PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
Turismo e Globalizaçao
1. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
DER
CA
O turismo e o sagrado em tempos de globalização:
o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de
Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
Cyntia da Silva Andrade*
Sagrario Martinez Berriel**
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
Resumo
Uma das tendências sociais emergentes no atual contexto da mundialização da cultura
é a revitalização do panteísmo: o culto à natureza como manifestação divina e última
verdade da nossa existência. O "retorno sagrado" a natureza se interpreta como crítica à
Modernidade e reação de esperança ante o risco de que a Terra, como pátria comum
de nossa espécie, desapareça. O presente artigo analisa o turismo como mediador deste
movimento transnacional de cidadania universal que entende nosso planeta como um
lugar sagrado, patrimônio comum da humanidade. O texto busca exemplos em dois
lugares, geograficamente distantes, mas interpretados, pela comunidade ou pelos turistas,
como um lugar sagrado.
Palavras-chave: Cultura; turismo sagrado; globalização.
Abstract
One of the social emergent trends in the current context of the world culture is the revitalization
of the pantheism: the worship to the nature like divine manifestation and last truth of our
existence. The "sacred return" to the nature is interpreted as a critique to the Modernity and
reaction of hope faced with the risk that the Earth, like common mother land of our species,
should disappear. The present communication analyzes the tourism as mediation of this
transnational movement of universal citizenship that understands our planet as a sacred
www.ivt -rj.net place, common patrimony of the humanity. The text search examples in two places,
geographically distant, but interpreted by the community or the tourists, as a sacred place.
LTDS Key-words: Culture; sacred tourism; globalization.
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social
112
2. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
Introdução A próspera e global "indústria" do turismo
D
CA A primeira exposição universal do século explora este ressurgir da espiritualidade
XXI, celebrada no Japão em 2005, teve como cósmica, distante das religiões oficiais, se
tema a "Harmonia global" e a "Sabedoria da introduzindo nos espaços e caminhos
Natureza". A natureza analisada como um "mágicos" e "sagrados" da Historia. De
bem que nos iguala por cima das diferenças Stonehenge as Pirâmides do Egito, passando
culturais. A globalização põe em primeiro pelo Caminho de Santiago, existem poucos
plano a identidade comum da humanidade, territórios sem fronteiras, que se vislumbram
a inevitável e esperançosa consciência de uma ininterrupta geografia sagrada unida
que somos partícipes de um planeta que pela magia e o mistério do que é
forma parte de um universo, no qual estamos transcendente, ou seja, um valor que vai
todos e que não podemos fugir. Ao mesmo além do espaço e do tempo.
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
tempo, a ecologia nos adverte sobre a Dentro da categoria do mágico e
fragilidade da terra ante a agressão humana, sagrado se inclui, com particular
e o pensamento científico prospera uma protagonismo, os territórios que ficaram
antiga tradição transcendente do virgens por seu distanciamento do mundo
conhecimento humano, que expressou a civilizado ou pela dificuldade técnica de
Teoria Platônica acerca da harmonia explorar seus recursos.
universal: una cosmogonia que coordena o
A busca pelo mundo espiritual, muitas
microcosmo com o macrocosmo em uma
vezes desligado de uma instituição religiosa,
única ordem universal. Com base nesta
tem provocado uma aproximação maior do
correspondência, o astrônomo Kepler
homem com a natureza. Em uma paisagem
relacionou, para escândalo do pensamento
natural, os aspectos que transcendem os
racional de sua época, o movimento das
elementos puramente físicos estreitam o elo
marés na terra com o movimento da lua.
entre o homem e o divino. Este artigo busca
Atualmente, os cientistas voltam a coincidir
*
Doutoranda do programa de Turismo Integral, analisar o turismo como mediador desse
Interculturalidad y Desarrollo Sostenible da
com o principio platônico da harmonia
Universidad de Las Palmas de Gran Canaria , movimento de retorno à natureza, tomando
España. Possui mestrado em Cultura & Turismo
universal e a integração de todas as partes
pela Universidade Estadual de Santa Cruz - BA/ como exemplo, dois estudos realizados em
Brasil (2005) e graduação em Geografia pela
Universidade Estadual de Feira de Santana - BA/ do mundo. A Teoria do Caos chega, através
lugares que apresentam um interesse turístico
Brasil (1993). Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em turismo, atuando da ciência, a idênticas conclusões que a
baseado nesta temática, como a montanha
principalmente temas relacionados ao turismo
cultural e patrimônio imaterial, atualmente filosofia zen; de fato, a formação do tão
investiga o Patrimônio Imaterial na Rota do
de Tindaya, localizada na ilha de
Açúcar na Macaronesia. Possui artigos conhecido "efeito borboleta" se assemelha a
publicados em Congressos, Revistas
Fuerteventura, território espanhol e a
relacionadas ao turismo. um antigo provérbio oriental que diz: Se cortas
cyntiand@gmail.com pequena vila de Xique-Xique de Igatu, na
**
Was born in Fuerteventura (Canary uma folha de uma árvore abalas o universo.
Islands). She obtained her doctorate in Chapada Diamantina-BA.
