinos em geral para o Sul do país. A Maria Luiza Veiga, do [bairro paulistano] Sumaré,
pergunta se o senhor tem algum projeto para a evitar a emigração. O Marcelo Morgado, de São José dos Campos, e o Mauro Carvalho, de
Jales, ambos no interior de São Paulo, perguntam se não é o caso... se o senhor defende o sistema de planejamento familiar. E o Lourenço
Lagoa,  de  Campinas,  pergunta  se  os  políticos  do  Ceará  ainda  continuam  oferecendo  passagens  só  de  ida  para  o  sul,  durante  as  suas
campanhas, em troca de votos.
 
Ciro Gomes: É bom a gente tratar essa questão pela sua raiz porque há muito preconceito e é uma coisa odienta que as pessoas imaginem
que brasileiro que nasce lá embaixo ou brasileiro que nasce lá em cima pode ou deve ser tratado de forma indigna. Para mim, isso é
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que brasileiro que nasce lá embaixo ou brasileiro que nasce lá em cima pode ou deve ser tratado de forma indigna. Para mim, isso é
intolerável. Eu não acho, como muitos aqui em São Paulo, que há uma conspirata contra os pobrezinhos do Nordeste; nem acho que o
Nordeste é um mar de rosas nas suas elites ­ acho o contrário, que boa parte dos nossos problemas nós devemos ao mau comportamento, ao
comportamento marginal da maioria das nossas elites políticas, econômicas e culturais. Mas uma coisa é certa: no Brasil, hoje... Onde é que
está  a  câmera,  para  a  eu  falar  assim,  olhando  para  as  pessoas?  [olhando  alternadamente  para  a  câmera  e  para  os  entrevistados  à  sua
esquerda] No Brasil, hoje, nós temos quarenta milhões de pessoas vivendo numa região em que há metade da renda per capita do resto do
país. Enquanto, no Brasil, um cidadão ganha, em média, 2000 dólares por ano ­ na média já aviltada pelo indicador do Nordeste ­, na minha
terra, um cidadão passa um ano inteiro e ganha 800 dólares. E essa estatística ­ por ano ­ também é uma falsidade, porque Fortaleza é um
centro de riqueza ­ como ele registrou aqui; tem muita distorção, muita concentração de renda e, também, interiormente, no Nordeste ­, de
maneira que a gente sabe que tem gente ganhando 70 ou 80 dólares por ano para viver. Quando vem uma seca, é um colapso total na
produção. E a seca já foi resolvida no Uzbequistão, na União Soviética, que é comunista; já foi resolvida na Califórnia, no Arizona, lá nos
Estados Unidos que são capitalistas; já foi resolvida, enfim, em todos lugares do mundo e nós temos a região semi­árida com o maior
indicador de pluviosidade do mundo com possibilidades concretas não de pena, de esmola, porque ninguém quer lá esmola e nem pena de
ninguém, mas de fazer de lá um lugar para as pessoas trabalharem, produzirem e não precisarem estender a mão para a ninguém. Isso só
vai mudar quando o país inteiro tomar consciência desse problema. É preciso, inclusive, passar por cima de alguns maus políticos, a ampla
maioria, até, dos políticos nordestinos, e a opinião pública brasileira tomar conhecimento disso. Porque não adianta, não adianta você
estimular as pessoas a ficarem lá se a TV Globo vende um padrão de consumo ilusório de São Paulo e do Rio e as pessoas estão morrendo
de fome lá. Elas vêm aqui para escapar, para sobreviver, mas elas gostam mesmo é de viver lá. Portanto, o que nós queremos é que a nação
faça pelos miseráveis do país, da periferia do Rio, da periferia de São Paulo. E, se fizer seriamente pelos miseráveis do país, estará fazendo
também pela região Nordeste. 
 
[sobreposição de vozes]
 
[...]: Eu queria também acrescentar uma coisa. o senhor...
 
Ciro Gomes: Ó, [eu falei da] Globo porque ela tem liderança e audiência; eu não tenho nenhum preconceito contra a Globo, não.
 
Juca Kfouri: Eu queria só fazer uma pergunta, porque eu acho que o senhor já deu esse exemplo ao inverso. Quer dizer, o senhor saiu de
Pindamonhangaba [SP] para o Ceará, em vez de ser um cearense que veio para o sul. Há um carioca que se fez nas Alagoas no Planalto [o
presidente Fernando Collor de Mello]. Este paulista de Pindamonhangaba pensa em parar onde?
 
Ciro Gomes: Eu penso em parar fazendo um bom governo no Ceará. É o meu sonho.
 
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Juca Kfouri: Aos 37 anos?
 
Ciro Gomes: 33.
 
Juca Kfouri: Não, aos 37 o senhor parará o seu governo...
 
Ciro Gomes: Não, eu sou professor da universidade, sou advogado e gosto dessas profissões, também.
 
Kleber de Almeida: Governador, o senhor falou que o estado do Ceará está tentando resolver o problema da seca que assola todo o estado
atualmente.
 
Ciro Gomes: É todo o Nordeste.
 
Kleber  de  Almeida:  Pois  é,  o  senhor  falou  também  nos  vícios  brasileiros,  nessas  gastanças  que  há  no  Brasil  e  também  no  mau
comportamento das elites. E aqui e no país todo se fala muito de um dos grandes vícios brasileiros, que seria justamente a indústria da seca.
Esse dinheiro... No caso do Ceará, não chegou nenhum neste ano, mas [isso] não é o que ocorre todos anos, vai­se muito dinheiro e esse
dinheiro acaba não beneficiando justamente aquele que sofre mais com a seca. O senhor concorda com isso?
 
