3. • A diferença entre um e outro homem não é
suficientemente considerável para que qualquer
um possa com base nela reclamar qualquer
benefício a que outro não possa também aspirar,
tal como ele.
• Todos os homens supõe possuir sabedoria em
maior grau do que efetivamente possuem. Pois
a natureza dos homens é tal que, embora sejam
capazes de reconhecer em muitos outros
maior inteligência, maior eloquência ou maior
saber, dificilmente acreditam que haja muitos
tão sábios como eles próprios.
4. • Portanto, se dois homens desejam a mesma
coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser
gozada por ambos, eles tornam-se inimigos.
• Os homens não tiram prazer algum da
companhia uns dos outros quando não existe um
poder capaz de manter a todos em respeito.
Porque cada um pretende que seu companheiro
lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si
próprio.
5. • Na natureza do homens encontramos três causas
principais de discórdia:
Competição: leva os homens a atacar os outros
tendo em vista o lucro; usam a violência para se
tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e
rebanhos dos outros homens.
Desconfiança: tem em vista a segurança; usam a
violência para defender-se.
Glória: tem em vista a reputação; usam a violência
por motivos fúteis, ninharias, como uma palavra,
um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer
outro sinal de desprezo.
6. • Durante o tempo em que os homens vivem sem um
poder comum capaz de os manter a todos em respeito,
eles se encontram naquela condição a que se chama
guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra
todos os homens.
• Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de
guerra o mesmo é válido também para o tempo durante
o qual os homens vivem sem outra segurança senão a
que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua
própria invenção.
• A vida do homem é solitária, pobre, sórdida,
embrutecida e curta.
• Os desejos e outras paixões do homem não são em si
mesmos um pecado. Nem tampouco o são as ações que
derivam dessas paixões, até o momento em que se tome
conhecimento de uma lei que as proíba.
7. • Desta guerra de todos os homens contra todos os
homens também isto é consequência: que nada pode
ser injusto. Onde não há poder comum não há lei, e
onde não há lei não há injustiça.
• Não há propriedade, nem domínio, nem distinção
entre o meu e o teu; só pertence a cada homem
aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas
enquanto for capaz de conservá-lo.
• As paixões que fazem os homens tenderem para a
paz são:
o medo da morte;
o desejo daquelas coisas que são necessárias para
uma vida confortável;
e a esperança de consegui-las através do trabalho.
8. • O direito de natureza é a liberdade que cada
homem possui de usar seu próprio poder, da
maneira que quiser, para a preservação de sua
própria natureza e consequentemente de fazer
tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão
lhe indiquem como meios adequados a esse fim.
• Por liberdade entende-se, conforme a
significação da própria palavra, a ausência de
impedimentos externos.
9. • Uma lei de natureza proíbe a um homem fazer
tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo
dos meios necessários para preservá-la.
• Dado que a condição do homem é uma condição
de guerra de todos contra todos segue-se daqui
que numa tal condição todo homem tem direito
a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros.
Todo homem deve esforçar-se pela paz, na
medida em que tenha esperança de consegui-la,
e caso não a consiga pode procurar e usar todas
as ajudas e vantagens da guerra.
10. O contrato:
• Que um homem concorde, quando outros também o façam, e
na medida em que tal considere necessário para a paz e para a
defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as
coisas contentado-se, em relação aos outros homens, com a
mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a
si mesmo. O contrário equivaleria a oferecer-se como presa e
não dispor-se pela paz.
• Abandona-se um direito simplesmente renunciando a ele, ou
transferindo-o para outrem e é seu dever, não tornar nulo esse
seu próprio ato voluntário, e que tal impedimento é injustiça e
injúria.
• É um ato voluntário, e o objetivo de todos os atos voluntários
dos homens é algum bem para si mesmos. De acordo com isto
é impossível que alguém renuncie o direito de resistir a quem
quer que o ataque, porque isto não resulta em um benefício
próprio.
11. • A causa do medo que torna inválido um tal pacto
deve ser sempre algo que surja depois de feito o
pacto, como por exemplo algum fato novo, ou outro
sinal da vontade de não cumprir; caso contrário, ela
não pode tornar nulo o pacto. Porque aquilo que não
pode impedir um homem de prometer, não deve ser
admitido como impedimento do cumprimento.