Sociology at the Universidad Complutense
de Madrid with a thesis on musicians and
A crise do pensamento ocidental e dos
music in a city in the Canary Islands,
valores que regem nossa cultura recente, A cultura mundial da
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
subsequently published as La armonÌa y el
ritmo de una ciudad; estudio sobre la
profesión, la afición y la vida musical en Las como o racionalismo, o individualismo e o espiritualidade
Palmas de Gran Canaria. She has done
extensive doctoral and post-doctoral culto a ciência, entre suas principais Nas sociedades pós-modernas ou
research at the Centro de Investigaciones
Sociológicas (CIS) in Madrid, at the "La manifestações, está produzindo uma reação ultramodernas, ao mesmo tempo em que a
Sapienza" University in Rome and the Ecole
des Hautes Etudes en Sciences Sociales in oposta que se expressa na sacralização do permanente motivação pelo beneficio
Paris and has written numerous articles and
lectures about the city, cultures, tourism mundo e do território, claramente desperta um profundo interesse pelo sagrado
and migration. Since 1994 she is Professor
Titular at the Universidad de Las Palmas, manifestada na crescente importância da (Maffesoli, 1997; Augé, 1987; Lenoir, 2003), são
and has participated in conferences and
teaching interchange in a number of ecologia e de distintos movimentos místico- incontáveis as provas do renascimento da
European universities. Her current research
includes sociology of music, transurbanism, religiosos associados ao culto da terra.
sustainable tourism, and culture in a espiritualidade, inclusive em espaços
globalized context.
sagramartinezberriel@telefonica.net empresariais, pouco ou nada relacionados
113
3. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
à questão espiritual. No âmbito da vida social, transcendental da morte. É um amálgama
D
CA em alguns locais públicos ou privados, de experiências espirituais onde se combinam
proliferam crenças e práticas religiosas com fins prazeres e práticas alternativas de variadas
espiritualmente benéficos. O auge da procedências, como a agricultura biológica,
sensibilidade espiritual e a combinação de a homeopatia, a magia, o xamãnismo, entre
crenças religiosas com finalidades profanas outros. Esta tendência é conhecida como
(evitar o stress, eficiência empresarial, "holística" porque integra e supera as
autodomínio, entre outras.) são exemplos dos dualidades e incisões que a cultura ocidental
fenômenos sociais contemporâneos que fez lei, algo como mente/corpo, natureza/
acompanham ao descrédito da Modernidade cultura e microcosmos /macrocosmos.
A busca pela espiritualidade ressurge, Na tradição da disciplina sociológica,
estranhamente, em tempos marcados pela Max Weber caracteriza a Modernidade
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
ciência e pela racionalidade. O massivo pelo triunfo da "racionalidade" e o
consumo da música sacra sem uso religioso, o "desencantamento do mundo" e, Nobert
uso da meditação com fins lucrativos (cursos Elias pela regulamentação e privatização
de liderança empresarial, desenvolvimento das emoções através do ócio, da arte e do
integral, entre outros), são algumas das esporte. A realidade social atual prova que
inúmeras combinações do sincretismo religioso não há espaço decrescente de religiosidade,
que dão lugar a globalização da cultura. Em nem um afastamento de sua prática na vida
particular, vale à pena ressaltar o crescimento doméstica. Ao contrario, assistimos a uma
do budismo no ocidente, marcado pelo sentido pujante influência da religião no âmbito da
ecológico da vida, e o fato de que se trata de vida política mundial (Thomas, 2007), e pode
uma filosofia, mais que de uma religião, o que não haver uma religião civil capaz de
implica a negação de um Deus e de uma substituir as crenças sobrenaturais.
"Igreja". Tudo isso se ajusta ao individualismo O sentimento religioso goza de
contemporâneo e ao heterodoxo renovado interesse, é plural e particularmente
comportamento religioso e social que sincrético; se afirma, inclusive, que está em
caracteriza nosso tempo: voluntário, sem expansão, dada sua capacidade de
compromisso e sem obrigação de doutrina ou recriação através de ritos e símbolos como
permanência (Lenoir, 2003, Martinez Berriel, 2006). ocorre nas tribos urbanas; em efeito, não são
Este fenômeno social, que chamou poucos os deuses que alimenta a juventude.
especialmente a atenção sociológica e dos A religiosidade se manifesta em novos contextos
meios de comunicação, qualificado como o de ultra-modernidade, como o turismo ou a
"retorno do religioso" e o "re-encantamento do arte, porque a secularização, como propõe
mundo" (Lenoir, 2003), pode ser entendido Casanova (2007), é um conceito formado por
como uma busca transcendental fora de uma três argumentos que não coincidem
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
experiência institucional das religiões oficiais, simultaneamente e que se combinam de
que vem perdendo fiéis, acompanhados de maneiras diferentes nas sociedades: a
terapias, ritos e expressões artísticas, baseado decadência de práticas e crenças religiosas,
na re- apropriação de convicções mágicas e a privatização da religião e a emancipação
religiosas de outras culturas e tempos históricos. das normas e instituições religiosas.