Ciro Gomes: É evidente que não. O círculo vicioso perverso da miséria é o seguinte. Começa assim: o poder central brasileiro não se
sensibiliza. Desde Juscelino Kubitschek [presidente de 1956 a 1961], que foi o último presidente que encarou esse problema de forma
conseqüente, o poder central brasileiro, ditador, eleito, civil, militar, ninguém depois de Juscelino olhou para a questão regional com a
seriedade devida. Não tomou providência. Então, tem lá um ano de chuva, outro ano de chuva, as pessoas vão produzindo, produz o milho,
produz  o  feijão  de  subsistência,  vão  vivendo,  vão  se  arrumando,  vão  fazendo,  isso  acontecendo,  aquela  vidinha,  ninguém  toma
conhecimento do problema e a elite, o poder central brasileiro, não toma conta. Aí, vem uma seca. Quando vem uma seca, não tem jeito. A
seca é um colapso de 100% da produção, 100%. Você imagina um pai de família... E eu sou a favor do planejamento familiar feito pela
família,  não  feito  por  posição  de  niguém;  mas  deve  ser  educada,  a  família,  e  ela  deve  optar  por  quantos  filhos  devem  ter.  Este  é  o
planejamento familiar que eu sustento e nós, lá no Ceará, estimulamos essa discussão nos postos de saúde. É outra providência de costumes
com a qual nós estamos trabalhando lá. Mas, normalmente, famílias grandes têm 100% da sua produção perdida. As pessoas, naqueles dias
seguintes, não têm para comer e algumas pessoas em alguns pontos específicos não têm para beber, como acontece hoje ­ nós estamos
mandando carro, caminhão com tanque em cima levar água para algumas pessoas beberem. Nessa hora, não tem outro jeito, tem que
acudir. Tem que acudir mesmo, com comida, tem que acudir com água e nós estamos procurando inovar um pouco para conseguir um
ganho  político  na  organização  dessas  pessoas,  primeiro  falando  para  elas  todo  dia,  pondo  nas  suas  cabeças  que  o  problema  não  é  da
natureza, é do homem, é da irresponsabilidade do homem, o que está sendo ensinado todo dia no Ceará. Nós queremos ensinar isso onde
pudermos, para a as pessoas tomarem consciência dos seus problemas. Assim, um dia vai, realmente, acontecer uma verdadeira mudança.
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pudermos, para a as pessoas tomarem consciência dos seus problemas. Assim, um dia vai, realmente, acontecer uma verdadeira mudança.
 
Hugo Studart: Os senhores a ensinam a fazer o que, na prática?
 
Ciro Gomes: Não, a inovação é o seguinte: ao invés de dar, nós estamos comprando a força de trabalho dessas pessoas para obras de
impacto comunitário de ação permanente num programa, que é permanente, de ação da seca. Por exemplo, naquelas áreas onde falta água,
onde hoje está passando o caminhão, nós estamos construindo cisternas, grandes caixas d’água no chão para captação de água da chuva.
 
José Nêumanne Pinto: Mas as frentes de trabalhos não são já uma tradição na seca nordestina?
 
Ciro Gomes: As frentes de trabalho ­ que são essa indústria da seca que eu denuncio, também ­ são o seguinte: finge­se pagar uma ninharia
e as pessoas fingem trabalhar. Fingem trabalhar. Como regra, era dado aos cabos eleitorais e afilhados de coronel o direito de recrutar as
pessoas; então, isso gerava uma cadeia de dependência. Hoje, é diferente. Hoje, nós temos o que chamamos “Grupo de Ação Comunitária”:
a Igreja, o sindicato rural, o clube de serviço, uma representação política municipal, os órgãos estaduais envolvidos etc são agrupados,
discutem que obras vão fazer, discutem quem são as populações que vão ser recrutadas, discutem a prioridade, selecionam as pessoas que
vão entrar e pagam.
 
José Nêumanne Pinto: Quer dizer que a indústria da seca passou a ser o sindicato da seca?
 
Ciro Gomes: Você não vai querer que deixem seus conterrâneos morrerem de fome. Na Paraíba, tem muita gente sofrendo.
 
Hugo Studart: Governador, eu queria entender uma coisa do senhor. O senhor foi eleito como candidato o anti­coronelismo no Ceará.
Aliás, o seu antecessor, o governador Tasso Jereissati, também foi eleito como candidato do anti­coronelismo. Só que, desde o governador
Tasso Jereissati, praticamente, os grandes coronéis sumiram: Virgílio Távora [(1919­1988), governador do Ceará de 1963 a 1966 e de 1979
a 1982] morreu, César Cals [(1926­1991), governador do Ceará de 1971 a 1975] não foi eleito nem mais síndico, [José] Adauto Bezerra
[governador do Ceará de 1975 a 1978] também... bom, ele tem lá um emprego na Sudene [Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste], não é? Eu queria saber o seguinte...
 
Ciro Gomes: A Sudene é o órgão gestor da política de desenvolvimento da região do Nordeste, que concentra 29% da população do Brasil.
 
Hugo Studart: Certo, certo. Agora, eu queria saber o seguinte: na prática, no que o senhor e o governador Tasso Jereissati são diferentes
dos  coronéis?  O  senhor  falou  agora,  por  exemplo,  das  frentes  de  trabalho. Antigamente,  os  coronéis  iam  lá,  recrutavam  as  frentes  de
trabalho, davam um salário simbólico de meio salário mínimo, o cara fingia que estava trabalhando, ganhava um pouco de comida, um
pouco de água e ficava tudo como está. Hoje, o senhor disse que as pessoas vão lá, também ganham meio salário mínimo; a diferença é que
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pouco de água e ficava tudo como está. Hoje, o senhor disse que as pessoas vão lá, também ganham meio salário mínimo; a diferença é que
há uma certa conscientização política, ou seja, vamos votar nos... quem sabe até no PSDB ­ antes, era no PDS [Partido Democrático
Social]... 
 Ciro Gomes: Não, em absoluto. A diferença fundamental... Eu estou entendendo. A diferença, é interessante que a gente faça. A diferença
fundamental é a seguinte. O coronelismo é um fenômeno que não acabou, está longe de acabar, porque ele viceja em ambientes de grande
miséria. E o ciclo vicioso da miséria funciona assim: quando as pessoas não têm para comer, não tem para vestir, não tem para morar, elas
estão  muito  vulneráveis. A  hierarquia  do  coronelismo,  que  tem  suas  representações  locais  etc.  ­  não  é  nem  por  maldade,  isto  é  um
fenômeno sociológico ­, acham que o bom de ser feito é dar o que puder ser dado. Dar para as pessoas o que puder ser dado, quase sempre
fazendo chegar para as pessoas o que é dever do Estado promover como se fosse um favor e pedindo em troca a alma das pessoas. Isso é o
coronelismo, que ainda esta vivíssimo aí, no Nordeste. Está sofisticado, tem computador, conhece contabilidade financeira, mas ainda está
vivo e forte. A nossa atitude, qual é? Nós procuramos passar para as pessoas que aqueles deveres básicos do Estado correspondem a
direitos inerentes à cidadania das pessoas e que elas têm direito de exigir; e, recebendo, nada estão devendo em troca a ninguém, senão ao
seu direito de cidadania. Não se fala em voto, porque essa coisa é feita para amarrar: a Igreja é envolvida, o sindicato dos trabalhadores é
envolvido, o sindicato patronal é envolvido; o Rotary Club, onde tem; o Lions Club, onde tem. Porque nós queremos, com isso, neutralizar
esses agentes...
 
