Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Frei Luís de Sousa
1. FREI LUÍS DE SOUSA
Obra-prima do teatro português (a partir da representação de uma “comédia de
feira” na Póvoa do Varzim, da leitura de uma memória do bispo de Viseu e do parecer
sobre o Cativo de Fez).
No Frei Luís de Sousa, tudo nos é dado pela expressão, em que a máxima
simplicidade se alia à máxima intensidade dramática. O diálogo, intermitente, cortado
de reticências expressivas mas cheio de naturalidade, vai-nos revelando a pouco e pouco
a natureza das personagens, os terrores e os anseios, a serenidade e o arrebatamento –
tudo quanto os factos vêm fatalmente confirmar, criando, por vezes, novos e irrequietos
estados de alma. Assim, sem solução de continuidade no decurso da acção, se vão
desenhando e ganhando vulto as personagens fundamentais: Madalena, a mulher
arrebatada, feita de lágrimas e de sentimentos, de superstição e de remorso, que só nos
braços do marido encontra lenitivo para os angustiosos receios que nem o amor da filha
pode vencer; Manuel de Sousa, o cavaleiro sem mácula, o homem equilibrado e
decidido, de nobilíssimo carácter, consciente da morte de D. João de Portugal, é o único
que opõe à dor a frieza de uma razão esclarecida; Maria, a adolescente precoce, que lê
nos olhos e nas estrelas, a vítima inocente predestinada a expiar as faltas dos pais, de
cujo temperamento é a resultante fogosa e doente. Figuras ao mesmo tempo ideais e a
escorrer humanidade, constituem a galeria, completada pelo Romeiro, o homem que já
não tem mais onde armazenar a dor e a deixa extravasar em vingança inútil e injusta, e
pelo velho Telmo Pais, que de simples comparsa se transforma em personagem viva
ante o terrível dilema da opção entre o que foi o seu menino e senhor e aquele que é
agora o seu anjo do céu.
A TRAGÉDIA CLÁSSICA
A tragédia clássica da Antiguidade centra o nódulo da acção num conflito que
leva as personagens a interrogarem-se sobre o sentido da existência e o destino do
homem, sobre a validade dos decretos promulgados pelas autoridades estabelecidas e os
mandados dos deuses. A todo este sistema de formas, que comprime e pesa sobre a
liberdade individual, o cidadão, o homem opõe o seu vivo protesto e lança um desafio
(hybris) aos deuses e à ordem constituída.
À hybris responde a vingança, a punição, o ressentimento, uma espécie de ciúme
ferido pela corajosa atitude assumida pelo homem, – a nemesis. O coro actua como um
travão ao ímpeto libertário do indivíduo, aconselhando a moderação, a serena
contenção, e traduz as ideias e sentimentos da média humana. Os acontecimentos
desenrolam-se segundo os actos das personagens e os logros do destino, da necessidade
do fatum (ananké); encadeiam-se uns nos outros, e, por vezes, precipitam a acção no seu
curso através das peripécias que acabam por voltar o rumo do drama em sentido
inesperado (catástrofe). Esta mudança brusca é muitas vezes levada a cabo por um
reconhecimento (agnórise) de laços de parentesco até então insuspeitados.
A importância das personagens dentro do conflito dramático está também
devidamente hierarquizada. Segundo o papel maior ou menor que desempenham na
acção, ao protagonista seguem-se os deuteragonistas e tutagonistas, personagens
respectivamente de segunda e terceira categoria. O coro encontra-se no fundo desta
classificação, se se adoptar o critério de associá-lo com o desenvolvimento da acção, da
qual pode ser legitimamente excluído, visto que a sua intervenção se reduz a um mero
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2. comentário sobre os acontecimentos e atitudes das personagens, em especial do
protagonista. O andamento da acção obedece ainda a uma intensidade determinada, que
lhe confere a qualidade dramática que a caracteriza. De início os acontecimentos
desdobram-se perante o espectador numa naturalidade aparente, que logo começa de se
carregar de conteúdo emocional, e levantam-se no seu espírito a suspeita de que algo
horrível se prepara, uma tensão e uma curiosidade da atenção, uma expectativa, que o
levam a tomar partido perante o que se passa na cena e a participar das apreensões,
inquietudes e sentimentos das personagens. A esta primeira fase ou estado da acção dá-
se o nome de epístase. Tem conhecido uma aura gloriosa em todo o teatro europeu e
agora ganhou novos foros de popularidade na arte cinematográfica, onde aparece, em
linguagem técnica, sob o nome do termo inglês suspense.