• Sem mútua aceitação não há pacto possível.
• Os homens ficam liberados de seus pactos de duas
maneiras: ou cumprindo ou sendo perdoados. Pois o
cumprimento é o fim natural da obrigação, e o
perdão é a restituição da liberdade, constituindo a
retransferência daquele direito em que a obrigação
consistia.
12. • Os pactos aceitos por medo, na condição de simples natureza, são
obrigatórios. Porque é um contrato. Porque tudo o que posso fazer
legitimamente sem obrigação posso também compactuar
legitimamente por medo, e o que eu compactuar legitimamente não
posso legitimamente romper.
• Um pacto anterior anula outra posterior. Porque um homem que
transmitiu hoje seu direito a outro não pode transmiti-lo amanhã a
um terceiro, portanto a promessa posterior não transmite direito
algum, pois é nula.
• Um pacto em que me comprometo a não me defender da força pela
força é sempre nulo.
• A força das palavras é demasiado fraca para obrigar os homens a
cumprirem seus pactos. A paixão com que se pode contar é o medo,
o qual pode ter dois objetos extremamente ferais:
o poder dos espíritos invisíveis (sua própria religião),
e o outro é o poder dos homens que dessa maneira se pode ofender
13. • Não é a união de um pequeno número de homens
que é capaz de oferecer segurança. A multidão que
pode ser considerada suficiente não pode ser
definida por um número exato, mas apenas por
comparação com o inimigo que tememos.
• Mesmo que haja uma grande multidão, se as ações
de cada um dos que a compõem forem determinadas
segundo o juízo individual e os apetites individuais
de cada um, não poderá esperar-se que ela seja
capaz de dar defesa ou proteção a ninguém. Porque
divergindo em opinião quanto ao melhor uso e
aplicação de sua força, em vez de se ajudarem só se
atrapalham uns aos outros, e devido essa oposição
mútua (do inimigo e da oposição entre si) reduzem a
nada sua força.
14. • Por que uma comunidade de homens não pode viver do mesmo modo que
uma comunidade de abelhas ou formigas?
Que os homens estão constantemente envolvidos numa competição pela
honra e pela dignidade, o que não ocorre no caso dessas criaturas.
Entre essas criaturas não há diferença entre o bem comum e o bem
individual e, dado que por natureza tendem para o bem individual, acabam
por promover o bem comum, e o homem, por sua vez, só encontra
felicidade na comparação com outros homens.
Como essas criaturas não possuem, ao contrário do homem, o uso da razão,
elas não vêem nem julgam ver qualquer erro na administração de sua
existência comum, entre os homens são em grande o número dos que se
julgam mais sábios e mais capacitados.
Que essas criaturas. Embora sejam capazes de certo uso da voz, carecem
daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de
apresentar ao outros o que é bom sob a aparência do mal, e o que é mau sob
a aparência do bem.
As criaturas irracionais são incapazes de distinguir entre injúria e dano, e
consequentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem
com seus semelhantes.
O acordo vigente entre essas criaturas é natural, ao passo que o dos
homens surge apenas através de um pacto, isto é, artificialmente, sendo
preciso instituir algo que torne constante e duradouro o acordo, o pacto
feito, um poder comum que os mantenha em respeito.
15. • A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das
invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros garantindo-lhes,
assim, uma segurança suficiente para que, mediante o seu labor e graças
aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda
sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa
reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos a uma só vontade.
Reconhecendo todos os atos dessa pessoa ou assembléia de pessoas. Todos
submetendo, assim, suas vontades à vontade do representante, e suas
decisões a sua decisão.
• ''Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem,
ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu
direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.'‘
• Há duas formas de se adquirir essa soberania:
Sarça natural: quando um homem obriga seus filhos a submeterem-se, e a
submeterem seus próprios filhos, a sua autoridade, na medida em que é capaz de
destruí-los em caso de recusa ou sujeita, através da guerra, seus inimigos a sua
vontade, sendo um Estado de aquisição;
Quando os homens concordam entre si em submeter-se a um homem ou uma
assembléia de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos
por ele contra todos, sendo um Estado Político ou Estado por instituição.
