1) O documento discute a proposta de introduzir o ensino bilingue português-inglês nas escolas públicas portuguesas já no próximo ano letivo.
2) Especialistas em línguas apoiam a medida, mas pais e sindicatos de professores estão contra devido a preocupações com o sucesso escolar e falta de professores qualificados.
3) Um projeto piloto em escolas de Lisboa testará a viabilidade do ensino bilingue antes de uma possível implementação mais ampla.
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2. SOCIEDADE
EDUCAÇÃO
‘In
English,
please’
O Governo mandou estudar a viabilidade
do ensino bilingue nas escolas públicas
portuguesas. Para aplicar já no próximo
ano lectivo. Especialistas em línguas
gostam da medida, mas os pais são
contra. A polémica é já a seguir
POR ISABEL NERY*
O
quadro é de ardósia, como no pas-
sado. A escola é pública, como a
maioria. Os alunos são de classe
média-baixa, como de costume, nos
subúrbios. Mas acabam aqui as coin-
cidências com uma escola banal.
Nos corredores, não há pedaço de parede livre
de trabalhos – as estações do ano, a roupa, o corpo
humano, a geografia, tudo serve para passar a men-
sagem. Em Inglês. Dentro das salas, há professoras
louras e sardentas. Vieram do Reino Unido para en-
sinar matérias do currículo espanhol em Inglês.
Estamos na escola Alba Plata, em Cáceres, não
muito longe da fronteira que separa Portugal de
Espanha. Mas, muito em breve, poderemos estar
a descrever uma escola nacional. O British Coun-
cil (Instituto Britânico) propôs a ideia à Câmara
Municipal de Lisboa. A autarquia gostou tanto que
chamou o Ministério da Educação e este já pôs em
marcha um estudo de viabilidade. Se a investigação
concluir que a ideia é positiva, o projecto arranca no
próximo ano lectivo. As escolas até já estão escolhi-
das (ver caixa).
Quando se fala de ensino bilingue, a preposição
explica tudo. Não se quer apenas que os alunos
aprendam o Inglês, isso fica para a aula da discipli-
na; espera-se que aprendam ciências, geografia ou
artes, em Inglês.
O trajecto da aprendizagem multilingue parece
inevitável, mas nem por isso livre de controvérsia.
Os pais estão contra e os sindicatos dos professoras
JOSÉ CARIA
96 v 12 DE NOVEMBRO DE 2009
3. CÁCERES A professora Emma
Peters ensina as matérias do
currículo espanhol em Inglês.
São 45 minutos por dia,
em todas as turmas
12 DE NOVEMBRO DE 2009 v 97
4. SOCIEDADE
EDUCAÇÃO
JOSÉ CARIA
BIBLIOTECA EM INGLÊS Na escola Alba Plata, Cáceres, há um espaço só para livros britânicos. Para Gema (à direita), de apenas 7 anos,
a vantagem de aprender outra língua é óbvia: «Podes ir trabalhar para outros países»
recusaram-se a tomar posição por des- O sucesso é tal que, agora, até os pais tos de línguas, gastando do nosso bolso.
conhecerem o projecto. pedem aulas de Inglês. E a escola acedeu. A nossa experiência é toda positiva», ar-
Em horário pós-laboral, ensinou a lín- gumenta um pai, José Iglesias, 39 anos.
DO MEDO AO SUCESSO gua do Reino Unido, durante dois anos, Para transformar assim uma escola
«Think of words beginning with 'e'.» Os alu- aos encarregados de educação. «Graças foi preciso repensar a própria forma de
nos têm apenas 9 anos, mas respondem a este projecto, o Inglês já faz parte da ensinar. Métodos mais participativos e
prontamente, com pronúncia irrepre- educação dos miúdos, não vamos preci- dispensa dos manuais escolares, em favor
ensível – elephant, equal, e por aí adiante. sar de pô-los em explicações ou institu- de matérias seleccionadas pelos profes-
A professora Emma Peters, inglesa de sores são alguns dos segredos do sucesso.
