Este documento apresenta uma lista de siglas e abreviaturas relacionadas à educação e legislação brasileira, além de informações sobre a editora responsável pela publicação.
2. 62
ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO (ORC.) - ,I'~"TA • FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCA~O
idéia de construção de instâncias de coop rc ão articuladas - em termos de
responsabilidades partilhadas pelas difer nl esferas administrativas para o
atendimento de direitos - e a idéia de I boração de mecanismos de organi-
zação burocrática, constituindo-se de segm nlos de responsabilidade justapos-
tos que não contemplam uma unidade d princípios para garantir a qualida-
de e a uniformidade do ensino plural a qu a população tem direito.
Nesse sentido, considerando o contexto histórico e político e a análise
dos conteúdos expressos na legislação educacional - parte referente à edu-
cação contida na CF 88 e LDB nO 9.394/1996 -, parece-nos que a conclusão
maior, que emana tanto dos processos de elaboração dessas duas leis como
de seus próprios conteúdos, é a de que os legisladores brasileiros não se
preocuparam em garantir uma educação escolar de igual e boa qualidade
para toda a sociedade brasileira. Entretanto, apesar disto, entendemos que
os processos de elaboração dos planos estaduais e municipais de educação,
se democráticos e participativos, podem e devem melhorar a legislação edu-
cacional em vigor, avançando no sentido de garantir uma educação pública,
gratuita, laica e de qualidade para todos.
AGESTÃO DEMOCRÁTICA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
THERESA AORIÃO ERUBENS BARBO A m; AMAUC;O
INTRODUÇÃO
Refletir sobre os avanços e os limites pr nt s no texto de nossa on·
tituição Federal exige que lembremos, ainda que rapidamente, o cont xlo qu
envolveu sua elaboração. A primeira coisa a frisar é que saíamos de um p .
rfodo ditatorial com a expectativa e a necessidade de vivermos, principalmenl
a partir da década de 1980, relações mais democráticas.
A luta pelas liberdades democráticas; os primeiros grandes movimentos
grevistas; o movimento das "Diretas Já" pelo retorno de eleições para gover-
nantes; a conquista da liberdade de organização partidária, entre tantas ou-
tras ações no campo trabalhista, político e social, configuraram um "clima"
por maior participação e democratização das várias esferas da sociedade bra-
sileira, incluindo-se a organização do próprio Estado.
Assim, dentre os vários temas que compunham as pautas dos setores
progressistas, estava o caráter autoritário e centralizador que caracterizou o
funcionamento do Estado brasileiro durante o regime militar (I964-1985), o
qual passou a ser questionado por meio da defesa do aumento de sua per-
meabilidade ao controle público e às demandas sociais. A ênfase numa neces-
sária publicização do Estado expressava-se em reivindicações, principalmen-
te por parte dos movimentos populares e sindicais, pela instalação de procedi-
mentos mais transparentes e de instâncias de caráter participativo com vistas
à democratização da gestão do próprio Estado. De certa forma, em decor-
rência disso perspectivas participativas e democráticas tornaram-se plata-
formas dos partidos de oposição ao regime militar que disputaram as elei-
ções a partir de 1982.
Foi principalmente no plano das reformas democráticas do Estado bra-
sileiro que se insçreveram as perspectivas delineadas acima, com destaque
para a esfera legislativa, pois uma das formas de se procurar garantir m a·
nismos e instâncias com conteúdos democráticos é consolidá-los I Se Im '1.
te. É bom lembrar que todo e qualquer processo legislativo apr nt< ·S(" ( 111
essência, como espaço de disputas entre diferentes interess I multeIs Vl'Zl S
antagônicos, e que a lei, como resultado daquele proc sso, XPf(' ·S. éI .. uh •
3. 64
ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO CORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
se dos conflitos existentes. Mais explícita ou mais "pasteurizada"I, a lei é an-
tes de tudo uma síntese, um produto de embates. Portanto, ainda que repre-
sente um avanço, a simples presença no texto legal de quaisquer medidas
democratizadoras não implica sua execução. Eis parte da ambigüidade que
acompanha as conquistas no plano da lei: as contradições entre o proposto
e o implementado.
Apesar disso, os discursos propagados pelos setores democráticos orga-
nizados caracterizavam-se por reivindicar reformas no funcionamento do Es-
tado por meio da institucionalização de conselhos ou similares, compostos
por representantes da sociedade civil, cujo objetivo seria participar diretamen-
te da elaboração de políticas sociais e garantir canais de fiscalização e con-
trole da ação estatal.
Diversos foram os governos de oposição ao regime militar - em sua
maioria compostos por integrantes do ~ Movimento Democrático
Brasileiro (tMDB) - que passaram a a~unciar medidas visando atender a esses
anseios democráticos, medidas essas materializadas na criação de instâncias
na estrutura do Estado com o objetivo de propor, acompanhar e/ou contro-
lar políticas setoriais. Exemplos dessas instâncias foram os conselhos de Saú-
de (regionais e municipais) e o Conselho da Condição Feminina (federal e
estaduaI), entre outros.
No texto constitucional de 1988, a previsão de mecanismos de demo-
cratização da gestão do Estado pode ser observada no âmbito dos direitos
individuais e dos direitos sociais. No primeiro caso, constitui tema tratado no
inciso XXXIII do Art. 5°, segundo o qual todos têm direito de acesso a infor-
mações de interesse individual, coletivo ou geral, a serem expedidas, sob pena
de responsabilidade, por órgão público no prazo que a lei determinar: "to-
dos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja impres-
cindível à segurança da sociedade e do Estado" (BRASIL, 1988).
