Especial: É tudo um assunto só!
http://goo.gl/cpC8H3
As histórias do ex-marido da Patrícia Pillar
http://goo.gl/FH0JnU
Ciro Gomes
7/1/1991
O governador cearense eleito fala dos problemas do seu estado e do Nordeste e em como fazer face ao coronelismo, à indústria da seca e à pobreza
As histórias do ex-marido da Patrícia Pillar
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Especial: É tudo um assunto só!
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1. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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Ciro Gomes
7/1/1991
O governador cearense eleito fala dos problemas do seu estado e do Nordeste e em como fazer face ao coronelismo, à indústria da seca e à pobreza
Jorge Escosteguy: Boa noite! Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O nosso convidado desta noite é o
mais jovem governador eleito do Brasil. Ciro Gomes tem 33 anos, nasceu em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, mas vai
governar o Ceará, estado para onde se mudou ainda criança. Começou na política como assessor do pai José Euclides Gomes [19181996],
prefeito de Sobral [no Ceará, de 1977 a 1982]. Em 1988, elegeuse prefeito de Fortaleza pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático
Brasileiro]. Depois, mudou de partido, indo apoiar Mário Covas [(19302001), governador de São Paulo de 1995 a 2001], candidato a
presidente da República pelo PSDB [Partido da SocialDemocracia Brasileira]. No centro do Roda Viva desta noite, Ciro Gomes vai poder
nos contar, por exemplo, como se sente sendo o único governador eleito do PSDB, um partido que sempre larga como favorito nas
pesquisas mas, em geral, acaba "morrendo na praia" na apuração dos votos. Lembramos que o Roda Viva é transmitido ao vivo pelas TVs
Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É, ainda, retransmitido para
mais 15 emissoras, que formam a Rede Brasil através da TVE do Rio de Janeiro. Para entrevistar o Ciro Gomes esta noite no Roda Viva,
nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Tramontina, editor e apresentador do telejornal Bom Dia São Paulo, da TV Globo; Carlos
Alberto Sardenberg, diretor regional do Jornal do Brasil, sucursal São Paulo; Andrew Greenlees, editor adjunto de política da Folha de S.
Paulo; José Nêumanne Pinto, comentarista político da TV Manchete e editoralista do jornal O Estado de S. Paulo; Hugo Studart, sub
editor de Política da revista Veja; Jayme Martins, repórter da TV Cultura; e Juca Kfouri, diretor editorial de revistas masculinas da editora
Abril. Lembramos aos telespectadores que quem quiser fazer perguntas por telefone pode chamar 2526525, que a Cristina, a Bernadete e a
Iara estarão anotando as suas perguntas. Boa noite, governador!
Ciro Gomes: Boa noite.
Jorge Escosteguy: O seu partido é um partido notável pelas pessoas notáveis que fazem parte dele, mas, em geral, ele tem se mostrado,
nas últimas eleições, um partido fraco de votos. Ou seja, nesta última eleição, por exemplo, houve alguns desastres políticos importantes,
como Franco Montoro [(19161999), governador de 1983 a 1987] em São Paulo e Pimenta da Veiga [prefeito de Belo Horizonte de 1989 a
1990] em Minas Gerais. Com o distanciamento crítico da vitória que o senhor tem, a que o senhor atribui esse problema eleitoral, vamos
dizer assim, do PSDB?
7. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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a gente tem um fato muito recente [sobre] o comportamento da bancada do PSDB na Câmara Municipal, que faz oposição forte e
sistemática à administração do PT e que, para a vencer a eleição da Mesa Diretora da Câmara uniuse aos grupos mais conservadores
inclusive, a vários políticos e parlamentares acusados de corrupção e de uma série de irregularidades administrativas. Isso não serve para a
complicar e botar mais lenha nessa fervura e tornar o PSDB alguma coisa como aquele balaio de gatos...?
Ciro Gomes: Olha, eu não vou, por gosto e amor ao meu partido, afirmar que o partido é um núcleo de anjos. Evidentemente, não é.