Hugo Studart: Mas não são quarenta milhões de miseráveis?
 
Ciro Gomes: É lógico.
Hugo Studart: E como é que com o governador do Ceará, por exemplo...
 
Ciro Gomes: O recurso, o recurso para a subverter essa estrutura perversa não está nas nossas fronteiras, mas podemos cumprir a nossa
parte. Hoje, o estado do Ceará está cumprindo a sua parte. Nenhum estado do Brasil ­ olhe o que eu estou lhe dizendo ­ nenhum estado do
Brasil ­ é até ousadia falar isso em São Paulo ­ tem a relação financeira, a saúde financeira relativa que o estado do Ceará tem hoje.
Nenhum estado...
 
José Nêumanne Pinto: Nem o Paraná?
 
Ciro Gomes: Nenhum estado.
 
José Nêumanne Pinto: Nem o Paraná?
 
Ciro Gomes: A  relativa,  nenhum.  O  Paraná  também  está  com  suas  contas  em  dia,  mas  a  capacidade  de  investimento  do  Paraná,  em
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Ciro Gomes: A  relativa,  nenhum.  O  Paraná  também  está  com  suas  contas  em  dia,  mas  a  capacidade  de  investimento  do  Paraná,  em
proporção, é menor do que a nossa...
 
Jayme Martins: E os grandes projetos do Ceará, como a refinaria da Petrobras, a siderúrgica do Nordeste, a exploração de urânio da
[jazida da] Itataia, quais as perspectivas desses empreendimentos durante a sua gestão?
 
Ciro Gomes: É o que eu estou dizendo. É complementar à resposta dele. O estado tem, hoje, recursos para a cumprir suas obrigações
correntes. Mas a alteração da nossa infra­estrutura econômica hostil, a modernização do perfil da produção do Ceará ­ libertando­nos da
produção primária de subsistência, que é milho e feijão, que só dá para a pessoa comer até novembro, dezembro e, depois, ela começa a
olhar lá para o céu, rezar para a São Pedro para a chover e, depois, esse ciclo, de novo ­, para isso, não temos os recursos. O que nós
fizemos?  Nós  conseguimos  mapear  as  oportunidades  do  Ceará  ­  isto  também  é  um  papel  do  estado  ­  mapear  as  oportunidades  de
investimentos do Ceará, avançamos até a construção de projetos, procuramos parceiros financeiros, procuramos agenciar recursos externos
e federais para o financiamento dessas obras. E, infelizmente, até aqueles que nós conquistamos com o nosso esforço isolado, sem apoio de
ninguém... Como, por exemplo, um financiamento do Ex­Im Bank do chamado Fundo Nakasone ­ que é, verdadeiramente, o fundo de
reciclagem do saldo da balança comercial japonesa ­, para financiar um trem de superfície em Fortaleza; hoje, tem um cidadão ­ não posso
dizer o que eu penso o mesmo ­, um cidadão querendo transportar esse recurso para os metrôs de São Paulo e do Rio.
 
Juca Kfouri: O senhor pode dizer...
 
Ciro Gomes: O nome dele? É o secretário nacional de Transportes. Chama­se d'Amorin, [José] Henrique d'Amorin [de Figueiredo]. Fez o
seguinte. É uma pérola que nós temos lá. Diz lá o seguinte: que não é mais missão da União contratar sistema de transporte de massa, a
partir da nova Constituição; por isso, se o Ceará quiser, que ele contrate com o Japão o empréstimo, ponto. Caso o Ceará não queira
contratar, a União deve contratar e levar para São Paulo e para o Rio, para o metrô e tal. Está lá.
 
José  Nêumanne  Pinto:  Se  eu  entendi  bem  o  raciocínio  do  Hugo,  ele  quis,  pelo  menos  insinuou,  ele  perguntou  se  não  havia  um
"neocoronelismo", quer dizer, se não havia um novo tipo de coronelismo nessa atitude desse grupo...
 
Ciro Gomes: É um risco, eu acho que o poder é perverso por definição, vale a pena ser vigiado, vale a pena ser vigiado sempre. Esse
negócio de a gente estar no poder deve ser sempre uma coisa muito transitória. Mas quem está no poder não tem essa consciência plena;
então, quem deve ter esta consciência é a população.
 
Carlos Alberto Sardenberg: [sorrindo] Se, de repente, o senhor começar a dar uma de coronel, o senhor quer que a gente avise.
 
Ciro Gomes: Tem que fazer, tem que criticar e as pessoas... Mas não vai mais acontecer no Ceará nenhuma vez.
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Ciro Gomes: Tem que fazer, tem que criticar e as pessoas... Mas não vai mais acontecer no Ceará nenhuma vez.
 
Jorge  Escosteguy:  Governador,  vamos  ter  que  fazer  um  rápido  intervalo.  O  Roda  Viva  volta  daqui  a  pouco,  entrevistando  hoje  o
governador eleito do Ceará, Ciro Gomes. Até já.
 