No caso dos direitos sociais, após definir a educação como um desses
direitos (Art. 6°), a Constituição Federal assegura em seu Art. lO, a todos os
trabalhadores e empregadores, a possibilidade de participarem em órgãos
colegiados da esfera pública nos quais seus interesses profissionais ou pre-
videnciários sejam objeto de discussão: "É assegurada a participação dos tra-
balhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus
I onforme Minto (1996), o termo "pasteurizado" procura dar significado a um processo legislativo em
lU os interesses em jogo não conseguiram alcançar, individualmente, pleno êxito em determinada
'11,11 'ri legislativa, de maneira que o texto legal final é tão genérico que serve a todos os interesses,
I RlInelo suas dif rentes interpretações.
65
THERESA ADRIÃo E RUBENS B. DE CAMARGO - A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA CONSTITUIÇÃO..•
interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deli-
beração" (BRASIL, 1988).
Também no capítulo destinado à administração pública encontramos
menções a procedimentos que ampliam a participação dos usuários de servi-
ços públicos ou funcionários, na avaliação dos serviços prestados e no aces-
so a registros informativos da administração direta ou indireta (BRASIL, 1988,
Art. 37).
Em síntese, com vistas à democratização da gestão do Estado por meio
do aumento da participação da população em suas instâncias,2 O texto consti-
tucional menciona básica e genericamente dois procedimentos: o acesso à
informação e à participação de representantes de setores específicos em ór-
gãos da administração pública.
o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GESTÃO DEMOCRÃTICA DO ENSINO
Um primeiro aspecto a ser destacado refere-se ao ineditismo da gestão
democrática como princípio da educação nacional em um texto constitucio-
nal brasileiro, já que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a introduzi-
lo. O mesmo não acontece com os princípios de gratuidade e obrigatoriedade,
os quais encontram-se presentes em textos anteriores. Uma das causas des-
a inovação parece relacionar-se à existência, à época da eiaboração da atu-
I Constituição Federal, de importantes movimentos nacionais voltados para
a redemocratização do país.
Mas qual a importância de um princípio constitucional?
O termo "princípio" é empregado para designar, na norma jurídica es-
rita, os postulados básicos e fundamentais presentes em todo Estado de di-
reito, ou seja, são afirmações gerais no campo da legislação a partir das quais
devem decorrer as demais orientações legais. Geralmente, são os princípios
que norteiam o detalhamento dos textos constitucionais. Ao menos formal-
mente, podemos dizer que sua importância reside no fato de que, por se cons-
tituírem nas diretrizes para futuras normalizações legais, os princípios não po-
dem ser desrespeitados por qualquer medida governamental ou pela ação
dos componentes da sociedade civil, tornando-se uma espécie de referência
para validar legalmente as normas que deles derivam.
O princípio da gestão democrática do ensino e sua introdução na Cons-
tituição de 1988 também redundou em conflitos. Com o objetivo de i1ustrá-
I Segundo Norberto 8obbio (1989), ao se avaliar a amplitude da democracia em uma dada sociedade,
para além da aferição do grau de desenvolvimento de uma sociedade democrática por meio da
Institucionalização do sufrágio universal, cabe verificar a quantidade existente de instâncias nas quais se
xerça o direito de volo de decisão, na organização do Estado.
4. 66
III IMlIALDO I~ UI: OLlVEIHA E TIIEIlESA ADRIÃO (ORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
lo .nt ndermos O caráter de síntese atribuído anteriormente ao texto le-
al, Interessante lembrarmos alguns embates que ocorreram nas comissões
. subcomissões encarregadas de discutir a educação no processo constitu-
Inte. (1987-198.8) entr~ diferentes setores diante da questão da gestão demo-
c~átJ~a do enSIno. SucIntamente, podemos identificar a existência de duas posi-
~o.es expressas por setores organizados da sociedade civil com representa-
lIvlda~e no Le?isl~tivo: que conformaram o debate em torno do sentido que
devena ser atnbUlclo a gestão da educação.
O p.rimeiro setor refere-se ao grupo identificado com as posições do Fó-
rum N~clOnal em Defesa da Escola Pública, constituído por entidades de cará-
ter naclOn~14 cujo posicionamento, no tocante à gestão da educação e da es-
cola, refletIa a defesa do direito à população usuária (pais, alunos e comuni-
da~e loca!). de participar da definição das políticas educacionais às quais es-
t~na~n sUJ~Jtos .. :~ra esse setor, formar cidadãos para uma sociedade parti-
clpatJV~ e IgualItana pressuporia vivências democráticas no cotidiano escolar,
traduzIdas na .presença de mecanismos participativos de gestão na própria
e~cola e nos sIstemas de ensino. Esta proposição englobava tanto os estabele-
clme~tos ~ficiais quanto os da rede privada de ensino, em todos os níveis.
Em ~ISt~ dISSO, ~ ~órum Nacional em Defesa da Escola Pública apresentou à
Con~l1~sao Co~stltuInte encarregada das discussões sobre o capítulo da edu-
caça0 a, ~eguInte re~ação para a formulação do texto constitucional: "gestão
democrat.lca do ensIno, com participação de docentes, alunos, funcionários
e comumdade".
De m~do oposto, o segundo setor, ligado aos interesses privados do cam-
~o cduca~lO~al e composto tanto por representantes do chamado empresa-
nado educaCIonal quanto por representantes ligados às escolas confessionais 5
co.ntrap~nha-se ~ .tal formulação. Aqui, o grau "aceitável" de participação res~
nua-se a POSsIbilIdade de famílias e educadores colaborarem com direções
e/ou mamenedoras dos estabelecimentos de ensino.
