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CLAUDIA MARIA MOREIRA DA SILVA




“...EM BUSCA DA REALIDADE...”: A EXPERIÊNCIA DA ETNICIDADE DOS
ELEOTÉRIOS (CATU/RN)




                               Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
                               Graduação em Antropologia Social da
                               Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
                               como requisito parcial para à obtenção do
                               título de Mestre. Área de Concentração:
                               Processos Sociais, Cultura e Identidades.




                               Orientador: Prof°. D°. Carlos Guilherme
                               Octaviano do Valle.




                             NATAL
                              2007
Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).




         Silva, Claudia Maria Moreira da.
            “...Em busca da realidade...” : a experiência da etnicidade dos Eleotérios
         (Catu/RN) / Claudia Maria da Silva. - RN, 2007.
            271 f.

            Orientador: Prof. Dr. Carlos Guilherme Octaviano do Valle.

            Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio
         Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
         de Pós-graduação em Antropologia Social. Área de Concentração: Cultura,
         Identidade e Representações Sociais.              .

           1. Etnicidade – Dissertação. 2. Indigenismo – Dissertação. 3. Etnogênese
         Dissertação. 4. Eleotérios – Catu (RN) – Dissertação. I. Valle, Carlos
         Guilherme Octaviano. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.
         Título.

         RN/BSE-CCHLA                                                        CDU 39
À meu pai
João José da Silva (IN MEMORIAM)

À
Juvenal e Pedro Inácio (IN MEMORIAM)
 Ilustres Eleotérios.


                                Dedico
AGRADECIMENTOS


        Na verdade, são inúmeras as pessoas que deveriam estar relacionadas nesta lista. No
entanto, deparo-me com um obstáculo concreto: a falta de espaço. Sem querer, porém,
minimizar as contribuições de todas, inclusive, daquelas que talvez nem possam imaginar o
valor de sua atenção, dicas, gentilezas. Eu tentarei alcançá-las ao exprimir meu
reconhecimento. O exercício da criação desta lista remeteu-me a diversos momentos dessa
travessia, como, por exemplo, a vivência da pesquisa de campo, as mudanças acompanhadas
nas vidas das pessoas. Então, percebi que estava próximo de cumprir mais uma etapa em
minha formação profissional e, porque não dizer, da minha vida.
       Agradeço ao orientador Carlos Guilherme Octaviano do Valle, por ter aceitado
conduzir comigo este estudo. Referencio-o pelas competentes orientações durante todo
processo de desenvolvimento deste. Orientações estas que contribuíram intensamente para
meu crescimento intelectual e profissional.
       Ao coordenador do Curso de Ecologia da UFRN, Aristotelino Araújo, pela atenção
dispensada durante a fase de elaboração do anteprojeto de pesquisa.
       A CAPES, pelo apoio financeiro que possibilitou a pesquisa e minha dedicação
exclusiva ao curso de Mestrado.
       Aos professores do Departamento de Antropologia, principalmente, Luiz Assunção,
que contribuiu nessa reflexão e em minha formação como um todo.
       À professora Julie Cavignac, pelos diálogos que antecederam ao meu interesse pela
problemática pesquisada.
       Ao professor Edmundo Pereira, pelo apoio e pelas valiosas dicas de leitura, assim
como as suas sugestões, sempre inteligentes.
       Aos meus colegas de turma do Mestrado (2005), pelas contribuições durante as
sessões de aulas, quando podíamos dialogar sobre nossas pesquisas.
       Ao secretário do DAN/UFRN, Adriano Aranha Freire pela atenção e cuidados e à
secretária do PPGAS/UFRN, Ana Elvira.
       Aos funcionários da Biblioteca Setorial do CCHLA/UFRN, pelas orientações e
atenções dispensadas, certamente, essenciais ao sucesso da pesquisa bibliográfica e demais
etapas do trabalho.
Às funcionárias da biblioteca do Museu Nacional (PPGAS/UFRJ), Maria Helena e
Carla, por se mostrarem tão atenciosas e profissionais. Do Museu Nacional, agradeço, ainda,
aos professores Adriana Vianna e Luiz Fernando Duarte, pela atenção e contribuições.
       Ao professor João Pacheco de Oliveira, pelas incríveis contribuições a este trabalho.
Agradeço, também, à atenção dispensada durante minha estadia no Museu Nacional e aos
acessos que me foram tão valiosos.
       Agradeço ao Diretor do Arquivo Nacional, Sátiro Lopes, pelas contribuições e atenção
à pesquisa documental que desenvolvi na instituição, e a todos os funcionários com quem
pude trabalhar no arquivo durante a fase da pesquisa histórica documental.
       Ao professor Francisco Alves Galvão Neto e o seu pai, João Alves, pelas
contribuições sobre a história da região Sul.
       Ao padre Armando de Paiva, vigário de Goianinha, pelo acesso ao seu acervo pessoal,
que foi de extrema importância.
       A Nássaro Nasser, pela atenção e disponibilidade, fico-lhe muito grata.
       A Guru, pelo acesso aos documentos da agência ambiental do RN (IDEMA).
       A dona Nô e Silvina, que me hospedaram em sua casa durante a pesquisa de campo e
pelos detalhes corrigidos neste trabalho.
       Às suas filhas, Valda e Viana, que contribuíram com seu apoio, informações, além da
amizade.
       A Vando, a sua esposa Dora e aos seus filhos, Nascimento, a sua esposa Santana,
Deca, Chão, Júnior, Luiz, Adriana, dona Jandira, Marlizabete, as duas Geraldas, Luiz Carlos,
Manoel Luca, enfim, tantos outros Eleotérios que compartilharam comigo a elaboração desta
dissertação. A Josimar, Dó e Antonio, pelos deslocamentos (moto-táxi) que fazíamos da
cidade ao Catu ou vice-versa, em algumas etapas da pesquisa de campo.
       A minha família, pela força e carinho que me dispensaram nessa trajetória. A Cacau
Arcoverde, Lula Moreira, Luíza, a tia Lourdes, Chico, Thiago e, especialmente, a minha mãe,
Neusa Moreira, acolhimento constante nos momentos mais difíceis.
       A Cyro Almeida e Stéphanie Campos, amigos de sempre. Marcos Queiroz
(Marquinhos) e a Sandro Cordeiro, pelas contribuições inestimáveis. Ás amigas, Fabíola,
Eduarda, Elizabete Medeiros, Heloísa, Tati, Janaína, Eloi, Jaína, e aos amigos do Setor seis,
pessoas com quem pude falar sobre meu trabalho em momentos inusitados.
       A Andreas F. Hofmann, pela compreensão e respeito e pelas importantes contribuições
técnicas em vários momentos durante a elaboração dessa pesquisa.
Agradeço, ainda, a Helmut e Christhel Hofmann, pela torcida.
Uma voz a guiava por uma estrada de barro em
meio ao canavial. Depois de muito andar, intrigada
com a realidade encontrada, decidiu ir embora.
Mas, antes que se distanciasse, um menino se
aproximou com um recado: meu pai disse que você
levasse esse negócio daqui, porque ele não sabe
mais usar, e entregou-lhe alguns objetos.

(Claudia Maria Moreira da Silva, 2005)
RESUMO




        A região sul do Rio Grande do Norte tem sido, historicamente, reconhecida como
lócus de antigos aldeamentos indígenas. Os habitantes das margens do rio Catu, divisa entre
os municípios de Canguaretama e Goianinha, os Eleotérios, no limiar do século XXI,
passaram a ser vistos e a se auto reconhecer como “remanescentes indígenas” do RN. As suas
mobilizações étnicas, ao se tornarem públicas, colocaram no campo intelectual e político uma
antiga questão a ser refletida: as asseverações acerca do “desaparecimento” indígena no
Estado. Tal item traz em si outras implicações. Acessados por um indigenismo pára-oficial, os
Eleotérios passaram a estabelecer relações políticas com os índios Potiguara da Baía da
Traição/PB, Movimento Indígena. Diante disso, eles sentiram-se estimulados a produzir e a
(re)produzir formas de diferenciação social. Nesse contexto, a pesquisa, aqui exposta,
envereda no sentido de elucidar o processo de construção da etnicidade dos Eleotérios, vistos
a partir das relações sociais e políticas mantidas com a sociedade mais ampla, situadas numa
determinada situação histórica, envolvendo usineiros, posseiros, militantes, pesquisadores,
agências ambientais. Os efeitos destas relações sociais e políticas se ampliaram, fazendo com
que os Eleotérios aparecessem para sociedade como atores sociais suscetíveis às políticas
específicas das populações indígenas.


Palavras-chave: Etnicidade. Indigenismo. Etnogênese.
ABSTRACT



        The south region of the Rio Grande do Norte has been historically recognized as a
place of old indian villages. Inhabitants of the edges of the Catu River, border between the
cities of Canguaretama and Goianinha, the Eleotérios in the threshold of 21st century had
passed to be seen and self recognized as "remaining indians" of the RN. Their ethnic
mobilizations, when becoming public had placed to the intellectual and political fields an old
question to be reflected on: the asseverations concerning the "indian disappearing" in the
State. This item brings with it other implications. Accessed by a para-oficial indigenism, the
Eleotérios had started to establish political relations with the Potiguara indians of the Baía da
Traição/PB and the Indian Movement, feeling stimulated to produce and to reproduce forms
of social differentiation. In this context, this research is worried about elucidating the process
of construction of the ethnicity among the Eleotérios, percepted from the social relations and
politics kept with the amplest society, into a particular historical situation involving sugar
cane fields’ owners, proprietaries, militants, researchers, ambiental agencies. The effects of
these political and social relations had been extended, making Eleotérios appear to the society
as susceptible social actors to the specific policies for the aboriginal populations.


Key-words: Ethnicity. Indigenism. Ethnogenesis.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES




Fotografia 1 – Entrada principal do município de Vila Flor....................................................14
Fotografia 2 – Escultura “massacre de Cunhaú”......................................................................15
Croqui 1 – Comunidade Catu dos Eleotérios............................................................................17
Quadro 1– Mapa demográfico do RN (1806-1811) .................................................................40
Mapa 1 – Aldeias Indígenas no Rio Grande (1598-1630)......................................................46
Mapa 2 – Aldeamentos e Vilas no Rio Grande.......................................................................51
Fotografia 3 – Cotidiano no Rio Catu.......................................................................................80
Croqui 2 – Nesgas de terra no Catu..........................................................................................81
Fotografia 4 – Fazendo carvão no arisco..................................................................................82
Croqui 3 – Esboço da ocupação histórica do Catu...................................................................84
Gráfico 1 – genealogia dos Eleotérios......................................................................................92
Gráfico 2 – genealogia dos Eleotérios......................................................................................96
Gráfico 3 – genealogia dos Eleotérios....................................................................................100
Fotografia 5 – Acesso principal ao centro de Canguaretama (Br 101)..................................126
Quadro 2 – Eventos/ temática indígena no RN.......................................................................140
Fotografia 6 – Os Eleotérios e os índios Potiguara (Aldeia Três Rios) Baía da Traição/PB..189
Fotografia 7 – Audiência Pública............................................................................................201
Fotografia 8 – Público da Audiência Pública..........................................................................202
Fotografia 9 – Jovens do Catu apresentado o toré (Natal/RN)...............................................225
Fotografia 10 –“O casamento da moça” (Natal/RN)..............................................................226
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS




AP – AUDIÊNCIA PÚBLICA
APA – ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
APOINME – ASSOCIAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE, MINAS
GERAIS E ESPÍRITO SANTO
ACMVC – ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DOS MORADORES DO VALE DO
CATU
CCHLA – CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
CEPI – CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS INDÍGENAS
CIENTEC – SEMANA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E CULTURA DA
UNIVERSIDA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CIMI – CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
CODEM – COORDENADORIA DOS DIREITOS HUMANOS E DAS MINORIAS
COEPPIR – COORDENAÇÃO ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL
DLIS – DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO SUSUTENTÁVEL
FUMAC – FUNDO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA COMUNITÁRIA
FUNAI – FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO
FJA – FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO
GT- GRUPO DE TRABALHO
IBAMA – INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
IDEMA – INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DO RIO
GRANDE DO NORTE
NAC – NÚCLEO DE ARTE E CULTURA
MCC – MUSEU CÂMARA CASCUDO
MST – MOVIMENTO RURAL DOS TRABALHADORES SEM TERRA
MI – MOVIMENTO INDÍGENA
RN – RIO GRANDE DO NORTE
SEAMPO – SETOR DE ESTUDOS E ASSESSORIA A MOVIMENTOS
POPULARES
SEBRAE – SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS
EMPRESAS
SEJUC – SECRETARIA ESTADUAL DE JUSTIÇA E CIDADANIA
SEPPIR – SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL
SPI – SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS
UFRN – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
UFPB – UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
SUMÁRIO

1      INTRODUÇÃO..............................................................................................................12

2     APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE O RIO GRANDE
2.1 OS INDÍGENAS E AS FONTES HISTÓRICAS ...........................................................38
2.2 ALDEAMENTOS E MISSÕES NO RIO GRANDE: PROCESSOS HISTÓRICOS E
      TERRITORIALIZAÇÃO................................................................................................43
2.2.1 O encerramento das missões: as vilas de índios..............................................................53
2.3 CATU E OS ANTIGOS ENGENHOS DA REGIÃO: O TEMPO DOS
      CORONÉIS E “DOUTORES”........................................................................................57
2.4 OS CENSOS POPULACIONAIS COMO FONTES ANALÍTICAS ............................68

3   CATU DOS ELEOTÉRIOS: ORGANIZAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E
    ETNICIDADE
3.1 OS ELEOTÉRIOS NO CATU........................................................................................76
3.2 CARTOGRAFIAS DO CATU: UMA VISÃO SÓCIO-CULTURAL...........................83
3.3 NOTAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR, SOCIAL E POLÍTICA DOS
    ELEOTÉRIOS................................................................................................................88
3.4 TERRA, MEIO AMBIENTE E MOBILIZAÇÃO POLÍTICA....................................103
3.5 A POLÍTICA LOCAL, SERVIÇOS PÚBLICOS E ASSOCIATIVISMO..................116
3.6 A FORMAÇÃO DO CAMPO DE AÇÃO INDIGENISTA NO RIO GRANDE DO
    NORTE.........................................................................................................................124
3.7 FORMANDO UMA “MILITÂNCIA” INDIGENISTA...............................................132

4   A SEMÂNTICA DA ETNICIDADE: UM OLHAR DE “DENTRO” E DE “FORA”
4.1 O ETNÔNIMO E OS MODOS DE REFERÊNCIA IDENTITÁRIA: “SOU
    CATUZEIRO” ..............................................................................................................146
4.2 ETNICIDADE E SEMÂNTICA..................................................................................159
4.3 OS USOS ESPECÍFICOS DA SEMÂNTICA DA ETNICIDADE..............................165
4.4 A MISTURA: UMA FORMA DE COMPREENÇAO ESPECÍFICA.........................173
4.5 OS ELEOTÉRIOS E A ORGANIZAÇÃO DA MEMÓRIA SOCIAL.........................175

5   AS FORMAS DE PRODUÇÃO DA ETNICIDADE
5.1 A VIAGEM DOS ELEOTÉRIOS À BAÍA DA TRAIÇÃO E O JOGO DO
    RECONHECIMENTO...................................................................................................183
5.2 A EMERGÊNCIA INDÍGENA COMO UMA QUESTÃO PÚBLICA........................194
5.3 REPERCUSSÕES SOCIAIS E POLÍTICAS DA ATUAÇÃO MILITANTE: AWÁ E A
    REPRESENTAÇÃO DO ÍNDIO GENÉRICO..............................................................210
5.4 PARÂMETROS DA MOBILIZAÇÃO ÉTNICA: APROXIMAÇÕES COM O
    MOVIMENTO INDÍGENA (MI)..................................................................................214
5.5 O AGENCIAMENTO MILITANTE E O “TUPI-GUARANI”....................................218
5.6 OS ELEOTÉRIOS E AS REELABORAÇÕES CULTURAIS.....................................221

6       CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................227
        REFERÊNCIAS............................................................................................................235
        ANEXOS......................................................................................................................244
        APÊNDICES.................................................................................................................267
12



1 INTRODUÇÃO


        Pode-se afirmar, sem o propósito de ter um esquema cronológico muito rígido, que os
Eleotérios do Catu foram acessados pela militância indigenista e passaram a buscar interações
mais sistemáticas com índios e não-índios a fim de apoio político desde o ano de 20021. É
pertinente deixar explícito, já na apresentação deste trabalho, a expressão a que recorri ao
atribuir o seu título. “Em busca da realidade” foi uma expressão repetida diversas vezes por
Manoel Serafim Soares Filho, conhecido também por Nascimento ou Bifa, explicando o
motivo de sua viagem à Baía da Traição (PB)2. Essa interação significava, para aquele ator
social, uma possibilidade de resposta aos seus próprios questionamentos em torno da
confirmação de sua identidade étnica. Embora meu conhecimento de tal expressão tenha
ocorrido nos primeiros contatos com a situação pesquisada durante o ano de 2003, não lhe
conferi devida atenção na época. Em 2006, com a pesquisa etnográfica aprofundada, voltei a
escutar a mesma expressão de um índio Potiguara em outro contexto. Nesse sentido, chamou
a atenção como um termo nodal para compor este esforço investigativo.
        Primeiramente, ensejo destacar o aproveitamento do termo no discurso de Nascimento.
Em 2002, ele e seu primo Vandregercílio Arcanjo da Silva, conhecido no Catu por Vando,
viajaram à Baía da Traição visando estabelecer contatos com os Potiguara3. Nessa ocasião, os
Eleotérios foram apresentados como os “remanescentes indígenas” do Rio Grande do Norte.
Essa viagem foi conduzida por um militante da questão indígena, funcionário da Fundação
José Augusto (FJA) instituição responsável pela política cultural do Governo do Estado4. Em
2006, quando entrevistava uma liderança Potiguara citada nos relatos dos Eleotérios sobre
aquela viagem, Seu Djalma, obtive contato com a mesma expressão. Ele pronunciava “tirar a
realidade” para explicar os contextos de interação com as pessoas que se diziam indígenas e
buscavam uma ‘aprovação’ de tal identidade, sendo os Potiguara os responsáveis pela sua

1
  Na ocasião da defesa, uma das contribuições que recebi da banca examinadora feita pelo prof. Edmundo
Pereira referia-se ao uso da expressão “Eleotérios” sem adicionais explicativos. Sendo assim, por considerar a
observação pertinente, indico quando uso essa expressão me remeto, sobretudo, a uma suposta unidade
construída pelo pesquisador. Tendo em vista o empenho em desenvolver uma análise situacional. Esclareço o
leitor, que no plano interno os núcleos habitacionais dos Eleotérios são organizados de acordo com a lógica
familiar, os Simão, os Canário, os Serafim etc. Essas famílias são conhecidas externamente como os “Lotero do
Catu”.
2
  Uso o recurso do itálico e aspas para destacar as expressões dos informantes. Para dar destaque às citações ou
noções, utilizo aspas. O uso de aspas simples é como dou destaque a certas expressões e contextos ao longo do
trabalho.
3
  Vandregercilio Arcanjo da Silva, conhecido por Vando, era presidente da Associação dos Moradores do Catu,
Auxiliar de enfermagem no posto local e professor da Escola Municipal João Lino Catu-Canguaretama.
4
  Não significa dizer que a FJA possuísse alguma atuação política nas comunidades indígenas. Consistia um
esforço individual de um funcionário apresentando-se com respaldo no vínculo institucional.
13



confirmação étnica. Os Potiguara destacam-se de forma expressiva no cenário político do
Nordeste indígena, inclusive como membros da coordenação da Articulação de Povos e
Organizações Indígena do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME).
       Desse modo, minha intenção é, num primeiro plano, entender a situação histórica em
que se assenta o processo de construção da etnicidade dos Eleotérios. Considerei as interações
entre os Eleotérios e as lideranças indígenas, sobretudo, os Potiguara da Baía da Traição, bem
como suas relações com autoridades governamentais. Da mesma forma, pretende-se aprender
a condução dessa demanda por lideranças indígenas já consolidadas diante da auto-afirmação
de uma identidade indígena. Apesar de viverem próximos à área indígena Potiguara, os
Eleotérios nunca se relacionaram com a FUNAI. Todavia, este trabalho não considera,
apenas, as relações entre os Eleotérios e os Potiguara. Procurarei compreender como os
demais atores sociais (não-índios) se inserem nesse campo de relações, atuando em “modelos
ou esquemas de distribuição de poder” (OLIVEIRA, 1988 p. 57). Darei atenção à composição
de horizontes discursivos, e focalizarei, ainda, as formas de produção da etnicidade
privilegiadas pelos Eleotérios, envolvendo tanto uma dimensão objetiva quanto subjetiva.
       As reivindicações étnicas dos Eleotérios aparecem como um problema relativamente
novo para os estudos da etnicidade e, ao mesmo tempo, configurando uma forma de
mobilização política até então incomum no cenário público do RN. Desde o estabelecimento
das instituições públicas específicas de assistência e gestão de povos indígenas, tais como o
SPI (Serviço de Proteção aos Índios) e a FUNAI, desconhece-se qualquer registro de sua
atuação dessas agências no RN. Ademais, os discursos históricos oficiais (e políticos)
destacam o completo “desaparecimento” dos indígenas do RN desde o século XIX. Este
trabalho consiste numa abordagem da situação histórica de onde emerge o processo de
construção da etnicidade dos Eleotérios. Apresento, sob um foco antropológico, os contextos
nos quais atores sociais se posicionavam de forma positiva ou negativa, frente à afirmação de
uma identidade étnica específica.