Chega-se então ao ponto culminante da acção. O conflito do protagonista com os
deuses ou as autoridades da cidade, ou com ambos, consequência do seu
descomedimento libertário e individualista, adensa-se, semeia-se de consequências
patéticas, avoluma-se num crescendo inquietante (clímax), até se resolver numa
reviravolta brusca e brutal dos acontecimentos – a catástase. Esta fase resume a essência
do trágico e condensa as consequências finais da acção do protagonista e das
personagens que com ele estão ligadas.
Aristóteles analisou ainda a tragédia dum ponto de vista psico-social. Para ele, o
elo que se estabelece entre o espectador e a acção dramática, essa participação
interessada no devir dos acontecimentos, causadora de estados de endopatia (dentro de),
tinha uma função de catharsis, que, segundo a interpretação crítica mais corrente, se
destinava a purificar o espectador das suas tendências imorais ou anti-sociais, uma
espécie de válvula de escape de forças psíquicas e cargas emocionais, que não
encontram conduto próprio para se liberarem. Situe-se, assim, a tragédia num plano de
utilidade social idêntico ao do psicanalista na sociedade moderna, que até importou o
termo para o seu vocabulário especializado. O agenciamento da acção dramática da
tragédia visava a exibição das consequências terríveis (pathos) do descomedimento
humano, de modo a sugerir no espectador o temor religioso ou a sua simpatia,
dependendo assim, naturalmente, das interacções e da concepção filosófica do
tragediógrafo.
Os três grandes mestres da tragédia grega foram Ésquilo, Sófocles e Eurípedes.
In Dicionário da Literatura, J.P. Coelho
TRAGÉDIA >TRAGOS – bode que se sacrificava nas cerimónias religiosas dedicadas a
Dioniso, deus do vinho.
ELEMENTOS DA TRAGÉDIA
HYBRIS – desafio aos deuses e à ordem constituída;
NEMESIS – vingança, punição, espécie de ciúme ferido pela atitude corajosa do
Homem;
FATUM (ANANKÉ) – o coro actua como um travão do ímpeto libertário do indivíduo,
aconselhando moderação;
PERIPÉCIA – os acontecimentos encadeiam-se uns nos outros;
AGNÓRISE – reconhecimento de laços de parentesco;
CATÁSTROFE – alteração inesperada do rumo do drama.
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3. FASES DA ACÇÃO
EPÍSTASE – os acontecimentos desdobram-se numa neutralidade aparente, que logo
começa de se carregar de conteúdo emocional e surge a suspeita de que algo de horrível
se prepara;
CLÍMAX – o conflito adensa-se, avoluma-se;
CATÁSTASE – reviravolta brutal e brusca dos acontecimentos.
FUNÇÕES DA TRAGÉDIA
CATHARSIS – purificar o espectador das tendências imorais ou anti-sociais;
PATHOS – mostrar as consequências terríveis tendo em vista o temor religioso ou a sua
simpatia.
FREI LUÍS DE SOUSA - DRAMA? TRAGÉDIA?
Etimologicamente, drama pode aplicar-se a qualquer obra de teatro. Logo,
dramaturgo é todo e qualquer autor teatral. Denominamos de género dramático o género
literário que abrange as produções concebidas para se representarem, subordinadas a
determinados preceitos técnicos e espectaculares.
Ainda que o próprio Garrett classifique a sua obra genericamente de drama, a
verdade é que ele próprio reconhece que – a obra magnífica é uma tragédia.
Como drama apresentaria esta obra – um retalho da vida normal de gente adulta,
temperada de lágrimas e risos que vão assinalando a vida realmente vivida. Se fosse
drama romântico deveria ter (e não tem) contraste entre o grotesco e o sublime,
intimamente unidos na natureza humana, segundo Victor Hugo.