As diferenças entre as duas orientações expressavam-se tanto na q.tali-
dade da ) r'" - ' -, ar upaçao, como forma de mtervençao nos processos decisórios
ou como mera colaboração na implantação de medidas previamente decidi-
3 Para mdhor definir os participa t bl
n es e os ocos atuantes durante o processo constituinte (1987/1988)
ver DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR (1988). '
~ Abe:' A~b:6' AB/, -Abruem, Ação Educativa, AEC, Aelac, Ande, Andes-SN Andifes Anfope Anpae
EnPt '- ' Anup, Caed, CBCE, Cedes, CFP, CNBB, CNTE, Condsef, Contee Den~m Enec' Enecos'
~~~rM~neMn·STEneenf, Enesso, ~nev, ExNep, Exneef, Exnef, Fasubra-Sindical, Feab, Fe~eco, Forumdir',
, , OAB, SBPC, SlOasefe, Ubes, Undime, UNE.
, Dt~nte o processo constituinte, os interesses dos estabelecimentos privados de ensino foram repre-
sen a os, pnontanamente, pelo grupo de parlamentares conhecido como "Centrão".
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THERESA ADRiÃo E RUBENS B. DE CAMARGO - A GESTÃO UEMOCRÁTlCA NA NSTITlIlI: II
elas, quanto na composição das futuras instâncias, com a xclus o 011 111 111
são de diferentes segmentos da comunidade escolar nos proc 'sso~ 11.1,11
cipativos e a proporção com que cada segmento seria representado.
No texto que comporia o anteprojeto de Constituição, a comissolO d.
sistematização incorporou o conceito de gestão democrática do ensino d •
fendida pelo primeiro setor. No entanto, sua formulação foi alterada m pl'
nário, por meio de uma emenda coletiva apoiada pelos setores conserv. d •
res. Em vista disso, a redação final na CF 88 adquiriu um conteúdo, de rto
modo, duplamente restritivo, redundando na seguinte e definitiva versão:
Capitulo III
Da Educação, da Cultura e do Desporto
Seção I
Da educação
Artigo 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princfpios:
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; (BRSAIL, 1988)
Em primeiro lugar, o adjetivo "público" foi acrescentado à palavra ensino,
excluindo a extensão da gestão democrática ao ensino privado. Em segundo
lugar, a expressão genérica "na forma da lei" delegou sua exeqüibilidade à
legislação complementar. Ou seja, a LDB6 e todas as demais expressões legais
incumbidas da regulamentação constitucional definiriam o significado e os
mecanismos para implementação de tal princípio. Dessa maneira, na redação
aprovada (gestão democrática do ensino público, na forma da lei), a ma-
nutenção da gestão democrática do ensino público, ao mesmo tempo que se
configurou como conquista por parte dos segmentos comprometidos com a
democratização da gestão da educação, representou uma conquista parcial,
na medida em que teve sua abrangência limitada e sua operacionalização de-
legada a regulamentações futuras, o que significou que sua aplicabilidade foi
protelada. Além disso, a idéia da gestão democrática do ensino não recebeu
mais nenhuma referência ao longo de todo o texto constitucional.
Tendo em vista o tênue tratamento que a Constituição Federal reserva à
temática da gestão, especialmente quando relacionada à educação e, uma
vez que mesmo no capítulo específico sobre as diretrizes que devem confor-
mar o funcionamento dos órgãos públicos em seus diversos níveis o termo
"gestão" não aparece e, em seu lugar, é utilizada a palavra "administração",
torna-se necessário relembrar a distinção dos significados que uma e outra
palavra parecem adquirir no discurso educacional, especialmente a partir da
década de 1990.
6 Tema tratado por Paro em artigo neste livro.
5. 68
11OMUALDO P. DE OLIVEIRA E TIIEHESA ADRIÃO (ORG.) - GF.STÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
À semelhança das produções na área da administração empresarial, hoje
denominada gestão empresarial, os textos e inclusive a legislação educacio-
nal passaram a utilizar a palavra gestão como sinônimo de administração,
tendência observada nos últimos anos, quando da substituição das expres-
sões administração da escola ou administração da educação por gestão da
escola ou gestão da educação, inovação que pode ser interpretada de dife-
rentes maneiras.
Uma opção interpretativa apregoa que a substituição sugere uma tenta-
tiva de superação do caráter técnico, pautado na hierarquização e no con-
trole do trabalho por meio da gerência científica, que a palavra administra-
ção (como sinônimo de direção) continha. Neste caso, sua substituição pelo
termo gestão pode significar a adoção de uma nova lógica na organização
do trabalho, cujo pressuposto seria evidenciar os aspectos políticos inerentes
aos processos decisórios (CAMARGO, 199"'. Este foi o sentido atribuído ao
termo gestão quando proposto pelos movimentos em defesa da democrati-
zação dos processos decisórios na esfera educacional atuantes no processo
Constituinte.
Contrariamente, uma segunda interpretação é proposta por João Barroso
(1995) ao refletir sobre as reformas educacionais em Portugal e em outros paí-
ses, onde se observa o mesmo fenômeno. Para o autor, essa substituição não
seria neutra e encobriria uma perspectiva neotaylorista expressa na separação
entre a esfera técnica (gestão) e a esfera da política (administração). Quanto
ao grau de abrangência de um e outro termo, o campo da administração
corresponderia aos aspectos relativos à definição dos fins ou objetivos de dado
processo, adquirindo um caráter mais geral em função do qual se daria a es-
colha e a adoção dos meios considerados mais eficazes: administrar algo pres-
suporia a gestão desse algo. Já a palavra gestão - que na literatura especializa-
da ang10-saxônica corresponde à expressão management ou gerência7 - de-
signaria os processos de seleção e implantação de mecanismos e procedimen-
tos para se atingirem os fins definidos. Administrar e gerir compreenderiam
atividades diferentes. A primeira diria respeito aos processos decisórios - as-
pectos políticos - enquanto a segunda, aos mecanismos de implantação do
decidido - aspectos técnicos (BARROSO, 1995). Assim, a separação entre elabo-
ração e execução e entre agentes ou instâncias de elaboração e de execução
pode ser designada por expressões diferenciadas, demarcando, no plano do
discurso, as tentativas de despolitizar a administração da educação e da escola
em nome de uma racionalidade técnica e pretensamente consensual. No Bra-
7 É bom lembrar que grande parte dos te6ricos e dos documentos que sustentam as propostas de
reforma em educação generalizadas na década de 1990 tem no inglês sua língua de origem.