Historicidade


       A região Nordeste compreende antigas áreas submetidas à administração colonial
portuguesa a partir do século XVI. Por conseguinte, além da expansão territorial, fez-se
necessária a administração das populações em toda a região. Os processos de
territorialização impostos às populações das áreas de colonização mais antiga delinearam
inúmeras mudanças, “afetando profundamente o funcionamento das suas instituições e a
14



significação de suas manifestações culturais” (OLIVEIRA, 2004 p.22) 5. De acordo com as
fontes históricas consultadas, diversos aldeamentos missionários estavam localizados na
região sul do RN, especificamente na área escolhida para pesquisa. Destacou-se o aldeamento
e posterior missão Igramació (Vila Flor, Canguaretama e possivelmente, Goianinha)
transformado em Vila de índios na segunda metade do século XVIII. De acordo com Lopes
(2003), os aldeamentos no Rio Grande, sob controle dos jesuítas, passaram à administração
dos carmelitas na primeira metade do século XVIII. Segundo a mesma fonte, tem-se
conhecimento da população desses aldeamentos, que estavam povoados por indígenas
classificados no tronco Tupi (possivelmente os Potiguara), mas recebiam também diversas
etnias do sertão. Vivenciaram dessa forma, processos de territorialização específicos,
envolvendo contextos pluriétnicos e culturalmente heterogêneos. Farei uma reflexão mais
detalhada sobre a história indígena no Rio Grande do Norte no capítulo primeiro.




        Fotografia 1 - Entrada principal do município de Vila Flor


        Nas últimas décadas do século XX, determinados aspectos históricos da região foram
ressignificados pelo poder público (Prefeituras e Governo), adotados em símbolos e
referências da memória e do patrimônio cultural. Em Vila Flor, a Casa de Câmara e Cadeia
foi tombada em 1964 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A


5
 De acordo com Oliveira, a territorialização implica um “processo de reorganização social” que implica: i) a
criação de uma nova unidade sociocultural mediante estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora;
ii) a constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a redefinição do controle social sobre os recursos
ambientais; iv) a reelaboração da cultura e da relação com o passado” (2004, p.22).
15



igreja de Nossa Senhora do Desterro, fundada possivelmente por padres Carmelitas do
convento da reforma do Carmo do Recife em 1743, é também um “lugar turístico”. Na década
de 1980, a FJA reformou o prédio da casa de Câmara e Cadeia que vem sendo cuidada por um
casal de moradores do município. De fato, o acesso principal à cidade reproduz a arquitetura
colonial e indica a data de sua fundação (XVIII).
        Em Canguaretama, um evento histórico foi reapropriado pela memória oficial
organizada pela Igreja Católica. É conhecido na literatura como o “Massacre de Cunhaú”,
ocorrido no antigo engenho homônimo no século XVII6. Há quase uma década vem sendo
organizada anualmente a encenação desse evento, representado através das figuras de
indígenas, holandeses e portugueses. Promovida pela Igreja Católica na Fazenda Cunhaú, a
teatralização do massacre é realizada por um grupo de jovens da cidade (Grupo de Teatro Ana
Costa - GTAC). Os atos cenográficos relembram o massacre, reoxigenando a crença nos
chamados mártires de Cunhaú, beatificados em cerimônia ocorrida no Vaticano, em março de
2000. Atualmente, existem esculturas de dois beatos em um dos acessos à Canguaretama.




        Fotografia 2 – Escultura “O massacre de Cunhaú”


        No acesso que liga Cunhaú à Pedro Velho, há uma escultura exibindo uma das
imagens identificando o massacre: a figura de um índio ferindo um padre, quando os símbolos



6
 Cunhaú pode até ser pensado inclusive como um “lugar de memória” (Pierre Nora apud FÉLIX, Loiva Otero.
História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: UPF, 2004, p. 49-50).
16



católicos eram consagrados perante os fiéis7. Algumas ruas e casas comerciais de
Canguaretama receberam o nome a partir das datas e personagens envolvidos no episódio
“sanguinolento” de Cunhaú. Temos, por exemplo, a escola municipal 16 de julho (suposta
data do massacre) e a livraria Padre Soveral (nome de um dos mártires).




7
  As três esculturas localizadas nos acessos ao município de Canguaretama foram financiadas pela Igreja
Católica da cidade em virtude da mobilização pela beatificação dos “Mártires de Cunhaú” no final da década de
1990 e na primeira década do ano 2000.
17



Croqui 1 – Catu dos Eleotérios
18



O Catu: entre Goianinha e Canguaretama


        Os Eleotérios são famílias que vivem na microrregião litorânea sul do RN. A
microregião dista uma média de 79 km de Natal. A denominação de “Catu dos Lotero” foi
dada pelos regionais ao lugar onde vivem essas famílias. Dessa forma, ele é distinguido de
outras áreas ao sul com a mesma denominação. Em Vila Flor, há o “Catuzinho”, denominado
pelos Eleotérios de “Catu dos Rosário”. Quem vive no “Catu dos Lotero” costuma diferenciar
e dividir os limites demarcadores de seu território através dos topônimos “Catu de baixo”,
“Catu do meio” e o “Catu de cima”. Alguns regionais denominam de “Catu de Armando8”.
Atualmente, o Catu é definido por alguns como “sítio”, uma classificação elaborada pelo
IBGE e (re)apropriada pelos moradores do lugar. Nas relações sociais em contexto extra-
local, alguns moradores se referem ao Catu descrito através do termo “comunidade”, mas que
no plano local co-existem entendimentos específicos. Também faço uso de uma noção de
comunidade e, nesse sentido, devo me explicar.
        Ao ser usado diversas vezes ao longo do texto, o termo “comunidade” exige uma
conceituação9. Doris Rinaldi Meyer (1979) demonstrou os esforços de diversos autores, tais
como E. Willems (1947), Cook (1938), Guidi (1961), Nogueira (1955), para definir o termo.
Para alguns, comunidade se aproxima mais de limites geográficos, como base territorial e,
para outros, está relacionado a um lugar integrado através de uma experiência comum, cujos
moradores têm relativa consciência de sua unidade local. De acordo com a autora, pensar
comunidade como espaço “só ganha significado quando percebida à luz de um sistema de
relações sociais que articula não só elementos internos à comunidade, mas também esses
elementos que lhe são externos”. MEYER (1979 p. 16). É por essa perspectiva, que pretendo
me fazer entender quando trato o Catu como comunidade.
        No vale do Catu, está situada a nascente do rio homônimo unido ao mar no local
denominado Sibaúma, que vem sendo referido atualmente como uma área “quilombola”.
Ainda no século XIX, o rio Catu foi utilizado pela administração pública local para ser o
marco da divisão política dos municípios de Goianinha e Canguaretama10. O “Catu dos
Lotero” encontra-se entre o limite (margens do rio Catu) da municipalidade dos municípios de

8
  Ver anexo A – Mapa de Canguaretama.
9
  A partir desse esclarecimento passarei a usar o termo sem aspas.
10
   De acordo com Nestor Lima (1990), em estudo sobre os municípios do Rio Grande do Norte publicou
referências sobre o rio Catu “Que nasce nos taboleiros da “Matta do Marfim”, abaixo da nascença do rio pequery
e divide o município com o de Goyaninha, dahi pra baixo. Tem um curso de 4 legoas no município, passa nos
lugares: Catu de cima, Gruta do Bode, Maxixi, Marajá, Engenho Catu, ou Triumpho, Catusinho, Engenho
Barraca e Entre Rios e faz barra no Atlântico no lugar “Sibaúma” (...)” (LIMA, 1990 p. 82).
19



Goianinha e Canguaretama, onde se encontra um número de oitenta e duas (82) unidades
domésticas, comportando noventa e quatro (94) famílias e um total de trezentos e sessenta e
seis habitantes (366). A maioria da população está concentrada no Catu Goianinha, reunindo
sessenta e nove (69) unidades domésticas que formam um total de oitenta famílias (80) e
trezentos e oitenta e três habitantes (383)11.
        Os dois municípios envolvidos na pesquisa são conhecidos por suas extensas
plantações de cana-de-açúcar, caracterizando geralmente a microregião sul do RN. Em termos
das atividades sócio-econômicas, esse modelo de monocultura, praticado há mais de dois
séculos na região, teve início com as atividades dos antigos engenhos, a exemplo do engenho
Cunhaú12, uma antiga propriedade no Rio Grande que pertenceu à família Albuquerque
Maranhão desde o período colonial (século XVII)13. Atualmente, as propriedades de usineiros
se estendem pelo sul do estado através da zona da mata em direção aos estados da Paraíba e
Pernambuco. Junto da economia canavieira, essa região potiguar vem sendo mais e mais
explorada pelos carcinicultores, sobretudo, desde a década de 1990. Além disso, está inserida
em famoso circuito turístico do estado. A praia da Pipa, por exemplo, fica situada
aproximadamente a vinte e cinco (25) quilômetros do Catu14.
        Nas áreas onde realizei a pesquisa, se sobressaem as empresas Pedrosa ou Baía
Formosa e a Estiva S/A; ambas situadas no setor produtivo de alcool e açúcar, cujas áreas
produtivas envolvem diversos municípios na microrregião sul. A usina Estivas explora as
áreas mais extensas localizadas no Catu e tomou para si a responsabilidade de monitoramento
das Áreas de Proteção Ambiental (APA’s) Bonfim-Guaraíras e Piquiri-Una que abrange parte
significativa da região sul15. Foi a primeira empresa usineira que expropriou as terras dos
Eleotérios, enquanto a usina Baía Formosa adquiriu áreas através de arrendamentos feitos a
médios proprietários de terra do Catu, já na década de 1990.
        Uma das vias de acesso ao Catu pode ser feita pela Br –101, sentido sul/RN. Localiza-
se pelo município de Goianinha, ao lado direito da rodovia. Segue uma faixa de mata
separando as plantações de cana-de-açúcar. Nessa estrada, em local conhecido como a
“chave”, encontra-se o “pau da mentira”, sendo mencionado pelos moradores mais antigos
do Catu como um espaço de encontro, um ponto de parada nos deslocamentos até as cidades

11
   Fonte: SILVA, Claudia Maria Moreira da. levantamento demográfico realizada entre fevereiro e abril de 2006.
12
   Segundo o historiador Galvão Neto (2002), o engenho Cunhaú é identificado nas cartografias dos viajantes do
século XVI e XVII.
13
   Ver MEDEIROS FILHO (1997), CASCUDO (1968), LOPES (2003).
14
   Ver anexo B. Imagem de satélite da região do Catu, Pipa e Sibaúma.
15
   Mostrarei adiante no texto como os fiscais ou os conhecidos “vigias” das Usinas se relacionam com os
moradores do Catu que frequentam as faixas de mata ou mesmo os mananciais da região.
20



próximas. Outra forma de acesso, margeando a rodovia, no limite entre os municípios de
Goianinha e Canguaretama, é o lugar conhecido como a Gruta do Bode16. Nesse local, pode-
se observar uma placa do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) informando sobre
a Lei Federal 9.605 de 1998, dispondo sobre crimes ambientais. Na placa, assinalou-se a
proibição do corte de madeira, a caça e a pesca. Como já me referi no parágrafo anterior,
trata-se de uma área que inclui trechos das APA’s sob a “gestão” do Instituto de
Desenvolvimento e Meio Ambiente no Rio Grande do Norte (IDEMA).
        Um dos primeiros acessos conhecidos por mim para chegar às unidades familiares no
Catu, foi através da cidade de Canguaretama pelo bairro denominado “Areia Branca”, situado
à margem direita da Br-101 sul. Era uma estrada de terra, margeada por muitas casas
construídas em pequenos quarteirões nos dois lados da estrada. Todas as casas tinham formas
arquitetônicas idênticas. Esse lugar é conhecido pelos regionais como os “Sem-Terra”, ou as
“casas do projeto”. Trata-se de casas construídas através de um projeto habitacional realizado
pela prefeitura local e por isso os moradores daquele conjunto são chamados de “Sem-Terra”.
Seguindo um pouco mais à frente, tem início uma paisagem uniforme definida pelas áreas de
plantação de cana-de-açúcar, pertencentes à usina Baía Formosa e à usina Estivas. Essas áreas
plantadas se estendem por aproximadamente seis (6) quilômetros, tomando como referência a
rodovia (Br 101) em direção ao “Catu dos Eleotério”. O que me faz concordar plenamente
quando descreviam que viviam rodeados de cana. Contudo, deve-se ressaltar que as unidades
residenciais eram distribuídas em posições paralelas, de acordo com a apropriação dos trechos
descritos como as nesgas de terras usadas para produção agrícola. Não obstante a excessiva
uniformidade da paisagem, a caminhada contribuiu para alimentar minha crescente ansiedade
em buscar apreender os efeitos daquela configuração sócio-espacial, que modificaram o perfil
ecológico, fundiário e humano, com implicações contíguas sobre o Catu.
        Nos primeiros meses de 2006, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST)
constituiu acampamento em Canguaretama, próximo às margens da rodovia. Cerca de cem
(100) famílias construíram casas de papelão e palha e passaram a viver naquele espaço17.
Nesse período, estava fazendo um survey no Catu e, por ocasião da ocupação do MST naquela
área, fui indagada por algumas famílias se fazia parte daquele grupo, principalmente porque
uma das questões tocantes era a terra. Fui informada sobre a associação de uma família do

16
   No lado oposto da Br – 101 na altura da Gruta do Bode, segundo relatos, fica localizada uma das entradas dos
Sete Buracos, passagens secretas que teriam sido construídas pelos holandeses. Para alguns moradores do Catu,
os Sete Buracos consiste num reino encantado, que possui personagens míticos tomados como guardiões do
local. Exploro mais esse assunto no capítulo dois.
17
   Número impreciso devido à mobilidade das famílias em aderirem ao movimento. Atualmente, pode-se
deparar com quase do dobro desse número de famílias acampadas.
21



Catu ao MST. Em outra ocasião, fui indagada por Nascimento, querendo saber minha opinião
a respeito dos métodos usados pelo MST para ter acesso à terra. Ele relatou-me ter sido um
dos procurados por dirigentes do MST. Contudo, evitou maior contato com aquela associação,
pois, em sua apreciação: “eles são é invasor e eu não posso tomar pra mim essa palavra”.
          No ano de 2003, por meio de um financiamento do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BIRD), foram disponibilizados recursos aos municípios através do Fundo
Municipal de Assistência Comunitária (FUMAC). Assim, os vereadores locais passaram a
apoiar a criação de associações comunitárias. Era preciso a criação das associações como
exigência para o repasse dos recursos ao conselho do FUMAC. A                            diretoria dessas
associações foi escolhida pelas próprias prefeituras, como também ocorreu com os membros
do conselho FUMAC. Nesse contexto, foi criada a Associação Comunitária dos Moradores do
Vale do Catu-Canguaretama (ACMVC). Na mesma ocasião, criou-se a Associação dos
Moradores do Catu-Goianinha. A partir da instituição desse cenário, os moradores do Catu
passaram a se relacionar com diferentes atores sociais, tendo algum impacto na organização
social e política da comunidade.
          As associações tinham como objetivo a mobilização comunitária, com intuito de
implantar um sistema de canos para abastecimento coletivo de água retirada de um poço. Foi
também responsabilidade da associação organizar as pessoas para participarem na obra e, por
fim, permanecerem efetuando o pagamento mensal da energia elétrica consumida pela bomba
instalada no poço. Aproximadamente 155 residências no Catu utilizavam dessa água para
suprir suas necessidades. O abastecimento de água “tratada” chegou no Catu em 200418. No
entanto, muitas famílias ainda utilizam a água do rio Catu para satisfazer suas necessidades
domésticas.
           De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde, a população de
Canguaretama é estimada em 29.160 pessoas19. Segundo o IBGE e o IDEMA, a produção-de
cana-de-açúcar alcançou 325.000 (t), produzidas em 4.600 (ha) de área colhida (2002). Em
termos gerais, se quisermos comparar a produção agrícola, teremos após a cana-de-açúcar, a
cultura da mandioca com 4000 (t) e o coco-da-baía, com uma produção de 760 (t) para o
mesmo ano. Esses são os principais cultivos de Canguaretama. Não existem dados estaduais
publicados referentes à produção de pescado, apesar de a região de Canguaretama abrigar um
percentual significativo de fazendas criadoras de camarão. Vieira (1996) definiu a área
geomorfologicamente. Afirmou possuir uma luminosidade forte, com um regime térmico

18
     Os dados são provenientes das associações comunitárias de ambos os municípios.
19
     Em relação ao município de Goianinha operamos com os dados do IDEMA, que se referem até o ano de 2002.
22



relativamente uniforme, com temperaturas elevadas com pequenas variações ao longo do ano.
São características relacionadas, sobretudo, com a baixa latitude local e com a influência
marítima (1996 p.23). São, portanto, essas condições climáticas que permitem, por exemplo,
um ambiente favorável à carcinicultura na região sul do RN.
         No ano de 2002, o município de Goianinha possuía 17.661 habitantes, dos quais
5.192 vivem nas áreas consideradas rurais. Dados publicados através do IDEMA20 revelam o
município, obtendo uma área produzida de 5.700 (ha), representando 355.000 (t) de cana-de-
açúcar. Pode-se suspeitar pelo senso prático, que as áreas de produção da cana-de-açúcar são
superiores aos dados divulgados oficialmente. Dentre outros produtos, o coco-da-baía influiu
na economia local. No período, divulgou-se 1.786 toneladas de coco. Além disso, alcançou-se
uma produção de mandioca de 1.350 (t). No caso da produção de pescados, o IDEMA
divulgou o número total de 176,2 (t), dentre os quais 49,2 (t) eram de caranguejo e 7,2 (t) de
camarão (2002). Pode-se perceber nas atividades econômicas dos dois municípios um perfil
dividido entre a agricultura, a pesca e a carcinicultura. Os Eleotérios estão inseridos nesse
modelo econômico vigente, seja como mão-de-obra voltada às usinas e fazendas situadas na
região, seja atuando em menor número como pequenos produtores com venda do excedente
no comércio local.


A estagiária e o conhecimento do “campo”


         Quando tomei conhecimento da existência de pessoas afirmando-se como
“remanescentes indígenas” em Canguaretama, estava cursando a graduação em Serviço Social
na UFRN no ano de 2003. Nesse período, a escolha pela questão indígena, enquanto área de
interesse teórico-profissional já estava se delineando. Durante o quinto e sexto períodos da
graduação, foi oferecido um curso em Pesquisa Social; aproveitei a oportunidade para
desenvolver um estudo exploratório com os índios Xukuru do Ororubá, que vivem em
Pesqueira, no agreste pernambucano. Essa breve experiência de pesquisa de campo me
proporcionou a aproximação com alguns pesquisadores da temática etnológica dos “Índios do
Nordeste”, além de conseguir algumas indicações bibliográficas. Foram as primeiras fontes
inspiradoras para dar continuidade ao interesse pelo tema21. Foi dialogando com a professora
Julie Cavignac, do Departamento de Antropologia (UFRN) no período coordenadora da base

20
  A instituição reproduz informações publicadas através do IBGE.
21
  Naquele momento histórico, os índios Xukuru chamavam atenção da sociedade mais ampla tanto pelas
mobilizações políticas e rituais pela recuperação das áreas invadidas por posseiros, quanto pela violência que
passaram a ser vítimas, dadas as reações contrárias dos posseiros ocupantes das suas terras.
23



de pesquisa CIRS (Cultura, Identidade e representações sociais), que tomei conhecimento dos
Eleotérios no Catu.
           Nos semestres seguintes do curso de Serviço Social, como exigência curricular, teria
de desenvolver um projeto de estágio em alguma instituição social. Delimitei o campo de
estágio na Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) de Canguaretama. Pensei a
instituição como um espaço estratégico para a aproximação com as questões (étnicas)
colocadas pelos Eleotérios do Catu. Durante os dois semestres acadêmicos de 2003, o projeto
de intervenção foi trabalhado junto à recém-criada Associação de Moradores do Vale do Catu.
O projeto desenvolvido era intitulado “Catu dos Eleotérios: vivências políticas e participação
comunitária”. Uma das atividades do projeto era realizar oficinas temáticas. Percebendo a
mobilização por recursos hídricos, priorizei a discussão sobre desenvolvimento e meio
ambiente. Os encontros com o grupo ocorriam nos finais de semana e, em diversas ocasiões,
recebíamos a visita inesperada do militante “professor” da “Língua Tupi”. Repentinamente,
ele iniciava uma aula de língua indígena. Sua chegada criava um clima ambíguo porque, por
um lado, podia sugerir a impressão de um suposto vínculo entre nós, por outro lado, criava
uma situação de disputa ou competição mútua.
           Da experiência de estágio foi elaborado um relatório contendo entrevistas com pessoas
idosas moradoras do Catu, mostrando suas impressões a propósito das alterações na paisagem
geográfica e social após a chegada da usina e de fazendeiros na região do Catu. Se
expressavam descontentamento com a presença de usineiros e fazendeiros, mas também com
a atuação do IBAMA e do IDEMA, não me pareceu que estivessem coesos ou decididos a
politizar seus problemas como acenavam os diversos agentes oriundos de instituições
estaduais em trânsito no Catu. Já nessa época, a Coordenadoria dos Direitos Humanos e das
Minorias (CODEM), a FJA, estudantes e, em certas ocasiões, professores da UFRN
promoviam e participavam de debates sobre a questão indígena no Estado22. Em 2002, ano no
qual a Campanha da Fraternidade (Igreja Católica) focalizou a questão indígena, a
Arquidiocese de Natal promoveu, junto ao Museu Câmara Cascudo e da UFRN, debates e
atividades, sobretudo em Natal/RN. Esse tipo de reunião e evento repercutiu através da
participação desses agentes para além do RN. Notei, principalmente, a participação dos
Potiguara da Baía da Traição (PB) e de jovens estudantes ligados a projetos de extensão do
GT-Indígena/ Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (SEAMPO) da
Universidade Federal da Paraíba. (UFPB).