No entanto, quis Garrett que a sua obra se afastasse da forma tradicional do
modelo da tragédia clássica: não foi escrita em verso, está dividida em 3 actos, não
aparece o coro como elemento básico, não foram rigorosamente respeitadas nem a
unidade de tempo (a acção ultrapassa as 24 horas), nem a unidade de espaço (a acção
não decorre rigorosamente no mesmo local).
Mas, ao gosto da tragédia clássica, temos a nível da estrutura:
a acção decorre toda em Almada, sendo a casa de D. João vizinha do convento de S.
Domingos;
no intervalo de uma semana, do 1º para o 2º acto, nada acontece de fundamental para
o desenvolvimento lógico da acção;
o coro da tragédia visto na figura de Telmo Pais, mero comentador ou informador
nos dois primeiros actos e ainda na recitação litúrgica do ofício dos mortos, no final
do III acto.
Na concepção a obra é fundamentalmente uma tragédia – a vida de uma
família num período em que a desgraça se abate sobre ela como fatalidade a que são
alheias as faltas e as responsabilidades humanas; é o passado que vem devorar os vivos,
sem que de tal alguém possa ser culpado:
• Manuel de Sousa alia às virtudes de um português antigo, de antes quebrar que
torcer, as qualidades de um chefe de família exemplar;
• D. Madalena é a esposa ideal e mãe extremosa;
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4. • Maria, filha de ambos, um verdadeiro anjo de graça e vivacidade;
• Telmo Pais não pode ser acusado de se deixar vencer pela sua doçura cativante,
fundindo em um sentimento único, a dedicação adolescente que lhe aquece a
velhice;
mas
• o Romeiro traz consigo a desgraça, como mensageiro do Destino; e, para D.
Madalena, os remorsos e temores das primeiras cenas vão-se adensando em aflição
que irrompe em tempestade no final do Acto III; tornando inevitável a agonia e
consumação do final da obra, a que não falta a vítima inocente, à decisão daquele
destino implacável cuja voz o autor veladamente ia deixando ouvir nas alusões às
mudanças súbitas do tempo ou à situação dos condes de Vimioso.
Do exposto se percebe porque o Frei Luís de Sousa, embora rotulado pelo seu
autor de drama “pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico”.
Não está escrito em verso porque “repugnava-me pôr na boca de Frei Luís de Sousa
outro ritmo que não fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais do que ninguém,
deduziu com tanta harmonia e suavidade”.
No final considera que a sua peça aponta para a missão nacionalista do teatro,
critica o dramalhão estereotipado, realçando a simplicidade dramática e a finalidade
didáctica do teatro.
Se pelo conteúdo psicológico e pelo assunto, que é nacional, se considera o Frei
Luís de Sousa uma obra romântica, muitos aspectos o aproximam do figurino da
tragédia clássica.
É clássico:
• pela arte da solenidade clássica;
• pelos sentimentos dos dois esposos, angústia, incerteza, remorso, amor, ansiedade;
• pelo ambiente de tragédia, felicidade perturbada pelo remorso, desenlace trágico,
precipitado, poucas personagens e (com excepção de Frei Jorge e de Manuel de
Sousa) entregues aos seus destinos, mas psicologicamente definidas;
• pelo sugestivo do cerimonial católico;
• pela obediência, em parte, à lei das três unidades que só falha por causa do incêndio.
Este surge para adensar o ambiente trágico, quer na violência de sentimentos que faz
viver, quer na forçada mudança de residência; da primeira, onde Madalena se
encontrava feliz, para o ambiente austero, sombrio e pesado da antiga residência de
D. João de Portugal, onde se desenrola o Acto II com a terrível constatação da
verdade terrível – a sobrevivência do primeiro marido. Espaço e tempo actuam, pois,
como forças que servem ao desenrolar da acção consequente;
• pela penetrante intuição psicológica da experiência pessoal do autor - o “eu” e as suas
contradições;
• pelo fatalismo - todos estão sob o domínio do destino, contra o qual nada podem. Ver
a tentativa de Madalena para salvar o retrato do marido numa curiosa adivinhação do
que poderia significar a sua destruição. Observe-se, ainda, D. Madalena e o fatalismo
(Acto III) ligado ao dia de Sexta-feira – o dia em que o marido e a filha a deixaram
entregue ao seu destino – era um dia cheio de ligações com a sua vida. Por isso o
teme. Em Manuel de Sousa (porta-voz de Garrett) não se sente a mesma ressonância
dramática quando diz: ”É hoje sexta-feira... É que eu precisava de ir hoje a Lisboa...