69
THERF.SA ADRIÁO E RUIlENS B. DE CAMARGO - A GF.STÃO DEMOCRÁTICA NA CONSTITUiÇÃO...
sil, tem-se verificado o uso corrente das duas formas, sem diferenciação em
seu significado (ADRIÃO, 2006).
Por último, convém lembrar que o texto constitucional não se refere ao
entendimento que os legisladores imprimiram à idéia de democratização pre-
sente no princípio. Delegou-se, aqui também, para futuros embates e instân-
cias a necessária definição do termo. No entanto, recordemos que, apesar
do adiamento, o significado atribuído à democratização contaria com alguns
indicadores preestabelecidos que norteariam qualquer futura medida. O pri-
meiro pode ser encontrado no conteúdo dos artigos relativos aos direitos in-
dividuais e sociais e à administração pública, citados no primeiro item, nos
quais se encontra certa preocupação com a consolidação de mecanismos
que favoreçam o acesso de usuários e funcionários à informação e à partici-
pação na administração pública.
O segundo relaciona-se ao âmbito das práticas sociais e, mais precisa-
mente, das práticas diretamente relacionadas à esfera da educação. Nelas,
algumas experiências e "modelos" de participação já se cristalizaram. Como
exemplo, podemos citar a "tradição" do usuário da escola pública em partici-
par dos mecanismos de gestão coletiva existentes na escola (APM e CE) e a
pouca tradição de sua presença nos órgãos do sistema; a composição dos
colegiados escolares pelos diferentes segmentos da chamada comunidade ,./
escolar e sua submissão a uma direção "profissionalizada'~etc~ fP
Lembre-se de que os conselhos escolares existentes ao final da década
de 1980 nas redes públicas de ensino do país apresentavam características
que resultavam, em grande medida, de uma teia organizacional centralizadora,
refletindo também o grau de disputas existente entre governantes, movimen-
tos sociais, educadores e comunidade usuária quando de sua proposição.
Todavia, mesmo antes da Constituição de 1988, a ampliação deste tipo
de instância - o CE - pela adoção nas diferentes redes de ensino era vista
como um dos meios para a democratização das relações de poder no interi-
or da escola, marcadamente hierarquizada e centralizada na figura do diretor
ou de seus superiores: chefe do departamento de educação, secretário de
educação, prefeito, etc.
Tal perspectiva apresentava-se como alternativa às concepções e práti-
cas calcadas numa neutralidade na tomada de decisões e numa legitimida-
de meritocrática para a gestão das unidades escolares, no caso dos proces-
sos seletivos via concurso público. Há que lembrar também que reivindicar
a democratização da gestão escolar adquiria, em alguns casos, um caráter
de combate às práticas c1ientelistas de escolhas dos dirigentes escolares,
pois, em muitos sistemas públicos de ensino, tal escolha resulta da indica-
ção, por exemplo, de governantes ou vereadores (PARO, 2000a; 2000b; OLI-
VEIRA, 1997).
6. 70
1l0MUALDO I~ DE Ol.lVORA I: TllmESA AORIÃO (ORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
Ao pressupor a democracia como princípio e como método, os conse-
lhos scolares devem estar atentos aos fins almejados para a educação, bem
'omo aos conseqüentes processos que lhes são correlatos.
A democracia como princípio articula-se ao da igualdade ao proporcio-
nar, a todos os integrantes do processo participativo, a condição de sujeitos
expressa no seu reconhecimento como interlocutor válido; como método,
deve garantir a cada um dos participantes igual poder de intervenção e deci-
são, criando mecanismos que facilitem a consolidação de iguais possibilida-
des de opção e ação diante dos processos decisórios.
Nesses termos, os conselhos de escola apresentam-se como espaços pú-
blicos privilegiados, nos quais tensões e conflitos, ao serem superados, de-
sestabilizam práticas monolíticas ou pretensamente "harmoniosas" de gestão,
ao mesmo tempo que se configuram como espaços institucionais de articula-
ção de soh:lções locais para os problemas do cotidiano escolar.
DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA ESCOLA: CONSEQÜÊNCIAS DO
PRINCÍPIO
Como vimos, a presença do princípio aqui analisado resultou em gran-
de medida do "clima" de democratização então presente na sociedade brasi-
leira, clima este que se traduzia também em práticas sociais concretas como
o são as políticas governamentais.
O princípio constitucional da gestão democrática do ensino público, se,
de um lado, indicou a incorporação de experiências já existentes de demo-
cratização da gestão da educação básica - como, por exemplo, as das redes
públicas de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso, nas quais as demandas
por democracia redundaram, já no início dos anos 1980, na implantação de
conselhos escolares de natureza deliberativa, eleição de dirigentes e/ou estí-
mulo aos grêmios estudantis -, de outro, favoreceu a generalização de políti-
cas voltadas para o aumento da participação de educadores e usuários na
gestão escolar nas redes públicas em que ainda não ocorriam.