No âmbito mais íntimo da vida e no contexto Se seguirmos a trajetória da historia
mais universal, proliferam crenças sagradas chegaremos à conclusão de que o
para alcançar a paz, a felicidade e a saúde, sentimento religioso nunca nos abandonou
assim como encontrar um sentido porque é nossa primeira pele, como seres
114
4. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
sociais organizados e separados da natureza. da religião é uma prova de medo, ante a
D
CA Não é por acaso, que a origem da palavra destruição da natureza, e da esperança em
culta, aluda simultaneamente à prática despertar, perante o fracasso da
religiosa e ao cultivo da terra, porque, como Modernidade e o egoísmo do mercado, como
bem explica Gellner (1992), nas primeiras princípios de regulação da ordem mundial.
sociedades não havia distinção entre o Considera-se também, por extensão, que é
sagrado e o profano, são as sociedades um indício do ressurgir da autenticidade do
agrícolas, com o crescente artifício da cultura Terceiro Mundo, depois da consciência do
(o nascimento da doutrina em primeiro lugar), fracasso do processo colonizador e de teorias
que permitem que a religião assuma funções do desenvolvimento propostas pelo
distantes ao fortalecimento da vida comum. Ocidente, segundo sua visão etnocêntrica.
A transação das religiões comuns, baseadas
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
na idéia de salvação, constitui segundo sua Turismo, transnacionalidade e
argumentação, uma das grandes linhas identidade
divisórias da história humana. A outra grande Diferentes movimentos sociais da
revolução é a que produz quando se Modernidade têm discutido o etnocentrismo
concebe a natureza como homogênea e do Ocidente na hora de definir a
governada por leis; o mesmo que ocorre com convergência das culturas. Os
a Reforma, com a separação de Igreja - nacionalismos, a antropologia e o
Estado e, posteriormente, o Iluminismo. Deste romanticismo, destacam como movimentos
modo, os princípios do conhecimento e da sociais precursores da diversidade cultural e
Fé ficaram divididos em mãos de indivíduos de formas de sabedoria alternativas a
e não da coletividade. racionalidade, tais como: os sentimentos, as
Ao mesmo tempo em que a moral e o emoções, o amor pela natureza e o
conhecimento tornaram independentes, conhecimento mágico. A teoria psicanalista
quanto a meios e fins, o mercado assumiu a também destaca o sentido de afirmar o
missão de regular absolutamente a racionalismo a uma relação de
sociedade. Seguindo Karl Polanyi (2003), a complementaridade com a superstição, de
atitude egoísta, abertamente o oposto ao modo que quanto mais se pretenda
sentido de comunidade e de transcendência, canalizar e regulamentar a consciência,
chega ao topo com a "Grande maior vitalidade adquire o universo
Transformação" que ocorre ao final dos séculos inconsciente (Maffesoli, 1996).
XVIII na Europa, depois da expansão do Na presente "ultra- modernidade" ou
mercado como mecanismo de auto-regulação "pós- modernidade", tanto em referência ao
total. Como conseqüência, o mercado que ordenamento político como ao significado
tinha ocupado uma posição subordinada à geral de cultura, no mais amplo sentido
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
política, assume controle da sociedade antropológico, é cada vez mais comum
conseguindo a motivação permanente para admitir que as sociedades do mundo estejam
que o benefício se converta em uma ação unidas e confrontadas por um processo de
"natural". Esta mudança fez do homem e da modernização múltiplo e, que a barbárie e
terra, mercadorias sujeitas à compra-venda, a civilização não são antagônicas. Não há,
sem nenhum sentido de sacralidade, justiça ou portanto, uma única cultura global, nem um
responsabilidade comum. modelo de desenvolvimento linear. A
Em resumo, a reflexão sobre a história recente e profusa adoção do prefixo TRANS
conduz a pensar que o renascimento mundial nas ciências sociais obedece, precisamente,
115
5. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
a afirmação da simultaneidade e contínua mundial para fazer frente tanto aos
D
CA mudança das identidades múltiplas, frente à problemas transnacionais de mercado de
idéia de progresso, reinterpretada pelo trabalho, ambientais e de justiça
paradigma da evolução. internacional, como os desmandos que
O turismo é uma ferramenta importante sofrem as minorias nacionais não
no processo de interculturalidade nas reconhecidas (Kymlikca, 1999; Beck, 2006). O
sociedades atuais, promovendo e cosmopolitismo é especialmente um projeto
beneficiando a fluidez que gera a universal de cidadania defendido pelas
multiplicidade de culturas e níveis de elites da globalização, "a cosmocracia"
desenvolvimento. O turismo e os movimentos (Ducros, 2001), um grupo profundamente
migratórios, assim como as comunicações e os transcultural de mentalidade e de
negócios, diminuem as fronteiras territoriais e concepção de vida, formado por forasteiros
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
culturais, reais ou imaginárias, erguidas ao de vocação e turistas compulsivos de um
longo do processo de civilização, o que não mundo que, desde sua posição econômica
quer dizer, como adverte Canclini (2007), que e cultural, se converteu em um "pequeno
a humanidade tenha optado por ser planeta". Mas é também um projeto que
nômade, eliminando o sentido da participa junto a estes grupos "des-
territorialidade. Também não quer dizer, que territorializados" que governam o mundo, os
com essa nova situação, tenham cientistas, os intelectuais e os artistas
desaparecido as polaridades que acostumados por seus conhecimentos e
enfrentam o mundo e que fazem formas de trabalho, a estar por cima das
desigualdades de intercâmbios dentro dele. limitadas e fragmentadas parcelas que
Ao contrario, na agitada mudança de estabelece o "velho" ordenamento político e
paisagem e mestiçagem que instaura a intelectual da Modernidade.