hoje não pode ser” (Acto III - cena V);
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5. • pela acção, que é sintética. Quem a polariza é D. Madalena, com o consequente
sentido de vazio, o qual é, talvez, ainda mais doloroso no Romeiro que agira com
frieza e só conseguiu destruir um lar;
• pelas personagens, que são poucas, nobres e actuais (não se observa no drama
romântico);
• pelo desafio (hybris) de Manuel de Sousa, incendiando o palácio e, já antes, com o
casamento de D. Madalena;
• pelo pathos - estado de angústia permanente de D. Madalena, a protagonista;
• pela morte de D. Maria, em cena, motivada pelo seu destino (a ananké) pecaminoso:
“Eu não sei nada, só sei que não sou aquilo que deveria ser”. Note-se a natureza
melodramática dessa cena e daquela em que D. João de Portugal se ilude pensando
que se lhe referem as palavras ansiosas de D. Madalena: “Esposo, esposo, abri-me,
por quem sois...” (Acto III, cena VI). O problema de D. Maria é visto à luz do séc.
XIX e subjectivamente por Garrett. No séc. XVII não sofreria o mesmo drama
psíquico, porque receberia o bálsamo consolador da religião que professava. São
situações destas que aumentam o aspecto espectacular que a peça assume,
principalmente no Acto III;
• a tragédia grega preceituava a morte fora de cena pela compaixão que movia;
• pelo clímax - a tragédia adensa-se sucessivamente desde que progridem os
pressentimentos - e culmina com a peripécia (o reconhecimento - agnórise:
“ninguém”);
• por momentos há a proximidade do prólogo clássico - na fala de Telmo quando
apresenta Manuel de Sousa, e na fala deste à filha, referindo-se a D. João de Portugal.
Por isso, em qualquer das duas cenas correspondentes (e depois na cena I do Acto III)
predominam as falas mais extensas e as cenas são mais longas, ganhando nelas a
peça interesse psicológico. As cenas seguintes são mais curtas, e favorecem a
aproximação do fecho com toda a grandiosidade de que se reveste nos três actos: o
incêndio, a revelação do Romeiro – Ninguém – e a morte de Maria. O diálogo tem
falas mais curtas, é mais rápido e sempre fortemente sugestivo: “hoje... 6ª feira...! –
Oh! querida mulher minha (a transposição do possessivo)... - A mim... – Terá... –
Sim, mas... Homem, acabai!... Ninguém.”;
• pela sobrevivência do coro na figura de Telmo (Actos I e II) e nos salmos cantados
no Acto III;
• há uma condensação de tempo, de acordo com as leis da tragédia (só os desfechos);
• não há mistura de cómico e do trágico.
Aspectos dramáticos/românticos
• A feição nacionalista, com tradição em António Ferreira;
• a acção desenrola-se em 3 actos e a sua natureza histórica é romântica;
• é escrita em prosa;
• a linguagem de Garrett nos momentos de maior choque psicológico encurta as frases
e insiste nas formas reticentes, exclamativas, interrogativas e nas repetições;
linguagem coloquial, adaptada às situações que se vivem e às personagens envolvidas.
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6. “FREI LUÍS DE SOUSA” (1843)
1. Uma atitude romântica perante a história
Relação entre a problemática política e os problemas individuais:
• papel determinante da batalha de Alcácer Quibir sobre o futuro das personagens (2º
casamento de D. Madalena);
• implicações da decisão tomada pelos governadores castelhanos (regresso da família
ao palácio de D. João de Portugal);
ausência de Manuel de Sousa no momento do regresso do Romeiro, consequência da
“benevolência” dos governadores.
Tratamento literário duma época da História de Portugal:
• acção situada no séc. XVII;
• personagens correspondentes a figuras históricas;
trabalho de reconstituição histórica: cenários, vestuário, linguagem, referências culturais
(repercussão da Reforma) e factológicas (peste em Lisboa).
Valorização da questão da identidade nacional:
• o ideal da independência (defendido por Manuel de Sousa);
• a tradição cultural portuguesa (referências a Bernardim Ribeiro e Camões);
• povo encarado como entidade abstracta, mitificado e portador de mitos (D.