Ressalte-se que tais medidas, por sua vez, tenderiam a limitar-se à esfera
das unidades escolares e a expressar-se principalmente por meio da presen-
ça de colegiados ou conselhos gestores, pouco ou nada avançando no sen-
tido da constituição de mecanismos reais de participação de trabalhadores
em educação e usuários das redes públicas em instâncias decisórias dos sis-
temas de ensino.
Em parte, esse resultado pode ser atribuído à omissão do texto consti-
tucional com relação à definição de diretrizes gerais para a constituição e
g stão dos diferentes sistemas de ensino. Ao delegar para leis futuras, espe-
cialmente para a LDB - elaborada após oito anos -, a definição de tais orien-
71
THERESA AORIÃO I; RUBENS B. DE CAMARGO - A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA CON TITUIÇA ..
tações gerais, a Constituição de 1988 permitiu que cada sistema defini
regulasse sua própria organização e funcionamento, pouco ou nada avanç n-
do na criação de procedimentos diferentes dos já existentes.
No entanto, é no âmbito da gestão escolar que o princípio da democra-
tização do ensino se consolida como prática concreta. Portanto, cabe enten-
der os limites e as possibilidades da lei, menos como expressão de normas
jurídicas e genéricas e mais como instrumento indutor de modificações de
práticas sociais concretas, neste caso, das práticas escolares. Essas mesmas
práticas que se quer comprometidas com o aumento da qualidade sociaiS que
se deseja inaugurar.
• Por qualidade sodal entende-se a luta contra qualquer tipo de apartação social e suas causas; o acesso
a todos de informação a respeito do usufruto dos direitos humanos e sociais; a garantia do acesso e
da permanência na escola; e a garantia da consolidação de melhores condições para o ensino e a
aprendizagem, por meio da minimização da fragmentação do conhecimento e da resolução coletiva e
democrática dos assuntos que dizem respeito ao cotidiano escolar.
7. oPRINCÍPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTI A
NO CONTEXTO DA LDB*
VITOR HENRIQUE PARO
Na medida em que a administração seja entendida como a utilização ra-
cional de recursos para a realização de determinados fins (PARO, 1986), é bas-
tante vasto o conjunto de determinações constantes na atual LDB que diz res-
peito à gestão da educação. Todavia, é possível levantar alguns pontos que
dizem respeito mais diretamente à democratização da gestão das unidades
escolares.
A este propósito e à guisa de uma abordagem preliminar, apresento a
seguir seis temas que considero relevantes para a discussão. Esses temas
não esgotam, evidentemente, o rol de questões que se podem levantar so-
bre o assunto, nem pretendem ser tratados de forma exaustiva, mas ape-
nas iniciar um debate que pode ser proveitoso para a busca de soluções e
alternativas.
1 As NORMAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA
Art. 3~ - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
VIII - gestão democrática do ensino público na forma desta Lei e da legislação dos
sistemas de ensino;
[...)
Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os
seguintes princípios:
1- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da
escola;
1I- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equiva-
lentes.
[...) (BRASIL, 1996b).
. Trabalho apresentado no 18° Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação realizado
em Porto Alegre, de 24 a 28 de novembro de 1997 e publicado em: Revista Brasileira de Admi-
nistração da Educação, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 243-251, jul./dez. 1998.
8. 74
ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO (ORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
Como se percebe, o Art. 3~, inciso VIII, repete a fórmula da Constituição
Federal que, no inciso VII de seu Art. 206, apresenta como princípio "a ges-
tão democrática do ensino público na forma da lei".
Em ambos os dispositivos, o primeiro aspecto que salta aos olhos do
educador minimamente consciente da natureza da educação é o absurdo de
se restringir a "gestão democrática" ao ensino público. Significa isso que o
ensino privado pode-se pautar por uma gestão autoritária? Numa sociedade
que se quer democrática, é possível, a pretexto de se garantir liberdade de
ensino à iniciativa privada, pensar-se que a educação - a própria atividade de
atualização histórica do homem, pela apreensão do saber - possa fazer-se
sem levar em conta os princípios democráticos?
Por aqui dá para perceber a que disparates nossos legisladores se pres-
tam, quando, cedendo à ânsia do lucro representada nos lobbies dos interes-
ses privados, permitem que a lógica do mercado se sobreponha à razão e
aos interesses da sociedade.
A segunda observação a se fazer é sobre a pretensão que parece estar
presente na LOB de, com este dispositivo pífio, se entender que a regulamen-
tação legislativa prevista na Constituição esteja esgotada no âmbito nacional.
O princípio aí estabelecido é o de que a "gestão democrática" se dará "na
forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino", fazendo supor que,
em termos de legislação federal, esta lei esgota o assunto. Isto é confirmado
pelo Art. 14, que estabelece "princípios" que devem nortear "as normas da
gestão democrática do ensino público na educação básica", que, segundo o
mesmo artigo, serão definidas pelos "sistemas de ensino".
Na verdade, era mesmo de esperar que uma lei que pretendesse estabe-
lecer as diretrizes e bases da educação no país contivesse normas bem defi-
nidas e com validade nacional a respeito da maneira de se concretizar um
princípio inerente à própria natureza civil (GRAMSCI, 1978) da atividade edu-
cativa. Mas isso ficou muito longe de acontecer. Ao estabelecer os princípios
que nortearão "as normas da gestão democrática do ensino público na edu-
cação básica", esse Art. 14 é de uma pobreza sem par. O primeiro princípio
é o que há de mais óbvio, já que seria mesmo um total absurdo imaginar
que a "elaboração do projeto pedagógico da escola" pudesse dar-se sem a
"participação dos profissionais da educação". O segundo (e último!) princí-
pio apenas reitera o que já vem acontecendo na maioria das escolas públi-
cas do país. Além disso, ao prever a "participação das comunidades escolar
e local em conselhos escolares ou equivalentes", sequer estabelece o caráter
deliberativo que deve orientar a ação desses conselhos, outra conquista da
p pulação que se vem implantando nos diversos sistemas de ensino.