[intervalo]
 
Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o governador eleito do Ceará, Ciro Gomes. Governador, tem
um conterrâneo seu aqui, o Ricardo Sérgio de Araújo; ele ligou lá de Fortaleza bravo porque o senhor chamou o governo Collor da coisa
mais atrasada que existe na política brasileira, fisiológica etc.
  
Ciro Gomes: Não, não é. Se eu falei, quero pedir desculpas, porque não é. É só atrasado.
 
Jorge  Escosteguy:  Ele  pergunta,  então,  como  o  senhor  explica  a  sua  trajetória  política  partidária,  passando  do  PDS,  onde  o  senhor
começou, para o PMDB e agora para o PSDB?
 
Ciro Gomes: A minha trajetória é a seguinte: o meu pai era prefeito de Sobral e eu era militante do movimento estudantil na universidade
em Fortaleza.
 
[...]: PC do B [Partido Comunista do Brasil]?
 
Ciro Gomes: Não, PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Vinculado; nunca tive carteirinha, não. A aproximação era mais com a esquerda
católica, um grupo...
 
Jorge Escosteguy: O senhor nuca foi um comunista de carteirinha?
 
Ciro Gomes: Não, nunca tive disciplina para a isso, embora tenha sonhado. Quando vieram as eleições de 1982 [para governador, senador
e  deputado  federal],  estava  em  marcha  a  sucessão  do  meu  pai  na  prefeitura  de  Sobral.  Em  Sobral  não  havia  o  MDB  [Movimento
Democrático Brasileiro], as forças estavam subdivididas em sublegendas. Então, em função da vinculação de votos a que se obrigava
naquele tempo e para não ficar contra o meu pai, eu me filiei na véspera do prazo se extinguir. Fui candidato; em seguida, passei para a
oposição,  que  era  o  PMDB.  Na  sucessão  presidencial,  não  concordei  com  o  encaminhamento  da  convenção  democrática  legítima  que
encaminhou a candidatura do dr. Ulisses Guimarães [1916­1992], como discrepei da orientação do partido à orientação central, e fui para o
PSDB. É assim que eu explico.
 
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Juca Kfouri: Governador, o senhor sabe que ser do PCB pode não dar nenhum futuro, mas dá um baita passado. Aproveitando um pouco
essas siglas em extinção na nossa esquerda, o que o futuro pode reservar ao PSDB, agora que ele está na encruzilhada de se definir de vez
como um partido, com sonhos de...
 
Ciro Gomes: O que eu penso sobre isso é que nós devemos já ­ porque isso deve ser já, mesmo, em função de um certo vácuo político que
eu estou vendo insidiosamente aumentar no país ­, nós devemos formular um projeto alternativo para o Brasil que tenha a coragem de falar
objetivamente em relação aos problemas objetivos da população brasileira, [contendo] o que nós faríamos, se estivéssemos no governo,
sobre a dívida externa, sobre a política fiscal, sobre a política monetária, sobre a política de rendas, sobre a ciência e tecnologia, sobre a
 
[sobreposição de vozes]
 
Ciro Gomes: Deixa eu... isso é um raciocínio encadeado. Feito isso, nós devemos arregaçar as mangas e militar. Militar de manhã, de tarde
e de noite  em  cima de tamborete, em cima de caixa de cerveja, em cima de  banco,  em  cima  de  palanque,  mostrando  ao  país  que há
alternativas para nós sairmos desta crise interminável, sem demagogia, sem populismo, sem promessas messiânicas, sem necessariamente
termos que apelar por uma liderança carismática, personalista, que seja o nosso "paizão", mas que passe por para o povo a virtude de uma
sociedade consciente dos seus problemas, que saiba que não tem saída sem sacrifício. E vamos conhecer bem esse sacrifício e vamos
repartir de forma socialmente justa esse sacrifício. Essa é a saída do PSDB. Se nós fizermos isso com a disciplina...
 
Juca Kfouri: Quem carrega essa bandeira com o presidente do PSDB? Alguém do grupo Covas ou do grupo Jereissati?
 
Ciro Gomes: Nós vamos começar a discutir esse problema. O grupo Jereissati, primeiro, não existe. Nós temos uma certa aversão a essa
coisa que corresponde muito a essa tradição negativa do Ceará. O Tasso é uma liderança que hoje não se confina mais às fronteiras do
estado do Ceará, pelo seu exemplo, pelo que ele significa concretamente, pelo que ele pode fazer ­ ou pelo Ceará, ou pelo Nordeste, ou
pelo Brasil, não importa. Ele, até, não deseja fazer nada; alugou um apartamento e vai lecionar nas universidades de Nova Iorque nos
próximos três meses, quando sair. Essa é a intenção dele: voltar para as empresas. Nós é que achamos que ele não tem o direito de fazer
isso. Mas o que nós devemos fazer? O PSDB é pequeno demais para ter desavenças entre pessoas, desavenças conceituais; devemos dirimi­
las com uma discussão franca.
 
José Nêumanne Pinto: Agora, é pequeno, mas já foi um pouco maior. Eu queria justamente fazer essa observação. O PSDB tinha a quarta
maior bancada na Câmara e hoje tem a sétima, só tem um deputado a mais do que o PT. Não está na hora de o PSDB ser um pouquinho
mais humilde, ouvir mais e entrar na cena política com menos da arrogância das estrelas do PSDB?
 
Ciro Gomes: Eu não vejo essa arrogância, não. Eu vejo...
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Ciro Gomes: Eu não vejo essa arrogância, não. Eu vejo...
 
José Nêumanne Pinto: O PSDB não está na hora de largar esta esquizofrenia?
 
Ciro Gomes: Eu não vejo isso. Eu não vejo esquizofrenia nem arrogância. Eu vejo é um sonho, um ideal muito forte de pessoas que não
estão dispostas a abrir mão, a deixar por menos.
 
Juca Kfouri: Tem uma esquerda velha no PSDB, governador?
 