22
     Eventos mapeados no quadro 2 no final do capítulo dois.
24



       Em 2003 a imagem dos Eleotérios para os regionais estava sendo projetada por
funcionários de todas essas instituições supracitadas, tanto para o interior das próprias
agências como para outras instituições federais e estaduais no RN. Foram publicadas matérias
em jornais, realizadas audiências públicas (2002 e 2005), além de outras tentativas de chamar
atenção da sociedade para as questões étnicas no Estado. A questão indígena aparecia ainda
de forma bastante limitada, sobretudo, através de matérias comedidas publicadas em jornais
impressos de Natal. Em 2003, uma reportagem sobre os Eleotérios, no jornal Tribuna do
Norte23, enfatizou o “resgate do Tupi Guarani” no Catu, substancializando em larga medida a
imagem dos Eleotérios para a sociedade. Num trecho dessa publicação, houve uma ênfase nos
Eleotérios como possuidores de “hábitos indígenas” e afirmando que os “moradores são
reconhecidos como índios” pela FUNAI. O importante nessa publicação é a sua condução por
um tipo de militância indigenista independente. Como um efeito político, o coordenador da
CODEM, Fábio Santos, enviou uma correspondência ao procurador Regional dos Direitos do
Cidadão, Sérgio Monteiro Medeiros que, ao tomar conhecimento da matéria, enviou cópia da
reportagem para o Ministério Público Estadual solicitando esclarecimentos e “averiguação das
demandas dessa comunidade”. Não se sabe, porém, o desfecho dessa iniciativa24. Sendo
assim, pode-se afirmar que os Eleotérios passaram ao conhecimento relativo por parte de
certas instâncias públicas do estado. Meu interesse nos Eleotérios era também conduzido por
essa “descoberta” social dos índios no RN.
       Em Canguaretama e Goianinha, a impressão que tive de alguns funcionários públicos
municipais sobre os Eleotérios foi bem pejorativa. Quando cheguei à Secretaria de Assistência
Social de Canguaretama para acertar os termos do estágio curricular, a assistente social da
SEMAS falou- me, sendo confirmada por um técnico do Banco do Brasil, que muita gente já
tinha tentado trabalhar no Catu, porém, sem êxito; pois “... aquele povo tem parte com índio e
é muito difícil qualquer coisa dar certo por ali...”. Em Goianinha, visitei a Secretaria de
Educação em busca de apoio ao projeto de estágio e obtive diversos materiais para uso
pedagógico. Fiquei sabendo que no Catu tinha existido uma aldeia de índio e ali “...eram
todos descendentes de índio...”. Meus contatos com a comunidade passariam a indicar
progressivamente a necessidade de problematização dessas impressões.
       Em relação à minha primeira aproximação com os Eleotérios, o fato de estar
vinculada à prefeitura municipal de Canguaretama, enquanto estagiária de Serviço Social,


23
  Ver anexo D. Matéria intitulada “ Comunidade resgata o tupi-guarani” foi publicada em 15/06/ 2003.
24
  Ver anexo E – correspondência entre a CODEM e a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte
(MPF).
25



transitando em seus veículos e/ou acompanhada pela assistente social do município criou,
para alguns moradores do Catu, impressões de um suposto vínculo empregatício ou um
vínculo de qualquer outra ordem com os poderes locais (como a prefeitura, os fazendeiros e
até mesmo empresários do setor sucroalcooleiro). Isso pareceu interferir nas expectativas da
população sobre a minha presença. Fui vista com certa reserva e desconfiança e logo percebi
que nos lugares onde passava não se falava a respeito dos poderes públicos locais ou dos
agentes políticos, tampouco interesses ou disputas por terra. Realmente passaram alguns
meses para tudo ficar mais “à vontade”.
        Meus primeiros contatos com os Eleotérios foram agenciados pela Prefeitura de
Canguaretama na condição de estagiária na Secretaria Municipal e, nesse sentido, senti
necessidade, em algumas ocasiões de desfazer tais laços de mediação, embora com o cuidado
de não ser associada aos agentes militantes presentes na comunidade, como era o caso de um
funcionário da Fundação José Augusto, e da Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUC)
através da Coordenadoria dos Direitos Humanos e das Minorias (CODEM) instância da
SEJUC. Tentei esclarecer sobre meu vínculo com a UFRN, sobreposto ao vínculo com a
SEMAS. Ao tomar conhecimento de meu crescente interesse pelos Eleotérios, a coordenadora
da SEMAS de vez em quando solicitava-me notas sobre a história de Canguaretama,
perguntando também se eu já detinha “provas” referentes àqueles índios, para serem
mencionados nos projetos sociais propostos pela secretaria ao Governo Federal.
        Fiquei sabendo do oferecimento das aulas de Tupi, nos finais de semana no Catu, e
decidi acompanhar o professor ministrante desse curso na comunidade, ainda no primeiro
semestre de 2003. Foi a primeira tentativa de aproximação junto dos moradores do Catu, sem
a presença de agentes da prefeitura de Canguaretama. Haroldo José foi enviado por Aucides
Sales, o funcionário da FJA, como seu substituto para dar aulas na comunidade25. Marcamos
em um dos caminhos de acesso para o Catu, próximos a Br-101 sul, nas proximidades de uma
escola municipal.
        Desembarquei do ônibus e logo vi a figura esguia de Haroldo próxima à uma grande
árvore, denominada pelos regionais e, também, pelos Eleotérios de “Tambor” ou “Pau do
Amor”. Depois das apresentações, seguimos em direção ao Catu. Andamos por uma estrada
de terra. Durante a viagem, Haroldo me falou de sua experiência com a língua Tupi-Guarani.
Na sua opinião, não havia condições de a língua ser “resgatada”, tal como desejava o


25
  Naquele período, o “projeto” recebia financiamento de um Verador do Partido dos Trabalhadores (PT) Hugo
Manso. Haroldo estava substituindo Aucídes Sales que afirmou haver inciado as aulas de Tupi no Catu de forma
voluntária.
26



funcionário da FJA. Enquanto escutava, ia tentando apreender a paisagem e percebi que
chegávamos numa área mais extensa de mata. Para meu engano, consistia numa breve faixa
de quase 200 metros. Atrás dela havia mais plantação de cana-de-açúcar. Ao chegar na casa
da mãe de Vando, família que, normalmente mediava a chegada de “pessoas de fora” ao Catu,
foi necessário fazer uma parada26. Depois desse primeiro encontro, passei a chegar ao Catu e
sentir-me “obrigatoriamente” hóspede dessa casa, cuja família era composta de quatro
mulheres. A primeira pergunta recebida de todas elas foi a respeito de meu estado civil. No
período, cheguei a criar um “marido” para tranquilizá-las, porque lhes parecia muito estranho,
“uma mulher sozinha andando no meio do mundo conversando com todo tipo de gente”. Na
verdade, tais observações deixavam tranparecer suas representações a respeito do modelo de
organização do trabalho na sociedade, definido por elas, fortemente pelo viés do gênero.
Enfim, eu estaria, na visão delas, fazendo trabalho “de homem”.
           Após ficar acomodada na residência de Dona Nô, notei nessa casa o funcionamento de
um ponto de apoio para todos os visitantes, principalmente os oriundos de categorias
“institucionais”. Haroldo logo me apresentou à chefe da família e, em pouco tempo, ela nos
serviu pratos de macaxeira com carne bovina cozida. Não tive como esconder minha
preferência alimentícia e pensei não ser interessante, para quem pensava em fazer uma longa
pesquisa no local, deixar de expressá-la. Falei-lhes que não costumava comer aquele tipo de
carne. Agradeci a refeição e recusei. Todos da casa se voltaram para minha direção. A
senhora sentiu-se claramente ofendida e logo esboçou uma opinião acerca das pessoas que
não consumiam carne vermelha. Ficamos alguns minutos em tensão, todos em silêncio. Logo
depois, ela chamou sua irmã, Silvina, para arrumar um peixe para fazer, “porque a moça não
comia carne”. Esse episódio me fez refletir a respeito da minha proposta de estabelecer
relações aprofundadas com aquelas pessoas com as quais me propunha pesquisar. Após a
refeição, seguimos para a escola onde aconteceria a aula de “Tupi-Guarani”. Observei que
grande parte dos participantes era crianças e adolescentes, exceto o presidente e o vice-
presidente da Associação dos Moradores do Catu-Canguaretama.
           Quanto à primeira família citada, logo percebi uma forte importância de seus membros
no cenário político local. Mantinham relações intensas com o agente da FJA e com os poderes
locais (Prefeituras, proprietários de terras no Catu, vereadores). Além disso, dois membros
dessa família ocupavam cargos na diretoria da Associação Comunitária e faziam parte do
quadro de professores nas escolas municipais no Catu. Nos períodos de eleição, agiam como


26
     Tratarei esta família ao longo do trabalho como os Arcanjos.
27



cabos eleitorais de determinados políticos. Assim, havia por parte dessa família uma entrada
múltipla nos diversos espaços comunitários por meio de tais relações. Com efeito, essa
relação haveria de influenciar na condução da pesquisa e, conseqüentemente, nos dados
produzidos a partir daquelas interações.
       De fato, essa aproximação causou efeitos em minha relação com as demais pessoas da
comunidade. Percebi a cautela das pessoas ao falar do núcleo familiar onde me hospedava. Se
por um lado o acesso a essa família contribuiu para algumas questões colocadas na pesquisa,
essa proximidade, por outro lado, contribuiu para reforçar a liderança exercida por aquela
família intermediando as relações com o meio externo. Tematizar essa experiência contribuiu
para meu exercício de refletir certas situações de “campo”. Com o passar dos meses, foram
notáveis as situações em que essa família, por concentrar a mediação das relações        da
comunidade com a política local e “os de fora”, assumiam posturas criticadas pelos demais
moradores do Catu. Nesse sentido, foram transformados em alvos de críticas explicitadas por
moradores, ainda que esses evitassem os debates públicos. Em 2004, estava concluindo o
curso de Serviço Social e havia de escolher um tema para o Trabalho de Conclusão de Curso.
Optei por retomar a pesquisa exploratória já iniciada com os jovens indígenas Xukuru do
Ororubá. Esse foi o tema da monografia. Nesse período, as idas ao Catu tornaram-se cada vez
menos frequentes e, na retomada da pesquisa (2005), foi visível o descontentamento das
pessoas, especificamente da família com quem tinha me relacionado no período anterior.



O retorno ao “campo”, a pesquisadora e a (re)construção do objeto



       Em 2005, quando passei a cursar o mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social (PPGAS) da UFRN, reaproximei-me da situação dos Eleotérios. Nesse
ano, aconteceram diversas atividades em Natal em prol da questão indígena no Rio Grande do
Norte. Em abril e maio de 2006, o retorno efetivo ao campo de pesquisa, me causou
expectativas variadas. A primeira estava relacionada aos contatos que conseguiria
reestabelecer. Durante esse período realizei o survey e me hospedei na casa da família de
Dona Nô, os Arcanjos, no Catu/Canguaretama. Dada a posição de liderança política dessa
família no cenário local, quis entender as possíveis repercussões da relação da referida
família em minha pesquisa. Apoei-me em Alba Zaluar para entender essas possíveis
repercussões. A autora refletiu sobre alguns efeitos das relações do pesquisador na situação
etnográfica, qual seja:
28




                           O pesquisador desinformado acerca do resultado de suas ações, pode estar
                           inadvertidamente legitimando lideranças locais, tanto de pessoas quanto de
                           grupos, ao mesmo tempo em que ajuda a instituir o próprio modo de
                           comunicação entre líderes e liderados (ZALUAR, 1986, p. 113).



        As considerações feitas por Zaluar (1986) tornaram-se fundamentais para pensar a
relação com o campo pesquisado. A dimensão política da pesquisa tratada pela autora inclui
ainda a imposição de desafios ao pesquisador. Esses desafios exigem a elaboração de
estratégias diversas na relação com o objeto de pesquisa. Foram notáveis as reações de alguns
moradores ao meu elo com a família de Vando. Em certos momentos, foram traduzidas pela
desconfiança para tratar de alguns assuntos envolvendo a liderança daquela família na
Associação de Moradores. Entre os integrantes da família onde me hospedei senti restrições.
Defendeu Zaluar (1986) que o pesquisador, mesmo se percebendo próximo ou íntimo do
grupo, ainda é “de fora” e continua a ser associado a outros mundos27.

        João Pacheco de Oliveira (1999) refletiu criticamente sobre as visões da situação
etnográfica apresentada por antropólogos sobre suas interações sociais durante a pesquisa.
Para ele, é necessária, portanto, numa situação etnográfica realizar “uma etnografia da
situação de pesquisa”. Analisou a trajetória e o material etnográfico deixados por Curt
Nimuendaju ao pesquisar os Ticuna na década de 194028. De acordo com Oliveira (1999),
seria mais proveitoso considerar o pesquisador como um ator social inserido no conjunto de
relações construídas no campo observado, ou seja, apreender essa relação para além de um
encontro de subjetividades:



                         Uma vez iniciado o processo interativo, outras forças – além da motivação
                         cognoscitiva do pesquisador – são colocada em jogo, estabelecendo novas
                         compulsões e direções para o processo. Também as ações consecutivas do
                         pesquisador passam a articular-se em resposta às ações e reações de outros
                         atores sociais, a situaçao de pesquisa definindo-se de maneira múltipla pelos
                         atores co-presentes, reinserida em outros campos e processos sociais cujos
                         limites e dimensões podem extravasar em muito as definições da situação
                         dadas pelo antropólogo (OLIVEIRA, 1999 p. 67).




27
   Quando usei a expressão “outros mundos”, a que o pesquisador pode ser associado, me refiro às relações
concretas entre as pessoas, tanto quanto seus locais de sociabilidades e as referências de pertencimento.
28
   Os índios Ticuna são habitantes da região fronteiriça (Brasil, Peru e Colômbia) denominada Alto Solimões.
29



        O autor sugeriu que o pesquisador deve apreender e reconhecer sua prática como parte
do próprio contexto em que está atuando29. No espaço familiar que convivi, notei discrição
diversas vezes em abordar certos assuntos na minha presença, além de perceber certos gestos
e sinais sendo trocados, o que informava dos assuntos que se mantinham interditados ao meu
conhecimento. Entendi como uma pessoa “de fora” podia até ser apresentada, em certos
contextos, como alguém “quase da família”. Publicamente, no Catu, fui apresentada a outros
visitantes, tais como estudantes e professores, como uma “assistente social que bem dizer,
mora no Catu”, ou uma “pessoa de casa”. Meu vínculo com a UFRN era sempre destacado
nessas ocasiões.

        Desenvolvi a pesquisa seguindo dois cronogramas. Um deles estava relacionado com a
agenda do Movimento Indígena (MI), permitindo-me dessenvolver uma etnografia dos
eventos que os Eleotérios participavam. Outro cronograma era menos rígido relacionado às
visitas realizadas ao Catu. A relativa distância do local de minha moradia (em torno de 76 km)
permitiu-me sair de campo sempre que notava essa necessidade por parte dos pesquisados e
algumas vezes por minhas próprias necessidades. Por exemplo, quando observava a clara
demonstração de um certo desconforto com minha presença continuada entre as pessoas da
casa onde me hospedei. De forma geral, os contatos com os Eleotérios ocoreram desde o
primeiro semestre de 2005, embora, não tenha sido possível mensurar minhas visitas ao
“campo”. Explicarei agora com mais atenção o desenvolvimento da pesquisa etnográfica.

        Iniciei a pesquisa com um levantamento de dados básicos, um survey, mesmo com a
experiência acumulada quando estagiava na SEMAS. Percebi a necessidade de percorrer e
conhecer todo o espaço social do Catu. Nessas incursões, fiz uso de um questionário com
objetivo de reunir indicadores sociais acerca de cada uma das famílias moradoras do Catu.
Através desse recurso, pude chegar a diversas informações sobre aquela situação social.
Elaborei um esquema da ocupação histórica do espaço, iniciada pelos Eleotérios,
provavelmente, na segunda metade do século XIX. Apoiei-me numa fonte privilegiada,
Manuel Luca, um octogenário com quem mantive conversas demoradas, a partir das quais
obtive as condições de compor um esquema genealógico daquelas famílias. Através dos dados
gerados nas conversas guiadas pelo questionário, selecionei algumas pessoas para realizar as
entrevistas de longa duração.

29
  Os contextos em que irei mostrar a presença do antropólogo na situação pesquisada estarão desenvolvidas ao
longo dos capítulos. Envolvem, assim, a produção de horizontes discursivos, “bens simbólicos” ativados de
forma contextual e que possui dimensão ampla, perpassando os discursos e referências dos diversos atores
sociais presentes na situação etnográfica.
30



        Entrevistei e mantive conversas informais com autoridades do poder local: vereadores,
secretários da administração municipal, a exemplo das secretarias de agricultura e de
educação dos municípios envolvidos na pesquisa. Fiz o mesmo com as famílias que migraram
depois de 1950 para o Catu ou com pessoas que me foram indicadas por moradores do Catu
como os “especialistas da memória” dos Eleotérios30. Seriam o que Le Goff (1984) definiu
como os “homens-memória”. Citando Balandier (1974), o autor discutiu como alguns atores
sociais são pensados como “a memória da sociedade” e que são, ao mesmo tempo, os
depositários da história “objetiva” e da história “ideológica”(...)31. Embora ele tenha se
referido em maior proporção às “sociedades sem escrita”, não descartou evidentemente a
possibilidade de operarem nas sociedades detentoras da escrita. A família de Vando foi
apontada como “as pessoas que sabiam da história do Catu”. Ele era neto de Júlia Maria da
Conceição, a filha do Serafim Eleotério, homem que afirmam ter recebido a doação das terras
através de um padre.
        Procurei priorizar para as entrevistas, pessoas presentes no campo social e político que
dava sentido à emergência étnica dos Eleotérios (moradores da região, lideranças do
movimento indígena, funcionários de entidades governamentais, indigenistas etc). Era nesse
campo que, muitas vezes, os Eleotérios procuraram efetivar a diferenciação étnica. Entendi a
noção de “interação”, a partir de Erving Goffman (1986). Para o autor, “a interação pode ser
definida em linhas gerais, como a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos
outros, quando em presença física imediata” (1983 p.23 grifos meus). Realizei pesquisa
bibliográfica e documental nas bibliotecas municipais de Vila Flor, Canguaretama e
Goianinha32.
        Conjugando ao método da observação participante, a entrevista estruturada foi a
técnica mais utilizada na pesquisa etnográfica. Algumas vezes porém, o “campo” pedia outros
procedimentos. Como foi o caso de lugares onde não podia gravar as conversas ou até mesmo,
no caso das pessoas que recusavam o registro através de entrevista formal. Nesse caso, me
vali da própria memória para remontar certas falas e diálogos envolvendo mais de três
pessoas. Um dos espaços onde precisei confiar na memória foi o estabelecimento comercial
de Nascimento. Era de fato, um local onde as pessoas paravam para conversar sobre vários
30
   Essas pessoas apontadas como “especialistas” ou “guardiões” por alguns entrevistados não foram apenas
idosos, sobretudo, uma jovem liderança que foi apontado por muitas pessoas com quem conversei como alguém
que detinha o conhecimento do passado no Catu.
31
   LE GOFF, Jacques. “Memória”. In: Enciclopédia Elanndi, vol 1. Memória-História, Lisboa: imprensa
nacional. Casa da moeda, 1984, p. 15.
32
   Consultei sites na internet e obtive informações acerca do Grupo Tavares de Melo (Usina Estivas S/A); me
empenhei ainda através dessa ferramenta para ter acesso a relatórios da província do Rio Grande e da Paraíba
nos séculos XVIII e XIX.
31



temas. Na presença do pesquisador, as conversas giravam em torno de anedotas e façanhas
dos antigos Eleotérios. No Catu, havia outros pontos de comércio, mas lá em Bifa a
rotatividade era maior. No estabelecimento, vendiam-se alimentos, lanches, pequenos objetos
para uso doméstico e, de forma recorrente, as doses de cachaça. Sempre que estive lá notei
que pouquíssimas mulheres paravam no local. Em 2006, a loja foi expandida, instalando-se
um freezer e uma máquina de moer cana-de açúcar para fazer caldo. Esse espaço de encontro
foi crucial na pesquisa, sobretudo, porque Nascimento estava envolvido na mobilização
étnica.

          Realizei pesquisa etnográfica da participação dos Eleotérios em eventos de
mobilização indígena, tais como a VI Assembléia da APOINME, que aconteceu na Baía da
Traição/PB (2005) e o I Encontro Estadual Para Promoção e Igualdade Racial, realizado em
Natal/RN (2005). Posteriormente, nesse mesmo ano, um representante dos Eleotérios foi para
Brasília participar do encontro nacional da SEPPIR. Em junho de 2005, ainda ocorreu a
Audiência Pública “Comunidade Índígenas do Rio Grande do Norte: afirmação de suas
identidades” nos recintos da Assembléia Legislativa Estadual. O evento teve a participação
dos três povos que vêm se apresentando e sendo apresentados como “indígenas”: os
Eleotérios do Catu, os Mendonça do Amarelão e os Caboclos do Assu. Farei uma análise mais
detalhada desse evento no capítulo dois. Em 2006, os Eleotérios participaram da eleição de
representantes para a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) do Governo Federal,
coordenada pela APOINME e realizada em Olinda/PE. Desses contextos de interação entre os
Eleotérios e o Movimento Indígena e com os indigenistas, procurei apreender os efeitos
sociais deflagrados no processo de construção da etnicidade dos Eleotérios.