nascença, vai percorrer as várias turmas «Tentamos inovar em educação, deixar
da escola Alba Plata com o mesmo méto- Números Espanha de lado a ideia de que o professor é que diz
do. Bilingue, porque ensina matérias em ‘versus’ Portugal tudo e os alunos ouvem. As crianças têm
duas línguas. O país vizinho começou a experimentar de procurar as ferramentas para aprende-
Mais do que mudar os alunos, mudou o ensino bilingue nas escolas públicas rem por elas», resume Angela Egido.
a escola toda. «Quando começámos, em há já 14 anos. O que se faz lá e o que se Nesta escola há professores bilingues
2005, ninguém queria vir para aqui, por- faz cá: para dar os 45 minutos diários de maté-
que havia muitos problemas. Na altura, ria em Inglês, mas não em todos os casos.
FRANCÊS
tínhamos 93 alunos, agora temos 176 e Na maior parte dos estabelecimentos
Espanha: 300 escolas/20 mil alunos
já somos obrigados a recusar matrículas, Portugal: 21 escolas/750 alunos
de ensino castelhanos, são os próprios
por falta de vagas», garante Angela Egido, professores espanhóis que leccionam
44 anos, coordenadora do Programa Bi- INGLÊS algumas horas noutra língua. Satisfeita
lingue, na escola Alba Plata. Espanha: 144 escolas/28 mil alunos com os resultados, a direcção da escola
Apesar dos seus escassos 7 anos, as Portugal: o projecto ainda está em es- pensa já introduzir também o ensino do
crianças estão já consciencializadas tudo mas, se for para a frente, prevê-se Português.
para a necessidade de uma mente global, que comece nas seguintes escolas-pilo-
to: EB Bartolomeu de Gusmão, EB Vasco
numa sociedade global: «Se sabes Inglês,
da Gama, EB Santa Maria dos Olivais, EB
NÓS E NOZES
podes ir trabalhar para outros países», Pedro de Santarém, todas em Lisboa O que os miúdos apenas intuem – que fa-
nota a pequena Gema. «E também ir de lar várias línguas é uma forma de poder –,
férias», acrescenta o colega Pablo. os graúdos já estudaram e comprovaram.
98 v 12 DE NOVEMBRO DE 2009
5. JOSÉ CARIA
ENSINAR EM INGLÊS A coordenadora do Programa Bilingue da Escola Alba Plata, Angela Egido, agarrou este projecto para recuperar uma escola que
tinha caído em desgraça. «Tínhamos 93 alunos e ninguém queria vir para cá. Agora são 176 e somos obrigados a recusar matrículas»
«O domínio de várias línguas é hoje im- dente da Confederação das Associações ral muito forte. Enquanto os nossos alu-
prescindível para a plena cidadania. Há de Pais, receia pelo sucesso escolar dos nos confundirem 'nós' com 'noz' recuso-
projectos multilinguísticos que provam filhos, se o projecto passar do papel à -me a aceitar o ensino bilingue.»
a utilidade deste tipo de aprendizagem. prática. «Seremos contra. Isso está con-
É mais importante saber um pouco de denado ao fracasso. Não estamos a falar AMARGOS DE LÍNGUA
outras línguas do que ser poliglota, por- de coisa pouca. É uma alteração estrutu- Não se opondo com tanto vigor, Vasco
que interessa mais falar com o outro do Graça Moura, 67 anos, tem muitas dú-
que como o outro. Ou seja, não é preciso vidas sobre as vantagens do ensino bi-
um conhecimento profundíssimo da lín-
gua para que seja útil», lembra a directo-
ra do Centro de Avaliação de Português
como Língua Estrangeira e professora
‘ O ensino de língua
estrangeira potencia
a materna. Com
lingue, numa altura em que o Português
«está pelas ruas da amargura». As filhas
do escritor estudaram no Liceu Francês,
sem qualquer prejuízo nas competên-
da Faculdade de Letras de Lisboa, Maria o bilinguismo tende- cias da língua materna. Mas: «Duvido
José Grosso, 56 anos.