Ciro Gomes: Não, tem alguns ranços de opinião, ainda, e é natural. Pessoas que sofreram ­ que não é meu caso, eu não sou herói da
resistência, eu posso analisar a ditadura e as suas mazelas como um fato da história, um fato negativo ­, gente que foi cassada, gente que foi
perseguida, gente que viu companheiros serem exilados ou torturados naturalmente vão morrer com seqüelas e vão ter sempre essa visão ­
respeitável, mas equivocada, de certa forma ­ do espectro político.
 
Carlos Alberto  Sardenberg:  Governador,  eu  queria  voltar  à  pergunta  daquele  seu  conterrâneo;  se  o  senhor  pudesse  esclarecer  a  sua
posição em relação ao governo Collor, porque o seu conterrâneo reclamou que o senhor falou que era todo fisiológico e o senhor disse que
não...
 
Ciro Gomes: Não foi assim, também; não sei se eu me apaixonei aqui pela tese. O que eu penso do governo Collor é o seguinte. Nós
temos um presidente voluntarioso, com coragem política, porque teve coragem de seqüestrar ativos financeiros, tem coragem de fazer tudo
o que for possível e nós precisamos de gente assim. Um presidente que é obstinado ­ e isso também é virtude, é qualidade ­, um presidente
que tem um discurso social­democrata ­ e isso também é muito interessante ­, um presidente que tem uma equipe econômica funcionando
de forma coerente, de forma articulada, de forma séria, de forma corajosa ­ também é uma virtude desse governo. Mas no que eu estou
preocupado,  especialmente em direção ao meu conterrâneo, é com o seguinte: o governo Collor, para operar, um governo que promete um
"Brasil Novo" [esse era o nome do primeiro plano econômico de Collor, ou Plano Collor], um governo que promete moralização, um
governo que promete acabar com a mordomia, um governo que promete acabar com o tráfego de influência, é nesse governo que eu tenho
preocupação. É um governo que nós todos desejamos ­ desejaríamos. O que aconteceu? Quando ele assumiu, encontrou um Congresso e
alguns atores da política nacional muito antigos, muito conhecidos na sua prática viciada. As pessoas conhecem quem são. Quando eu falo
"carteira de identidade", é porque são os mesmos que estavam no governo [José] Sarney [1985­1990], no governo Figueiredo [(1918­
1999), presidente de 1979 a 1985] etc, que tomaram conta do Estado brasileiro, tomaram conta para nomear afilhado, para tomar conta,
para fazer falcatrua em Banco, para acobertar...
 
José Nêumanne Pinto: Mas, se o PSDB não quis conversar com o presidente, o que que ele podia fazer?
 
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Ciro Gomes: Não, o PSDB quis conversar, o PSDB quis conversar com o Brasil e ofereceu o seu melhor quadro para ser o presidente do
Brasil. Quando perdeu, seria arrogante que o PSDB agora fosse ensinar o presidente Collor como fazer. Nós temos é ter a humildade, aí,
sim...
 
José Nêumanne Pinto: [fala junto com Ciro] [...] conversar com o PSDB e não conseguiu. 
 
Ciro Gomes: Nunca, nunca! Ele mande me chamar, [já que] eu sou do PSDB, para conversar sobre qualquer assunto, que eu, de graça,
digo que apóio, por exemplo, a austeridade monetária; disse aí, claramente...
 
Juca Kfouri: Governador, ele chamou publicamente...
 
Ciro Gomes: Não é assim que se faz política.
Juca Kfouri: ...o então presidente do PSDB, Franco Montoro, para conversar.
Ciro Gomes: Ele foi lá, o presidente foi lá e conversou...!
Juca Kfouri: Pois é, a pergunta que recoloca um pouco do que eu comecei a perguntar...
Ciro Gomes: Ir lá e conversar, tudo bem. Agora, o problema é esse: nós estamos precisamos é de conversa?
[...]: O senhor subiria a rampa [do Palácio do Planalto]?
Ciro Gomes: Mas é claro! Aliás, eu subi uma vez, assumindo o governo do estado, tendo uma pauta para discutir com o presidente. Eu,
como lhe disse, tenho admiração por várias qualidades do presidente. 
[sobreposição de vozes]
Carlos Alberto Sardenberg: O que está errado e o que que está certo nesse governo aí? O que está errado e o que está certo?
Ciro Gomes: Isso, eu vou concluir; o que me incomoda, o que me incomoda é o que está se cristalizando como face política do governo.
Quem são os homens que dão o tom da face política do governo. Isso é o que me incomoda.
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José Nêumanne Pinto: Quem são?
 
Ciro Gomes: Quem são os partidos que dão o tom. 
 
José Nêumanne Pinto: Eu lhe pergunto quem são?
 
Ciro Gomes: Você conhece. Eu não quero ser indelicado, mas é o PDS, o PFL [Partido da Frente Liberal, depois DEM, Democratas], o
PTB [Partido Trabalhista Brasileiro]...
 
José Nêumanne Pinto: [tenta interromper Ciro]
 
Ciro Gomes: ...que são partidos respeitados no aspecto político, mas, evidentemente, não representam mais o novo...
 
José  Nêumanne  Pinto:  Governador,  num  país  em  crise  econômica  como  o  Brasil,  o  importante  é  a  economia.  Na  atual  situação,  a
importância fundamental é da economia. Então, o senhor diz o seguinte...
 
Ciro Gomes: Mas tem equívocos...
 
José Nêumanne Pinto: ...o governo Collor tem uma excelente equipe econômica, mas o governo é outro...
 
Ciro Gomes: Mas tem equívocos também na economia e na gestão política. Você não tem departamentos para administrar um país; a
administração é uma coisa absolutamente interconectada e é dever de um governante democrático legitimar seus atos de forma rotineira,
cotidiana. A legitimidade original do seu mandato só lhe garante a nobreza de um mandato originário da vontade popular, mas não dá a
ninguém, numa democracia sadia, o direito de governar solitariamente, dizer e fazer...
 