globalização, são visíveis dois pólos de As diretrizes ideológicas da
referência identitária em manifesto a cosmopolítica têm como fundamento os
situação de violência (Appadurai, 2003). acordos que fizeram possível em 1945, à
De um lado, os movimentos nacionais e criação das Nações Unidas e da UNESCO.
locais, as "minorias" decididas a não cair na Suas propostas expressadas em distintas
assimilação da cultura global e aferradas a reuniões internacionais, como o Fórum
idéia de "comunidade" - entendido como Universal das culturas celebrado em
solidaria e integrada ao território, com língua Barcelona no ano de 2004, giram em torno à
e passado comum, expressada em múltiplas idéia central de promover uma
ocasiões em movimento extremista de "pureza "globalização ética", responsável com as
étnica". Por outro lado, os defensores da diferenças religiosas, ideológicas, étnicas e
democracia cosmopolita, as elites históricas, que estabeleça uma "cultura da
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
transnacionais que aduzem a falsa paz". Seguindo com esta argumentação, o
integridade da maioria dos estados antropólogo francês, Edgar Morin escreveu
democráticos e a submissão e a falta de para UNESCO (1999) um ensaio sobre os
defesa das minorias não reconhecidas em seus princípios básicos da "boa" e "nova"
respectivos estados. educação, com a idéia de "Civilizar a Terra"
como casa e jardim de todos, assumindo as
Desde a expectativa cosmopolita se
identidades étnicas e nacionais, ao mesmo
expõe a obsolência e ausência de
tempo, em identidade comum da
legitimidade do Estado- nação, assim como,
humanidade. Desde sua perspectiva ética,
a necessidade de construir uma ordem
116
6. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
destaca distintos movimentos sociais que también el sentimiento reconfortante de
D
CA representam uma alternativa de mudança e una totalidad que trasciende esos destinos
esperança para a humanidade, como o -o en la cual se funden-, el sentimiento de la
ecologismo, a defesa do quantitativo frente intuición panteísta o materialista del "nada
à uniformidade generalizada, a resistência a se pierde, nada se crea".
vida prosaica puramente utilitária, a De fato, um dos atributos do espaço
resistência ao consumismo, a econômica social é a condição do sagrado. As pessoas
solidária distante da tirania onipresente do se prolongam no espaço que habitam e nas
dinheiro, e a ética da paz e da espiritualidade paisagens que refletem em imagem, tanto a
contra a violência. vida social que suporta como a nudez
O rosto amável da globalização e sua derivada da ausência da atividade
promessa de democracia telemática mundial humana. O sentido de identidade está
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
não parecem, em termos reais, profundamente relacionado com a
contrabalancear os males da economia pertinência ou identificação com o lugar, que
mundial. Transcorridos quase vinte anos da goza de sentimentos compartidos e
Conferencia das Nações Unidas - "RIO 92", qualidades transcendentais.
onde se definiram o conceito de A identificação do espaço sagrado no
desenvolvimento sustentável, agora qual "as pessoas escolhem e elegem os lugares
ampliado na idéia de "desenvolvimento que possuem campo de forças e valores que
humano sustentável", segue sendo evidente elevam o homem acima de si mesmo, que o
que não pode ter desenvolvimento sem transporta para um meio distinto daquele no
violência humana e ambiental. Desfrutar da qual transcorre sua existência" (Rosendhal,
diversidade das paisagens e dos modos de 1999, p.227), quase sempre decorre de um
vida que lhes sustentam, sem cair na estudo com base religiosa. Mas o sagrado
mercantilização da cultura e da destruição também está presente nas formas naturais,
da natureza, pode se considerar uma nas construções históricas, testemunhas de
metáfora ao "Turismo Responsável". uma força cultural.
O sagrado aqui, não passa
Turismo, religião e espaço necessariamente do ponto de vista religioso,
sagrado
mas essencialmente pela própria
Vale à pena perguntar, que tem em
consistência da natureza como mediadora
comum a religião e o turismo? Que forma de
da comunicação entre as formas espaciais
êxtase comparte? Algumas das mais
e os significados nela projetados, da sua
evidentes concordâncias têm a ver com
simples presença e o despertar de emoções
argumentos como, a evasão do tempo real,
ligadas a um processo sagrado e até mesmo
a crença no extraordinário e a fusão espiritual
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
místico. Neste sentido, entende-se o espaço
com o meio ambiente e com os que
místico (Andrade, 2005) como o lugar das
participam do mesmo ritual. Marc Auge (2003,
representações espirituais, das experiências
p.45-46), privilegiado analista do turismo, vem
vividas, da contemplação com o divino
expressando com notável clareza o sentido
proporcionado por um estado de espírito. "Na
espiritual da viaje como "contemplar unas
geografia mítica, o espaço sagrado é o
ruinas no es hacer un viaje en la historia,
espaço real por excelência, pois, para o
sino vivir la experiencia del tiempo, del
mundo arcaico o mito é real, porque ele
tiempo puro...al espectáculo de la perpetua
relata as manifestações da verdadeira
renovación de la naturaleza puede unirse
realidade: o sagrado" (Eliade, 1996, p.36). O
117
7. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
sagrado, representado por objetos ou significados históricos, a capacidade humana
D
CA símbolos, acrescenta novos valores sem de levantar altares se manifesta por cima
prejudicar sua real essência. dos fatos, inclusive em contextos situados nas
A análise de Rodrigues (2002, p.79) antípodas da tradição. As provas de
compactua com a idéia da comunhão de religiosidades se manifestam em espaços e
todos os sentidos, onde o real não é apenas o "novas" situações como os sermões de
que o olhar materializa e que "o real não se "telepredicadores", o templo-museu de Lady
correlaciona sempre e diretamente à Di ou as cruzes comemorativas nas estradas.