Entretanto e para a reforçar o que eu estou falando , eu tenho uma visão muito prática da política, mesmo em relação a essa cara
conservadora que vai assumindo o governo do presidente Collor essa cara mais do que conservadora; é uma cara com os mesmos atores,
com a mesma carteira de identidade daqueles que fizeram a orgia fisiológica que desmoralizou o Brasil e que acabou municiando o seu
discurso moralista para a ganhar a eleição. Essas pessoas podem até ser usadas taticamente, compreendo, porque a emergência dos
problemas, o momento de resolver os problemas era aquele, o de assumir o governo, não tinha outro. As energias potenciais de início de
governo têm que ser aproveitas, a hiperinflação não admitia adiamentos de providências; portanto, usar essas pessoas que estão aí afinal
de contas, são os atores da política para financiar um projeto sério de atendimento ao interesse público é ato de esperteza legítimo ou
legitimada pelo interesse público. Não sei se é o caso, eu não conheço detalhes da eleição da Mesa da Câmara de São Paulo, mas me parece
que foram os conservadores ou os eventuais corruptos a que você alude eu não conheço, quero insistir em afirmar que votaram num
nome que é bem respeitado em São Paulo, o presidente da Câmara [Antônio Paes de Andrade]. Portanto, se você tem conservadores,
reacionários ou fisiológicos admitindo, por razões as mais variadas, apoiar um projeto correto, eu acho que é uma ética lamentável, mas é o
que se pode fazer concretamente por imposição da realpolitik, da "política real". E eu admito que o presidente Collor, durante este ano aí e
até que o novo Congresso assuma, tenha que transar com estes atores que estão aí sem problemas. Não pode é tomar gosto.
Jayme Martins: Governador, partindo um pouco para o administrativo, um acontecimento que foi, tanto em 1986 como na sua vitória de
agora, em 1990, sobretudo na imprensa do sul... Essas duas vitórias no Ceará foram a ruptura do Ceará com o coronelismo. Agora, além
das medidas de saneamento moral e financeiro, que outras medidas em matéria de benefícios sociais poderiam ser apontadas, que
assinalassem os resultados da ruptura do Ceará com o coronelismo?
Ciro Gomes: Olha, nós temos nosso...
Jorge Escosteguy: Governador, desculpe interrompêlo, só pegar uma carona na pergunta do Jayme, os seus conterrâneos de Fortaleza
estão telefonando. Carlos Alberto, de Fortaleza, por telefone, quer saber se é verdade que o senhor vai demitir 38 mil funcionários públicos.
Ciro Gomes: Bom, nós tomamos o estado quando esse grupo, liderado pelo governador Tasso Jereissati, assumiu com todas as receitas
correntes do estado só suficientes para a pagar 70% de uma folha de pessoal do mês. E os funcionários, havia três meses que estavam
atrasados os seus vencimentos; e havia um colapso completo em todos os serviços. Eu lembro, por ridículo aqui, só para a não me estender
muito além da conta, que a Polícia Civil tinha sete veículos; três deles estavam montados em cepos de madeira, porque não tinha dinheiro
11. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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corporativismo. Sem dúvida, fez isso. Eu acho que ela equivocouse quando legitimou pelo voto da população um modelo tributário hiper
concentrador de renda sob o ponto de vista espacial. Há muitos defeitos. Eu acho que ela errou gravemente na engenharia básica
institucional brasileira quando não optou claramente pelo parlamentarismo. Sem problemas. Mas dizer que a inflação que nós temos hoje é
culpa da Constituição é procurar bode expiatório.
[sobreposição de vozes]
Ciro Gomes: Mas não é a causa básica.
Andrew Greenlees: Sobre a questão administrativa, de que o senhor estava falando há pouco, até com um tom otimista de construção de
casas etc... Mas o senhor, quando tomar posse, vai enfrentar, como no resto do país, uma economia em recessão. Isso aí vai trazer queda de
arrecadação, além de eventuais gastos que tenham sido feitos antes das eleições para a ajudar a sua eleição não sei se é o caso, o senhor
pode me responder. Então, como é que vai ser? Esse tom otimista de agora antes da posse vai continuar depois da posse?