Quando os grupos organizados da sociedade civil, em especial os traba-
IInd r m du ação, pressionaram os constituintes de 1988 para inscreve-
75
VITOR H. PARO - O PRINCÍPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO DA LDn
rem na Carta Magna o princípio da gestão democrática do ensino, eles ta-
vam legitimamente preocupados com a necessidade de uma escola fundada
sob a égide dos preceitos democráticos, que desmanchasse a atual estrutura
hierarquizante e autoritária que inibe o exercício de relações verdadeiram n-
te pedagógicas, intrinsecamente opostas às relações de mando e submissão
que são admitidas, hoje, nas escolas.
Em vez disso, ao renunciar a uma regulamentação mais precisa do prin-
cípio constitucional da "gestão democrática" do ensino básico, a LOB, além
de furtar-se a avançar, desde já, na adequação de importantes aspectos da
gestão escolar, como a própria reestruturação do poder e da autoridade no
interior da escola, deixa também à iniciativa de estados e municípios - cujos
governos poderão ou não estar articulados com interesses democráticos - a
decisão de importantes aspectos da gestão, como a própria escolha dos di-
rigentes escolares (PARO, 1996).
Diante desse quadro, é importante que todos aqueles interessados na de-
mocratização da escola pública, além de pressionarem os parlamentares para
regulamentarem de fato o princípio constitucional, envidem esforços na elabo-
ração de um projeto de regulamentação que realmente expresse os interesses
democráticos. O projeto de lei formulado pelo Instituto Paulo Freire, por solicita-
ção do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) (GAOOTTI;
ROMÃO, 1997, p. 133-142), pode prestar-se a um início de discussão.
2 CONDIÇÕES DE TRABALHO NA ESCOLA
Art. 4° - O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante
a garantia de:
[...)
IX - Padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quanti-
dade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo
de ensino-aprendizagem.
irt. 25 - Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação
adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições
materiais do estabelecimento.
Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponí-
veis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento
do disposto neste artigo. (BRASIL, 1996b)
Esses dispositivos têm a ver com a gestão democrática da escola na me-
dida em que dizem respeito à ne~essária adequação de recursos e pessoal
para dar conta dos objetivos da escola pública. Sua presença na LOB pode
servir de important apoio legal para reivindicações essenciais nesse sentido,
orno por ex mplo < d upr ssão das classes abarrotadas de nossas esco-
9. 7
1l0MlJALI r. DE L1VEIRA E TIIEnESA ADRIÃO (ORG.) - GESTÃ ,FINAN lAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
las e de sua substituição por uma relação professor/aluno minimamente con-
dizente com a natureza do trabalho docente na escola básica.
Parece ter-se generalizado nos meios políticos e administrativos do país,
com amplo apoio da 'mídia, o discurso segundo o qual, em termos de aten-
dimento à demanda por ensino fundamental, já chegamos ao atendimento
em termos quantitativos, posto que praticamente todos os jovens e crianças
têm acesso a esse nível de ensino. O que faltaria seria a permanência desses
alunos na escola e a melhoria da qualidade do ensino oferecido.
Trata-se, na verdade, da grande farsa educacional que consiste em sepa-
rar conceitos como qualidade e quantidade, que são dialeticamente inter-
dependentes, para mistificar a realidade de nosso pseudo-ensino. Se a quase
totalidade das escolas não tem condições mínimas de funcionamento, de
modo a manter aí os estudantes e a exibir um mínimo de qualidade que não
comprometa sua condição de escola, não de meros prédios que abrigam
certo número de crianças, então não se pode falar em quantidade. Quanti-
dade de quê? Não se trata certamente de quantidade de escolas, já que lhes
faltam as características intrínsecas a qualquer escola, ou seja, as condições
de uma casa onde se ensina e se aprende. E de nada adianta os donos do
poder porem a culpa na baixa qualidade dos' professores, providenciando
parabólicas. que dão lucro aos empresários, ou apontar como causa a incom-
petência administrativa dos diretores, providenciando belas estratégias para a
administração, com qualidade total, dos recursos, se o que falta são precisa-
mente os recursos em qualidade e quantidade adequadas ao número de alu-
nos que se precisa atender.
Com respeito a essa necessária compatibilidade entre o número de alu-
nos e "a quantidade mínima de insumos indispensáveis ao desenvolvimen-
to do processo de ensino-aprendizagem" de que fala o Art. 4° da LOB, não
deixa de ser surpreendente a ausência de um movimento mais incisivo de
pressão por parte dos educadores com respeito à exigência de um núme-
ro de alunos por sala mais condizente pelo menos com as mínimas exi-
gências didático-pedagógicas. Como admitir que, nas condições de traba-
lho de nossas escolas públicas, um professor das primeiras séries do ensi-
no fundamental, por exemplo, possa dar conta integralmente de sua mis-
são educativa, tendo de lidar com classes de mais de 40 e às vezes de 50
alunos, como é a regra em nosso sistema público de ensino, quando um
mínimo de bom senso recomendaria classes bem menores, com 20 ou 25
alunos?
É por essa razão que não se pode ignorar a importância dos dispositi-
vos constantes nos artigos 4° e 25 da LOB, acima anunciados, como base le-
gaI para reivindicações nesse sentido.