imagem que se faz e que nomeamos de Transcender é uma das práticas básicas
paisagem. Na maior parte das vezes, esta da religião, que se vê transferido ao turismo.
não corresponde apenas aos elementos que Fugir do tempo mortal e tocá-lo, como afirma
a constituem, mas também às variadas Augé (2003), em um relato mítico, com heroísmo
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
leituras que fazemos da interação desses e aventuras incluídas, para assim permanecer
elementos, de acordo com o nosso repertório incólume na memória e no imaginário popular.
cultural e social, com as nossas experiências, Criar história e personagens inesquecíveis, em
expectativas e valores, repercutindo os uma sociedade que, ao mesmo tempo
nossos sonhos e símbolos". devora as tradições e a memória, é um
A convicção de que o meio físico exerce caminho delicado seguido por algumas
uma influencia na constituição física e moral empresas turísticas.
do homem individual e social, não é só uma O renovado interesse pelo
teoria que goza de uma dilatada tradição transcendental, democratizado e
no pensamento social. É também um comercializado pela "indústria" turística, tem
conhecimento comum da realidade que sido objeto comum da arte e das religiões.
conduz as pessoas a viajarem. O determinismo Edmund Burke (1757) em seu ensaio:
geográfico é, até um ponto de vista social, "Indagación filosófica sobre el origen de las
inquestionável que está na base do ideas acerca de lo sublime y lo bello", ao
planejamento territorial e urbano de todos os explorar as paixões que evocam a mente
espaços criados ou imaginados para fazer humana, o harmonioso e o desmesurado,
realidade à vida social em sua plenitude. A sugeriu que as imagens sublimes,
busca do lugar ideal é uma metáfora contínua arrebatadoras e pavorosas, por sua
da incansável mobilidade humana, onde se imensidade incontrolável, causam uma
coincidem turistas e imigrantes arriscando suas mistura embriagadora de terror e prazer.
vidas para chegar à "terra prometida". O Robert Macfarlane (2005, p.183) escreveu
paraíso, em suas variadas concepções, é um recentemente um ensaio, na primeira pessoa,
jardim generoso que satisfaz sem muito esforço sobre o culto a montanha e os sentimentos
as mais variadas necessidades humanas, mas despertados quando diz:
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
para chegar até ele tem que fazer uma "Nada se movía. Parecía un inmenso
travessia cheia de adversidades. O turismo receptáculo de espacio y quietud en el cual
tem feito desse profundo sentimento humano, por un instante sentí deseos de sumergirme
não só um negócio senão uma ideologia: (…) Las grandes alturas amplían el campo
promover a Paz Universal conhecendo e visual: la vista desde la cumbre otorga poder,
tolerando outras culturas. pero, por otra parte, también lo anula. La
Ainda que a ultra- modernidade seja propia identidad se ve reforzada por el
produtora de "não lugares" (Augé, 1987), alcance de la visión, y al mismo tiempo se
porque cria espaços de trânsitos carentes de siente atacada…, amenazada de
118
8. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
insignificancia por las grandiosas panorámicas histórico-artistico, pela Direção Geral de Belas
D
CA de tiempo y espacio que se nos abren desde Artes e Arquivos (ES), se permitiu a exploração
la cumbre de una montaña". dos seus recursos minerais a uma empresa
Viajar é essencialmente um caminho privada. O crescente interesse científico,
para conhecer outros lugares e culturas, mas cultural e paisagístico da montanha gerou,
ao mesmo tempo para um anos mais tarde, um plano especial por parte
autoconhecimento. Indagar em um terreno do governo, de proteção a zona que passou
desconhecido e domesticado por emoções a proibir a exploração mineira e estimular a
externas, tem sido e é, um dos principais criação de um espaço protegido.
objetos da arte, assim como dos movimentos
Figura1: Montanha de Tindaya
místicos e religiosos que perseguem superar as
necessidades da matéria e do principio de
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
individualidade, forçando os limites físicos e
psíquicos da nossa existência.
O turismo e o sagrado em dois
estudos: - Tindaya (ES) e Igatu (BR).