Ciro Gomes: Olha, eu não sou otimista e se algum otimismo fictício deve haver é antes da eleição. Eu estou eleito desde 3 de outubro, no
primeiro turno; portanto, se eu fosse assim, eu já deveria estar aqui puxando o trem de aterrissagem, já dizendo que não é bem assim, que a
recessão mudou meus planos. Entretanto, eu não tenho razão objetiva para recuar de nenhum dos compromissos que eu assumi em praça
pública. Só completando, porque esta é uma questão importante, a recessão é um fato. Ela está aí, insidiosa, mas ela não é do tamanho que
a propaganda está colocando. Não é mesmo. O estado do Ceará já pagou seu décimoterceiro salário, já pagou o salário de todo mundo no
mês de dezembro aliás, antecipando o pagamento da folha , continua pagando religiosamente a sua dívida um dos únicos estados
adimplentes com o Banco do Brasil e com o Banco Central é o estado do Ceará , está financiando sozinho, com recursos próprios do
tesouro estadual, um programa de emergência... Porque desde março está instalada uma seca e, pela primeira vez na história do país, o
governo central não se abala. Milhares de pessoas perderam toda a sua produção. É responsabilidade constitucional do governo central
acudir a calamidade da seca e não apareceu lá um cruzeiro [moeda brasileira vigente de 1990 a 1993] que fosse para isso; e nós estamos,
com recurso do povo do Ceará, com 150 mil pais de famílias trabalhando e recebendo uma diária quase meio salário mínimo, também,
para a meia jornada de trabalho , é com isso que as pessoas não estão morrendo de fome. E está sobrando um dinheirinho para a
investimento.
José Nêumanne Pinto: Mas ficou no ar, aí, faltou o senhor responder a respeito do investimento que foi feito pelo estado para a sua
eleição.
Ciro Gomes: Não, eu penso que neguei, porque a evidência... Enquanto São Paulo, o mega estado de São Paulo está desdobrando décimo
terceiro, atrasando folha de pessoal, nós já pagamos tudo, pagamos dívidas, estamos enfrentado obrigações do governo federal aliás,
estamos pagando o Sine, que o governo federal abandonou faz muito tempo, que é esse Serviço [na verdade, Sistema] Nacional de
12. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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estamos pagando o Sine, que o governo federal abandonou faz muito tempo, que é esse Serviço [na verdade, Sistema] Nacional de
Emprego, estamos pagando o combustível da Sucam [Superintendência de Campanhas de Saúde Pública] até há bem pouco tempo, que
fazia tempo que o governo federal abandonou, e estamos trabalhando lá sem problemas.
José Nêumanne Pinto: Quer dizer, estado que não investe em candidato consegue pagar as contas?
Ciro Gomes: Estado que investe com o povo consegue eleger o candidato.
Carlos Alberto Sardenberg: Quantos funcionários o senhor tem lá? Quantos funcionários tem o governo?
Ciro Gomes: 108 mil.
Carlos Alberto Sardemberg: Quanto?
Ciro Gomes: 108 mil.
Jorge Escosteguy: Fora os 38 mil que estão...?
Ciro Gomes: Fora 43 mil que foram eliminados. 43 mil cheques, não necessariamente pessoas, porque, no Ceará, quando nós assumimos,
tinha gente com seis empregos, sete, morando em Brasília, em Paris, em São Paulo...
Carlos Alberto Sardenberg: Agora, tem...
Ciro Gomes: ...108 mil e ainda tem um bocado de gente sem trabalhar.