Sebastião).
2. O gosto pela realidade quotidiana
Locais da acção: a casa, um espaço concreto – situação. Arquitectura, mobiliário e
decoração.
Suporte da relação entre as personagens – a família:
• marido - mulher
• mãe - filha; pai – filha
• irmãos, cunhados
• tio - sobrinha
• núcleo familiar central integra os criados (Telmo, Miranda) com funções
diferentes do teatro clássico.
Acções e gestos do quotidiano, presenciados ou relatados:
• ler, escrever, estudar;
• passear, viajar, visitar;
• dormir, etc..
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7. Preocupações que revelam a “vida privada” das personagens:
• a doença;
• os acidentes de viagem;
• as normas de convivência social (visitas, agradecimentos).
Aproximação do nível de língua corrente e familiar em certas circunstâncias (falas de
Maria, outras personagens dirigindo-se a Maria).
3. Estatuto romântico das personagens
Confronto permanente entre o indivíduo e a sociedade - felicidade individual
contrariada pelas normas colectivas (código moral estabelecido, regime político
totalitário):
• incêndio do palácio
• tomada de hábito os grandes amores impossíveis
• morte de Maria
Conduta individual pautada por valores codificados, próprios duma classe social - a
aristocracia: honra, coragem, fidelidade, memória dos antepassados, abnegação.
Referência constante ao cristianismo, à religião e ao culto.
Importância da problemática da morte: temida, desejada, assumida.
Tendência para os comportamentos violentos, negativos e positivos (as grandes
decisões, as grandes acções, as grandes hesitações, os grandes temores, os grandes
arrependimentos).
4. A acção comandada pelo destino
Linguagem que remete para lá da cena:
• subentendidos;
• frases incompletas, reticências;
• ambiguidades de sentido, equívocos.
Uma personagem que remete ora para o passado, ora para o futuro: Telmo (atitude que o
aproxima do coro da tragédia clássica.
Uma personagem presente, sobretudo quando ausente: D. João de Portugal (conversas,
retrato, figura do Romeiro).
Conjunto de coincidências que se revelam fatais:
• locais em que se passam acções - palácio de D. João de Portugal;
• dias em que se passam acções - regresso do Romeiro;
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8. • circunstâncias em que se passam acções - ausência de Manuel de Sousa.
Preparação do desfecho a partir da primeira cena:
• preparação do ambiente (estado de espírito de Madalena, Telmo; Maria);
• preparação das circunstâncias (decisão dos governadores, decisão de Manuel
de Sousa, saída de Manuel de Sousa);
• preparação de solução (doença de Maria, referência a Inês de Castro, exemplo
dos Condes de Vimioso).
Anulação sistemática das hipóteses de alteração da situação:
• cedência de D. Madalena - ida para a casa de D. João de Portugal;
• cedência de D. Madalena - ida a Lisboa de Manuel de Sousa e Maria;
• não cumprimento da proposta do Romeiro a Telmo;
• não cedência de Manuel de Sousa A madalena - decisão irrevogável de tomar
o hábito.
5. Uma peça de teatro
Conjunto de 3 actos constituídos por cenas (12, 15 e 12, respectivamente), definidas
pela entrada e saída de personagens cujo número em cena é muito variável: do
monólogo (Madalena, Telmo, Jorge) às cenas de conjunto (últimas cenas do 1º e 3º
actos).
Semelhança de organização interna dos três actos:
• Acto I – ponto da situação
• Acto II – preparação da acção
• Acto III – acção.
Simetria de construção dos dois primeiros actos:
• função da presença de Telmo
• função das entradas de Jorge e Manuel de Sousa
• cena final espectacular
Alternância de cenas com funções diferentes:
• fornecer informações sobre o passado e o presente;
• caracterizar personagens e ambientes;
• preparar os saltos na acção;
• fazer a transição para a cena seguinte (assunto, tempo, personagem);
• mostrar os acontecimentos (fogo, chegada do Romeiro, cerimónia religiosa e
morte).