Montanha de Tindaya , ilha de
Fuerteventura-Espanha
Localizada na Ilha de Fuerteventura,
uma das sete ilhas do arquipélago de
Canárias- Espanha, a montanha de Tindaya Fonte: Berriel, 2005
(Figura 1), ou a "a montanha das bruxas",
A proposta, idealizada pelo escultor
como é popularmente conhecida, era um
Eduardo Chillida, era de transformar a
lugar sagrado para os povos primitivos da ilha,
montanha de Tindaya, em um monumento
"los majos". No final dos anos 70 foram
(Figura 2), com a intenção de explorar uma
encontrados numerosos rastros arqueológicos,
paisagem de aspecto enigmático. Para as
ordenados segundo uma deliberada
autoridades políticas locais, o projeto tinha
cosmogonía mágico-religiosa, fato que
o interesse econômico de expandir a
estimulou o governo a buscar meios de
saturada oferta de sol e praia local criando
proteger o lugar para estudos e, conseqüente
um novo estimulo cultural. Chilida1 justificou
conservação do patrimônio arqueológico
seu projeto, quase como uma resposta
encontrado. Ademais dos valores culturais e
intuitiva onde dizia:
ecológicos, a montanha possuía outro
interesse não menos apreciado: a traquita, Hace años tuve una intuición, que
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
uma pedra ornamental muito valiosa, sinceramente creí utópica. Dentro de una
principalmente para fins arquitetônicos, onde montaña crear un espacio interior que
o próprio aeroporto da ilha está ornamentado pudiera ofrecerse a los hombres de todas
com essa pedra. las razas y colores, una gran escultura
para la tolerancia. Un día surgió la
Esta extração descontrolada
posibilidad de realizar la escultura
comprometia a estrutura física da montanha
enTindaya, en Fuerteventura, la montaña
e colocava em risco seu valor cultural. Em
donde la utopía podía ser realidad. La
1
Disponivel em http://www.eduardo- 1983, praticamente ao mesmo tempo em que
c h i l l i d a . c o m / P r o y e c t o - escultura ayudaba a proteger
Tindaya.143+M52087573ab0.0.html. a montanha foi declarada Monumento
Acesso em. 20 de Julio de 2009.
119
9. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
la montaña sagrada. El gran espacio apesar das boas intenções, o impasse
D
CA creado dentro de ella no sería visible desde segue sem resolver nos campos políticos
fuera, pero los hombres que penetraran en e jurídicos da ilha.
su corazón verían la luz del sol, de la luna,
Figura 3: Parque Natural de Tindaya
dentro de una montaña volcada al mar, y al
horizonte, inalcanzable, necesario,
inexistente(...).
Figura 2: Esquema da Montanha de Tindaya,
proposto por Chillida.
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
Fonte: Berriel, 2005
Concebido como um templo à
Tolerância tem sido um exemplo do oposto.
Para seus detratores, a escultura é um
atentado ecológico e a montanha deve ser
considerada, por si mesma, um monumento
livre de especulação. Para seus defensores,
a obra de arte ressaltará o valor da natureza
e gerará una próspera economia local
(Martinez Berriel, 2007). Este é um dilema que,
certamente, os aborígenes não queriam
deixar como legado junto com todo o
patrimônio arqueológico de Tindaya.
Fonte: http://www.eduardo-chillida.com/
Xique-Xique de Igatu-BA (Brasil)
Proyecto-Tindaya.143+M52087573ab0.0.html.
Pertencente ao município de Andaraí,
O elevado custo econômico da obra, na Chapada Diamantina (BA), o distrito de
a incerteza sobre a viabilidade de sua Xique-Xique, hoje conhecido como Igatu
execução sem destruir a montanha e o (figura 4), é um lugar que vem despertando
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
suposto desvio de verbas por parte do o imaginário de quem se aventura a
governo local e regional, tem convertido o conhecer. Com sua história baseada na
projeto artístico em um debate político de exploração do garimpo, as construções
grande transcendência, enquanto a difícil, ou herdadas, são recursos culturais, utilizados
impossível, neutralidade da arte e sua pela atividade turística.
intervenção social. Esse projeto visava O turismo em Igatu passou a ser
proteger o espaço natural (Fig.3) da desenhado no início na década de 90,
exploração de pedreiras de rochas como efeito da decadência da atividade
ornamentais que destruía a montanha e, do garimpo na década de 50, veio
120
10. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
corroborar com a economia local, O fato de ligar Igatu a Machu Pichu gera
D
CA impulsionado não somente pelas paisagens uma interpretação com base econômica, uma
naturais, mas pelo apelo cultural e místico da nova forma de atração, como pode responder
região. A beleza da região atrai turista e aos desejos intimamente ligados a experiência
também novos moradores que buscam, além espiritual de cada um. O místico em Igatu está
dos atrativos naturais, os valores místicos que representado em quatro dimensões: na força
vêm sendo alvo de visitações constantes. A geológica (rios, cristais, rochas), na força cultural
imagem do meio natural pode ter grande (história do garimpo), na experiência individual
importância no comportamento espacial das (pessoas sensitivas, místicas) ou apenas pelo
pessoas, interferindo na mudança e no modo apelo turístico (processo de comunicação do
de repensar valores ao longo do tempo. produto Igatu) (Andrade, 2005).