77
VITOR 11. PARO - o PRINCipIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO ON11::><TO IlA 1111
3 A AUTONOMIA DA ESCOLA
Art. 15 - Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públi a d' '(111
cação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica adml
nistrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito flnan Iro
público. (BRASIL, 1996b)
Ultimamente, a questão da autonomia da escola deixou de estar presen-
te apenas na fala dos educadores progressistas para fazer parte também do
discurso conservador e privatista da educação. De qualquer forma, a presen-
ça desse dispositivo, embora vago, contribui para manter na ordem do dia
essa questão.
É preciso, entretanto, estar atento para, com relação à autonomia admi-
nistrativa, não confundir descentralização de poder com "desconcentração"
de tarefas; e, no que concerne à gestão financeira, não identificar autonomia
com abandono e privatização. A descentralização do poder se dá na medida
em que se possibilita cada vez mais aos destinatários do serviço público sua
participação efetiva, por si ou por seus representantes, nas tomadas de deci-
são. Para que isso aconteça, no caso do ensino público, não basta a des-
concentração das atividades e procedimentos de cunho meramente executi-
vo, como vem acontecendo. É necessário que a escola seja detentora de um
mínimo de poder de decisão que possa ser compartilhado com seus usuári-
os com a finalidade de servi-los de maneira mais efetiva.
Durante o período da ditadura militar, no Brasil, os educadores investi-
ram fortemente na luta pela autonomia da escola, em oposição ao controle
político-burocrático que se impunha às unidades escolares. Hoje, quando os
donos do poder se apropriaram também do discurso da autonomia e procu-
ram negar a escola, não pela repressão, mas pelo boicote das condições
materiais de funcionamento, não basta a defesa da autonomia. É preciso
principalmente se contrapor a esse movimento que, com o discurso da auto-
nomia - e da necessidade de participação da comunidade e passagem do
controle das escolas às mãos da sociedade civil -, o que está fazendo é jus-
tificar medidas tendentes a eximir o Estado de seu dever de arcar com os
custos das escolas, com soluções que deixam estas à própria sorte, induzin-
do participação da comunidade, não para decidir sobre seus destinos, mas
para contribuir no financiamento do ensino.
No que concerne à autonomia pedagógica, também prevista nesse Art.
15, é preciso ter presente que ela deve fazer-se sobre bases mínimas de con-
teúdos curriculares, nacionalmente estabelecidos, não deixando os reais ob-
jetivos da educação escolar ao sabor de interesses meramente paroquiais
deste ou daquele grupo na gestão da escola. Não esquecer, afinal, que a
autonomia nem sempre está associada à democracia.
10. 78
H MUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO CORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
4 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA GESTÃO ESCOLAR
Ar!. 12 - Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu
sistema de ensino, terão a incumbência de:
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;
11 - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;
111 - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
V- prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;
VI - articular-se com as familias e a comunidade, criando processos de integração da
sociedade com a escola;
VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos,
bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.
Art. 13 - Os docentes incumbir-se-ão de:
[...]
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as familias e a comu-
nidade. (BRASIL, 1996b)
°Art. 12, além dos cinco primeiros incisos, que se referem ao planeja-
mento e racionalização das atividades no interior da escola, traz, em seus in-
cisos VI e VII, determinações que tendem a produzir importantes reflexos so-
bre a gestão democrática da escola pública, na medida em que estabelecem
o dever da escola de levar em conta a família e a comunidade, integrando-as
às atividades escolares. Na mesma direção caminha o Art. 13, ao estabelecer
a obrigação dos professores de colaborar com essa articulação.
Cada vez mais se afirma a participação da comunidade (especialmente
dos pais), não apenas como um direito de controle democrático sobre os
serviços do Estado, mas também como uma necessidade do próprio empre-
endimento pedagógico que é levado a efeito na escola, mas que supõe seu
enraizamento e continuidade com todo o processo de formação do cidadão
que se dá no todo da sociedade (PARO, 2000c). Embora vaga, a determina-
ção contida no inciso VI do Art. 12 reconhece a importância desse aspecto,
acenando para o fortalecimento da participação dos usuários na gestão da
escola. Isto pode funcionar como um importante suporte legal para cada vez
m.ais se incrementarem medidas tendentes a chamar a comunidade para a
escola para participar das decisões a respeito dos seus rumos e da realiza-
ção de seus propósitos educativos.
A proposição contida no inciso VII do Art. 12 com respeito à incumbên-
ia dos estabelecimentos de ensino de informar os pais e responsáveis "so-
br a xecução de sua proposta pedagógica" pode ser muito rica e plena de
significados para o exercício de uma verdadeira gestão democrática da esco-
la. N verdade, uma gestão escolar com efetiva participação dos usuários não
( 'v('ri ba tar-se com a comunicação aos pais do andamento de suas ativi-
79
VITOR H. PARO - o PRINcfPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO ONTEXT) IlA IIUI
dades, mas já é um avanço significativo em direção a procedim nl '<11(' 111
cluam a participação dos usuários (tanto alunos quanto pais e re p n '( V(' s)
na própria avaliação dos serviços que a escola presta.
A avaliação, como elemento imprescindível no processo de realizaç o <I
objetivos em que se constitui a administração escolar, não pode consi lir
apenas na aferição do desempenho discente feita pelos professores, nem na
famigeradas avaliações externas atualmente em voga e que consistem na
aplicação de testes e provas ao estilo dos concursos vestibulares. Uma verda-
deira avaliação escolar comprometida com a apropriação do saber pelo edu-
cando, não com sua capacidade para tirar notas ou responder a provas e
testes, deve levar em conta todo o processo escolar e incluir como avaliado-
res permanentes aqueles que se beneficiam de seus serviços, o que abrange,
além dos alunos e alunas, também seus pais ou responsáveis.