16. • Na medida em que pactuam, deve entender-se não se
encontram obrigados por um pacto anterior a qualquer coisa
que contradiga o atual. Aqueles que já instituíram um Estado,
dado que são obrigados pelo pacto a reconhecer como seus os
atos e decisões de alguém, não podem legitimamente celebrar
entre si um novo pacto no sentido de obedecer a outrem, seja
no que for, sem sua licença.
• Assim, se aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou
por ele castigado devido a essa tentativa, será o autor de seu
próprio castigo, dado que por instituição é autor de tudo
quanto seu soberano fizer.
• Se a maioria, por voto de consentimento, escolher um
soberano, os que tiverem discordado devem passar a
consentir juntamente com o restante. Ou seja, devem aceitar
reconhecer todos os atos que ele venha a praticar, ou então
serem justamente destruídos pelos restantes. ou será deixado
na condição de guerra em que antes se encontrava.
17. • Dado que todo súdito é por instituição autor de
todos os atos e decisões do soberano instituído,
segue-se que nada do que este faça pode ser
considerado injúria para com qualquer de seus
súditos, e que nenhum deles pode acusá-lo de
injustiça, porque cada indivíduo é autor de tudo
quanto o soberano faz, portanto não deve acusar
ninguém a não ser a si próprio, e não pode
acusar-se a si próprio de injúria, pois causar
injúria a si próprio é impossível.
• Direitos do poder soberano.
18. • Mas poderia aqui objetar-se que a condição de súdito é
muito miserável, pois se encontra sujeita aos apetites e
paixões irregulares daquele ou daqueles que detêm em
suas mãos poder tão ilimitado. O que acontece sob as
diversas formas de governo é de pouca monta quando
comparada com as misérias e horríveis calamidades que
acompanham a guerra civil, ou aquela condição dissoluta
de homens sem senhor, sem sujeição às leis e a um poder
coercitivo capaz de atar suas mãos.
• Liberdade: ausência de impedimentos. Um homem livre
é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e
engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que
tem vontade.
• O medo e a liberdade são compatíveis. Todos os atos
praticados pelos homens no Estado, por medo da lei, são
ações que seus autores têm a liberdade de não praticar.
19. • Tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através
disso sua própria conservação, criaram um homem artificial,
ao qual chamamos Estado, assim também criaram cadeia
artificiais, chamadas leis civis, as quais eles mesmos,
mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca
daquele homem ou assembléia a quem confiaram o poder
soberano, e na outra ponto a seus próprios ouvidos.
• Quando nossa recusa de obedecer prejudica o fim em vista do
qual foi criada a soberania, não há liberdade de recusar; mas
caso contrário há essa liberdade.
• Quanto as outras liberdades, dependem do silêncio da lei. Nos
casos em que o soberano não tenha estabelecido uma regra, o
súdito tem a liberdade de fazer ou de omitir, conforme a sua
discrição.
• Entende-se que a obrigação dos súditos para com o soberano
dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder
mediante o qual ele é capaz de protegê-los.
20. Leis Civis:
• Entendo por leis civis aquelas leis que os homens são
obrigados a respeitar, não por serem membros deste ou
daquele Estado em particular, mas por serem membros de um
Estado.
• A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras
que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por
outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério
de distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou
não é contrário à regra.
• A partir de tal definição, Hobbes deduz o que se segue:
Em todos os Estados o legislador é unicamente o soberano.
O soberano de um Estado, quer seja uma assembléia ou um
homem, não se encontra sujeito às leis civis.
Que a lei nunca pode ser contrária à razão é coisa com que nossos
juristas concordam, assim como com que não é a letra que é a lei,
e sim aquilo que é conforme à intenção do legislador.
Podemos compreender que a ordem do Estado só é lei para
aqueles que têm meios para dela se informarem.
21. • Todas as leis, escritas ou não, têm necessidade de uma
interpretação.
• A lei da natureza é a mais obscura de todas as leis, e por
isso é a que mais tem necessidade de intérpretes capazes.
• Quanto as leis escritas, se forem breves facilmente serão
mal interpretadas, por causa da diversidade de
significações de uma ou duas palavras, e se forem longas
ainda serão mais obscuras, devido a diversidade de
significações de muitas palavras. De modo que nenhuma
lei escrita, quer seja expressa em poucas ou muitas
palavras, pode ser bem compreendida sem uma perfeita
compreensão das causas finais para as quais a lei foi
feita, e o conhecimento dessas causas finais está com o
legislador.