Jorge Escosguy: Governador, o senhor falou na importância do papel do Estado e há vários telespectadores aqui preocupados com uma
questão, que é da migração cearense e de nordestinos em geral para o Sul do país. A Maria Luiza Veiga, do [bairro paulistano] Sumaré,
pergunta se o senhor tem algum projeto para a evitar a emigração. O Marcelo Morgado, de São José dos Campos, e o Mauro Carvalho, de
Jales, ambos no interior de São Paulo, perguntam se não é o caso... se o senhor defende o sistema de planejamento familiar. E o Lourenço
Lagoa, de Campinas, pergunta se os políticos do Ceará ainda continuam oferecendo passagens só de ida para o sul, durante as suas
campanhas, em troca de votos.
Ciro Gomes: É bom a gente tratar essa questão pela sua raiz porque há muito preconceito e é uma coisa odienta que as pessoas imaginem
que brasileiro que nasce lá embaixo ou brasileiro que nasce lá em cima pode ou deve ser tratado de forma indigna. Para mim, isso é
13. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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que brasileiro que nasce lá embaixo ou brasileiro que nasce lá em cima pode ou deve ser tratado de forma indigna. Para mim, isso é
intolerável. Eu não acho, como muitos aqui em São Paulo, que há uma conspirata contra os pobrezinhos do Nordeste; nem acho que o
Nordeste é um mar de rosas nas suas elites acho o contrário, que boa parte dos nossos problemas nós devemos ao mau comportamento, ao
comportamento marginal da maioria das nossas elites políticas, econômicas e culturais. Mas uma coisa é certa: no Brasil, hoje... Onde é que
está a câmera, para a eu falar assim, olhando para as pessoas? [olhando alternadamente para a câmera e para os entrevistados à sua
esquerda] No Brasil, hoje, nós temos quarenta milhões de pessoas vivendo numa região em que há metade da renda per capita do resto do
país. Enquanto, no Brasil, um cidadão ganha, em média, 2000 dólares por ano na média já aviltada pelo indicador do Nordeste , na minha
terra, um cidadão passa um ano inteiro e ganha 800 dólares. E essa estatística por ano também é uma falsidade, porque Fortaleza é um
centro de riqueza como ele registrou aqui; tem muita distorção, muita concentração de renda e, também, interiormente, no Nordeste , de
maneira que a gente sabe que tem gente ganhando 70 ou 80 dólares por ano para viver. Quando vem uma seca, é um colapso total na
produção. E a seca já foi resolvida no Uzbequistão, na União Soviética, que é comunista; já foi resolvida na Califórnia, no Arizona, lá nos
Estados Unidos que são capitalistas; já foi resolvida, enfim, em todos lugares do mundo e nós temos a região semiárida com o maior
indicador de pluviosidade do mundo com possibilidades concretas não de pena, de esmola, porque ninguém quer lá esmola e nem pena de
ninguém, mas de fazer de lá um lugar para as pessoas trabalharem, produzirem e não precisarem estender a mão para a ninguém. Isso só
vai mudar quando o país inteiro tomar consciência desse problema. É preciso, inclusive, passar por cima de alguns maus políticos, a ampla
maioria, até, dos políticos nordestinos, e a opinião pública brasileira tomar conhecimento disso. Porque não adianta, não adianta você
estimular as pessoas a ficarem lá se a TV Globo vende um padrão de consumo ilusório de São Paulo e do Rio e as pessoas estão morrendo
de fome lá. Elas vêm aqui para escapar, para sobreviver, mas elas gostam mesmo é de viver lá. Portanto, o que nós queremos é que a nação
faça pelos miseráveis do país, da periferia do Rio, da periferia de São Paulo. E, se fizer seriamente pelos miseráveis do país, estará fazendo
também pela região Nordeste.
[sobreposição de vozes]
[...]: Eu queria também acrescentar uma coisa. o senhor...
Ciro Gomes: Ó, [eu falei da] Globo porque ela tem liderança e audiência; eu não tenho nenhum preconceito contra a Globo, não.
Juca Kfouri: Eu queria só fazer uma pergunta, porque eu acho que o senhor já deu esse exemplo ao inverso. Quer dizer, o senhor saiu de
Pindamonhangaba [SP] para o Ceará, em vez de ser um cearense que veio para o sul. Há um carioca que se fez nas Alagoas no Planalto [o
presidente Fernando Collor de Mello]. Este paulista de Pindamonhangaba pensa em parar onde?