Um processo de integração dos pais na tomada de decisões na escola e
especialmente na avaliação de suas atividades pode ser benéfico em duplo
sentido: em primeiro lugar, porque os pais se colocam como interlocutores
importantes diante dos trabalhadores da escola, especialmente dos professo-
res, que passam a ter diante de si, mais concretamente, aqueles a quem devem
prestar conta da qualidade de seus serviços; em segundo lugar, porque, as-
sim, os pais podem inteirar-se mais efetivamente dos problemas da escola,
lendo mais condições para poder reivindicar do Estado providências e solu-
ções e, dessa forma, exercer plenamente o direito (e dever) de controle de-
mocrático do Estado, exigência fundamental de uma democracia social
(BOBBIO, 1989).
5 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS DIRIGENTES
Artigo 64 - A formação de profissionais de educação para administração, planeja-
mento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será
feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a crité-
rio da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.
(BRASIL, 1996b)
Com respeito à formação dos chamados "especialistas de educação", a
LDB pouco inova com relação à legislação anterior. °principal problema com
esse Art. 64 é a vinculação da formação desses profissionais, na graduação,
ao curso de pedagogia, prolongando a nefasta associação com as atuais ha-
bilitações. Herdeira do tecnicismo educacional, esta concepção, no que se
refere ao diretor escolar, insiste em propugnar por uma formação diferencia-
da para o ocupante d sse posto, como se todos os educadores escolares não
devessem ser candidatos a uma eventual função diretiva na escola. Ao mes-
mo tempo, ignora a esp cificidade, a complexidade e a importância do cará-
11. 80
ROMUALDO P. DE OLIVEIRA E THERESA ADRIÃO CORG.) - GESTÃO, FINANCIAMENTO E DIREITO À EDUCAÇÃO
ter político-pedagógico das funções exercidas pelo dirigente escolar, reduzin-
do-as ao tecnicismo presente nos chamados "princípios e métodos" da ad-
ministração empresarial capitalista.
Cada vez mais se forma entre os educadores a consciência a respeito da
inadequação do atual sistema de formação do educador escolar em nível su-
perior, ocasionada pela separação entre o curso de pedagogia e as chamadas
licenciaturas. Supondo-se que todo professor, em princípio, deve ser um diri-
gente escolar em potencial, o correto seria, como propus em outra ocasião,
que sua formação contivesse, pelo menos, os conteúdos básicos sobre "seu
conteúdo programático específico (Geografia, Matemática, Biologia, Língua Por-
tuguesa etc.); b) os fundamentos da educação (históricos, filosóficos, socio-
lógicos, econômicos, psicológicos); c) a Didática e as metodologias necessári-
as para bem ensinar determinado conteúdo programático; e d) as questões
relacionadas à situação da escola pública" (PARO, 2000b), p. 113).
Esta formação, sobre a qual se poderá desenvolver a experiência esco-
lar, bem como outros conhecimentos adquiridos pela formação continuada
em serviço, é imprescindível para a formação do futuro dirigente escolar e
não parece passível de ser satisfeita sem uma integração de muito do que se
aprende hoj~ nos cursos de pedagogia e licenciatura e também uma supera-
ção da formação proporcionada por essas duas vias, de uma maneira não
prevista nesse Art. 64 da LDB.
6 A ESCOLHA DE DIRIGENTES ESCOLARES
Art. 67 - Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educa-
ção, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do
magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
[...)
Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional
de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema
de ensino. (BRASIL, I996b)
Altamente positivo o conteúdo do parágrafo único desse Art. 67, ao colo-
car a experiência docente como pré-requisito para o exercício das funções do
magistério. Igualmente benéfica a determinação do inciso I, ao estabelecer o
concurso público como norma para o ingresso na carreira do magistério. Es-
p ra-se, apenas, que o pensamento burocrático não exerça sua influência no
s ntido de interpretar esse dispositivo como estímulo para impor 'mais um
n urso com provas de conhecimentos "administrativos" aos candidatos a
clir tor que, a essa altura, já realizaram o concurso de natureza pedagógica para
IIHr' '50 no magistério público, que é o que realmente interessa. Em v z disso,
81
VITOR H. PARO - O PRINCÍPIO DA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO DA LOS
O que se deseja é que os tomadores de decisão envidem esforços para conce-
ber sistemas eletivos de escolha dos dirigentes, capazes de lhes dar a legitimi-
dade política necessária ao desempenho de suas funções.
Nunca é demais lembrar que a democratização da escola não se reduz
à instituição de eleições para diretor. A grande frustração com relação à re-
gulamentação da gestão democrática do ensino público pela LDB deriva da
ausência de regras que pelo menos acenem para uma mudança estrutural
da maneira de distribuírem-se o poder e a autoridade no interior da escola.
Para isso, seria preciso que, além de uma organização calcada na colabora-
ção recíproca e fundada, não na imposição, mas na convivência e no diálo-
go, se previssem instituições e práticas que garantissem a participação efetiva
tanto dos servidores (professores e demais funcionários) quanto dos usuári-
os (alunos e pais) nas decisões da escola.
Conseqüentemente, uma tal estruturação deveria estabelecer, ao mesmo
tempo, que a direção da escola não ficasse, como hoje, concentrada exclusi-
vamente na autoridade de um diretor que, sem condições objetivas de perse-
guir propósitos educativos, se vê compelido a atender aos ditames do Estado,
sem nenhuma ligação com aqueles a quem os serviços escolares deveriam
beneficiar. É neste sentido que a escolha dos dirigentes, acima de qualquer
solução burocrática ou c1ientelista, deve passar necessariamente pela manifes-
tação da vontade dos dirigidos, de modo a comprometer-se de fato com os
que fazem a educação escolar e, acima de tudo, com os usuários diretos (alu-
nos) e indiretos (pais e comunidade em geraI) de seus serviços.