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9. CARACTERÍSTICAS ROMÂNTICAS EM FREI LUÍS DE SOUSA
1. O Sebastianismo de algumas personagens
2. O tema da morte
3. A religiosidade, os agouros e superstições
4. O patriotismo e nacionalismo
5. O individualismo
1. Telmo e Maria são duas personagens que acreditam e esperam convictamente o
regresso de D. Sebastião que irá salvar a pátria das mãos dos espanhóis. Maria é
sebastianista por influência de Telmo que, ao duvidar da morte do rei, está também a
duvidar da morte do seu amo, D. João de Portugal. A cena mais representativa do
sebastianismo que caracteriza estas personagens é a cena III do I Acto, quando Maria
surge pela primeira vez em palco e se refere ao “nosso bravo rei”, “nosso santo rei D.
Sebastião”, “meu querido rei D. Sebastião”.
2. O tema da morte percorre toda a obra. Ora temida, ora desejada, a morte é tida como
a melhor solução para os conflitos. No final, Garrett faz uma concessão ao gosto
romântico da época com a morte patética de Maria em cena e a separação de Manuel
e Madalena que, entrando cada um para o seu convento, morrem para o mundo.
3. As referências ao cristianismo e ao culto conferem às personagens uma dimensão
religiosa bastante significativa, mas misturam-se romanticamente com agouros,
superstições, visões e sonhos. Telmo é a personagem que mais se identifica com o
agouro e a sua função na intriga é a do Coro das tragédias clássicas pelos comentários
e profecias que faz.
4. A atitude insubmissa de Manuel de Sousa Coutinho face aos governadores espanhóis
e o idealismo de Maria inserem-se do mesmo modo na estética romântica por
revelarem sentimentos patrióticos e nacionalistas.
5. O individualismo revela-se no confronto permanente entre o indivíduo e a sociedade.
A forma de felicidade individual é contrariada pelas normas da sociedade: Maria
morre e Manuel de Sousa Coutinho, que já no II acto se sentira na obrigação de
incendiar o seu próprio palácio, entra, tal como D. Madalena, para um convento.
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10. AS CATEGORIAS DO PROCESSO DRAMÁTICO
A. Enredo (fábula) – O segundo casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa
Coutinho com as implicações espirituais e consequências – a morte da filha, a
separação dos dois, quando regressa o primeiro marido. O amor e a honra na origem
do conflito.
1. A acção – Não há narrador. São as personagens que objectivam a realidade.
Na cena II do Acto I apresentam-se as causas do conflito psicológico de D. Madalena –
o presente perturbado com as recordações do passado. Progride desde este momento; no
fim do Acto I, com o incêndio e destruição do retrato de Manuel de Sousa; no Acto II,
com a deslocação para o palácio de D. João de Portugal e com a chegada do Romeiro;
no Acto III, com a morte de Maria, os acontecimentos – chave. Algumas cenas retardam
a acção: a cena III, em que Manuel de Sousa fala com a filha, no Acto II, e no Acto III,
desde a cena V até à XII.
O sebastianismo de Telmo e a esperança de uma época melhor, uma vez concretizada,
gera a destruição. Nem Telmo se alegra com o que tanto desejara inconscientemente.
Maria confirma as suas dúvidas com a metáfora “anjo terrível”, “É aquela voz”.
1.1. Estrutura interna
a ) Exposição - o monólogo de D. Madalena e o seu diálogo com Telmo apresentam o
assunto. A exposição é interrompida com a chegada de Frei Jorge.
b) Conflito – o segundo casamento da D. Madalena incomoda Telmo que alimenta, por
um lado, a imaginação de Maria, por outro, os remorsos de D. Madalena. Daí uma
luta de sentimentos no íntimo das personagens. O conflito apresenta:
• momentos de retardamento: a cena dos retratos, Acto I, cena I (entre Telmo e Maria);
diálogo entre Telmo e o Romeiro ( Acto III, cena V).
• momentos excitantes ou de expectativa: as notícias recebidas e transmitidas por Frei
Jorge (Acto I, cena 5); o incêndio e a morte de Maria (violentos); a confissão de D.
Madalena (Acto II, cena X).
• momentos climáticos: a agnórise (Acto II, cena XV).
c) Desenlace – a clássica catástrofe – a profissão de Madalena e Manuel, consequente
da agnórise –, e a morte de Maria.