Ciro Gomes: Eu penso em parar fazendo um bom governo no Ceará. É o meu sonho.
14. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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Juca Kfouri: Aos 37 anos?
Ciro Gomes: 33.
Juca Kfouri: Não, aos 37 o senhor parará o seu governo...
Ciro Gomes: Não, eu sou professor da universidade, sou advogado e gosto dessas profissões, também.
Kleber de Almeida: Governador, o senhor falou que o estado do Ceará está tentando resolver o problema da seca que assola todo o estado
atualmente.
Ciro Gomes: É todo o Nordeste.
Kleber de Almeida: Pois é, o senhor falou também nos vícios brasileiros, nessas gastanças que há no Brasil e também no mau
comportamento das elites. E aqui e no país todo se fala muito de um dos grandes vícios brasileiros, que seria justamente a indústria da seca.
Esse dinheiro... No caso do Ceará, não chegou nenhum neste ano, mas [isso] não é o que ocorre todos anos, vaise muito dinheiro e esse
dinheiro acaba não beneficiando justamente aquele que sofre mais com a seca. O senhor concorda com isso?
Ciro Gomes: É evidente que não. O círculo vicioso perverso da miséria é o seguinte. Começa assim: o poder central brasileiro não se
sensibiliza. Desde Juscelino Kubitschek [presidente de 1956 a 1961], que foi o último presidente que encarou esse problema de forma
conseqüente, o poder central brasileiro, ditador, eleito, civil, militar, ninguém depois de Juscelino olhou para a questão regional com a
seriedade devida. Não tomou providência. Então, tem lá um ano de chuva, outro ano de chuva, as pessoas vão produzindo, produz o milho,
produz o feijão de subsistência, vão vivendo, vão se arrumando, vão fazendo, isso acontecendo, aquela vidinha, ninguém toma
conhecimento do problema e a elite, o poder central brasileiro, não toma conta. Aí, vem uma seca. Quando vem uma seca, não tem jeito. A
seca é um colapso de 100% da produção, 100%. Você imagina um pai de família... E eu sou a favor do planejamento familiar feito pela
família, não feito por posição de niguém; mas deve ser educada, a família, e ela deve optar por quantos filhos devem ter. Este é o
planejamento familiar que eu sustento e nós, lá no Ceará, estimulamos essa discussão nos postos de saúde. É outra providência de costumes
com a qual nós estamos trabalhando lá. Mas, normalmente, famílias grandes têm 100% da sua produção perdida. As pessoas, naqueles dias
seguintes, não têm para comer e algumas pessoas em alguns pontos específicos não têm para beber, como acontece hoje nós estamos
mandando carro, caminhão com tanque em cima levar água para algumas pessoas beberem. Nessa hora, não tem outro jeito, tem que
acudir. Tem que acudir mesmo, com comida, tem que acudir com água e nós estamos procurando inovar um pouco para conseguir um
ganho político na organização dessas pessoas, primeiro falando para elas todo dia, pondo nas suas cabeças que o problema não é da
natureza, é do homem, é da irresponsabilidade do homem, o que está sendo ensinado todo dia no Ceará. Nós queremos ensinar isso onde
pudermos, para a as pessoas tomarem consciência dos seus problemas. Assim, um dia vai, realmente, acontecer uma verdadeira mudança.
17. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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Ciro Gomes: A relativa, nenhum. O Paraná também está com suas contas em dia, mas a capacidade de investimento do Paraná, em
proporção, é menor do que a nossa...
Jayme Martins: E os grandes projetos do Ceará, como a refinaria da Petrobras, a siderúrgica do Nordeste, a exploração de urânio da
[jazida da] Itataia, quais as perspectivas desses empreendimentos durante a sua gestão?