[sobreposição de vozes]
 
Carlos Alberto Sardenberg: Eles mandam embora esse pessoal e pegam quem?
 
Ciro Gomes: Esse é um problema de quem está liderando. 
 
[...]: Par um presidente eleito pelo povo...
 
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Ciro Gomes: Só um minuto. O que é que eu defendo, também, para esta questão? O que eu defendo é um grande entendimento nacional.
Defendo assim: entendimento nacional não é juntar interesses episódicos da CUT [Central Única dos Trabalhadores] e da Fiesp [Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo] e concordarmos que tem que reindexar salário e preço. 
 
[...]: Claro...
 
Ciro Gomes: Isso não é entendimento nacional. O que é que eu defendo? Chamar todos os atores da sociedade brasileira: o presidente ­
porque cabe a ele liderar este processo ­, os governadores, os deputados, os sindicatos, as centrais sindicais, as centrais patronais, enfim,
sentar  e  discutir:  "O  Brasil  quebrou,  faliu;  esta  crise  não  é  episódica,  é  uma  crise  definitiva,  ela  é  genética  a  este  modelo  de  Estado
brasileiro. Somos nós, aqui, os brasileiros, que temos que resolver este problema. Isso só vai ser feito, na minha opinião, se se fizer isso,
isso e isso. Vocês concordam?" Não, não concordam; bota isso, tira aquilo, faz isso ­ discute­se e, aí, faz­se um pacto nacional. Isso é o que
eu defendo.
 
Juca Kfouri: Governador, eu só queria que o senhor se imaginasse um pouco na pele do presidente, eleito com 35 milhões de votos; um
ano, um ano, um ano e meio antes tendo como candidato [...] dele o senador Mário Covas [antes de candidatar­se à presidência, Collor
propôs a Covas uma chapa com Covas presidente e Collor vice]; por circunstâncias conhecidas, sai a sua candidatura, o senhor [imaginado
na pele de Collor] acena para isso que nós, que a elite, a vanguarda intelectual brasileira considera o que há de mais bem­pensante no país ­
nomes como José Serra, Fernando Henrique, Mário Covas ­ e há de volta apenas xingamentos.
 
Ciro Gomes: Eu não concordo; eu acho que o PSDB não deve ser confundido com o PT nem com o PDT. Eu acho que eu não estou
conseguindo me expressar bem. O que eu acho...
 
Juca Kfouri: [tenta interromper Ciro]
 
Ciro Gomes: Só um minutinho, agora eu vou tentar me explicar bem. Vou tentar me explicar bem. O que eu acho é que o PSDB deve
afirmar a sua identidade. Como? Formulando um projeto para o Brasil itemizado: saúde, educação, dívida externa, ciência e tecnologia,
ecologia, política monetária, política fiscal ­ para ficar aqui em alguns temas que estão na minha cabeça. O PSDB devia fazer assim. Com
isso, nós temos um referencial para afirmar a nossa identidade e para estabelecer balizas para a nossa relação com os outros atores da cena
social, entre eles o presidente. Suponha que, concluído este projeto, o presidente diga: "Era isso que eu queria fazer" ­ e passa a fazer. Nós
estamos obrigados moralmente a bater palmas, a apoiar, a colaborar, a contribuir como for necessário.
 
Juca Kfouri: E dar a cara para bater?
 
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Ciro Gomes: Como for necessário. Mas o que não pode é o PSDB, chamado por notinha de jornal, que a gente não sabe se é verdade... Eu
francamente digo nas reuniões que é mentira, porque, quando alguém diz "o presidente está doido para botar não sei quem não sei onde no
ministério", eu digo "estão trabalhando todos em equívoco; ele não quer, nunca quis isso, não parece querer, nunca desejou."
 
Jorge Escosteguy: É culpa da imprensa?
 
Ciro Gomes: Não, culpa da imprensa, é evidente que não; é culpa talvez dos interessados que colocam. 
 
Jorge Escosteguy: Não é a imprensa.
 
Ciro Gomes: Não, a imprensa, não; a imprensa repercute o que ouve.
 
Andrew Greenlees: O senhor falou da necessidade de o PSDB formular um projeto, dar identidade ao PSDB. Agora, não há uma certa
crise de identidade no partido com pessoas? 
 
Ciro Gomes: [interrompendo] Lógico. Tem.
 
Andrew Greenlees: O senhor aqui está defendendo um diálogo com o governo federal e, ao mesmo tempo, pessoas estão conversando
com o governador Leonel Brizola [(1922­2004), governador do Rio Grande do Sul de 1959 a 1963 e do Rio de Janeiro de 1983 a 1987 e de
1991 a 1994] e falando até em aliança e possivelmente até em fusão. Quer dizer, como é, qual é a crise, como é que se resolve essa crise de
identidade?
 
Ciro Gomes: Esse é um problema que nós temos. Eu acho que, no nosso calendário, é um dos primeiros problemas. A propósito, vamos
estar reunidos depois de amanhã...
 
Andrew Greenlees: O que o senhor acha das conversas com o governador Brizola?
Ciro Gomes: O meu vice [Lúcio Alcântara, governador do Ceará de 2003 a 2007] é do PDT [Partido Democrático Trabalhista]. Eu acho
que conversar não faz mal. O que eu vejo é o seguinte: o Brasil tem uma cultura de pirilampo na política. Onde tem a luz, gravitam os
pirilampos. Então, nós temos três grandes luzes, três grandes focos de luz hoje, na opinião pública: o governador Quércia [governou São
Paulo de 1987 a 1991], o governador Brizola e o presidente Collor; e nós somos os pirilampos. Agora, nós não somos obrigados a gravitar
em torno de uma lâmpada só.
 
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Jorge Escosteguy: O senhor pirilampa em qual deles?
 
[risos]
 
Ciro Gomes: Eu vou dizer. Nós não somos obrigados a ficar gravitando em torno de uma luz só. É um pirilampo metido a besta, que quer
virar luz ­ que, na verdade, não é um pirilampo, é um vaga­lume.
 