1.2. A coordenação e correlação das acções
Acções simultâneas: - as notícias trazidas por Frei Jorge.
- a intuição de Maria anunciando a chegada do pai.
Acções passadas: - o conteúdo do diálogo de D. Madalena com Telmo (Acto I,
cena II); cena II).
- a confissão de D. Madalena (Acto II, cena X).
Acções futuras: previstas pelos temores de D. Madalena, pelos pressentimentos
de Telmo e Maria.
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11. 1.3. A construção externa
A obra está dividida em três actos e estes em cenas, sendo mais longas as falas
das primeiras cenas dos três actos, e mais curtas as últimas, o que contribui para adensar
o conflito e precipitar o desenlace – o incêndio e consequente mudança; a agnórise; a
profissão e morte de Maria.
2. As personagens
Poucas e apresentadas directamente e indirectamente por outras personagens.
2.1. Processos de caracterização
- Indirecta: em geral, à medida que actuam;
- Directa: apresentadas por outras personagens - diálogo de D. Madalena e
Telmo (Acto I, cena II); diálogo de Manuel de Sousa com Maria (Acto II,
cena II).
As personagens estão integradas dentro de um todo familiar, incluindo Telmo,
“o familiar quase parente” (Acto I, cena II), mas são sobretudo personagens
individualizadas (veja-se Telmo no Acto III).
O clima psicológico de cada personagem converge progressivamente para o
desenlace.
Madalena – sempre receosa (Telmo com a sua dureza e ideias fixas alimenta os
seus receios) e atormentada pelo remorso.
Maria – frágil como convém ao desenlace; o seu sebastianismo e o de Telmo é
mais do que nacionalista.
Manuel – a princípio é apenas o receptor dos receios de Madalena; depois, com o
incêndio (a hybris), pressentindo o fatum “Meu pai morreu desastrosamente sobre a sua
própria espada. Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?”
prepara o clima trágico. No Acto III acaba por se integrar também nesse ambiente.
Telmo e Frei Jorge – são confidentes e, à semelhança do coro clássico, fazem
comentários dos factos. Ambos pressentem o desenlace trágico. (O segundo lembra o
missionário do poema “Camões”.)
2.2. Concepção e formulação
Embora não se possa falar de um protagonista, talvez Madalena e Manuel de
Sousa ocupem uma posição de mais relevo do que as restantes personagens. São todas
personagens individuais, excepto o coro de S. Domingos.
São personagens modeladas, cheias de conflitos interiores densos. Veja-se que
até Telmo, o servo fiel, coro da tragédia, passivo, dinamiza-se e vive a tragédia
resultante do regresso do velho amo.
3. O espaço
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12. Primeiro palácio: arde, é o fim de uma felicidade duvidosa; o incêndio que
quebra a unidade de acção serve para sugerir o pressentimento, o fatalismo, com a
destruição do retrato de Manuel de Sousa.
Segundo palácio: princípio de vida desfeita; também está carregado de fatalidade
(cena I); o retrato de D. João de Portugal serve para carregar a peça de pressentimentos
e, depois, para a identificação de NINGUÉM.
O espaço também se reduz gradualmente, desde a Palestina até à sala dos
retratos.
A cenografia está largamente apresentada pelo autor e ao serviço da acção.
4. O tempo
Pela concentração de tempo considera-se como um drama analítico – o remate de
tantos anos vividos em desassossego. Não é o clássico, em 24 horas.
Tempo próximo – fim da tarde (Acto I)
oito dias depois, é tarde (Acto II)
noite alta (Acto III)
Tempo recuado - vinte e um anos
Tempo fatal - sete anos
um ano
oito dias
três dias
hoje: sexta-feira (o seu significado psicológico)
B. Modalidades do discurso directo
• diálogo - ajustado às várias situações:
- de Telmo e D. Madalena, em família, mas respeitoso;
- de Maria, em geral: nervosismo, impaciência, arrebatamento;
- de Frei Jorge: o conselheiro, sempre a transmitir paz, confiança;
- de Madalena, em geral: inquietação, receio, ansiedade;
- de Manuel de Sousa: primeiro, arrebatado, impulsivo, depois,
apaziguador, calmo; por fim, vencido.
• a confidência: Acto II, cena II; Acto II, cena VIII; Acto III, cena V.