Apesar das vantagens teóricas de
-se a um melhor que haja condições para generalizar. Que
eu saiba, não existem professores com
aprender em mais do que uma língua, os desempenho’ qualificações para isso. O risco é muito
encarregados de educação, representa- Paulo Feytor Pinto, presidente grande. Pode condenar-nos ao atraso,
dos por Albino Almeida, 48 anos, presi- da Associação de Professores de Português por exigências estranhas de justiça so-
6. SOCIEDADE
EDUCAÇÃO
‘ Enquanto os nossos
alunos confundirem
nós com noz recuso-
-me a aceitar o ensino
bilingue’
Albino Almeida, presidente
da Confederação das Associações de Pais
línguas como outras matérias. Nestes ca-
sos, tende-se a um melhor desempenho,
na escolaridade», concluiu Paulo Feytor
Pinto, 46 anos, presidente da Associação
de Professores de Português, lembrando
que, «daqui a dez anos, ninguém sobre-
vive sem saber Inglês».
Conscientes desta realidade, os res-
ponsáveis do Ministério da Educação
JOSÉ CARIA
têm dado apoio ao projecto do British
Council. Fonte do gabinete da ministra
Alternativa Também na língua de Molière Isabel Alçada garantiu à VISÃO que a
Numa escola da Amadora, aprende-se Físico-Química em Francês
investigação sobre a utilidade da apren-
dizagem simultânea em Português e
«Devoirs pour la prochaine semaine: nham, quando é preciso responder às Inglês vai continuar. Mas a nova respon-
exercise. Acabei a aula em Francês. perguntas da professora em Francês, sável pela pasta não quer comprometer-
Agora vamos continuar em Portu- mas são os primeiros defensores do
se, para já. Apesar de saber, pessoalmen-
guês.» Gorete Jubilado, 38 anos, dá por projecto. «É difícil, mas vale a pena.
terminada a sessão bilingue da sua aula Ficamos a saber outra língua para o caso te, o que é o ensino bilingue – foi aluna do
de Físico-Química, na Escola Fernando de querermos estudar no estrangeiro», Liceu Francês – só tomará posição públi-
Namora, na Amadora. argumenta Patrícia Santos, 14 anos. ca depois de conhecer os resultados do
Como esta, há mais 20, em Portugal. Normalmente, teriam duas aulas de estudo de viabilidade.
Recebem apoio do Instituto Franco- Francês por semana, com o projecto têm
-Português, apresentam o projecto ao três. «Nessa aula, tento dar vocabulário TODOS FALADORES, TODOS IGUAIS
Ministério da Educação e escolhem que possa ser útil para a Físico-Química.
Introduzir o ensino bilingue nas escolas
disciplinas que possam ser dadas nas Ao nível da compreensão, estão muito
duas línguas. Naquele caso, a professora melhor do que os alunos sem o projecto
públicas está longe de ser uma medida
nasceu em França e é bilingue, mas não bilingue», explica Lúcia Teixeira, 48 anos, apenas educativa. Tem implicações polí-
tem de ser assim. «O projecto adapta- professora de Francês. ticas, sociais e até diplomáticas.
se aos alunos e aos professores. É isso E se esta docente está satisfeita com o ní- Habituada a reacções diferentes a
que lhe dá força. A palavra de ordem é a vel atingido pelos alunos, a de Físico-Quí- esta iniciativa, Teresa Reilly, consultora
flexibilidade», diz Fabienne Lallement, 57 mica está mais ainda: «É uma das minhas do projecto bilingue do British Council,
anos, adida de cooperação educativa da melhores turmas. Ensinar em Francês acredita que o tempo e autonomia de cada
Embaixada de França. até veio ajudar, porque estão muito mais
escola é que devem indicar o caminho.