23. • A condição natural dos homens, um estado em que eles sejam
absolutamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas
pessoas como bem entenderem, sem pedir a autorização de nenhum outro
homem nem depender de sua vontade. Um estado de igualdade, ninguém
tendo mais que os outros; seres criados da mesma espécie e da mesma
condição, que, desde seu nascimento, desfrutam juntos de todas as
vantagens comuns da natureza e do uso das mesmas faculdades, sem
subordinação ou sujeição.
• Ainda que se tratasse de um ''estado de liberdade'', este não é um ''estado de
permissividade'': o homem desfruta de uma liberdade total de dispor de si
mesmo ou de seus bens, mas não de destruir sua própria pessoa, nem
qualquer criatura que se encontre sob sua posse, salvo se assim o exigisse
um objetivo mais nobre que a sua própria conservação.
• Cabe a cada um, neste estado, assegurar a ''execução'' da lei da natureza, o
que implica que cada um esteja habilitado a punir aqueles que a
transgridem, para que se possa impedir todos os homens de violar os
direitos do outro e de se prejudicar entre si. todos podem fazer o mesmo.
Pois nesse estado de perfeita igualdade o que um pode fazer para garantir
essa lei, todos devem ter o direito de fazê-lo.
24. • No estado de natureza, um homem adquire um poder sobre o outro,
mas apenas para infringir-lhe a pena proporcional a sua
transgressão, que seja bastante para assegurar a reparação e a
prevenção.
• Além do crime que consiste em violar a lei e se eximir da obediência
à reta razão, pelo qual um homem degenera e declara que rompeu
com os princípios da natureza humana, há em geral um dano injusto
causado a uma ou outra pessoa.
• o magistrado, neste caso, pode frequentemente perdoar a punição
das infrações criminais, por sua própria autoridade, se o bem
público não exige a aplicação da lei; mas não pode perdoar a
reparação devida à vítima pelo dano sofrido.
• No estado de natureza, um homem pode punir as violações menos
graves desta lei. Talvez seja perguntado: com a morte? Eu
responderei: toda transgressão pode ser punida a esse ponto, e com
a mesma severidade, tanto quanto for suficiente para infligir um
dano proporcional ao ofensor. Toda ofensa suscetível de ser
cometida no estado de natureza, pode, no estado de natureza, sofrer
uma punição tão grande e no mesmo grau que o é em uma
sociedade política.
25. • Não é razoável que os homens sejam juízes em causa própria, pois a
auto-estima os tornará parciais em relação a si e a seus amigos. Foi
por isso que se instituiu o Governo Civil, para conter a violência e a
parcialidade dos homens. O governo civil é a solução adequada para
as inconveniências do estado de natureza, que devem certamente
ser grandes quando os homens podem ser juízes em causa própria.
• Há, ou algum dia houve, homens em tal estado de natureza? A isto
pode bastar responder que todos os príncipes e chefes de governos
independentes, em todo o mundo, encontram-se no estado de
natureza, e que assim, sobre a terra, jamais faltou ou jamais faltará
uma multidão de homens nesse estado. Pois não é toda convenção
que põe fim ao estado de natureza entre os homens, mas apenas
aquela pela qual todos se obrigam juntos e mutuamente a formar
uma comunidade única e constituir um único corpo político.
• Todos os homens se encontram naturalmente nesse estado e ali
permanecem, até o dia em que, por seu próprio consentimento, eles
se tornem membros de alguma sociedade política.
26. Do Estado de Guerra:
• O estado de guerra é um estado de inimizade e de
destruição. É razoável e justo que eu tenha o direito de
destruir aquele que me ameaça com a destruição, porque
homens deste tipo escapam aos laços da lei comum da
razão, não seguem outra lei senão aquela da força e da
violência, e assim podem ser tratados como animais
selvagens, criaturas perigosas e nocivas que certamente
o destruirão sempre que o tiverem em seu poder.
Estado de Natureza vs Estado de Guerra:
• Homens vivendo untos segundo a razão, sem um
superior comum na terra com autoridade para julgar
entre eles, eis efetivamente o estado de natureza. Mas a
força, ou uma intenção declarada de força, sobre a
pessoa de outro, onde não há superior comum na terra
para chamar por socorro, é estado de guerra.