Ciro Gomes: É o que eu estou dizendo. É complementar à resposta dele. O estado tem, hoje, recursos para a cumprir suas obrigações
correntes. Mas a alteração da nossa infraestrutura econômica hostil, a modernização do perfil da produção do Ceará libertandonos da
produção primária de subsistência, que é milho e feijão, que só dá para a pessoa comer até novembro, dezembro e, depois, ela começa a
olhar lá para o céu, rezar para a São Pedro para a chover e, depois, esse ciclo, de novo , para isso, não temos os recursos. O que nós
fizemos? Nós conseguimos mapear as oportunidades do Ceará isto também é um papel do estado mapear as oportunidades de
investimentos do Ceará, avançamos até a construção de projetos, procuramos parceiros financeiros, procuramos agenciar recursos externos
e federais para o financiamento dessas obras. E, infelizmente, até aqueles que nós conquistamos com o nosso esforço isolado, sem apoio de
ninguém... Como, por exemplo, um financiamento do ExIm Bank do chamado Fundo Nakasone que é, verdadeiramente, o fundo de
reciclagem do saldo da balança comercial japonesa , para financiar um trem de superfície em Fortaleza; hoje, tem um cidadão não posso
dizer o que eu penso o mesmo , um cidadão querendo transportar esse recurso para os metrôs de São Paulo e do Rio.
Juca Kfouri: O senhor pode dizer...
Ciro Gomes: O nome dele? É o secretário nacional de Transportes. Chamase d'Amorin, [José] Henrique d'Amorin [de Figueiredo]. Fez o
seguinte. É uma pérola que nós temos lá. Diz lá o seguinte: que não é mais missão da União contratar sistema de transporte de massa, a
partir da nova Constituição; por isso, se o Ceará quiser, que ele contrate com o Japão o empréstimo, ponto. Caso o Ceará não queira
contratar, a União deve contratar e levar para São Paulo e para o Rio, para o metrô e tal. Está lá.
José Nêumanne Pinto: Se eu entendi bem o raciocínio do Hugo, ele quis, pelo menos insinuou, ele perguntou se não havia um
"neocoronelismo", quer dizer, se não havia um novo tipo de coronelismo nessa atitude desse grupo...
Ciro Gomes: É um risco, eu acho que o poder é perverso por definição, vale a pena ser vigiado, vale a pena ser vigiado sempre. Esse
negócio de a gente estar no poder deve ser sempre uma coisa muito transitória. Mas quem está no poder não tem essa consciência plena;
então, quem deve ter esta consciência é a população.
Carlos Alberto Sardenberg: [sorrindo] Se, de repente, o senhor começar a dar uma de coronel, o senhor quer que a gente avise.
Ciro Gomes: Tem que fazer, tem que criticar e as pessoas... Mas não vai mais acontecer no Ceará nenhuma vez.
18. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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Ciro Gomes: Tem que fazer, tem que criticar e as pessoas... Mas não vai mais acontecer no Ceará nenhuma vez.
Jorge Escosteguy: Governador, vamos ter que fazer um rápido intervalo. O Roda Viva volta daqui a pouco, entrevistando hoje o
governador eleito do Ceará, Ciro Gomes. Até já.
[intervalo]
Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o governador eleito do Ceará, Ciro Gomes. Governador, tem
um conterrâneo seu aqui, o Ricardo Sérgio de Araújo; ele ligou lá de Fortaleza bravo porque o senhor chamou o governo Collor da coisa
mais atrasada que existe na política brasileira, fisiológica etc.
Ciro Gomes: Não, não é. Se eu falei, quero pedir desculpas, porque não é. É só atrasado.
Jorge Escosteguy: Ele pergunta, então, como o senhor explica a sua trajetória política partidária, passando do PDS, onde o senhor
começou, para o PMDB e agora para o PSDB?
Ciro Gomes: A minha trajetória é a seguinte: o meu pai era prefeito de Sobral e eu era militante do movimento estudantil na universidade
em Fortaleza.
[...]: PC do B [Partido Comunista do Brasil]?