José Nêumanne Pinto: Está sem cacife, está sem cacife...
 
Ciro Gomes: Mas cacife se constrói na luta.
 
José Nêumanne Pinto: Sétimo na bancada...
 
Ciro Gomes: Qual é o problema, qual é o problema? Nós não estamos querendo aderir a ninguém.
 
José Nêumanne Pinto: ...e continua se comportando de uma forma que não condiz com aquilo que o senhor falou, que o senhor é um
homem prático na política. Então, eu vou lhe dizer uma coisa: que o PSDB não é um partido prático na política, que é um partido que é
comandado por pessoas que perdem a eleição e que as pessoas que ganham a eleição dentro do partido são obrigadas a obedecer os ditames
dos que perdem seguidamente eleições. Eu não vejo onde está a pragmática desse partido.
 
Ciro Gomes: Um minutinho, Nêumanne. Você é um excelente jornalista, eu sei que, evidentemente, está só provocando aqui o neopolítico
que está ensaiando seus primeiros passos na capital do país. 
 
[risos]
 
Ciro gomes: O governador Quércia, hoje, é desenhado pela grande mídia nacional como o grande vitorioso. Acabou de perder as eleições
para a prefeitura de São Paulo. Então, um partido se faz com serenidade. Temos que ter uma fixação do que nós desejamos, que é organizar
a sociedade brasileira. 
 
Juca Kfouri: Mas a questão...
 
Ciro Gomes: Deixa eu só dizer... Nós queremos isso. Então, tenha paciência; se nós vamos conquistar isso com o poder ou na oposição,
isso é um problema nosso, que nós vamos ter que resolver. 
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isso é um problema nosso, que nós vamos ter que resolver. 
 
[sobreposição de vozes]
 
Ciro Gomes: Isso é uma questão verdadeira, o que você falou; nós temos uma crise de identidade que, taticamente, é a primeira coisa que
tem que se resolver.
 
Juca Kfouri: Mas a questão, às vezes... Parece­me que o político que vem lá de cima ainda tem uma noção que, me parece, a própria
eleição do presidente Collor jogou por terra. Será que, pelo fato de um ser governador do Rio e o outro ser um governador que acaba de
fazer um sucesso estrondoso nas eleições de São Paulo, necessariamente significam duas grandes luzes?
 
Ciro Gomes: Luzes, são; não significam necessariamente nada...
 
Juca Kfouri: Luz que ilumina a treva ou luz que vem no sentido contrário?
 
Ciro Gomes: Luz, luz que chama a atenção, luz que chama a atenção, que pode queimar facilmente...
 
Andrew Greenlees: O senhor prefere a luz do Quércia ou a luz do Brizola?
Ciro Gomes: Vale preferir a luz do PSDB?
 
Andrew Greenlees: Vale.
 
Jayme Martins: Governador, insistindo um pouco no administrativo, o senhor disse, no bloco anterior, que...
 
Ciro Gomes: Entenda bem, o que eu chamo de "luz" é o seguinte: são pólos de atração da opinião. Todos dizem isso, que são os grandes
pólos de poder. Amanhã, pode não valer nada; num país complexo como o Brasil, pode não ser nada. 
 
[...]: Já foi o Ulisses...
 
Ciro Gomes: Apenas confirmo.
 
José Nêumanne Pinto: Não se esqueça de que o Quércia ganhou a eleição para governo do estado, mas está enfrentando um grande
problema de imagem nacional, porque a administração dele não está conseguindo pagar os vencimentos dos funcionários do maior estado,
27/10/2016 :: Memória Roda Viva ­ www.rodaviva.fapesp.br ::
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problema de imagem nacional, porque a administração dele não está conseguindo pagar os vencimentos dos funcionários do maior estado,
São Paulo. Então, a luz não está brilhando de forma tão ofuscante assim.
 
Ciro Gomes: Quem sabe é porque a treva é tão grave que uma mera tinta fosforescente parece luz.
 
Jayme Martins: O senhor disse que o governo Tasso conseguiu dobrar a área da agricultura irrigada durante os últimos quatro anos. 
 
Ciro Gomes: Isso.
 
Jayme Martins: O que significa agricultura irrigada no Ceará, em termos de iniciativa pública, privada, coletiva, cooperativizada?
 
Ciro Gomes: Olha, no plano federal, foram as primeiras grandes tentativas. Inclusive, é um crime que a imprensa nacional devia nos
ajudar a desvendar. As melhores terras, contíguas aos maiores reservatórios de água no Ceará, são hoje terras públicas, pertencentes ao
governo federal. Criminosamente fora da produção. Algumas porque se tentou moldar ali um kibutz de cima pra baixo, sem dizer para as
pessoas  como  era,  com  funcionários  corruptos  etc.;  outras,  porque  tentaram  moldar  um  modelo  cooperativado  em  que  não  eram  os
cooperativados que geriam a sua cooperativa, mas também funcionários mal interessados em ganhar eficiência, em ganhar lucratividade ­
para ficar no menor dos problemas, enfim ­ ou, criminosamente, simplesmente fora da produção, totalmente. Como está [a chapada do]
Apodi [na fronteira com o Rio Grande do Norte], onde se construiu até um aeroporto maior do que o aeroporto Pinto Martins, de Fortaleza,
para decolar boeing nos sonhos mirabolantes dos tecnocratas.
 
Jose Nêumanne Pinto: [sorrindo] É maior do que o de Mombaça [CE]?
 
Ciro Gomes: Em Mombaça não tem aeroporto, não. 
 
José Nêumanne Pinto: Não?
 
Ciro Gomes: Não, não tem, não.
 
[risos]
 
Ciro Gomes: Tem campo de pouso de terra.
 
Jayme Martins: Mas como entram na irrigação as iniciativas pública, privada e coletiva?
 