27. • Quando a força deixa de existir, cessa o estado de guerra entre
aqueles que vivem em sociedade; porque agora eles têm
acesso a um recurso, tanto para reparar o mal sofrido quanto
para prevenir todo o mal futuro. Mas onde não existe tal
recurso, como no estado de natureza, devido à inexistência de
leis positivas e de juízes competentes com autoridade para
julgar, uma vez iniciado o estado de guerra, ele continua, e a
parte inocente tem o direito de destruir a outra quando puder.
• E mesmo onde exista um recurso legal e juízes estabelecidos,
se, por perversão manifesta da justiça ou clara distorção das
leis, sua solução é negada com a finalidade de proteger ou de
garantir a violência ou o dano de alguns homens ou de um
partido, é difícil imaginar outra situação além de um estado
de guerra.
• Evitar este estado de guerra é uma das razões principais
porque os homens abandonaram o estado de natureza e se
reuniram em sociedade.
28. Da propriedade:
• os homens, desde o momento do seu nascimento, têm o
direito a sua preservação e, consequentemente , a comer, a
beber a todas as outras coisas que a natureza proporciona
para sua subsistência. Alguns parecem ter grande dificuldade
em perceber como alguém pôde se tornar proprietário de
alguma coisa.
• A terra e tudo o que ela contém foi dada aos homens para o
sustento e o conforto de sua existência. Tudo pertence à
humanidade em comum, pois são produção espontânea da
natureza; e ninguém possui originalmente o domínio privado
de uma parte qualquer.
• Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida
por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um
objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou,
mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe
pertence, tornando sua a propriedade, exclui o direito comum
dos outros homens.
29. • Trabalho estabeleceu uma distinção entre eles e o bem
comum. Será que alguém pode dizer que ele não tem direito
ao alimento colhido de que se apropriou porque não tinha o
consentimento de toda a humanidade para agir dessa forma?
Se tal consentimento fosse necessário o homem teria morrido
de fome, apesar da abundância.
• O trabalho de removê-los daquele estado em comum em que
estavam fixou meu direito de propriedade sobre eles.
• Talvez surja uma objeção que, se a colheita dos frutos da terra,
estabelece um direito a eles, então qualquer um pode tomar
tudo para si, se esta for a sua vontade. Resposta: não! A
mesma lei da natureza que nos concede dessa maneira a
propriedade, também lhe impõe limites.
• Tudo o que um homem pode utilizar de maneira a retirar uma
vantagem qualquer para sua existência sem desperdício, eis o
que seu trabalho pode fixar como sua propriedade. Tudo o
que excede a este limite é mais que a sua parte e pertence aos
outros.
30. • A superfície da terra que um homem trabalha, planta, melhora,
cultiva e da qual pode utilizar os produtos, pode ser considerada sua
propriedade. Por meio do seu trabalho, ele a limita e a separa do
bem comum. Uma vez que acrescenta-lhe algo que era sua
propriedade, ninguém pode reivindicar nem tomar dele sem que
configure injustiça.
• Nenhum outro homem podia se sentir lesado por esta apropriação
de uma parcela de terra com o intuito de melhorá-la, desde que
ainda restasse bastante, de tão boa qualidade.
• A condição da vida humana, que necessita de trabalho e de
materiais para serem trabalhados, introduz forçosamente as posses
privadas.
• Ouso corajosamente afirmar que a mesma regra de propriedade, ou
seja, que cada homem deve ter tanto quanto pode utilizar, ainda
permaneceria válida no mundo sem prejudicar ninguém, visto haver
terra bastante para o dobro dos habitantes, se a invenção do
dinheiro e o acordo tácito entre os homens para estabelecer um
valor para ele não tivesse introduzido posses maiores e um direito a
elas.
31. • Aquele que se apropria da terra por meio do seu trabalho
não diminui, mas aumenta a reserva comum da
humanidade. Pois as provisões que servem para o
sustento da vida humana, produzidas por um acre de
terra cercado e cultivado, são dez vezes maiores que
aquelas produzidas por um acre de terra de igual
riqueza, mas inculta e comum.