Ciro Gomes: Não, PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Vinculado; nunca tive carteirinha, não. A aproximação era mais com a esquerda
católica, um grupo...
Jorge Escosteguy: O senhor nuca foi um comunista de carteirinha?
Ciro Gomes: Não, nunca tive disciplina para a isso, embora tenha sonhado. Quando vieram as eleições de 1982 [para governador, senador
e deputado federal], estava em marcha a sucessão do meu pai na prefeitura de Sobral. Em Sobral não havia o MDB [Movimento
Democrático Brasileiro], as forças estavam subdivididas em sublegendas. Então, em função da vinculação de votos a que se obrigava
naquele tempo e para não ficar contra o meu pai, eu me filiei na véspera do prazo se extinguir. Fui candidato; em seguida, passei para a
oposição, que era o PMDB. Na sucessão presidencial, não concordei com o encaminhamento da convenção democrática legítima que
encaminhou a candidatura do dr. Ulisses Guimarães [19161992], como discrepei da orientação do partido à orientação central, e fui para o
PSDB. É assim que eu explico.
29. 27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br ::
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Juca Kfouri: Governador, mas dá sentido a essa união dentro do partido entre o governador Jereissati e o governador Montoro na
direção...
Ciro Gomes: Nós estamos todos unidos no PSDB. Vocês vão ver claramente isso, proximamente. Pode esperar.
Jorge Escosteguy: Governador, por favor, o senhor respondeu, já, as perguntas de Francisco Freitas de Iracema, do Ceará, e de Jarlei de
Araújo, de Juazeiro. Mas o pessoal do Ceará continua telefonando e há algumas pessoas aqui meio irritadas com o senhor; e o professor
Haroldo, de Sobral, sua terra de adoção, telefonou para perguntar se a política educacional do seu governo vai continuar sendo como a do
governo atual ou seja, de total desprezo ao profissional de escola pública. A Maria das Graças Leite, de Juazeiro, também pergunta se o
senhor vai rever a situação do professorado. O Rômulo Araújo, que é vereador na cidade de Barbalha, ao sul do Ceará, pergunta se o
senhor pretende tratar a educação como o governador Leonel Brizola, construindo Cieps [Centros Integrados de Educação Pública]. E a
mesma questão é feita também pela Edite Terra, de Itapetininga, no interior de São Paulo: o que o senhor vai fazer pelos professores?
Ciro Gomes: Um dos nossos compromissos básicos é com a educação. Isso foi explicitamente tratado na nossa campanha, porque aí está a
única porta definitiva, realmente, para a libertação definitiva e a instauração de uma sociedade cidadã no nosso estado, na nossa região e no
nosso país. Isso não necessariamente significa essa coisa epidérmica e levada à frente pelo corporativismo, que é passar salário para
salários ideais do dia para a noite, porque não vai acontecer, como sempre se afirmou. Já fui prefeito de Fortaleza, sabese o que eu fiz
nessa área; o governador Tasso Jereissati, todo mundo sabe o que fez nessa área, que certamente não foi abandonar, recuperou dois terços
das escolas, restaurou a dignidade dos salários estavam atrasados três meses, não tinham nem crédito no comércio para comprar; estão
pagando rigorosamente em dia, com calendário, pagando o décimoterceiro do salário pela primeira vez na história da administração
pública do Ceará e melhorou também o salário na proporção da evolução das nossas receitas. Isso deve permanecer. Na proporção exata...
Jorge Escosteguy: O professor Haroldo disse que o professorado é maltratado lá...
Ciro Gomes: Isso eu imagino, um professor tem que dizer isso com razão. Se eu fosse professor também diria, porque os salários não são
bons evidentemente, não são bons salários. Mas são os maiores salários que se pagam no Nordeste, por exemplo. Não sei se isso é uma
vantagem...
Juca Kfouri: O que significa, governador, 18 mil cruzeiros, 20 mil cruzeiros?
Ciro Gomes: Por aí, para um ensino básico de terceiro normal, por aí, 14, 18...