Xique-Xique, para os antigos moradores, e Banhar-se nas águas de Igatu, que
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
Igatu, para os novos moradores e turistas, não por acaso significa "água boa" numa
aparece como um lugar em que se pode sentir tradução indígena, representa uma
a "energia mística" da Chapada, uma vila reposição de energia, como forma de "lavar"
muito simples, com casinhas de pedras e muita pensamentos ruins. Representações e
estória para se contar.
Figura 4: Toca de garimpeiro e a entrada da vila.
Fonte: Andrade, 2005
Muito da paisagem de Igatu, está interpretações de lugares considerados foco
atrelada a uma realidade que pouco de concentração de energia da natureza. O
pertence à vida local. Comparada espaço místico (Fig.5), em Igatu foi desvelado
principalmente pelas agências de viagens e por meio de paisagens naturais e culturais
absorvida pelo olhar externo, com a cidade envolvidas, segundo entrevistados3 em uma
de Machu Pichu, pela paisagem residual que aura de energia fundamentada nas histórias
vividas além da própria geografia local.
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
lhe é característica, a vila vem atraindo muita
gente em busca da "Machu Pichu Baiana", O místico se descortina na paisagem
ou da "Cidade Fantasma"4 , onde a atmosfera de Xique-Xique de Igatu por meio das
mística paira no ar e na imaginação de muitos. memórias do garimpo e histórias
Tal analogia com o destino Machu Pichu no contemporâneas que atestam tal realidade
Peru, cidade conhecida pelo mistério de suas pertinente ao espaço intimo, deflagrado por
3
Para essa investigação, foram
entrevistados antigos e novos moradores construções, durante a civilização Inca, por Bacherlard (1998). Dentre os moradores, os
da vila, sobre o espaço místico local.
4
O termo cidade fantasma se refere ao volta do século XVI - o místico envolto em suas mais antigos vêem o místico representado na
conjunto arquitetônico de ruínas, que com
a decadência do garimpo apresentou uma ruínas é atrativo junto a todo o cenário força do garimpo. Os moradores mais recentes
evasão da população local, abandonado
suas casas. misterioso exalado pelo lugar. aliam também a presença cultural e a
121
11. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
energia das águas e dos cristais de rocha, que esses lugares adquiram um
D
CA além de uma energia muito pessoal valor especial.
provocada pelo lugar. Duendes, forças A importância desse fenômeno cultural
espirituais, a força da natureza, são é uma força que compensa o incontrolável
representações de um espaço místico que avanço da urbanização, assim como das
instiga a paisagem de Igatu, presente no comunicações, que ameaça as culturas
imaginário das pessoas, que se revela como locais. A valorização da dimensão sagrada
atrativo até mesmo entre os mais céticos. do espaço é um importante estímulo para a
Neste contexto, o espaço místico pode se economia turística mundial, não isenta de
revelar tanto em formas espaciais conflitos sociais. Neste sentido, o turismo
alcançando sua concretude ou permanecer sagrado pode promover um sentimento
confinada a sua estrutural subjetividade. positivo de cidadania universal a favor da
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
Figura 5: O espaço místico de Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA.
Fonte: Andrade, 2005.
A busca do mundo espiritual, o preservação e o respeito da paisagem como
transcender através de lugares com suposta patrimônio comum da humanidade, sempre
aura sagrada, mística, fortalece o processo e quando essa intervenção esteja
de aproximação do homem com a natureza. respaldada por um prévio planejamento,
O olhar lançado sobre o lugar reflete uma respeitoso com o significado espiritual do
interpretação de sentimentos. Uma leitura território, diminuindo, assim, os impactos
poética do espaço, fundamentada na negativos da atividade turística.
subjetividade de cada um. O Parque Natural da Montanha de
Tindaya e a exploração com cunho artístico
Considerações finais da "montanha sagrada dos aborígenes" de
O "retorno ao sagrado" e a exaltação Fuerteventura, figura como um exemplo da
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
da natureza como um bem maior, evoca a difícil relação entre o material e o sagrado,
necessidade de nos inserirmos também como tangenciando uma relação de discordância
natureza e não somente como a força maior entre a cultura e o turismo. Freqüentemente,
de domínio sobre ela. A natureza como casa os territórios sagrados vivem submetidos a
e não como propriedade a disposição das duas forças opostas: em um extremo, se
explorações desmedidas, se apresenta como situam os que vêem o turismo como uma
uma característica comum da cultura global. oportunidade de crescimento e
Neste contexto, as ruínas e os lugares mais desenvolvimento local e do outro lado, os
secretos, inclusive os mais inóspitos da terra, que querem a estrita preservação do
onde ainda é possível sentir o silêncio, faz com território. A população que vive nestes
122
12. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
territórios "sacralizados, teme o ostracismo BECK, U. La mirada cosmopolita o la guerra
D
CA de suas vidas limitadas por normas de es la paz, Barcelona, Paidós, 2006.
proteção ambiental. CANCLINI, N. García "Sobre objetos
O espaço sagrado de Xique-Xique de sociológicamente poco identificados",
Igatu foi sinalizado na própria força da Clausura del IX Congreso español de
natureza, na visão da população local e sociología, (en línea) http://
recriado na comparação da vila com Machu www.acscongres.org/interface/images/
Pichu. Tal referencia tem levado turistas, a pdf/NestorGarciaClausura.pdf. (Consulta:
criarem uma imagem deturpada da história 18 de octubre), 2007.
local, apesar da concordância de que existe CASANOVA, J. "Reconsiderar la
uma "aura mística" no lugar. Tal intervenção secularización: Una perspectiva
mediática, na venda do destino com imagem comparada mundial", (en línea) Revista
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
que não corresponde a sua historia real, Académica de Relaciones
desconecta a paisagem do lugar que Internacionales, 7, disponible en: http://
realmente esta inserida, ou seja, quem vai a www.relacionesinternacionales.info.