• Também não é tão estranho que a propriedade do
trabalho fosse capaz de desenvolver uma importância
maior que a comunidade da terra. Pois na verdade é o
trabalho que estabelece em tudo a diferença de valor;
basta considerar a diferença entre um acre de terra
plantada, semeada, e um acre da mesma terra deixado ao
bem comum sem qualquer cultivo.
• O trabalho é responsável pela maior parte do valor das
coisas de que desfrutamos neste mundo.
32. • A natureza e a terra forneceram apenas a matéria-prima
intrinsecamente menos valiosa se comparada a todo o
trabalho envolto por trás da produção de cada produto.
• A justificação principal da propriedade é o trabalho.
• A maior parte das coisas realmente úteis à vida do
homem são, em geral, coisas de duração efêmera, que, se
não forem consumidas pelo uso, deterioram e perecem
por si mesmas: o ouro, a prata e os diamantes são coisas
às quais o capricho ou a convenção atribuem um valor
maior que a sua utilidade real e sua necessidade para o
sustento da vida.
• Assim foi estabelecido o uso do dinheiro, alguma coisa
duradoura que o homem podia guardar sem que se
deteriorasse e que, por consentimento mútuo, os
homens utilizariam na troca por coisas necessárias à
vida, realmente úteis, mas perecíveis.
33. • No lugar onde não existe nada durável e raro, que
tenha bastante valor para ser guardado, nada incita
os homens a estender suas posses sobre terras mais
vastas, mesmo que estas sejam férteis e estejam
disponíveis para ele. Encontre qualquer coisa que
tenha o uso e o valor de dinheiro entre seus vizinhos
e você verá que o mesmo homem começará a
aumentas suas posses.
• Como cada homem tinha o direito a tudo em que
podia aplicar o seu trabalho, não tinha a tentação de
trabalhar mais do que para o que pudesse usar. A
parte que cada um talhava para si era facilmente
reconhecível; era tão inútil quanto desonesto talhar
uma parte grande demais ou tomar mais que o
necessário.
34. Sociedade Civil:
• Tendo Deus feito do homem uma criatura tal que, segundo
seu julgamento, não era bom para ele ficar sozinho,
submeteu-o a fortes obrigações de necessidade, comodidade,
inclinação para levá-lo a viver em sociedade, assim como
dotou de entendimento e linguagem para mantê-la e desfrutá-la.
• E assim a comunidade social adquire o poder de estabelecer a
punição merecida em correspondência a cada infração
cometida entre os membros daquela sociedade, que é o poder
de fazer leis, assim como também o poder de punir qualquer
dano praticado a um de seus membros por qualquer um que a
ela não pertença, que é o poder de guerra e de paz.
• Por isso, todas as vezes que um número qualquer de homens
se unir em uma sociedade, ainda que cada um renuncie ao seu
poder executivo da lei da natureza e o confie ao público, lá, e
somente lá, existe uma sociedade política ou civil.
35. • Os homens passam assim do estado de natureza para aquele da
comunidade civil, instituindo um juiz na terra com autoridade para
dirimir todas as controvérsias e reparar as injúrias que possam
ocorrer a qualquer membro da sociedade civil; este juiz é o
legislativo. E onde houver homens que não possam recorrer à
decisão de um tal poder, eles ainda estão no estado de natureza.
• Monarquia absoluta é na verdade inconsistente com a sociedade
civil, e por isso não poderia constituir de forma alguma um governo
civil.
• Como se, no dia em que os homens deixaram o estado de natureza
para entrar na sociedade, tivessem concordado em ficar todos
submissos à contenção das leis, exceto um, que ainda conservaria
toda a liberdade do estado de natureza, ampliada pelo poder, e se
tornaria desregrado devido à impunidade. Isso equivale a acreditar
que os homens são tolos o bastante para se protegerem
cuidadosamente contra os danos que podem sofrer por parte das
doninhas ou das raposas, mas ficam contentes e tranquilos em
serem devorados por leões.
36. • Quando percebem que um homem, não importa
sua condição, está fora dos limites da sociedade
civil a que eles pertencem, e que não tem a quem
apelar na terra contra qualquer dano que
possam receber de sua parte, estão inclinados a
considerar que estão no estado de natureza em
relação a ele.
• Nenhum homem na sociedade civil pode ser
imune às suas leis.