27/10/2016 :: Memória Roda Viva ­ www.rodaviva.fapesp.br ::
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Ciro Gomes: Em função da desmoralização desses grandes modelos concentrados, nós imaginamos ­ esse é um projeto que nós estamos
tocando ­ que é melhor disseminar muitas pequenas unidades de produção agrícola irrigada. Então, nós chamamos lá de "kit de irrigação".
Um kit de irrigação é responsável por uma produção de três hectares e meio. Três hectares e meio é uma relação que dá para a sustentar
bem, capitalizar bem, fazer crescer a renda de uma família.
 
Jayme Martins: E esse kit é privado ou é público?
 
Ciro Gomes: É privado. É privado para as pessoas, mas apenas fazemos o seguinte: exigimos, eventualmente, do proprietário da terra que
ele faça uma carta de anuência não cobrando renda daquele sem­terra que está produzindo naquele setor. E financiamos; não é dado, é pago
depois com a produção de grãos. Agora, tem kits flutuantes. É uma idéia, também: você bota, em cima de um barquinho de fibra de vidro,
uma bomba de aspersão e este kit flutuante circula todo em torno dos grandes açudes, irrigando duzentos ou trezentos metros de margem
dos grandes reservatórios. Isso dá para atender muitos produtores e é comunitário, não pertence a um ou a outro. E temos um modelo
interessante que está dando uma grande rentabilidade, que é o pivô central. Aí, nós já conseguimos um estágio mais sofisticado. Nós
desapropriamos a terra e organizamos um condomínio, que é uma pré­empresa, é uma estrutura pré­empresarial ­ não é empresarial, não é
cooperativa, é uma coisa que tem que se respeitar para ir vencendo pouco a pouco o individualismo que é próprio da cultura nordestina; e
eles vão vencendo as desconfianças entre si na quantidade de trabalho que cada um põe naquilo que é demarcada pelas suas áreas, embora
as estruturas comuns sejam comunitárias. E isso está dando boa rentabilidade, já em escala econômica.
Juca Kfouri: Pelo que eu estou entendendo...
 
Hugo Studart: Desapropria dos proprietários grandes? Os pequenos...
 
Ciro Gomes: Só pode desapropriar dos grandes. Os pequenos, nem o Estatuto da Terra permite.
 
Juca  Kfouri:  Pelo  que  eu  estou  entendendo,  esse  modelo  é  muito  parecido  com  o  que  o  governador  Montoro  tem  em  São  Paulo:
descentralização, pequenas obras. O senhor deu, inicialmente, o exemplo de que as carteiras escolares do Ceará eram feitas no Paraná e
hoje são feitas na própria comunidade. Isso talvez explique a afinidade que existe entre o governador Montoro e o governador Jereissati
nessa...?
 
Ciro Gomes: Nós admiramos o governador Franco Montoro pelo seu governo, pela sua experiência, pelo seu discurso, enfim, por todas as
razões. Não é o nosso guia na experiência do Ceará, que é uma experiência muito produzida lá, neste feedback constante de estimulação da
organização da nossa população.
 
27/10/2016 :: Memória Roda Viva ­ www.rodaviva.fapesp.br ::
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Juca  Kfouri:  Governador,  mas  dá  sentido  a  essa  união  dentro  do  partido  entre  o  governador  Jereissati  e  o  governador  Montoro  na
direção...
 
Ciro Gomes: Nós estamos todos unidos no PSDB. Vocês vão ver claramente isso, proximamente. Pode esperar.
 
Jorge Escosteguy: Governador, por favor, o senhor respondeu, já, as perguntas de Francisco Freitas de Iracema, do Ceará, e de Jarlei de
Araújo, de Juazeiro. Mas o pessoal do Ceará continua telefonando e há algumas pessoas aqui meio irritadas com o senhor; e o professor
Haroldo, de Sobral, sua terra de adoção, telefonou para perguntar se a política educacional do seu governo vai continuar sendo como a do
governo atual ­ ou seja, de total desprezo ao profissional de escola pública. A Maria das Graças Leite, de Juazeiro, também pergunta se o
senhor vai rever a situação do professorado. O Rômulo Araújo, que é vereador na cidade de Barbalha, ao sul do Ceará, pergunta se o
senhor pretende tratar a educação como o governador Leonel Brizola, construindo Cieps [Centros Integrados de Educação Pública]. E a
mesma questão é feita também pela Edite Terra, de Itapetininga, no interior de São Paulo: o que o senhor vai fazer pelos professores?
 
Ciro Gomes: Um dos nossos compromissos básicos é com a educação. Isso foi explicitamente tratado na nossa campanha, porque aí está a
única porta definitiva, realmente, para a libertação definitiva e a instauração de uma sociedade cidadã no nosso estado, na nossa região e no
nosso  país.  Isso  não  necessariamente  significa  essa  coisa  epidérmica  e  levada  à  frente  pelo  corporativismo,  que  é  passar  salário  para
salários ideais do dia para a noite, porque não vai acontecer, como sempre se afirmou. Já fui prefeito de Fortaleza, sabe­se o que eu fiz
nessa área; o governador Tasso Jereissati, todo mundo sabe o que fez nessa área, que certamente não foi abandonar, recuperou dois terços
das escolas, restaurou a dignidade dos salários ­ estavam atrasados três meses, não tinham nem crédito no comércio para comprar; estão
pagando  rigorosamente  em  dia,  com  calendário,  pagando  o  décimo­terceiro  do  salário  pela  primeira  vez  na  história  da  administração
pública do Ceará e melhorou também o salário na proporção da evolução das nossas receitas. Isso deve permanecer. Na proporção exata...
 
Jorge Escosteguy: O professor Haroldo disse que o professorado é maltratado lá...
 
Ciro Gomes: Isso eu imagino, um professor tem que dizer isso com razão. Se eu fosse professor também diria, porque os salários não são
bons ­ evidentemente, não são bons salários. Mas são os maiores salários que se pagam no Nordeste, por exemplo. Não sei se isso é uma
vantagem...
 
Juca Kfouri:  O que significa, governador, 18 mil cruzeiros, 20 mil cruzeiros?
 
Ciro Gomes: Por aí, para um ensino básico de terceiro normal, por aí, 14, 18...
 
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