Igatu, muitas vezes, está indo visitar a "Machu (Consulta: 12 enero 2008), 2007
Pichu baiana", um discurso que já está presente DUCLOS, D. "La nascita dell' iperborghesia".
nos guias locais, erroneamente preparados. De En Martinotti, G. (ed.), La dimensione
todo modo, a vila segue atraindo turistas e metropolitana. Milán. Mulino,1999.
novos moradores além de pessoas que ELIADE. Mircea. Imagens e Símbolos: ensaios
buscam desvendar o "mistério" local. sobre o simbolismo mágico-religioso. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
Referencias bibliográficas GELLNER, E. El arado, la espada y el libro.
México, Fondo de Cultura Económica, 1992
AGENDA de principios y valores del Fórum
KYMLICKA, W. Ciudadanía multicultural,
Universal de las Culturas (Barcelona 2004),
Barcelona, Paidós, 1996.
en Revista de Occidente, 266-267, (julio-
MACFARLANE, R. Las montañas de la mente.
agosto), 2003, pp. 20-25.
Historia de una fascinación, Barcelona,
ANDRADE, C. "E no meio do caminho tinha una
Alba ed., 2005.
pedra: Cultura, Turismo e o Místico na
MAFFESOLI, M. Elogio de la razón sensible.
paisagem de Xique-Xique de Igatu".
Una visión intuitiva del mundo
Dissertação de mestrado do programa de
contemporáneo. Barcelona, Paidós, 1997.
Cultura e Turismo. Depto. de Economia,
_______. No fundo das aparências. Tradução
Universidade Estadual de Santa Cruz,
de Bertha Halpern Gurovitz. Petrópolis, RJ:
Ilheus-BA, 2005.
Vozes, 1996.
APPADURAI, A. "La nueva lógica de la
MARTÍNEZ BERRIEL, S. "Arte y conflicto social
violencia", en Revista de Occidente, 266-
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
en el siglo XXI". Libro de actas del XVI
267, (julio-agosto), 2003. pp. 67-82,
congreso Nacional de Historia del Arte: "La
AUGÉ, M. Los no lugares. Una antropología
multiculturalidad en las Artes y en la
de la sobremodernidad, Barcelona,
Arquitectura", Anroart, ULPGC, pp. 103-112,
Gedisa, 1987.
Tomo II, 2006.
_____, M. El tiempo en ruinas, Barcelona,
_______, S. "El turismo sagrado; la montaña
Gedisa, 2003.
mágica de Tindaya". Comunicación en el
BACHELARD. G. A poética do espaço .
IX Congreso español de sociología, 2007.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MORIN, E.Siete saberes para la educación
(Coleção Tópicos).
123
13. Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
NO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 10, N° 1 (2010)
RI
SMO
ER
del futuro, (en línea) http:// WEBER, M. La etica protestante y el espiritu
D
CA www.scribd.com/doc/362952/Morin- del capitalismo. Península, Barcelona,
Edgar-Los-siete-saberes, Unesco. (Consulta: 1994.
12-10-2007), 1999. YAZIGI. Eduardo. A alma do lugar: turismo,
POLANY, K. La gran transformación. Los orígenes planejamento e cotidiano em litorais e
políticos y económicos del mundo. México, montanhas. São Paulo: Contexto, 2001.
Fondo de Cultura Econômica, 2003.
RODRIGUES. G.S.C. A geografia das
representações: um estudo das paisagens
do parque nacional da serra da canastra -
MG. GEOUSP _ Espaço e Tempo, São
Paulo, nº 11, 2002. pp.69-84.
O turismo e o sagrado em tempos de globalização: o exemplo de Tindaya-Ilhas Canárias (ES) e de Xique-Xique de Igatu - Bahia (BR)
ROSENDHAL. Zeny. Sagrado e o Espaço. In:
SANTOS Aldeci et al (org.). Geografia
Agricultura e Meio Ambiente. São Cristovão,
Cronologia do processo editorial:
SE: NPGEO/UFS, 1999.
Recebimento do artigo: 19-jan-2009
THOMAS, S.M. Afrontando seriamente el Envio ao parecerista: 27-abr-2009
Recebimento do parecer: 25-mai-2009
pluralismo religioso y cultural: El Envio para revisão do autor: 08-jul-2009
Recebimento do artigo revisado: 27-jul-2009
renacimiento mundial de la religión y la Aceite: 10-ago-2009
transformación de la sociedad
internacional, (en línea) Revista
Académica de Relaciones Internacionales,
7, disponible en: http://
www.relacionesinternacionales.info.
(Consulta: 12 enero 2008), 2007.
Cyntia da Silva Andrade e Sagrario Martinez Berriel
124