          Em meados de setembro de 2006, tive a oportunidade de permanecer por quatro meses
realizando pesquisa bibliográfica e documental no PPGAS/Museu Nacional e em instituições
arquivísticas do Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, etc). Essa estadia foi
possível através do intercâmbio firmado entre o PPGAS/UFRN e o PPGAS/Museu Nacional
(PROCAD/CAPES). Tive acesso a diversos trabalhos e publicações presentes na biblioteca
do PPGAS/Museu Nacional sobre questões e temas étnicos, desenvolvidas, sobretudo, no
nordeste brasileiro.

          Ne verdade, embora a pesquisa documental me ajudasse a entender a situação
estudada em termos históricos mais gerais do fechamento dos aldeamentos ou sua
transformação em vilas indígenas, ela não figurou como uma preocupação indispensável.
Primeiro, havia o problema do acesso a informações históricas mais precisas ou densas sobre
32



os próprios aldeamentos e vilas de índios da região que pesquisava, a exemplo de Vila Flor.
Dei preferência à historia oral como metodologia de pesquisa. Sendo assim, dei maior atenção
aos pontos de vista dos Eleotérios e, em menor escala, aos fatos comprováveis pela
historiografia. Concordei com a antropóloga Ana Flávia Santos, ao refletir sobre a situação
histórica dos Caxixó e a postura do pesquisador diante do uso das fontes documentais.
Preferiu valorizar os relatos orais propondo mais do que uma “inversão metodológica”.
Valorizou, assim ainda mais a reflexividade dos sujeitos diante dos fatos históricos, qual seja:



                      O campo de investigação, cujo sentido reside mais em suas articulações
                      internas que no registro exato de fatos “comprováveis” pela historiografia, é a
                      percepção de uma experiência histórica coletiva, ainda que não apreensível em
                      sua totalidade, recortes que resgatam um passado pensado como comum,
                      elaborado e reelaborado a partir de uma situação presente. É apenas em
                      relação ao conjunto de significados expressos nos relatos orais, portanto, que
                      fatos e personagens históricos ganham sentido e relevância para a análise
                      (SANTOS, 2003 p.24).



       Nesse sentido, apesar de haver manuseado fontes documentais dei maior atenção às
fontes orais. Os fatos históricos mencionados ao longo do texto foram, principalmente, os
destacados pelos Eleotérios, dada a importância em sua trajetória social.

       Nos últimos anos, têm ocorrido um crescente interesse nos estudos sobre os índios no
Rio Grande do Norte. Sobre os Eleotérios, especificamente, encontrei dois trabalhos feitos por
alunos ligados à base de pesquisa CIRS – Cultura, Identidade e Representações Sociais – da
UFRN, na época coordenada pela professora Julie Cavignac. Esses estudos marcaram-se pelo
interesse de entender os indígenas no contexto contemporâneo. Um dos materiais que tive
acesso foi produzido por um discente da Pós-graduação em Ciências Sociais e o outro foi
elaborado por uma aluna do curso de Especialização em Antropologia Social da UFRN. Um
dos trabalhos, intitulado “Catu dos Eleutérios: Emergência indígena no RN”, de Fernandes
(2003), lidou com narrativas orais associando-as com a identidade indígena dos Eleotérios. Os
temas das narrativas foram dentre outros: “Comadre Florzinha”, “O Vulto do Rio”, “A
encruzilhada para ganhar no jogo do bicho”, “A fria alma do sogro”, “ O filho prometido a
mãe d’água”, “Canibalismo do menino fruto do incesto” e “Pai do Mangue”. A análise
realizada foi fundamentada em um trabalho de Walter Benjamim em que se refletiu a respeito
da categoria “narrador”. Assim, o que se põe em destaque dessa análise foi o fato do uso das
narrativas orais de forma naturalizada.
33



       O outro material produzido sobre os Elotérios foi elaborado por Guerra (2005), uma
monografia do curso de Especialização em Antropologia da UFRN em 2004. No trabalho,
percebe-se de início, uma disposição para se abordar a situação referente as duas populações
(os Eleotérios do Catu e os Mendonça do Amarelão, município de João Câmara) numa análise
sobre as questões étnicas pautados na perspectiva proposta por Fredrik Barth (1969). Não
obstante, a análise segue pelo mesmo caminho da anteriormente comentada. Apesar disso, a
autora demonstra uma preocupação com os processos sociais ao afirmar: “recentemente,
percebe-se uma nova forma de comportamento desses indivíduos, os quais vêm
demonstrando, de forma crescente, que estão dispostos a reivindicar oficialmente, o
reconhecimento de uma identificação indígena”. (Guerra, 2005).           A semelhança com o
trabalho de Fernandes (2003) está na relevância dada as narrativas orais de seres “encantados”
como uma “prova” da identidade indígena. Elas são tratadas como autêntica memória
indígena. Foram destacadas também no ensaio as narrativas referentes a “Avós pegas a dente-
de-cachorro nas matas”, que comentarei no capítulo terceiro deste trabalho, quando irei
abordar a “semântica da etnicidade”.
       Assim, a temática indígena foi recolocada no debate e tornou-se objeto de interesse
para alguns pesquisadores das Ciências Sociais e da Antropologia na UFRN. Ademais, pude
constatar, em arquivos pessoais de militantes da questão indígena no Estado, matérias
jornalísticas publicadas localmente desde o ano de 1999. Seu principal argumento apontava a
falta de interesse dos pesquisadores pelas temáticas étnicas e, ao mesmo tempo, sugerindo a
existência de indígenas no Rio Grande do Norte.

       O contexto ora apresentado pode ser caracterizado como um contexto de disputas
sociais que, ao envolver categorizações, permite ser apreendido como uma “luta das
classificações”. Concorda-se aqui com o que formulou Pierre Bourdieu (2005) sobre as lutas
pela definição da identidade “regional” ou “étnica”, qual seja, como uma forma particular de
luta das classificações: “são lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar e conhecer e
de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este
meio, de fazer e desfazer os grupos”. Para pensar a situação social dos Eleotérios, preferi
considerar o amplo contexto em que ocorreu as interações destes com diversos atores sociais.
A literatura com a qual o trabalho dialoga mais sitematicamente são as análises
processualistas. Estarei me apoiando na literatura sobre etnicidade, dentre outros: Barth
([1969] 2000); Oliveira (1988; 1999; 2002; 2004); Ahmed (1982), Almeida (2002), Andrade
(2002), Arruti (2004); Barreto Filho (1992); Valle (1993; 2005), e Santos (2003).
34



Apresentando a dissertação


       No primeiro capítulo darei atenção a alguns estudos realizados sobre o período
colonial no Rio Grande do Norte. Tentarei elucidar, com respaldo em fontes históricas, os
processos de territorialização ocorridos no estado (século XVIII). Chamarei atenção para
determinadas idéias explicativas dos processos de formação nacional e a compreensão do
“desaparecimento” do indígena no Estado, explicado através da “dissolução étnica”
decorrente da “miscigenação” com outras populações. Ainda neste capítulo, irei fazer
referência aos censos populacionais do IBGE. Mostrarei como essas fontes vieram chamar
atenção de pesquisadores e militantes, ao apresentarem dados estatísticos sobre a Declaração
Indígena no RN (Cor/Raça 1990 e 2000). Discutirei ainda as relações históricas mantidas
entre os moradores do Catu e proprietários de engenhos da região; o que permitirá elucidar as
formas sociais, políticas e econômicas em que foram inseridos mais amplamente.
       Em 2005, o Museu Câmara Cascudo oficializou a criação do “Grupo Paraupaba de
Estudos e Pesquisas das Questões Étnicas no Rio Grande do Norte”. Diversas atividades têm
sido realizadas em prol dos ditos “remanescentes” a fim de chamar atenção da sociedade
potiguar de modo mais geral. Dessa forma, a análise desse cenário e da confluência de
interesses e posições antagônicas sobre a questão indígena no estado serão exploradas no
segundo capítulo, em que tratarei de descrever a intervenção dos diversos atores, índios, não-
índios e das agências, retratando o processo de formação de um “campo de ação indigenista”.
Proponho-me ainda, a analisar de que forma tais interações produzem e são (re)produzidas no
processo de construção da etnicidade dos Eleotérios mobilizados em torno da objetivação de
uma identidade étnica. Apresentarei também, no segundo capítulo, notas sobre a organização
familiar, social e políticas dos Eleotérios. Farei uma discussão relacionada à terra e ao meio
ambiente, quando irei me referir às apropriações dos espaços produtivos no Catu. Discutirei
sobre os interesses dos diversos atores sociais implicados naquela situação, envolvendo os
Eleotérios, os militantes da questão indígena, os pesquisadores, as usinas, os órgãos
ambientais (IDEMA, IBAMA) e os posseiros. Dessas relações, darei destaque ao discursos
dos Eleotérios mobilizados etnicamente, procurando entender suas próprias demandas frente
às ações priorizadas pelo campo de ação indigenista.
       No terceiro capítulo, elucidarei as formas de referências identitárias afirmadas pelos
Eleotérios e discutirei também o que seria o campo semântico da etnicidade. Analisarei os
conteúdos semânticos operados pelos Eleotérios com objetivo de atestar ou descartar uma
identidade étnica mais específica. Embora, as categorias do discurso não sejam o principal
35



acionador da etnicidade (de fato, não poderiam mesmo ser de modo exclusivo) ajudam a
compreender a associação de uma série de fatores tanto políticos como culturais e simbólicos.
Assim, darei atenção aos usos específicos dos conteúdos étnicos operados pelos Eleotérios,
bem como por outros agentes sociais. Nesse tópico serão apresentados ainda, temas
relacionados a organização da memória social.
       No quarto capítulo, apresentarei uma etnografia do contexto de “passagem” da
situação dos Eleotérios para uma questão pública mais ampla, (uma questão indígena)
significando o aparecimento de demandas étnicas, tanto para a sociedade potiguar quanto para
a agência indigenista federal, a FUNAI. Também, neste capítulo, tratarei de analisar outros
possíveis investimentos étnico-culturais agenciados pelos Eleotérios nesse processo específico
de construção da etnicidade.
36



2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE O RIO GRANDE



         Neste capítulo, apresentarei informações históricas sobre a região onde a pesquisa foi
desenvolvida. A intenção é mostrar, além da formatação de uma história oficial,                             a
composição de um “campo discursivo” relacionado aos indígenas do Rio Grande do Norte.
Esse campo político e intelectual oscilava nas análises construídas entre a perspectiva
culturalista, a antropologia física e abordagens de cunho arqueológico33. No Rio Grande do
Norte, a bibliografia sobre os índios encontra-se situada basicamente na literatura
historiográfica, a exemplo de Câmara Cascudo, Olavo de Medeiros, Medeiros Filho, Tarcísio
Medeiros. Os estudos desenvolvidos mais recentemente, sobretudo, ainda tratam dos
indígenas numa discussão de caráter histórico. Um dos pontos consensuais encontrados nesses
estudos foi a asseveração de que os índios foram dizimados gradualmente a partir do século
XVIII.
         A pesquisa bibliográfica sobre os indígenas do Nordeste e, especificamente, do Rio
Grande do Norte veio a confirmar o uso em especial dos relatos dos cronistas (XVI e XVII)
ou dos naturalistas viajantes, tais como os escritos deixados pelos holandeses como fontes
privilegiadas. Alguns desses relatos foram recuperados, traduzidos e continuam a ser muito
utilizados por pesquisadores, muitas vezes de forma acrítica. Um exemplo se pode ter nos
relatos construídos por Jacob Rabbi [1637] utilizados por Gaspar Barléu (1974) e que até hoje
continuam sendo reproduzidos pelos escritores, principalmente devido a relação do primeiro
com um conflito conhecido como “Guerra dos Bárbaros”, ocorrido no Rio Grande. Outra
referência proveniente do período holandês no Nordeste são os relatos de Elias Herckmans
[1639] publicados em 1886. Esses relatos aparecem como as fontes primárias mais
consultadas por estudiosos que buscam se aproximar do tema indígena.

         Segundo Arruti (1996), uma outra perspectiva comumente encontrada na literatura
historiográfica e também folclorista, na primeira metade do século passado, envolvia a
procura por “remanescentes” indígenas ou por traços culturais de grupos indígenas “extintos”

33
   Sobre a idéia de “campo discursivo” corroboro com a formulação analítica elaborada por Michel Foucault
(2002). Meu objetivo não é prosseguir uma análise propriamente foucaultiana, mas, sobretudo, indicar ao leitor
uma referência que considero ao lidar com tal categoria. Apesar de que, considerei em minha análise e, dei
atenção às formas que se instauraram os discursos sobre os indígenas no RN, (quando considerei as fontes
textuais que abordam o tema), ou seja, fazendo uso dos termos de Foucault “as suas condições de emergência ou
suas condições de produção”. A grosso modo, pode-se afirmar que o “campo discursivo” envolve um campo
intelectual e político permeado dialogicamente de enunciados e sugere ainda, inúmeras relações mais amplas,
situadas dentro e fora de tais práticas discursivas; “um campo enunciativo cuja configuração compreenderia,
também, formas de coexistência”. Para maiores detalhes, ver: A Arqueologia do saber (2002) p. 23-122 passim.
37



do Nordeste. Essa perspectiva estava pautada, em larga medida, na busca por “curiosidades
folclóricas em rápido desaparecimento que poderiam ajudar a entender a composição mais
ampla do folclore nordestino e, conseqüentemente, parte da cultura nacional34”.

        O interesse em catalogar expressões culturais consideradas quase perdidas pelos
chamados folcloristas, poderia, por exemplo, explicar o interesse de Mário de Andrade, ao
viajar pelo Nordeste no final dos anos de 1920. No final dessa década, o contemporâneo de
Câmara Cascudo esteve em Natal, Cunhaú e Goianinha onde se hospedou no engenho Bom
Jardim (um dos limites do Catu ao Norte) e Penha (Andrade, 2002 p.251)35. Nessa viagem,
conheceu Chico Antonio, imortalizado em sua obra. Chico Antonio foi cantador de versos
(cocos) embalados por um instrumento denominado Ganzá. Ao descrever a cidade de Penha
[atualmente Canguaretama], Mário de Andrade observou, “(...) uma rua larga de casinhas
pobres, asfaltada de folhas de carnaúba que o pessoal trabalha (...)”. Da visão sobre os
trabalhadores dos engenhos, teceu vários comentários. Mário de Andrade deixa entrever que
para ele apresentava algo folclórico, qual seja:


                         Pela porta do engenho escurentada mais pela força da luz de fora, dois homens
                         altos vêm, um na frente, outro atrás, rituais, eretos, no sempre passo miudinho
                         e dançarino dos “brejeiros” (gente do brejo). Carregam a “padiola” com os
                         bagaços da cana já moída. Trazem apenas a calça e o chapéu de palha de
                         carnaúba, chinesíssimos na forma. E que cor bonita a dessa
                         gente!...Envergonha o branco insosso dos brancos...Um pardo doirado, bronze
                         novo, sob o cabelo índio às vezes, liso quase espetado (ANDRADE, 2002
                         p.241).


        A leitura feita pelo modernista aproximava os moradores das cidades e povoados da
região trabalhadores dos engenhos, com a imagem (já diluída) do indígena. Sobretudo, a partir
dos traços físicos como a cor e a textura do cabelo. Nesse caso, as categorias culturais como a
de “homem brejeiro” expressou uma identificação social constituída com um tipo de vida,
relacionada ao local de nascimento, de moradia, denominado “brejo”.




34
   Cit. Loc. P. 12.
35
   O movimento folclorista repercutiu amplamente no Rio Grande do Norte, tendo como figura exponencial Luís
da Câmara Cascudo. De acordo com Tarcísio Medeiros “Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar,
sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular ou pela imitação e que não sejam diretamente
influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio
científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica”. (Medeiros apud Carta do
Folclore Brasileiro- I Congresso Brasileiro de Folclore, 1973 p.247).
38



2.1 OS INDÍGENAS NAS FONTES HISTÓRICAS


         Se buscarmos referências sobre os índios do Rio Grande do Norte na literatura
histórica autorizada, iremos seguramente nos deparar com um judicioso consenso histórico e
político acerca do “desaparecimento” indígena no Estado. Esse ponto de vista, assegurado em
parte por uma visão determinista da História, é demonstrado largamente na literatura histórica
voltada para a história da colonização, produzida a partir da segunda metade do século XX. O
“desaparecimento” indígena foi apreendido como uma constatação histórica definida
progressivamente entre os séculos XVII, XVIII e XIX. Tornaram-se recorrentes naquele tipo
de produção historiográfica, de cunho culturalista as afirmativas minimizadoras tanto da
presença indígena como africana na formação sócio-cultural da população do Rio Grande do
Norte.
         Nessa tendência de refletir sobre o passado, revela-se ainda, uma intenção de produzir
versões da história apreendida num processo linear, uma história reveladora de fatos e
silenciada, em se tratando dos sujeitos. Uma geração de pesquisadores do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) concordaram com a versão do
“desaparecimento” do indígena no Rio Grande do Norte. Dentre eles, Tavares de Lyra,
(1920), Luís da Câmara Cascudo (1955), Olavo de Medeiros (1997), Tarcísio de Medeiros
(1973), Vicente Lemos Medeiros (1980) convergem nessa explicação. Boa parte de suas
produções atendia, aliás, às solicitações do Governo Federal para organização de uma
memória oficial. A tese sustentada de que o “desaparecimento” progressivo iniciando-se com
a chamada Guerra dos Bárbaros (séculos XVII e início do século XVIII), atingindo seu ápice
na continuidade do século XIX, especialmente com a ocupação extensiva dos sertões, o
fechamento das missões de índios, as secas e epidemias. Mas, por outro lado, o caráter
daqueles “tipos raciais” sobreviveria através dos processos de miscigenação ocorridos com
outros grupos sociais (MEDEIROS, 1973). Um exemplo que sustenta destacadamente essa
tese pode ser encontrado nas obras de Luis da Câmara Cascudo (1955;1968;1980).


                       (...) Quem vê os registros paroquiais do século XVIII constata a procissão
                       ininterrupta dos óbitos de caboclos, de índios, quase todos meio plantadores,
                       meio mendigos, desajudados, desajustados e caminhando para o
                       aniquilamento final (CASCUDO, 1955 p.38).


         Ou, então, nesse seguinte trecho da mesma obra:
39



                              (...) É o período em que ocorre o povoamento do interior, criação das capelas,
                              multiplicação dos currais e desaparecimento do indígena (CASCUDO, 1955 p.
                              49).


            Em outras palavras, tal posicionamento é repetido na asseveração de Tarcísio
Medeiros (1973):
                              O extermínio do gentio ocorreu em virtude daquelas guerras, epidemias de
                              varíola e crises climáticas periódicas, de sorte que, no cruzamento entre as três
                              raças que entram na formação histórica, a raça primitiva passou, desde então, a
                              fornecer o menor contigente, especialmente no final do século XVIII, na
                              região agrícola, onde foram assimilados, em maior número, os negros e
                              mulatos. (CAPISTRANO DE ABREU (1954) apud MEDEIROS, 1973 p. 58)


           Um elemento destacado por Valle (2005) em estudo antropológico acerca da
“comunidade quilombola Acauã” sobre os estudos referentes a índios e negros no RN,
podendo ser estendido às interpretações dessa geração de historiadores, consistiu na
composição culturalista e racialista evidentes em suas explicações. Fez referência aos esforços
de Franz Boas (1858-1942) em refutar os esquemas de hierarquização racial presente nos
modelos das teorias evolucionistas. Segundo Valle (2005), no Brasil, foi Gilberto Freyre
quem desdobrou a perspectiva do relativismo cultural pensada por Boas: “(...) Sobretudo, que
readptou os argumentos boasianos a favor da cultura como categoria analítica substancial para
se entender as diferenças humanas36”. Ao que indica, essas idéias foram também
compartilhadas por Capistrano de Abreu, em quem se apoiou Tarcísio de Medeiros.
           Quando Luis da Câmara Cascudo afirmou que: “em três séculos toda essa gente
desapareceu”, colocava-se uma compreensão sobre os processos de mudança social e
“miscigenação” vistos numa relação entre pureza/mistura, força/fraqueza seriam elementos de
comprovação do que foi chamado pelo autor de “dissolução étnica37”. De acordo com
Cascudo, as guerras, as epidemias, as leis coloniais e provinciais, a expulsão das terras foram
responsáveis por esse “desaparecimento”. Na verdade, há de se considerar que a produção
“científica” sobre a história do Rio Grande do Norte, em meados do século XX, esteve
bastante comprometida, com os discursos oficiais. Verifiquei, ao revisar o livro “História do
Rio Grande do Norte”, de Luiz da Câmara Cascudo (1955), o uso de um mapa populacional
divulgado pelo então governador da Câmara da Capitania, Francisco de Paula Cavalcanti de
Albuquerque, entre o período de 1806 e 1811.