• o monólogo: Acto I, cena I; Acto II, cena IX - momentos de reflexão.
Acto III, cena IV - situação dramática de Telmo.
• os apartes: Acto I, cena II; Acto I, cena IV (Telmo); Acto I, cena VI (Frei
Jorge);Acto II, cena V (Maria); Acto III, cena V (Telmo).
• a linguagem gestual: quando Maria sai apressada para a mãe não ver que sai
sufocada com choro.
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13. (monólogos, apartes, linguagem gestual, passam-se entre as personagens e o
espectador.)
Sentimentos dominantes: inquietação, medo, solidão, desespero, dúvida, amargura,
amor.
C. Linguagem
Culta, correcta, sempre ajustada às circunstâncias e às personagens. Note-se o
didactismo na fala de Manuel com Maria (Acto II, cena II), a sua erudição na fala com
Frei Jorge (Acto I) e o seu descontrolo psicológico no Acto III.
O diálogo é extraordinariamente expressivo.
D. As espécies do género dramático
Mais tragédia do que drama de acção (de acontecimento), até pela grandeza da
personagem, causa imanente do clima trágico – D. João de Portugal – Ninguém.
É verdadeiramente uma tragédia que alguém considera tragédia do destino. Mas
falta-lhe uma figura activa, como nas tragédias clássicas. Também considerado drama
do destino – em que a acção é próxima do epílogo.
O título refere-se a uma personagem que só irá surgir depois de consumada a
destruição da família a que pertencia.
Natureza da obra
É tragédia pelo conteúdo, drama pela forma.
Tragédia:
• acção simples
• poucas personagens e nobres
• solenidade do estilo
• progressão dramática até ao momento climático
• a agnórise
• o coro - Telmo e Frei Jorge
• o fatalismo
• o pathos
• os pressentimentos
Drama romântico:
• a forma, em prosa
• o clima psicológico
• o cenário
• não obedece à lei das três unidades; só tem unidade de acção
• assunto nacional
• as situações melodramáticas (morte de Maria em cena)
• cenas violentas (o incêndio)
• o amor como causa da desgraça
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14. E. Intenção do autor ao conceber a obra
Conforme nos diz na “Memória ao Conservatório Real”, a intenção é didáctica:
“Nem amores, nem aventuras, nem paixões, nem caracteres violentos de nenhum
género. Com uma acção que se passa entre pai, mãe e filha... tudo gente honesta... sem
um mau para contraste... como eram as tragédias dantes – sem uma dança macabra de
assassínios, de adultérios e de incestos, acompanhados por blasfémias e maldições,
como hoje se quer fazer o drama – eu quis ver se era possível excitar fortemente o terror
e a piedade ao cadáver das nossas plateias, gastas e caquécticas pelo uso contínuo de
estimulantes violentos, galvanizá-los com só estes dois metais de lei. Repito
sinceramente que não sei se o consegui. Sei, tenho fé certa que aquele que o alcançar,
esse achou a tragédia nova, e calçou justo no pé o coturno (calçado militar, espécie de
sandália que usavam os trágicos) das nações modernas; esse... tem criado o teatro da sua
época.”
“Eu julgarei ter já feito muito de... concorrer para o adiantamento da grande obra
que trabalha e fatiga as entranhas da sociedade que a concebeu...”. “ O drama é a
expressão literária mais verdadeira do estado da sociedade; a sociedade de hoje ainda
não sabe o que é; a literatura actual é a palavra, é o verbo, ainda balbuciante, de uma
sociedade indefinida, e contudo já influi sobre ela; é, como disse, a sua expressão, mas
reflecte a modificar os pensamentos que a produziram.”... “Para ensaiar estas minhas
teorias de arte, que se reduzem a pintar do vivo, desenhar do nu, e a não buscar poesia
nenhuma nem de invenção nem de estilo fora da verdade e do natural, escolhi este
assunto, porque em suas mesmas dificuldades estavam as condições da sua maior
propriedade.” “O estudo do homem é o estudo deste século... Este é um século
democrático; tudo o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo... ou não se faz... e o
povo há-de aplaudir, porque entende; é preciso entender para apreciar e gostar.”
Esta literatura de empenhamento social aqui sugerida vai ser objectivada por
Alexandre Herculano.
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