Na sala de aula, os alunos – em abun- atentos. Como professora, tive de actuali-
dante adolescência – ainda se envergo- zar-me», garante Gorete Jubilado. «Quando começámos em Espanha, há 14
anos, não fomos muito bem aceites. Ago-
ra, os pais protestam quando os filhos não
cial. Em vez de melhor aprendizagem,
pode levar a desaprendizagem, por inca-
pacidade de seguirem as matérias.» A nova ministra
Embora partilhada por muitos pais,
esta ansiedade é contrariada pelos estu-
da Educação, Isabel
dos que se têm feito sobre os efeitos do Alçada, só tomará
bilinguismo na aprendizagem. «Ao con-
trário do estereótipo, o ensino de língua
posição pública
estrangeira potencia a materna. Está depois de conhecer
provado que o bilinguismo obriga a uma os resultados
ginástica cerebral que aumenta a flexibi-
lidade em relação a novas situações. Essa do estudo
JOSÉ CARLOS CARVALHO
ginástica é tão importante para aprender de viabilidade
100 v 12 DE NOVEMBRO DE 2009
7. conseguem entrar numa escola bilingue.
Inquérito Pergunte que eles respondem Não há qualquer desvantagem em ser bi-
Especialistas, professores e alunos tiram todas as dúvidas sobre o ensino bilingue lingue. Só vantagens: melhora a capaci-
dade analítica, a plasticidade cerebral, o
1 É mais fácil perder a concentração,
ouvindo a matéria numa língua
estrangeira?
«Os testes são sempre em Português.
Só damos algumas fichas de trabalho
em Francês.»
sentido crítico, a confiança.»
Richard Johnstone, responsável pelo
projecto do ensino bilingue em Ingla-
«Até ficamos mais atentos quando GORETE JUBILADO, professora
terra, não tem dúvidas: «Aprender uma
é em Francês. Se nos distraímos, de Físico-Química bilingue
nova língua significa aumentar a capaci-
perdemos o fio à meada.» (Português/Francês)
dade de aprendizagem em geral.»
RUTE CÂNDIDO, 14 anos, aluna
Para os defensores desta inovação pe-
da Escola Fernando Namora, Amadora
5 Quanto custa?
«Só demos apoio moral ao British
Council. Até agora, o custo foi zero
dagógica, as vantagens não se ficam pela
aprendizagem. «Se a educação bilingue é
2 Quem dá as aulas?
«Não é preciso ser bilingue, basta
ter um nível de Inglês razoável. Nalguns
para Portugal.»
CARLOS CATALÃO, ex-adjunto
um sucesso no ensino privado, o sistema
público também deve dar essas oportu-
casos, há professores de língua nativa, do vereador da Educação e Cultura nidades. A primeira coisa a interessar-
noutros, não. Cada país é diferente.» da Câmara Municipal de Lisboa -nos foi a possibilidade de proporcionar
TERESA REILLY, responsável pelo projecto igualdade de oportunidades», adian-
bilingue do British Council
6 Se os alunos portugueses já têm
elevado nível de insucesso escolar
a Inglês, um sistema bilingue não piora
ta Carlos Catalão, 52 anos, ex-adjunto
do vereador da Educação e Cultura da
3 É obrigatório?
«São as escolas que se propõem.
Cada país está a desenvolver o projecto
as notas?
«O bilinguismo só trará vantagens
Câmara Municipal de Lisboa, que levou
a iniciativa à discussão na autarquia e
de acordo com as suas necessidades.» neste aspecto. Ajuda a ter uma depois ao ministério.
TERESA REILLY perspectiva mais global e reforça De que o Inglês se tornou uma língua
as competências na língua materna.» franca já ninguém duvida. Que o ensino
PAULO FEYTOR PINTO, presidente da bilingue traz benefícios cognitivos, está
4 Como é que os alunos são avalia-
dos? Não vão ficar prejudicados? Associação de Professores de Português comprovado. Mas estarão as escolas por-
tuguesas preparadas para o desafio?
* COM SARA SÁ