36
     Ibid. 25-26.
37
     Cascudo. op. cit. , p. 40, 42.
40



          Quadro 1 – Mapa populacional do RN (1806-1811)
             Brancos             Pretos            Pardos              Indígenas
                                                  (mulatos)
         Homens: 8.593     Homens: 4.186       Homens: 9.550    Homens: 2.514
         Mulheres:         Mulheres: 4.006     Mulheres:        Mulheres:
         8.307                                 9.508            2.526
         Total: 16.900     Total: 8.192        Total: 19.058    Total: 5.040

                          População total: 49.190
        Fonte: Cascudo (1955 p. 130, 131)38


          Não sei se poderia concluir como uma contradição do autor, o fato da divulgação
desse mapa no mesmo período em que o próprio afirmava o “desaparecimento” indígena.
Seria o “desaparecimento” uma estimativa futura, diante da excessiva atenção aos números e
às classificações censitárias? Pode-se observar que o Rio Grande do Norte contava com uma
população classificada em quatro categorias raciais, uma delas bipartida (pardos), que possuía
duas denominações, (in)definidas, que já denotava uma tentativa de classificação arrogando a
idéia de mistura. O próprio Tarcísio Medeiros chegou a notar a supressão da categoria
“indígena” nos censos gerais do Brasil (Séc. XIX) e elucidou “é bem provável que tenham
sido incluídos no rol dos “pardos” (1973 p. 73).
          Para Oliveira (1999), a categoria “pardo”, ao ser instituída nos censos, revelou,
sobretudo, uma “apologia à mistura” e ressaltou a “mobilidade, a assimilação e a
miscigenação”, como fundamentos necessários para a composição de uma sociedade moderna
e democrática. Concordo com o autor quando entendeu, o uso da categoria “pardo”, como um
esforço de legitimação do discurso da mestiçagem, “seu objetivo primordial é apontar a
existência da mistura – ou seja, de um entrecuzamento entre diferentes categorias [...]” (Ibid.
135). A partir dos números relacionados a essa categoria no Rio Grande do Norte, pensou por
exemplo, as diferentes situações em que se aplicou tal categoria. Por exemplo, no censo
populacional de 1940, os “pardos” representavam 43% da população total do Estado e, em
1980 passou a ser a categoria dominante com 56,7% da população. O autor sugeriu que essa
categoria “residual” pode ser justificada, “em virtude de sua facilidade de registro e por
possuir menores conotações estigmatizantes (racistas e segregacionistas)” (Ibid, 133). Sendo
assim, a cautela relacionada ao uso da categoria “pardo” ocorreria:


                          Dada a grande heterogeneidade externa da categoria censitária “pardo”,
                          não é possível explicar tais variações exclusivamente pela análise
38
     CASCUDO, Luiz da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 1952.
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"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios

  • 1.
  • 2. CLAUDIA MARIA MOREIRA DA SILVA “...EM BUSCA DA REALIDADE...”: A EXPERIÊNCIA DA ETNICIDADE DOS ELEOTÉRIOS (CATU/RN) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para à obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Processos Sociais, Cultura e Identidades. Orientador: Prof°. D°. Carlos Guilherme Octaviano do Valle. NATAL 2007
  • 3. Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Silva, Claudia Maria Moreira da. “...Em busca da realidade...” : a experiência da etnicidade dos Eleotérios (Catu/RN) / Claudia Maria da Silva. - RN, 2007. 271 f. Orientador: Prof. Dr. Carlos Guilherme Octaviano do Valle. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de de Pós-graduação em Antropologia Social. Área de Concentração: Cultura, Identidade e Representações Sociais. . 1. Etnicidade – Dissertação. 2. Indigenismo – Dissertação. 3. Etnogênese Dissertação. 4. Eleotérios – Catu (RN) – Dissertação. I. Valle, Carlos Guilherme Octaviano. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BSE-CCHLA CDU 39
  • 4.
  • 5. À meu pai João José da Silva (IN MEMORIAM) À Juvenal e Pedro Inácio (IN MEMORIAM) Ilustres Eleotérios. Dedico
  • 6. AGRADECIMENTOS Na verdade, são inúmeras as pessoas que deveriam estar relacionadas nesta lista. No entanto, deparo-me com um obstáculo concreto: a falta de espaço. Sem querer, porém, minimizar as contribuições de todas, inclusive, daquelas que talvez nem possam imaginar o valor de sua atenção, dicas, gentilezas. Eu tentarei alcançá-las ao exprimir meu reconhecimento. O exercício da criação desta lista remeteu-me a diversos momentos dessa travessia, como, por exemplo, a vivência da pesquisa de campo, as mudanças acompanhadas nas vidas das pessoas. Então, percebi que estava próximo de cumprir mais uma etapa em minha formação profissional e, porque não dizer, da minha vida. Agradeço ao orientador Carlos Guilherme Octaviano do Valle, por ter aceitado conduzir comigo este estudo. Referencio-o pelas competentes orientações durante todo processo de desenvolvimento deste. Orientações estas que contribuíram intensamente para meu crescimento intelectual e profissional. Ao coordenador do Curso de Ecologia da UFRN, Aristotelino Araújo, pela atenção dispensada durante a fase de elaboração do anteprojeto de pesquisa. A CAPES, pelo apoio financeiro que possibilitou a pesquisa e minha dedicação exclusiva ao curso de Mestrado. Aos professores do Departamento de Antropologia, principalmente, Luiz Assunção, que contribuiu nessa reflexão e em minha formação como um todo. À professora Julie Cavignac, pelos diálogos que antecederam ao meu interesse pela problemática pesquisada. Ao professor Edmundo Pereira, pelo apoio e pelas valiosas dicas de leitura, assim como as suas sugestões, sempre inteligentes. Aos meus colegas de turma do Mestrado (2005), pelas contribuições durante as sessões de aulas, quando podíamos dialogar sobre nossas pesquisas. Ao secretário do DAN/UFRN, Adriano Aranha Freire pela atenção e cuidados e à secretária do PPGAS/UFRN, Ana Elvira. Aos funcionários da Biblioteca Setorial do CCHLA/UFRN, pelas orientações e atenções dispensadas, certamente, essenciais ao sucesso da pesquisa bibliográfica e demais etapas do trabalho.
  • 7. Às funcionárias da biblioteca do Museu Nacional (PPGAS/UFRJ), Maria Helena e Carla, por se mostrarem tão atenciosas e profissionais. Do Museu Nacional, agradeço, ainda, aos professores Adriana Vianna e Luiz Fernando Duarte, pela atenção e contribuições. Ao professor João Pacheco de Oliveira, pelas incríveis contribuições a este trabalho. Agradeço, também, à atenção dispensada durante minha estadia no Museu Nacional e aos acessos que me foram tão valiosos. Agradeço ao Diretor do Arquivo Nacional, Sátiro Lopes, pelas contribuições e atenção à pesquisa documental que desenvolvi na instituição, e a todos os funcionários com quem pude trabalhar no arquivo durante a fase da pesquisa histórica documental. Ao professor Francisco Alves Galvão Neto e o seu pai, João Alves, pelas contribuições sobre a história da região Sul. Ao padre Armando de Paiva, vigário de Goianinha, pelo acesso ao seu acervo pessoal, que foi de extrema importância. A Nássaro Nasser, pela atenção e disponibilidade, fico-lhe muito grata. A Guru, pelo acesso aos documentos da agência ambiental do RN (IDEMA). A dona Nô e Silvina, que me hospedaram em sua casa durante a pesquisa de campo e pelos detalhes corrigidos neste trabalho. Às suas filhas, Valda e Viana, que contribuíram com seu apoio, informações, além da amizade. A Vando, a sua esposa Dora e aos seus filhos, Nascimento, a sua esposa Santana, Deca, Chão, Júnior, Luiz, Adriana, dona Jandira, Marlizabete, as duas Geraldas, Luiz Carlos, Manoel Luca, enfim, tantos outros Eleotérios que compartilharam comigo a elaboração desta dissertação. A Josimar, Dó e Antonio, pelos deslocamentos (moto-táxi) que fazíamos da cidade ao Catu ou vice-versa, em algumas etapas da pesquisa de campo. A minha família, pela força e carinho que me dispensaram nessa trajetória. A Cacau Arcoverde, Lula Moreira, Luíza, a tia Lourdes, Chico, Thiago e, especialmente, a minha mãe, Neusa Moreira, acolhimento constante nos momentos mais difíceis. A Cyro Almeida e Stéphanie Campos, amigos de sempre. Marcos Queiroz (Marquinhos) e a Sandro Cordeiro, pelas contribuições inestimáveis. Ás amigas, Fabíola, Eduarda, Elizabete Medeiros, Heloísa, Tati, Janaína, Eloi, Jaína, e aos amigos do Setor seis, pessoas com quem pude falar sobre meu trabalho em momentos inusitados. A Andreas F. Hofmann, pela compreensão e respeito e pelas importantes contribuições técnicas em vários momentos durante a elaboração dessa pesquisa. Agradeço, ainda, a Helmut e Christhel Hofmann, pela torcida.
  • 8. Uma voz a guiava por uma estrada de barro em meio ao canavial. Depois de muito andar, intrigada com a realidade encontrada, decidiu ir embora. Mas, antes que se distanciasse, um menino se aproximou com um recado: meu pai disse que você levasse esse negócio daqui, porque ele não sabe mais usar, e entregou-lhe alguns objetos. (Claudia Maria Moreira da Silva, 2005)
  • 9. RESUMO A região sul do Rio Grande do Norte tem sido, historicamente, reconhecida como lócus de antigos aldeamentos indígenas. Os habitantes das margens do rio Catu, divisa entre os municípios de Canguaretama e Goianinha, os Eleotérios, no limiar do século XXI, passaram a ser vistos e a se auto reconhecer como “remanescentes indígenas” do RN. As suas mobilizações étnicas, ao se tornarem públicas, colocaram no campo intelectual e político uma antiga questão a ser refletida: as asseverações acerca do “desaparecimento” indígena no Estado. Tal item traz em si outras implicações. Acessados por um indigenismo pára-oficial, os Eleotérios passaram a estabelecer relações políticas com os índios Potiguara da Baía da Traição/PB, Movimento Indígena. Diante disso, eles sentiram-se estimulados a produzir e a (re)produzir formas de diferenciação social. Nesse contexto, a pesquisa, aqui exposta, envereda no sentido de elucidar o processo de construção da etnicidade dos Eleotérios, vistos a partir das relações sociais e políticas mantidas com a sociedade mais ampla, situadas numa determinada situação histórica, envolvendo usineiros, posseiros, militantes, pesquisadores, agências ambientais. Os efeitos destas relações sociais e políticas se ampliaram, fazendo com que os Eleotérios aparecessem para sociedade como atores sociais suscetíveis às políticas específicas das populações indígenas. Palavras-chave: Etnicidade. Indigenismo. Etnogênese.
  • 10. ABSTRACT The south region of the Rio Grande do Norte has been historically recognized as a place of old indian villages. Inhabitants of the edges of the Catu River, border between the cities of Canguaretama and Goianinha, the Eleotérios in the threshold of 21st century had passed to be seen and self recognized as "remaining indians" of the RN. Their ethnic mobilizations, when becoming public had placed to the intellectual and political fields an old question to be reflected on: the asseverations concerning the "indian disappearing" in the State. This item brings with it other implications. Accessed by a para-oficial indigenism, the Eleotérios had started to establish political relations with the Potiguara indians of the Baía da Traição/PB and the Indian Movement, feeling stimulated to produce and to reproduce forms of social differentiation. In this context, this research is worried about elucidating the process of construction of the ethnicity among the Eleotérios, percepted from the social relations and politics kept with the amplest society, into a particular historical situation involving sugar cane fields’ owners, proprietaries, militants, researchers, ambiental agencies. The effects of these political and social relations had been extended, making Eleotérios appear to the society as susceptible social actors to the specific policies for the aboriginal populations. Key-words: Ethnicity. Indigenism. Ethnogenesis.
  • 11. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Fotografia 1 – Entrada principal do município de Vila Flor....................................................14 Fotografia 2 – Escultura “massacre de Cunhaú”......................................................................15 Croqui 1 – Comunidade Catu dos Eleotérios............................................................................17 Quadro 1– Mapa demográfico do RN (1806-1811) .................................................................40 Mapa 1 – Aldeias Indígenas no Rio Grande (1598-1630)......................................................46 Mapa 2 – Aldeamentos e Vilas no Rio Grande.......................................................................51 Fotografia 3 – Cotidiano no Rio Catu.......................................................................................80 Croqui 2 – Nesgas de terra no Catu..........................................................................................81 Fotografia 4 – Fazendo carvão no arisco..................................................................................82 Croqui 3 – Esboço da ocupação histórica do Catu...................................................................84 Gráfico 1 – genealogia dos Eleotérios......................................................................................92 Gráfico 2 – genealogia dos Eleotérios......................................................................................96 Gráfico 3 – genealogia dos Eleotérios....................................................................................100 Fotografia 5 – Acesso principal ao centro de Canguaretama (Br 101)..................................126 Quadro 2 – Eventos/ temática indígena no RN.......................................................................140 Fotografia 6 – Os Eleotérios e os índios Potiguara (Aldeia Três Rios) Baía da Traição/PB..189 Fotografia 7 – Audiência Pública............................................................................................201 Fotografia 8 – Público da Audiência Pública..........................................................................202 Fotografia 9 – Jovens do Catu apresentado o toré (Natal/RN)...............................................225 Fotografia 10 –“O casamento da moça” (Natal/RN)..............................................................226
  • 12. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AP – AUDIÊNCIA PÚBLICA APA – ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL APOINME – ASSOCIAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE, MINAS GERAIS E ESPÍRITO SANTO ACMVC – ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DOS MORADORES DO VALE DO CATU CCHLA – CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES CEPI – CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS INDÍGENAS CIENTEC – SEMANA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E CULTURA DA UNIVERSIDA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CIMI – CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO CODEM – COORDENADORIA DOS DIREITOS HUMANOS E DAS MINORIAS COEPPIR – COORDENAÇÃO ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DLIS – DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO SUSUTENTÁVEL FUMAC – FUNDO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA COMUNITÁRIA FUNAI – FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO FJA – FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO GT- GRUPO DE TRABALHO IBAMA – INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IDEMA – INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE NAC – NÚCLEO DE ARTE E CULTURA MCC – MUSEU CÂMARA CASCUDO MST – MOVIMENTO RURAL DOS TRABALHADORES SEM TERRA MI – MOVIMENTO INDÍGENA RN – RIO GRANDE DO NORTE SEAMPO – SETOR DE ESTUDOS E ASSESSORIA A MOVIMENTOS POPULARES SEBRAE – SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS SEJUC – SECRETARIA ESTADUAL DE JUSTIÇA E CIDADANIA SEPPIR – SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL SPI – SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS UFRN – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFPB – UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
  • 13. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................12 2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE O RIO GRANDE 2.1 OS INDÍGENAS E AS FONTES HISTÓRICAS ...........................................................38 2.2 ALDEAMENTOS E MISSÕES NO RIO GRANDE: PROCESSOS HISTÓRICOS E TERRITORIALIZAÇÃO................................................................................................43 2.2.1 O encerramento das missões: as vilas de índios..............................................................53 2.3 CATU E OS ANTIGOS ENGENHOS DA REGIÃO: O TEMPO DOS CORONÉIS E “DOUTORES”........................................................................................57 2.4 OS CENSOS POPULACIONAIS COMO FONTES ANALÍTICAS ............................68 3 CATU DOS ELEOTÉRIOS: ORGANIZAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E ETNICIDADE 3.1 OS ELEOTÉRIOS NO CATU........................................................................................76 3.2 CARTOGRAFIAS DO CATU: UMA VISÃO SÓCIO-CULTURAL...........................83 3.3 NOTAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR, SOCIAL E POLÍTICA DOS ELEOTÉRIOS................................................................................................................88 3.4 TERRA, MEIO AMBIENTE E MOBILIZAÇÃO POLÍTICA....................................103 3.5 A POLÍTICA LOCAL, SERVIÇOS PÚBLICOS E ASSOCIATIVISMO..................116 3.6 A FORMAÇÃO DO CAMPO DE AÇÃO INDIGENISTA NO RIO GRANDE DO NORTE.........................................................................................................................124 3.7 FORMANDO UMA “MILITÂNCIA” INDIGENISTA...............................................132 4 A SEMÂNTICA DA ETNICIDADE: UM OLHAR DE “DENTRO” E DE “FORA” 4.1 O ETNÔNIMO E OS MODOS DE REFERÊNCIA IDENTITÁRIA: “SOU CATUZEIRO” ..............................................................................................................146 4.2 ETNICIDADE E SEMÂNTICA..................................................................................159 4.3 OS USOS ESPECÍFICOS DA SEMÂNTICA DA ETNICIDADE..............................165 4.4 A MISTURA: UMA FORMA DE COMPREENÇAO ESPECÍFICA.........................173 4.5 OS ELEOTÉRIOS E A ORGANIZAÇÃO DA MEMÓRIA SOCIAL.........................175 5 AS FORMAS DE PRODUÇÃO DA ETNICIDADE 5.1 A VIAGEM DOS ELEOTÉRIOS À BAÍA DA TRAIÇÃO E O JOGO DO RECONHECIMENTO...................................................................................................183 5.2 A EMERGÊNCIA INDÍGENA COMO UMA QUESTÃO PÚBLICA........................194 5.3 REPERCUSSÕES SOCIAIS E POLÍTICAS DA ATUAÇÃO MILITANTE: AWÁ E A REPRESENTAÇÃO DO ÍNDIO GENÉRICO..............................................................210 5.4 PARÂMETROS DA MOBILIZAÇÃO ÉTNICA: APROXIMAÇÕES COM O MOVIMENTO INDÍGENA (MI)..................................................................................214 5.5 O AGENCIAMENTO MILITANTE E O “TUPI-GUARANI”....................................218 5.6 OS ELEOTÉRIOS E AS REELABORAÇÕES CULTURAIS.....................................221 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................227 REFERÊNCIAS............................................................................................................235 ANEXOS......................................................................................................................244 APÊNDICES.................................................................................................................267
  • 14. 12 1 INTRODUÇÃO Pode-se afirmar, sem o propósito de ter um esquema cronológico muito rígido, que os Eleotérios do Catu foram acessados pela militância indigenista e passaram a buscar interações mais sistemáticas com índios e não-índios a fim de apoio político desde o ano de 20021. É pertinente deixar explícito, já na apresentação deste trabalho, a expressão a que recorri ao atribuir o seu título. “Em busca da realidade” foi uma expressão repetida diversas vezes por Manoel Serafim Soares Filho, conhecido também por Nascimento ou Bifa, explicando o motivo de sua viagem à Baía da Traição (PB)2. Essa interação significava, para aquele ator social, uma possibilidade de resposta aos seus próprios questionamentos em torno da confirmação de sua identidade étnica. Embora meu conhecimento de tal expressão tenha ocorrido nos primeiros contatos com a situação pesquisada durante o ano de 2003, não lhe conferi devida atenção na época. Em 2006, com a pesquisa etnográfica aprofundada, voltei a escutar a mesma expressão de um índio Potiguara em outro contexto. Nesse sentido, chamou a atenção como um termo nodal para compor este esforço investigativo. Primeiramente, ensejo destacar o aproveitamento do termo no discurso de Nascimento. Em 2002, ele e seu primo Vandregercílio Arcanjo da Silva, conhecido no Catu por Vando, viajaram à Baía da Traição visando estabelecer contatos com os Potiguara3. Nessa ocasião, os Eleotérios foram apresentados como os “remanescentes indígenas” do Rio Grande do Norte. Essa viagem foi conduzida por um militante da questão indígena, funcionário da Fundação José Augusto (FJA) instituição responsável pela política cultural do Governo do Estado4. Em 2006, quando entrevistava uma liderança Potiguara citada nos relatos dos Eleotérios sobre aquela viagem, Seu Djalma, obtive contato com a mesma expressão. Ele pronunciava “tirar a realidade” para explicar os contextos de interação com as pessoas que se diziam indígenas e buscavam uma ‘aprovação’ de tal identidade, sendo os Potiguara os responsáveis pela sua 1 Na ocasião da defesa, uma das contribuições que recebi da banca examinadora feita pelo prof. Edmundo Pereira referia-se ao uso da expressão “Eleotérios” sem adicionais explicativos. Sendo assim, por considerar a observação pertinente, indico quando uso essa expressão me remeto, sobretudo, a uma suposta unidade construída pelo pesquisador. Tendo em vista o empenho em desenvolver uma análise situacional. Esclareço o leitor, que no plano interno os núcleos habitacionais dos Eleotérios são organizados de acordo com a lógica familiar, os Simão, os Canário, os Serafim etc. Essas famílias são conhecidas externamente como os “Lotero do Catu”. 2 Uso o recurso do itálico e aspas para destacar as expressões dos informantes. Para dar destaque às citações ou noções, utilizo aspas. O uso de aspas simples é como dou destaque a certas expressões e contextos ao longo do trabalho. 3 Vandregercilio Arcanjo da Silva, conhecido por Vando, era presidente da Associação dos Moradores do Catu, Auxiliar de enfermagem no posto local e professor da Escola Municipal João Lino Catu-Canguaretama. 4 Não significa dizer que a FJA possuísse alguma atuação política nas comunidades indígenas. Consistia um esforço individual de um funcionário apresentando-se com respaldo no vínculo institucional.
  • 15. 13 confirmação étnica. Os Potiguara destacam-se de forma expressiva no cenário político do Nordeste indígena, inclusive como membros da coordenação da Articulação de Povos e Organizações Indígena do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). Desse modo, minha intenção é, num primeiro plano, entender a situação histórica em que se assenta o processo de construção da etnicidade dos Eleotérios. Considerei as interações entre os Eleotérios e as lideranças indígenas, sobretudo, os Potiguara da Baía da Traição, bem como suas relações com autoridades governamentais. Da mesma forma, pretende-se aprender a condução dessa demanda por lideranças indígenas já consolidadas diante da auto-afirmação de uma identidade indígena. Apesar de viverem próximos à área indígena Potiguara, os Eleotérios nunca se relacionaram com a FUNAI. Todavia, este trabalho não considera, apenas, as relações entre os Eleotérios e os Potiguara. Procurarei compreender como os demais atores sociais (não-índios) se inserem nesse campo de relações, atuando em “modelos ou esquemas de distribuição de poder” (OLIVEIRA, 1988 p. 57). Darei atenção à composição de horizontes discursivos, e focalizarei, ainda, as formas de produção da etnicidade privilegiadas pelos Eleotérios, envolvendo tanto uma dimensão objetiva quanto subjetiva. As reivindicações étnicas dos Eleotérios aparecem como um problema relativamente novo para os estudos da etnicidade e, ao mesmo tempo, configurando uma forma de mobilização política até então incomum no cenário público do RN. Desde o estabelecimento das instituições públicas específicas de assistência e gestão de povos indígenas, tais como o SPI (Serviço de Proteção aos Índios) e a FUNAI, desconhece-se qualquer registro de sua atuação dessas agências no RN. Ademais, os discursos históricos oficiais (e políticos) destacam o completo “desaparecimento” dos indígenas do RN desde o século XIX. Este trabalho consiste numa abordagem da situação histórica de onde emerge o processo de construção da etnicidade dos Eleotérios. Apresento, sob um foco antropológico, os contextos nos quais atores sociais se posicionavam de forma positiva ou negativa, frente à afirmação de uma identidade étnica específica. Historicidade A região Nordeste compreende antigas áreas submetidas à administração colonial portuguesa a partir do século XVI. Por conseguinte, além da expansão territorial, fez-se necessária a administração das populações em toda a região. Os processos de territorialização impostos às populações das áreas de colonização mais antiga delinearam inúmeras mudanças, “afetando profundamente o funcionamento das suas instituições e a
  • 16. 14 significação de suas manifestações culturais” (OLIVEIRA, 2004 p.22) 5. De acordo com as fontes históricas consultadas, diversos aldeamentos missionários estavam localizados na região sul do RN, especificamente na área escolhida para pesquisa. Destacou-se o aldeamento e posterior missão Igramació (Vila Flor, Canguaretama e possivelmente, Goianinha) transformado em Vila de índios na segunda metade do século XVIII. De acordo com Lopes (2003), os aldeamentos no Rio Grande, sob controle dos jesuítas, passaram à administração dos carmelitas na primeira metade do século XVIII. Segundo a mesma fonte, tem-se conhecimento da população desses aldeamentos, que estavam povoados por indígenas classificados no tronco Tupi (possivelmente os Potiguara), mas recebiam também diversas etnias do sertão. Vivenciaram dessa forma, processos de territorialização específicos, envolvendo contextos pluriétnicos e culturalmente heterogêneos. Farei uma reflexão mais detalhada sobre a história indígena no Rio Grande do Norte no capítulo primeiro. Fotografia 1 - Entrada principal do município de Vila Flor Nas últimas décadas do século XX, determinados aspectos históricos da região foram ressignificados pelo poder público (Prefeituras e Governo), adotados em símbolos e referências da memória e do patrimônio cultural. Em Vila Flor, a Casa de Câmara e Cadeia foi tombada em 1964 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A 5 De acordo com Oliveira, a territorialização implica um “processo de reorganização social” que implica: i) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; ii) a constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; iv) a reelaboração da cultura e da relação com o passado” (2004, p.22).
  • 17. 15 igreja de Nossa Senhora do Desterro, fundada possivelmente por padres Carmelitas do convento da reforma do Carmo do Recife em 1743, é também um “lugar turístico”. Na década de 1980, a FJA reformou o prédio da casa de Câmara e Cadeia que vem sendo cuidada por um casal de moradores do município. De fato, o acesso principal à cidade reproduz a arquitetura colonial e indica a data de sua fundação (XVIII). Em Canguaretama, um evento histórico foi reapropriado pela memória oficial organizada pela Igreja Católica. É conhecido na literatura como o “Massacre de Cunhaú”, ocorrido no antigo engenho homônimo no século XVII6. Há quase uma década vem sendo organizada anualmente a encenação desse evento, representado através das figuras de indígenas, holandeses e portugueses. Promovida pela Igreja Católica na Fazenda Cunhaú, a teatralização do massacre é realizada por um grupo de jovens da cidade (Grupo de Teatro Ana Costa - GTAC). Os atos cenográficos relembram o massacre, reoxigenando a crença nos chamados mártires de Cunhaú, beatificados em cerimônia ocorrida no Vaticano, em março de 2000. Atualmente, existem esculturas de dois beatos em um dos acessos à Canguaretama. Fotografia 2 – Escultura “O massacre de Cunhaú” No acesso que liga Cunhaú à Pedro Velho, há uma escultura exibindo uma das imagens identificando o massacre: a figura de um índio ferindo um padre, quando os símbolos 6 Cunhaú pode até ser pensado inclusive como um “lugar de memória” (Pierre Nora apud FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: UPF, 2004, p. 49-50).
  • 18. 16 católicos eram consagrados perante os fiéis7. Algumas ruas e casas comerciais de Canguaretama receberam o nome a partir das datas e personagens envolvidos no episódio “sanguinolento” de Cunhaú. Temos, por exemplo, a escola municipal 16 de julho (suposta data do massacre) e a livraria Padre Soveral (nome de um dos mártires). 7 As três esculturas localizadas nos acessos ao município de Canguaretama foram financiadas pela Igreja Católica da cidade em virtude da mobilização pela beatificação dos “Mártires de Cunhaú” no final da década de 1990 e na primeira década do ano 2000.
  • 19. 17 Croqui 1 – Catu dos Eleotérios
  • 20. 18 O Catu: entre Goianinha e Canguaretama Os Eleotérios são famílias que vivem na microrregião litorânea sul do RN. A microregião dista uma média de 79 km de Natal. A denominação de “Catu dos Lotero” foi dada pelos regionais ao lugar onde vivem essas famílias. Dessa forma, ele é distinguido de outras áreas ao sul com a mesma denominação. Em Vila Flor, há o “Catuzinho”, denominado pelos Eleotérios de “Catu dos Rosário”. Quem vive no “Catu dos Lotero” costuma diferenciar e dividir os limites demarcadores de seu território através dos topônimos “Catu de baixo”, “Catu do meio” e o “Catu de cima”. Alguns regionais denominam de “Catu de Armando8”. Atualmente, o Catu é definido por alguns como “sítio”, uma classificação elaborada pelo IBGE e (re)apropriada pelos moradores do lugar. Nas relações sociais em contexto extra- local, alguns moradores se referem ao Catu descrito através do termo “comunidade”, mas que no plano local co-existem entendimentos específicos. Também faço uso de uma noção de comunidade e, nesse sentido, devo me explicar. Ao ser usado diversas vezes ao longo do texto, o termo “comunidade” exige uma conceituação9. Doris Rinaldi Meyer (1979) demonstrou os esforços de diversos autores, tais como E. Willems (1947), Cook (1938), Guidi (1961), Nogueira (1955), para definir o termo. Para alguns, comunidade se aproxima mais de limites geográficos, como base territorial e, para outros, está relacionado a um lugar integrado através de uma experiência comum, cujos moradores têm relativa consciência de sua unidade local. De acordo com a autora, pensar comunidade como espaço “só ganha significado quando percebida à luz de um sistema de relações sociais que articula não só elementos internos à comunidade, mas também esses elementos que lhe são externos”. MEYER (1979 p. 16). É por essa perspectiva, que pretendo me fazer entender quando trato o Catu como comunidade. No vale do Catu, está situada a nascente do rio homônimo unido ao mar no local denominado Sibaúma, que vem sendo referido atualmente como uma área “quilombola”. Ainda no século XIX, o rio Catu foi utilizado pela administração pública local para ser o marco da divisão política dos municípios de Goianinha e Canguaretama10. O “Catu dos Lotero” encontra-se entre o limite (margens do rio Catu) da municipalidade dos municípios de 8 Ver anexo A – Mapa de Canguaretama. 9 A partir desse esclarecimento passarei a usar o termo sem aspas. 10 De acordo com Nestor Lima (1990), em estudo sobre os municípios do Rio Grande do Norte publicou referências sobre o rio Catu “Que nasce nos taboleiros da “Matta do Marfim”, abaixo da nascença do rio pequery e divide o município com o de Goyaninha, dahi pra baixo. Tem um curso de 4 legoas no município, passa nos lugares: Catu de cima, Gruta do Bode, Maxixi, Marajá, Engenho Catu, ou Triumpho, Catusinho, Engenho Barraca e Entre Rios e faz barra no Atlântico no lugar “Sibaúma” (...)” (LIMA, 1990 p. 82).
  • 21. 19 Goianinha e Canguaretama, onde se encontra um número de oitenta e duas (82) unidades domésticas, comportando noventa e quatro (94) famílias e um total de trezentos e sessenta e seis habitantes (366). A maioria da população está concentrada no Catu Goianinha, reunindo sessenta e nove (69) unidades domésticas que formam um total de oitenta famílias (80) e trezentos e oitenta e três habitantes (383)11. Os dois municípios envolvidos na pesquisa são conhecidos por suas extensas plantações de cana-de-açúcar, caracterizando geralmente a microregião sul do RN. Em termos das atividades sócio-econômicas, esse modelo de monocultura, praticado há mais de dois séculos na região, teve início com as atividades dos antigos engenhos, a exemplo do engenho Cunhaú12, uma antiga propriedade no Rio Grande que pertenceu à família Albuquerque Maranhão desde o período colonial (século XVII)13. Atualmente, as propriedades de usineiros se estendem pelo sul do estado através da zona da mata em direção aos estados da Paraíba e Pernambuco. Junto da economia canavieira, essa região potiguar vem sendo mais e mais explorada pelos carcinicultores, sobretudo, desde a década de 1990. Além disso, está inserida em famoso circuito turístico do estado. A praia da Pipa, por exemplo, fica situada aproximadamente a vinte e cinco (25) quilômetros do Catu14. Nas áreas onde realizei a pesquisa, se sobressaem as empresas Pedrosa ou Baía Formosa e a Estiva S/A; ambas situadas no setor produtivo de alcool e açúcar, cujas áreas produtivas envolvem diversos municípios na microrregião sul. A usina Estivas explora as áreas mais extensas localizadas no Catu e tomou para si a responsabilidade de monitoramento das Áreas de Proteção Ambiental (APA’s) Bonfim-Guaraíras e Piquiri-Una que abrange parte significativa da região sul15. Foi a primeira empresa usineira que expropriou as terras dos Eleotérios, enquanto a usina Baía Formosa adquiriu áreas através de arrendamentos feitos a médios proprietários de terra do Catu, já na década de 1990. Uma das vias de acesso ao Catu pode ser feita pela Br –101, sentido sul/RN. Localiza- se pelo município de Goianinha, ao lado direito da rodovia. Segue uma faixa de mata separando as plantações de cana-de-açúcar. Nessa estrada, em local conhecido como a “chave”, encontra-se o “pau da mentira”, sendo mencionado pelos moradores mais antigos do Catu como um espaço de encontro, um ponto de parada nos deslocamentos até as cidades 11 Fonte: SILVA, Claudia Maria Moreira da. levantamento demográfico realizada entre fevereiro e abril de 2006. 12 Segundo o historiador Galvão Neto (2002), o engenho Cunhaú é identificado nas cartografias dos viajantes do século XVI e XVII. 13 Ver MEDEIROS FILHO (1997), CASCUDO (1968), LOPES (2003). 14 Ver anexo B. Imagem de satélite da região do Catu, Pipa e Sibaúma. 15 Mostrarei adiante no texto como os fiscais ou os conhecidos “vigias” das Usinas se relacionam com os moradores do Catu que frequentam as faixas de mata ou mesmo os mananciais da região.
  • 22. 20 próximas. Outra forma de acesso, margeando a rodovia, no limite entre os municípios de Goianinha e Canguaretama, é o lugar conhecido como a Gruta do Bode16. Nesse local, pode- se observar uma placa do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) informando sobre a Lei Federal 9.605 de 1998, dispondo sobre crimes ambientais. Na placa, assinalou-se a proibição do corte de madeira, a caça e a pesca. Como já me referi no parágrafo anterior, trata-se de uma área que inclui trechos das APA’s sob a “gestão” do Instituto de Desenvolvimento e Meio Ambiente no Rio Grande do Norte (IDEMA). Um dos primeiros acessos conhecidos por mim para chegar às unidades familiares no Catu, foi através da cidade de Canguaretama pelo bairro denominado “Areia Branca”, situado à margem direita da Br-101 sul. Era uma estrada de terra, margeada por muitas casas construídas em pequenos quarteirões nos dois lados da estrada. Todas as casas tinham formas arquitetônicas idênticas. Esse lugar é conhecido pelos regionais como os “Sem-Terra”, ou as “casas do projeto”. Trata-se de casas construídas através de um projeto habitacional realizado pela prefeitura local e por isso os moradores daquele conjunto são chamados de “Sem-Terra”. Seguindo um pouco mais à frente, tem início uma paisagem uniforme definida pelas áreas de plantação de cana-de-açúcar, pertencentes à usina Baía Formosa e à usina Estivas. Essas áreas plantadas se estendem por aproximadamente seis (6) quilômetros, tomando como referência a rodovia (Br 101) em direção ao “Catu dos Eleotério”. O que me faz concordar plenamente quando descreviam que viviam rodeados de cana. Contudo, deve-se ressaltar que as unidades residenciais eram distribuídas em posições paralelas, de acordo com a apropriação dos trechos descritos como as nesgas de terras usadas para produção agrícola. Não obstante a excessiva uniformidade da paisagem, a caminhada contribuiu para alimentar minha crescente ansiedade em buscar apreender os efeitos daquela configuração sócio-espacial, que modificaram o perfil ecológico, fundiário e humano, com implicações contíguas sobre o Catu. Nos primeiros meses de 2006, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) constituiu acampamento em Canguaretama, próximo às margens da rodovia. Cerca de cem (100) famílias construíram casas de papelão e palha e passaram a viver naquele espaço17. Nesse período, estava fazendo um survey no Catu e, por ocasião da ocupação do MST naquela área, fui indagada por algumas famílias se fazia parte daquele grupo, principalmente porque uma das questões tocantes era a terra. Fui informada sobre a associação de uma família do 16 No lado oposto da Br – 101 na altura da Gruta do Bode, segundo relatos, fica localizada uma das entradas dos Sete Buracos, passagens secretas que teriam sido construídas pelos holandeses. Para alguns moradores do Catu, os Sete Buracos consiste num reino encantado, que possui personagens míticos tomados como guardiões do local. Exploro mais esse assunto no capítulo dois. 17 Número impreciso devido à mobilidade das famílias em aderirem ao movimento. Atualmente, pode-se deparar com quase do dobro desse número de famílias acampadas.
  • 23. 21 Catu ao MST. Em outra ocasião, fui indagada por Nascimento, querendo saber minha opinião a respeito dos métodos usados pelo MST para ter acesso à terra. Ele relatou-me ter sido um dos procurados por dirigentes do MST. Contudo, evitou maior contato com aquela associação, pois, em sua apreciação: “eles são é invasor e eu não posso tomar pra mim essa palavra”. No ano de 2003, por meio de um financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), foram disponibilizados recursos aos municípios através do Fundo Municipal de Assistência Comunitária (FUMAC). Assim, os vereadores locais passaram a apoiar a criação de associações comunitárias. Era preciso a criação das associações como exigência para o repasse dos recursos ao conselho do FUMAC. A diretoria dessas associações foi escolhida pelas próprias prefeituras, como também ocorreu com os membros do conselho FUMAC. Nesse contexto, foi criada a Associação Comunitária dos Moradores do Vale do Catu-Canguaretama (ACMVC). Na mesma ocasião, criou-se a Associação dos Moradores do Catu-Goianinha. A partir da instituição desse cenário, os moradores do Catu passaram a se relacionar com diferentes atores sociais, tendo algum impacto na organização social e política da comunidade. As associações tinham como objetivo a mobilização comunitária, com intuito de implantar um sistema de canos para abastecimento coletivo de água retirada de um poço. Foi também responsabilidade da associação organizar as pessoas para participarem na obra e, por fim, permanecerem efetuando o pagamento mensal da energia elétrica consumida pela bomba instalada no poço. Aproximadamente 155 residências no Catu utilizavam dessa água para suprir suas necessidades. O abastecimento de água “tratada” chegou no Catu em 200418. No entanto, muitas famílias ainda utilizam a água do rio Catu para satisfazer suas necessidades domésticas. De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde, a população de Canguaretama é estimada em 29.160 pessoas19. Segundo o IBGE e o IDEMA, a produção-de cana-de-açúcar alcançou 325.000 (t), produzidas em 4.600 (ha) de área colhida (2002). Em termos gerais, se quisermos comparar a produção agrícola, teremos após a cana-de-açúcar, a cultura da mandioca com 4000 (t) e o coco-da-baía, com uma produção de 760 (t) para o mesmo ano. Esses são os principais cultivos de Canguaretama. Não existem dados estaduais publicados referentes à produção de pescado, apesar de a região de Canguaretama abrigar um percentual significativo de fazendas criadoras de camarão. Vieira (1996) definiu a área geomorfologicamente. Afirmou possuir uma luminosidade forte, com um regime térmico 18 Os dados são provenientes das associações comunitárias de ambos os municípios. 19 Em relação ao município de Goianinha operamos com os dados do IDEMA, que se referem até o ano de 2002.
  • 24. 22 relativamente uniforme, com temperaturas elevadas com pequenas variações ao longo do ano. São características relacionadas, sobretudo, com a baixa latitude local e com a influência marítima (1996 p.23). São, portanto, essas condições climáticas que permitem, por exemplo, um ambiente favorável à carcinicultura na região sul do RN. No ano de 2002, o município de Goianinha possuía 17.661 habitantes, dos quais 5.192 vivem nas áreas consideradas rurais. Dados publicados através do IDEMA20 revelam o município, obtendo uma área produzida de 5.700 (ha), representando 355.000 (t) de cana-de- açúcar. Pode-se suspeitar pelo senso prático, que as áreas de produção da cana-de-açúcar são superiores aos dados divulgados oficialmente. Dentre outros produtos, o coco-da-baía influiu na economia local. No período, divulgou-se 1.786 toneladas de coco. Além disso, alcançou-se uma produção de mandioca de 1.350 (t). No caso da produção de pescados, o IDEMA divulgou o número total de 176,2 (t), dentre os quais 49,2 (t) eram de caranguejo e 7,2 (t) de camarão (2002). Pode-se perceber nas atividades econômicas dos dois municípios um perfil dividido entre a agricultura, a pesca e a carcinicultura. Os Eleotérios estão inseridos nesse modelo econômico vigente, seja como mão-de-obra voltada às usinas e fazendas situadas na região, seja atuando em menor número como pequenos produtores com venda do excedente no comércio local. A estagiária e o conhecimento do “campo” Quando tomei conhecimento da existência de pessoas afirmando-se como “remanescentes indígenas” em Canguaretama, estava cursando a graduação em Serviço Social na UFRN no ano de 2003. Nesse período, a escolha pela questão indígena, enquanto área de interesse teórico-profissional já estava se delineando. Durante o quinto e sexto períodos da graduação, foi oferecido um curso em Pesquisa Social; aproveitei a oportunidade para desenvolver um estudo exploratório com os índios Xukuru do Ororubá, que vivem em Pesqueira, no agreste pernambucano. Essa breve experiência de pesquisa de campo me proporcionou a aproximação com alguns pesquisadores da temática etnológica dos “Índios do Nordeste”, além de conseguir algumas indicações bibliográficas. Foram as primeiras fontes inspiradoras para dar continuidade ao interesse pelo tema21. Foi dialogando com a professora Julie Cavignac, do Departamento de Antropologia (UFRN) no período coordenadora da base 20 A instituição reproduz informações publicadas através do IBGE. 21 Naquele momento histórico, os índios Xukuru chamavam atenção da sociedade mais ampla tanto pelas mobilizações políticas e rituais pela recuperação das áreas invadidas por posseiros, quanto pela violência que passaram a ser vítimas, dadas as reações contrárias dos posseiros ocupantes das suas terras.
  • 25. 23 de pesquisa CIRS (Cultura, Identidade e representações sociais), que tomei conhecimento dos Eleotérios no Catu. Nos semestres seguintes do curso de Serviço Social, como exigência curricular, teria de desenvolver um projeto de estágio em alguma instituição social. Delimitei o campo de estágio na Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) de Canguaretama. Pensei a instituição como um espaço estratégico para a aproximação com as questões (étnicas) colocadas pelos Eleotérios do Catu. Durante os dois semestres acadêmicos de 2003, o projeto de intervenção foi trabalhado junto à recém-criada Associação de Moradores do Vale do Catu. O projeto desenvolvido era intitulado “Catu dos Eleotérios: vivências políticas e participação comunitária”. Uma das atividades do projeto era realizar oficinas temáticas. Percebendo a mobilização por recursos hídricos, priorizei a discussão sobre desenvolvimento e meio ambiente. Os encontros com o grupo ocorriam nos finais de semana e, em diversas ocasiões, recebíamos a visita inesperada do militante “professor” da “Língua Tupi”. Repentinamente, ele iniciava uma aula de língua indígena. Sua chegada criava um clima ambíguo porque, por um lado, podia sugerir a impressão de um suposto vínculo entre nós, por outro lado, criava uma situação de disputa ou competição mútua. Da experiência de estágio foi elaborado um relatório contendo entrevistas com pessoas idosas moradoras do Catu, mostrando suas impressões a propósito das alterações na paisagem geográfica e social após a chegada da usina e de fazendeiros na região do Catu. Se expressavam descontentamento com a presença de usineiros e fazendeiros, mas também com a atuação do IBAMA e do IDEMA, não me pareceu que estivessem coesos ou decididos a politizar seus problemas como acenavam os diversos agentes oriundos de instituições estaduais em trânsito no Catu. Já nessa época, a Coordenadoria dos Direitos Humanos e das Minorias (CODEM), a FJA, estudantes e, em certas ocasiões, professores da UFRN promoviam e participavam de debates sobre a questão indígena no Estado22. Em 2002, ano no qual a Campanha da Fraternidade (Igreja Católica) focalizou a questão indígena, a Arquidiocese de Natal promoveu, junto ao Museu Câmara Cascudo e da UFRN, debates e atividades, sobretudo em Natal/RN. Esse tipo de reunião e evento repercutiu através da participação desses agentes para além do RN. Notei, principalmente, a participação dos Potiguara da Baía da Traição (PB) e de jovens estudantes ligados a projetos de extensão do GT-Indígena/ Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (SEAMPO) da Universidade Federal da Paraíba. (UFPB). 22 Eventos mapeados no quadro 2 no final do capítulo dois.
  • 26. 24 Em 2003 a imagem dos Eleotérios para os regionais estava sendo projetada por funcionários de todas essas instituições supracitadas, tanto para o interior das próprias agências como para outras instituições federais e estaduais no RN. Foram publicadas matérias em jornais, realizadas audiências públicas (2002 e 2005), além de outras tentativas de chamar atenção da sociedade para as questões étnicas no Estado. A questão indígena aparecia ainda de forma bastante limitada, sobretudo, através de matérias comedidas publicadas em jornais impressos de Natal. Em 2003, uma reportagem sobre os Eleotérios, no jornal Tribuna do Norte23, enfatizou o “resgate do Tupi Guarani” no Catu, substancializando em larga medida a imagem dos Eleotérios para a sociedade. Num trecho dessa publicação, houve uma ênfase nos Eleotérios como possuidores de “hábitos indígenas” e afirmando que os “moradores são reconhecidos como índios” pela FUNAI. O importante nessa publicação é a sua condução por um tipo de militância indigenista independente. Como um efeito político, o coordenador da CODEM, Fábio Santos, enviou uma correspondência ao procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Sérgio Monteiro Medeiros que, ao tomar conhecimento da matéria, enviou cópia da reportagem para o Ministério Público Estadual solicitando esclarecimentos e “averiguação das demandas dessa comunidade”. Não se sabe, porém, o desfecho dessa iniciativa24. Sendo assim, pode-se afirmar que os Eleotérios passaram ao conhecimento relativo por parte de certas instâncias públicas do estado. Meu interesse nos Eleotérios era também conduzido por essa “descoberta” social dos índios no RN. Em Canguaretama e Goianinha, a impressão que tive de alguns funcionários públicos municipais sobre os Eleotérios foi bem pejorativa. Quando cheguei à Secretaria de Assistência Social de Canguaretama para acertar os termos do estágio curricular, a assistente social da SEMAS falou- me, sendo confirmada por um técnico do Banco do Brasil, que muita gente já tinha tentado trabalhar no Catu, porém, sem êxito; pois “... aquele povo tem parte com índio e é muito difícil qualquer coisa dar certo por ali...”. Em Goianinha, visitei a Secretaria de Educação em busca de apoio ao projeto de estágio e obtive diversos materiais para uso pedagógico. Fiquei sabendo que no Catu tinha existido uma aldeia de índio e ali “...eram todos descendentes de índio...”. Meus contatos com a comunidade passariam a indicar progressivamente a necessidade de problematização dessas impressões. Em relação à minha primeira aproximação com os Eleotérios, o fato de estar vinculada à prefeitura municipal de Canguaretama, enquanto estagiária de Serviço Social, 23 Ver anexo D. Matéria intitulada “ Comunidade resgata o tupi-guarani” foi publicada em 15/06/ 2003. 24 Ver anexo E – correspondência entre a CODEM e a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte (MPF).
  • 27. 25 transitando em seus veículos e/ou acompanhada pela assistente social do município criou, para alguns moradores do Catu, impressões de um suposto vínculo empregatício ou um vínculo de qualquer outra ordem com os poderes locais (como a prefeitura, os fazendeiros e até mesmo empresários do setor sucroalcooleiro). Isso pareceu interferir nas expectativas da população sobre a minha presença. Fui vista com certa reserva e desconfiança e logo percebi que nos lugares onde passava não se falava a respeito dos poderes públicos locais ou dos agentes políticos, tampouco interesses ou disputas por terra. Realmente passaram alguns meses para tudo ficar mais “à vontade”. Meus primeiros contatos com os Eleotérios foram agenciados pela Prefeitura de Canguaretama na condição de estagiária na Secretaria Municipal e, nesse sentido, senti necessidade, em algumas ocasiões de desfazer tais laços de mediação, embora com o cuidado de não ser associada aos agentes militantes presentes na comunidade, como era o caso de um funcionário da Fundação José Augusto, e da Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUC) através da Coordenadoria dos Direitos Humanos e das Minorias (CODEM) instância da SEJUC. Tentei esclarecer sobre meu vínculo com a UFRN, sobreposto ao vínculo com a SEMAS. Ao tomar conhecimento de meu crescente interesse pelos Eleotérios, a coordenadora da SEMAS de vez em quando solicitava-me notas sobre a história de Canguaretama, perguntando também se eu já detinha “provas” referentes àqueles índios, para serem mencionados nos projetos sociais propostos pela secretaria ao Governo Federal. Fiquei sabendo do oferecimento das aulas de Tupi, nos finais de semana no Catu, e decidi acompanhar o professor ministrante desse curso na comunidade, ainda no primeiro semestre de 2003. Foi a primeira tentativa de aproximação junto dos moradores do Catu, sem a presença de agentes da prefeitura de Canguaretama. Haroldo José foi enviado por Aucides Sales, o funcionário da FJA, como seu substituto para dar aulas na comunidade25. Marcamos em um dos caminhos de acesso para o Catu, próximos a Br-101 sul, nas proximidades de uma escola municipal. Desembarquei do ônibus e logo vi a figura esguia de Haroldo próxima à uma grande árvore, denominada pelos regionais e, também, pelos Eleotérios de “Tambor” ou “Pau do Amor”. Depois das apresentações, seguimos em direção ao Catu. Andamos por uma estrada de terra. Durante a viagem, Haroldo me falou de sua experiência com a língua Tupi-Guarani. Na sua opinião, não havia condições de a língua ser “resgatada”, tal como desejava o 25 Naquele período, o “projeto” recebia financiamento de um Verador do Partido dos Trabalhadores (PT) Hugo Manso. Haroldo estava substituindo Aucídes Sales que afirmou haver inciado as aulas de Tupi no Catu de forma voluntária.
  • 28. 26 funcionário da FJA. Enquanto escutava, ia tentando apreender a paisagem e percebi que chegávamos numa área mais extensa de mata. Para meu engano, consistia numa breve faixa de quase 200 metros. Atrás dela havia mais plantação de cana-de-açúcar. Ao chegar na casa da mãe de Vando, família que, normalmente mediava a chegada de “pessoas de fora” ao Catu, foi necessário fazer uma parada26. Depois desse primeiro encontro, passei a chegar ao Catu e sentir-me “obrigatoriamente” hóspede dessa casa, cuja família era composta de quatro mulheres. A primeira pergunta recebida de todas elas foi a respeito de meu estado civil. No período, cheguei a criar um “marido” para tranquilizá-las, porque lhes parecia muito estranho, “uma mulher sozinha andando no meio do mundo conversando com todo tipo de gente”. Na verdade, tais observações deixavam tranparecer suas representações a respeito do modelo de organização do trabalho na sociedade, definido por elas, fortemente pelo viés do gênero. Enfim, eu estaria, na visão delas, fazendo trabalho “de homem”. Após ficar acomodada na residência de Dona Nô, notei nessa casa o funcionamento de um ponto de apoio para todos os visitantes, principalmente os oriundos de categorias “institucionais”. Haroldo logo me apresentou à chefe da família e, em pouco tempo, ela nos serviu pratos de macaxeira com carne bovina cozida. Não tive como esconder minha preferência alimentícia e pensei não ser interessante, para quem pensava em fazer uma longa pesquisa no local, deixar de expressá-la. Falei-lhes que não costumava comer aquele tipo de carne. Agradeci a refeição e recusei. Todos da casa se voltaram para minha direção. A senhora sentiu-se claramente ofendida e logo esboçou uma opinião acerca das pessoas que não consumiam carne vermelha. Ficamos alguns minutos em tensão, todos em silêncio. Logo depois, ela chamou sua irmã, Silvina, para arrumar um peixe para fazer, “porque a moça não comia carne”. Esse episódio me fez refletir a respeito da minha proposta de estabelecer relações aprofundadas com aquelas pessoas com as quais me propunha pesquisar. Após a refeição, seguimos para a escola onde aconteceria a aula de “Tupi-Guarani”. Observei que grande parte dos participantes era crianças e adolescentes, exceto o presidente e o vice- presidente da Associação dos Moradores do Catu-Canguaretama. Quanto à primeira família citada, logo percebi uma forte importância de seus membros no cenário político local. Mantinham relações intensas com o agente da FJA e com os poderes locais (Prefeituras, proprietários de terras no Catu, vereadores). Além disso, dois membros dessa família ocupavam cargos na diretoria da Associação Comunitária e faziam parte do quadro de professores nas escolas municipais no Catu. Nos períodos de eleição, agiam como 26 Tratarei esta família ao longo do trabalho como os Arcanjos.
  • 29. 27 cabos eleitorais de determinados políticos. Assim, havia por parte dessa família uma entrada múltipla nos diversos espaços comunitários por meio de tais relações. Com efeito, essa relação haveria de influenciar na condução da pesquisa e, conseqüentemente, nos dados produzidos a partir daquelas interações. De fato, essa aproximação causou efeitos em minha relação com as demais pessoas da comunidade. Percebi a cautela das pessoas ao falar do núcleo familiar onde me hospedava. Se por um lado o acesso a essa família contribuiu para algumas questões colocadas na pesquisa, essa proximidade, por outro lado, contribuiu para reforçar a liderança exercida por aquela família intermediando as relações com o meio externo. Tematizar essa experiência contribuiu para meu exercício de refletir certas situações de “campo”. Com o passar dos meses, foram notáveis as situações em que essa família, por concentrar a mediação das relações da comunidade com a política local e “os de fora”, assumiam posturas criticadas pelos demais moradores do Catu. Nesse sentido, foram transformados em alvos de críticas explicitadas por moradores, ainda que esses evitassem os debates públicos. Em 2004, estava concluindo o curso de Serviço Social e havia de escolher um tema para o Trabalho de Conclusão de Curso. Optei por retomar a pesquisa exploratória já iniciada com os jovens indígenas Xukuru do Ororubá. Esse foi o tema da monografia. Nesse período, as idas ao Catu tornaram-se cada vez menos frequentes e, na retomada da pesquisa (2005), foi visível o descontentamento das pessoas, especificamente da família com quem tinha me relacionado no período anterior. O retorno ao “campo”, a pesquisadora e a (re)construção do objeto Em 2005, quando passei a cursar o mestrado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFRN, reaproximei-me da situação dos Eleotérios. Nesse ano, aconteceram diversas atividades em Natal em prol da questão indígena no Rio Grande do Norte. Em abril e maio de 2006, o retorno efetivo ao campo de pesquisa, me causou expectativas variadas. A primeira estava relacionada aos contatos que conseguiria reestabelecer. Durante esse período realizei o survey e me hospedei na casa da família de Dona Nô, os Arcanjos, no Catu/Canguaretama. Dada a posição de liderança política dessa família no cenário local, quis entender as possíveis repercussões da relação da referida família em minha pesquisa. Apoei-me em Alba Zaluar para entender essas possíveis repercussões. A autora refletiu sobre alguns efeitos das relações do pesquisador na situação etnográfica, qual seja:
  • 30. 28 O pesquisador desinformado acerca do resultado de suas ações, pode estar inadvertidamente legitimando lideranças locais, tanto de pessoas quanto de grupos, ao mesmo tempo em que ajuda a instituir o próprio modo de comunicação entre líderes e liderados (ZALUAR, 1986, p. 113). As considerações feitas por Zaluar (1986) tornaram-se fundamentais para pensar a relação com o campo pesquisado. A dimensão política da pesquisa tratada pela autora inclui ainda a imposição de desafios ao pesquisador. Esses desafios exigem a elaboração de estratégias diversas na relação com o objeto de pesquisa. Foram notáveis as reações de alguns moradores ao meu elo com a família de Vando. Em certos momentos, foram traduzidas pela desconfiança para tratar de alguns assuntos envolvendo a liderança daquela família na Associação de Moradores. Entre os integrantes da família onde me hospedei senti restrições. Defendeu Zaluar (1986) que o pesquisador, mesmo se percebendo próximo ou íntimo do grupo, ainda é “de fora” e continua a ser associado a outros mundos27. João Pacheco de Oliveira (1999) refletiu criticamente sobre as visões da situação etnográfica apresentada por antropólogos sobre suas interações sociais durante a pesquisa. Para ele, é necessária, portanto, numa situação etnográfica realizar “uma etnografia da situação de pesquisa”. Analisou a trajetória e o material etnográfico deixados por Curt Nimuendaju ao pesquisar os Ticuna na década de 194028. De acordo com Oliveira (1999), seria mais proveitoso considerar o pesquisador como um ator social inserido no conjunto de relações construídas no campo observado, ou seja, apreender essa relação para além de um encontro de subjetividades: Uma vez iniciado o processo interativo, outras forças – além da motivação cognoscitiva do pesquisador – são colocada em jogo, estabelecendo novas compulsões e direções para o processo. Também as ações consecutivas do pesquisador passam a articular-se em resposta às ações e reações de outros atores sociais, a situaçao de pesquisa definindo-se de maneira múltipla pelos atores co-presentes, reinserida em outros campos e processos sociais cujos limites e dimensões podem extravasar em muito as definições da situação dadas pelo antropólogo (OLIVEIRA, 1999 p. 67). 27 Quando usei a expressão “outros mundos”, a que o pesquisador pode ser associado, me refiro às relações concretas entre as pessoas, tanto quanto seus locais de sociabilidades e as referências de pertencimento. 28 Os índios Ticuna são habitantes da região fronteiriça (Brasil, Peru e Colômbia) denominada Alto Solimões.
  • 31. 29 O autor sugeriu que o pesquisador deve apreender e reconhecer sua prática como parte do próprio contexto em que está atuando29. No espaço familiar que convivi, notei discrição diversas vezes em abordar certos assuntos na minha presença, além de perceber certos gestos e sinais sendo trocados, o que informava dos assuntos que se mantinham interditados ao meu conhecimento. Entendi como uma pessoa “de fora” podia até ser apresentada, em certos contextos, como alguém “quase da família”. Publicamente, no Catu, fui apresentada a outros visitantes, tais como estudantes e professores, como uma “assistente social que bem dizer, mora no Catu”, ou uma “pessoa de casa”. Meu vínculo com a UFRN era sempre destacado nessas ocasiões. Desenvolvi a pesquisa seguindo dois cronogramas. Um deles estava relacionado com a agenda do Movimento Indígena (MI), permitindo-me dessenvolver uma etnografia dos eventos que os Eleotérios participavam. Outro cronograma era menos rígido relacionado às visitas realizadas ao Catu. A relativa distância do local de minha moradia (em torno de 76 km) permitiu-me sair de campo sempre que notava essa necessidade por parte dos pesquisados e algumas vezes por minhas próprias necessidades. Por exemplo, quando observava a clara demonstração de um certo desconforto com minha presença continuada entre as pessoas da casa onde me hospedei. De forma geral, os contatos com os Eleotérios ocoreram desde o primeiro semestre de 2005, embora, não tenha sido possível mensurar minhas visitas ao “campo”. Explicarei agora com mais atenção o desenvolvimento da pesquisa etnográfica. Iniciei a pesquisa com um levantamento de dados básicos, um survey, mesmo com a experiência acumulada quando estagiava na SEMAS. Percebi a necessidade de percorrer e conhecer todo o espaço social do Catu. Nessas incursões, fiz uso de um questionário com objetivo de reunir indicadores sociais acerca de cada uma das famílias moradoras do Catu. Através desse recurso, pude chegar a diversas informações sobre aquela situação social. Elaborei um esquema da ocupação histórica do espaço, iniciada pelos Eleotérios, provavelmente, na segunda metade do século XIX. Apoiei-me numa fonte privilegiada, Manuel Luca, um octogenário com quem mantive conversas demoradas, a partir das quais obtive as condições de compor um esquema genealógico daquelas famílias. Através dos dados gerados nas conversas guiadas pelo questionário, selecionei algumas pessoas para realizar as entrevistas de longa duração. 29 Os contextos em que irei mostrar a presença do antropólogo na situação pesquisada estarão desenvolvidas ao longo dos capítulos. Envolvem, assim, a produção de horizontes discursivos, “bens simbólicos” ativados de forma contextual e que possui dimensão ampla, perpassando os discursos e referências dos diversos atores sociais presentes na situação etnográfica.
  • 32. 30 Entrevistei e mantive conversas informais com autoridades do poder local: vereadores, secretários da administração municipal, a exemplo das secretarias de agricultura e de educação dos municípios envolvidos na pesquisa. Fiz o mesmo com as famílias que migraram depois de 1950 para o Catu ou com pessoas que me foram indicadas por moradores do Catu como os “especialistas da memória” dos Eleotérios30. Seriam o que Le Goff (1984) definiu como os “homens-memória”. Citando Balandier (1974), o autor discutiu como alguns atores sociais são pensados como “a memória da sociedade” e que são, ao mesmo tempo, os depositários da história “objetiva” e da história “ideológica”(...)31. Embora ele tenha se referido em maior proporção às “sociedades sem escrita”, não descartou evidentemente a possibilidade de operarem nas sociedades detentoras da escrita. A família de Vando foi apontada como “as pessoas que sabiam da história do Catu”. Ele era neto de Júlia Maria da Conceição, a filha do Serafim Eleotério, homem que afirmam ter recebido a doação das terras através de um padre. Procurei priorizar para as entrevistas, pessoas presentes no campo social e político que dava sentido à emergência étnica dos Eleotérios (moradores da região, lideranças do movimento indígena, funcionários de entidades governamentais, indigenistas etc). Era nesse campo que, muitas vezes, os Eleotérios procuraram efetivar a diferenciação étnica. Entendi a noção de “interação”, a partir de Erving Goffman (1986). Para o autor, “a interação pode ser definida em linhas gerais, como a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata” (1983 p.23 grifos meus). Realizei pesquisa bibliográfica e documental nas bibliotecas municipais de Vila Flor, Canguaretama e Goianinha32. Conjugando ao método da observação participante, a entrevista estruturada foi a técnica mais utilizada na pesquisa etnográfica. Algumas vezes porém, o “campo” pedia outros procedimentos. Como foi o caso de lugares onde não podia gravar as conversas ou até mesmo, no caso das pessoas que recusavam o registro através de entrevista formal. Nesse caso, me vali da própria memória para remontar certas falas e diálogos envolvendo mais de três pessoas. Um dos espaços onde precisei confiar na memória foi o estabelecimento comercial de Nascimento. Era de fato, um local onde as pessoas paravam para conversar sobre vários 30 Essas pessoas apontadas como “especialistas” ou “guardiões” por alguns entrevistados não foram apenas idosos, sobretudo, uma jovem liderança que foi apontado por muitas pessoas com quem conversei como alguém que detinha o conhecimento do passado no Catu. 31 LE GOFF, Jacques. “Memória”. In: Enciclopédia Elanndi, vol 1. Memória-História, Lisboa: imprensa nacional. Casa da moeda, 1984, p. 15. 32 Consultei sites na internet e obtive informações acerca do Grupo Tavares de Melo (Usina Estivas S/A); me empenhei ainda através dessa ferramenta para ter acesso a relatórios da província do Rio Grande e da Paraíba nos séculos XVIII e XIX.
  • 33. 31 temas. Na presença do pesquisador, as conversas giravam em torno de anedotas e façanhas dos antigos Eleotérios. No Catu, havia outros pontos de comércio, mas lá em Bifa a rotatividade era maior. No estabelecimento, vendiam-se alimentos, lanches, pequenos objetos para uso doméstico e, de forma recorrente, as doses de cachaça. Sempre que estive lá notei que pouquíssimas mulheres paravam no local. Em 2006, a loja foi expandida, instalando-se um freezer e uma máquina de moer cana-de açúcar para fazer caldo. Esse espaço de encontro foi crucial na pesquisa, sobretudo, porque Nascimento estava envolvido na mobilização étnica. Realizei pesquisa etnográfica da participação dos Eleotérios em eventos de mobilização indígena, tais como a VI Assembléia da APOINME, que aconteceu na Baía da Traição/PB (2005) e o I Encontro Estadual Para Promoção e Igualdade Racial, realizado em Natal/RN (2005). Posteriormente, nesse mesmo ano, um representante dos Eleotérios foi para Brasília participar do encontro nacional da SEPPIR. Em junho de 2005, ainda ocorreu a Audiência Pública “Comunidade Índígenas do Rio Grande do Norte: afirmação de suas identidades” nos recintos da Assembléia Legislativa Estadual. O evento teve a participação dos três povos que vêm se apresentando e sendo apresentados como “indígenas”: os Eleotérios do Catu, os Mendonça do Amarelão e os Caboclos do Assu. Farei uma análise mais detalhada desse evento no capítulo dois. Em 2006, os Eleotérios participaram da eleição de representantes para a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) do Governo Federal, coordenada pela APOINME e realizada em Olinda/PE. Desses contextos de interação entre os Eleotérios e o Movimento Indígena e com os indigenistas, procurei apreender os efeitos sociais deflagrados no processo de construção da etnicidade dos Eleotérios. Em meados de setembro de 2006, tive a oportunidade de permanecer por quatro meses realizando pesquisa bibliográfica e documental no PPGAS/Museu Nacional e em instituições arquivísticas do Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, etc). Essa estadia foi possível através do intercâmbio firmado entre o PPGAS/UFRN e o PPGAS/Museu Nacional (PROCAD/CAPES). Tive acesso a diversos trabalhos e publicações presentes na biblioteca do PPGAS/Museu Nacional sobre questões e temas étnicos, desenvolvidas, sobretudo, no nordeste brasileiro. Ne verdade, embora a pesquisa documental me ajudasse a entender a situação estudada em termos históricos mais gerais do fechamento dos aldeamentos ou sua transformação em vilas indígenas, ela não figurou como uma preocupação indispensável. Primeiro, havia o problema do acesso a informações históricas mais precisas ou densas sobre
  • 34. 32 os próprios aldeamentos e vilas de índios da região que pesquisava, a exemplo de Vila Flor. Dei preferência à historia oral como metodologia de pesquisa. Sendo assim, dei maior atenção aos pontos de vista dos Eleotérios e, em menor escala, aos fatos comprováveis pela historiografia. Concordei com a antropóloga Ana Flávia Santos, ao refletir sobre a situação histórica dos Caxixó e a postura do pesquisador diante do uso das fontes documentais. Preferiu valorizar os relatos orais propondo mais do que uma “inversão metodológica”. Valorizou, assim ainda mais a reflexividade dos sujeitos diante dos fatos históricos, qual seja: O campo de investigação, cujo sentido reside mais em suas articulações internas que no registro exato de fatos “comprováveis” pela historiografia, é a percepção de uma experiência histórica coletiva, ainda que não apreensível em sua totalidade, recortes que resgatam um passado pensado como comum, elaborado e reelaborado a partir de uma situação presente. É apenas em relação ao conjunto de significados expressos nos relatos orais, portanto, que fatos e personagens históricos ganham sentido e relevância para a análise (SANTOS, 2003 p.24). Nesse sentido, apesar de haver manuseado fontes documentais dei maior atenção às fontes orais. Os fatos históricos mencionados ao longo do texto foram, principalmente, os destacados pelos Eleotérios, dada a importância em sua trajetória social. Nos últimos anos, têm ocorrido um crescente interesse nos estudos sobre os índios no Rio Grande do Norte. Sobre os Eleotérios, especificamente, encontrei dois trabalhos feitos por alunos ligados à base de pesquisa CIRS – Cultura, Identidade e Representações Sociais – da UFRN, na época coordenada pela professora Julie Cavignac. Esses estudos marcaram-se pelo interesse de entender os indígenas no contexto contemporâneo. Um dos materiais que tive acesso foi produzido por um discente da Pós-graduação em Ciências Sociais e o outro foi elaborado por uma aluna do curso de Especialização em Antropologia Social da UFRN. Um dos trabalhos, intitulado “Catu dos Eleutérios: Emergência indígena no RN”, de Fernandes (2003), lidou com narrativas orais associando-as com a identidade indígena dos Eleotérios. Os temas das narrativas foram dentre outros: “Comadre Florzinha”, “O Vulto do Rio”, “A encruzilhada para ganhar no jogo do bicho”, “A fria alma do sogro”, “ O filho prometido a mãe d’água”, “Canibalismo do menino fruto do incesto” e “Pai do Mangue”. A análise realizada foi fundamentada em um trabalho de Walter Benjamim em que se refletiu a respeito da categoria “narrador”. Assim, o que se põe em destaque dessa análise foi o fato do uso das narrativas orais de forma naturalizada.
  • 35. 33 O outro material produzido sobre os Elotérios foi elaborado por Guerra (2005), uma monografia do curso de Especialização em Antropologia da UFRN em 2004. No trabalho, percebe-se de início, uma disposição para se abordar a situação referente as duas populações (os Eleotérios do Catu e os Mendonça do Amarelão, município de João Câmara) numa análise sobre as questões étnicas pautados na perspectiva proposta por Fredrik Barth (1969). Não obstante, a análise segue pelo mesmo caminho da anteriormente comentada. Apesar disso, a autora demonstra uma preocupação com os processos sociais ao afirmar: “recentemente, percebe-se uma nova forma de comportamento desses indivíduos, os quais vêm demonstrando, de forma crescente, que estão dispostos a reivindicar oficialmente, o reconhecimento de uma identificação indígena”. (Guerra, 2005). A semelhança com o trabalho de Fernandes (2003) está na relevância dada as narrativas orais de seres “encantados” como uma “prova” da identidade indígena. Elas são tratadas como autêntica memória indígena. Foram destacadas também no ensaio as narrativas referentes a “Avós pegas a dente- de-cachorro nas matas”, que comentarei no capítulo terceiro deste trabalho, quando irei abordar a “semântica da etnicidade”. Assim, a temática indígena foi recolocada no debate e tornou-se objeto de interesse para alguns pesquisadores das Ciências Sociais e da Antropologia na UFRN. Ademais, pude constatar, em arquivos pessoais de militantes da questão indígena no Estado, matérias jornalísticas publicadas localmente desde o ano de 1999. Seu principal argumento apontava a falta de interesse dos pesquisadores pelas temáticas étnicas e, ao mesmo tempo, sugerindo a existência de indígenas no Rio Grande do Norte. O contexto ora apresentado pode ser caracterizado como um contexto de disputas sociais que, ao envolver categorizações, permite ser apreendido como uma “luta das classificações”. Concorda-se aqui com o que formulou Pierre Bourdieu (2005) sobre as lutas pela definição da identidade “regional” ou “étnica”, qual seja, como uma forma particular de luta das classificações: “são lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar e conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer os grupos”. Para pensar a situação social dos Eleotérios, preferi considerar o amplo contexto em que ocorreu as interações destes com diversos atores sociais. A literatura com a qual o trabalho dialoga mais sitematicamente são as análises processualistas. Estarei me apoiando na literatura sobre etnicidade, dentre outros: Barth ([1969] 2000); Oliveira (1988; 1999; 2002; 2004); Ahmed (1982), Almeida (2002), Andrade (2002), Arruti (2004); Barreto Filho (1992); Valle (1993; 2005), e Santos (2003).
  • 36. 34 Apresentando a dissertação No primeiro capítulo darei atenção a alguns estudos realizados sobre o período colonial no Rio Grande do Norte. Tentarei elucidar, com respaldo em fontes históricas, os processos de territorialização ocorridos no estado (século XVIII). Chamarei atenção para determinadas idéias explicativas dos processos de formação nacional e a compreensão do “desaparecimento” do indígena no Estado, explicado através da “dissolução étnica” decorrente da “miscigenação” com outras populações. Ainda neste capítulo, irei fazer referência aos censos populacionais do IBGE. Mostrarei como essas fontes vieram chamar atenção de pesquisadores e militantes, ao apresentarem dados estatísticos sobre a Declaração Indígena no RN (Cor/Raça 1990 e 2000). Discutirei ainda as relações históricas mantidas entre os moradores do Catu e proprietários de engenhos da região; o que permitirá elucidar as formas sociais, políticas e econômicas em que foram inseridos mais amplamente. Em 2005, o Museu Câmara Cascudo oficializou a criação do “Grupo Paraupaba de Estudos e Pesquisas das Questões Étnicas no Rio Grande do Norte”. Diversas atividades têm sido realizadas em prol dos ditos “remanescentes” a fim de chamar atenção da sociedade potiguar de modo mais geral. Dessa forma, a análise desse cenário e da confluência de interesses e posições antagônicas sobre a questão indígena no estado serão exploradas no segundo capítulo, em que tratarei de descrever a intervenção dos diversos atores, índios, não- índios e das agências, retratando o processo de formação de um “campo de ação indigenista”. Proponho-me ainda, a analisar de que forma tais interações produzem e são (re)produzidas no processo de construção da etnicidade dos Eleotérios mobilizados em torno da objetivação de uma identidade étnica. Apresentarei também, no segundo capítulo, notas sobre a organização familiar, social e políticas dos Eleotérios. Farei uma discussão relacionada à terra e ao meio ambiente, quando irei me referir às apropriações dos espaços produtivos no Catu. Discutirei sobre os interesses dos diversos atores sociais implicados naquela situação, envolvendo os Eleotérios, os militantes da questão indígena, os pesquisadores, as usinas, os órgãos ambientais (IDEMA, IBAMA) e os posseiros. Dessas relações, darei destaque ao discursos dos Eleotérios mobilizados etnicamente, procurando entender suas próprias demandas frente às ações priorizadas pelo campo de ação indigenista. No terceiro capítulo, elucidarei as formas de referências identitárias afirmadas pelos Eleotérios e discutirei também o que seria o campo semântico da etnicidade. Analisarei os conteúdos semânticos operados pelos Eleotérios com objetivo de atestar ou descartar uma identidade étnica mais específica. Embora, as categorias do discurso não sejam o principal
  • 37. 35 acionador da etnicidade (de fato, não poderiam mesmo ser de modo exclusivo) ajudam a compreender a associação de uma série de fatores tanto políticos como culturais e simbólicos. Assim, darei atenção aos usos específicos dos conteúdos étnicos operados pelos Eleotérios, bem como por outros agentes sociais. Nesse tópico serão apresentados ainda, temas relacionados a organização da memória social. No quarto capítulo, apresentarei uma etnografia do contexto de “passagem” da situação dos Eleotérios para uma questão pública mais ampla, (uma questão indígena) significando o aparecimento de demandas étnicas, tanto para a sociedade potiguar quanto para a agência indigenista federal, a FUNAI. Também, neste capítulo, tratarei de analisar outros possíveis investimentos étnico-culturais agenciados pelos Eleotérios nesse processo específico de construção da etnicidade.
  • 38. 36 2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE O RIO GRANDE Neste capítulo, apresentarei informações históricas sobre a região onde a pesquisa foi desenvolvida. A intenção é mostrar, além da formatação de uma história oficial, a composição de um “campo discursivo” relacionado aos indígenas do Rio Grande do Norte. Esse campo político e intelectual oscilava nas análises construídas entre a perspectiva culturalista, a antropologia física e abordagens de cunho arqueológico33. No Rio Grande do Norte, a bibliografia sobre os índios encontra-se situada basicamente na literatura historiográfica, a exemplo de Câmara Cascudo, Olavo de Medeiros, Medeiros Filho, Tarcísio Medeiros. Os estudos desenvolvidos mais recentemente, sobretudo, ainda tratam dos indígenas numa discussão de caráter histórico. Um dos pontos consensuais encontrados nesses estudos foi a asseveração de que os índios foram dizimados gradualmente a partir do século XVIII. A pesquisa bibliográfica sobre os indígenas do Nordeste e, especificamente, do Rio Grande do Norte veio a confirmar o uso em especial dos relatos dos cronistas (XVI e XVII) ou dos naturalistas viajantes, tais como os escritos deixados pelos holandeses como fontes privilegiadas. Alguns desses relatos foram recuperados, traduzidos e continuam a ser muito utilizados por pesquisadores, muitas vezes de forma acrítica. Um exemplo se pode ter nos relatos construídos por Jacob Rabbi [1637] utilizados por Gaspar Barléu (1974) e que até hoje continuam sendo reproduzidos pelos escritores, principalmente devido a relação do primeiro com um conflito conhecido como “Guerra dos Bárbaros”, ocorrido no Rio Grande. Outra referência proveniente do período holandês no Nordeste são os relatos de Elias Herckmans [1639] publicados em 1886. Esses relatos aparecem como as fontes primárias mais consultadas por estudiosos que buscam se aproximar do tema indígena. Segundo Arruti (1996), uma outra perspectiva comumente encontrada na literatura historiográfica e também folclorista, na primeira metade do século passado, envolvia a procura por “remanescentes” indígenas ou por traços culturais de grupos indígenas “extintos” 33 Sobre a idéia de “campo discursivo” corroboro com a formulação analítica elaborada por Michel Foucault (2002). Meu objetivo não é prosseguir uma análise propriamente foucaultiana, mas, sobretudo, indicar ao leitor uma referência que considero ao lidar com tal categoria. Apesar de que, considerei em minha análise e, dei atenção às formas que se instauraram os discursos sobre os indígenas no RN, (quando considerei as fontes textuais que abordam o tema), ou seja, fazendo uso dos termos de Foucault “as suas condições de emergência ou suas condições de produção”. A grosso modo, pode-se afirmar que o “campo discursivo” envolve um campo intelectual e político permeado dialogicamente de enunciados e sugere ainda, inúmeras relações mais amplas, situadas dentro e fora de tais práticas discursivas; “um campo enunciativo cuja configuração compreenderia, também, formas de coexistência”. Para maiores detalhes, ver: A Arqueologia do saber (2002) p. 23-122 passim.
  • 39. 37 do Nordeste. Essa perspectiva estava pautada, em larga medida, na busca por “curiosidades folclóricas em rápido desaparecimento que poderiam ajudar a entender a composição mais ampla do folclore nordestino e, conseqüentemente, parte da cultura nacional34”. O interesse em catalogar expressões culturais consideradas quase perdidas pelos chamados folcloristas, poderia, por exemplo, explicar o interesse de Mário de Andrade, ao viajar pelo Nordeste no final dos anos de 1920. No final dessa década, o contemporâneo de Câmara Cascudo esteve em Natal, Cunhaú e Goianinha onde se hospedou no engenho Bom Jardim (um dos limites do Catu ao Norte) e Penha (Andrade, 2002 p.251)35. Nessa viagem, conheceu Chico Antonio, imortalizado em sua obra. Chico Antonio foi cantador de versos (cocos) embalados por um instrumento denominado Ganzá. Ao descrever a cidade de Penha [atualmente Canguaretama], Mário de Andrade observou, “(...) uma rua larga de casinhas pobres, asfaltada de folhas de carnaúba que o pessoal trabalha (...)”. Da visão sobre os trabalhadores dos engenhos, teceu vários comentários. Mário de Andrade deixa entrever que para ele apresentava algo folclórico, qual seja: Pela porta do engenho escurentada mais pela força da luz de fora, dois homens altos vêm, um na frente, outro atrás, rituais, eretos, no sempre passo miudinho e dançarino dos “brejeiros” (gente do brejo). Carregam a “padiola” com os bagaços da cana já moída. Trazem apenas a calça e o chapéu de palha de carnaúba, chinesíssimos na forma. E que cor bonita a dessa gente!...Envergonha o branco insosso dos brancos...Um pardo doirado, bronze novo, sob o cabelo índio às vezes, liso quase espetado (ANDRADE, 2002 p.241). A leitura feita pelo modernista aproximava os moradores das cidades e povoados da região trabalhadores dos engenhos, com a imagem (já diluída) do indígena. Sobretudo, a partir dos traços físicos como a cor e a textura do cabelo. Nesse caso, as categorias culturais como a de “homem brejeiro” expressou uma identificação social constituída com um tipo de vida, relacionada ao local de nascimento, de moradia, denominado “brejo”. 34 Cit. Loc. P. 12. 35 O movimento folclorista repercutiu amplamente no Rio Grande do Norte, tendo como figura exponencial Luís da Câmara Cascudo. De acordo com Tarcísio Medeiros “Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular ou pela imitação e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica”. (Medeiros apud Carta do Folclore Brasileiro- I Congresso Brasileiro de Folclore, 1973 p.247).
  • 40. 38 2.1 OS INDÍGENAS NAS FONTES HISTÓRICAS Se buscarmos referências sobre os índios do Rio Grande do Norte na literatura histórica autorizada, iremos seguramente nos deparar com um judicioso consenso histórico e político acerca do “desaparecimento” indígena no Estado. Esse ponto de vista, assegurado em parte por uma visão determinista da História, é demonstrado largamente na literatura histórica voltada para a história da colonização, produzida a partir da segunda metade do século XX. O “desaparecimento” indígena foi apreendido como uma constatação histórica definida progressivamente entre os séculos XVII, XVIII e XIX. Tornaram-se recorrentes naquele tipo de produção historiográfica, de cunho culturalista as afirmativas minimizadoras tanto da presença indígena como africana na formação sócio-cultural da população do Rio Grande do Norte. Nessa tendência de refletir sobre o passado, revela-se ainda, uma intenção de produzir versões da história apreendida num processo linear, uma história reveladora de fatos e silenciada, em se tratando dos sujeitos. Uma geração de pesquisadores do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) concordaram com a versão do “desaparecimento” do indígena no Rio Grande do Norte. Dentre eles, Tavares de Lyra, (1920), Luís da Câmara Cascudo (1955), Olavo de Medeiros (1997), Tarcísio de Medeiros (1973), Vicente Lemos Medeiros (1980) convergem nessa explicação. Boa parte de suas produções atendia, aliás, às solicitações do Governo Federal para organização de uma memória oficial. A tese sustentada de que o “desaparecimento” progressivo iniciando-se com a chamada Guerra dos Bárbaros (séculos XVII e início do século XVIII), atingindo seu ápice na continuidade do século XIX, especialmente com a ocupação extensiva dos sertões, o fechamento das missões de índios, as secas e epidemias. Mas, por outro lado, o caráter daqueles “tipos raciais” sobreviveria através dos processos de miscigenação ocorridos com outros grupos sociais (MEDEIROS, 1973). Um exemplo que sustenta destacadamente essa tese pode ser encontrado nas obras de Luis da Câmara Cascudo (1955;1968;1980). (...) Quem vê os registros paroquiais do século XVIII constata a procissão ininterrupta dos óbitos de caboclos, de índios, quase todos meio plantadores, meio mendigos, desajudados, desajustados e caminhando para o aniquilamento final (CASCUDO, 1955 p.38). Ou, então, nesse seguinte trecho da mesma obra:
  • 41. 39 (...) É o período em que ocorre o povoamento do interior, criação das capelas, multiplicação dos currais e desaparecimento do indígena (CASCUDO, 1955 p. 49). Em outras palavras, tal posicionamento é repetido na asseveração de Tarcísio Medeiros (1973): O extermínio do gentio ocorreu em virtude daquelas guerras, epidemias de varíola e crises climáticas periódicas, de sorte que, no cruzamento entre as três raças que entram na formação histórica, a raça primitiva passou, desde então, a fornecer o menor contigente, especialmente no final do século XVIII, na região agrícola, onde foram assimilados, em maior número, os negros e mulatos. (CAPISTRANO DE ABREU (1954) apud MEDEIROS, 1973 p. 58) Um elemento destacado por Valle (2005) em estudo antropológico acerca da “comunidade quilombola Acauã” sobre os estudos referentes a índios e negros no RN, podendo ser estendido às interpretações dessa geração de historiadores, consistiu na composição culturalista e racialista evidentes em suas explicações. Fez referência aos esforços de Franz Boas (1858-1942) em refutar os esquemas de hierarquização racial presente nos modelos das teorias evolucionistas. Segundo Valle (2005), no Brasil, foi Gilberto Freyre quem desdobrou a perspectiva do relativismo cultural pensada por Boas: “(...) Sobretudo, que readptou os argumentos boasianos a favor da cultura como categoria analítica substancial para se entender as diferenças humanas36”. Ao que indica, essas idéias foram também compartilhadas por Capistrano de Abreu, em quem se apoiou Tarcísio de Medeiros. Quando Luis da Câmara Cascudo afirmou que: “em três séculos toda essa gente desapareceu”, colocava-se uma compreensão sobre os processos de mudança social e “miscigenação” vistos numa relação entre pureza/mistura, força/fraqueza seriam elementos de comprovação do que foi chamado pelo autor de “dissolução étnica37”. De acordo com Cascudo, as guerras, as epidemias, as leis coloniais e provinciais, a expulsão das terras foram responsáveis por esse “desaparecimento”. Na verdade, há de se considerar que a produção “científica” sobre a história do Rio Grande do Norte, em meados do século XX, esteve bastante comprometida, com os discursos oficiais. Verifiquei, ao revisar o livro “História do Rio Grande do Norte”, de Luiz da Câmara Cascudo (1955), o uso de um mapa populacional divulgado pelo então governador da Câmara da Capitania, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, entre o período de 1806 e 1811. 36 Ibid. 25-26. 37 Cascudo. op. cit. , p. 40, 42.
  • 42. 40 Quadro 1 – Mapa populacional do RN (1806-1811) Brancos Pretos Pardos Indígenas (mulatos) Homens: 8.593 Homens: 4.186 Homens: 9.550 Homens: 2.514 Mulheres: Mulheres: 4.006 Mulheres: Mulheres: 8.307 9.508 2.526 Total: 16.900 Total: 8.192 Total: 19.058 Total: 5.040 População total: 49.190 Fonte: Cascudo (1955 p. 130, 131)38 Não sei se poderia concluir como uma contradição do autor, o fato da divulgação desse mapa no mesmo período em que o próprio afirmava o “desaparecimento” indígena. Seria o “desaparecimento” uma estimativa futura, diante da excessiva atenção aos números e às classificações censitárias? Pode-se observar que o Rio Grande do Norte contava com uma população classificada em quatro categorias raciais, uma delas bipartida (pardos), que possuía duas denominações, (in)definidas, que já denotava uma tentativa de classificação arrogando a idéia de mistura. O próprio Tarcísio Medeiros chegou a notar a supressão da categoria “indígena” nos censos gerais do Brasil (Séc. XIX) e elucidou “é bem provável que tenham sido incluídos no rol dos “pardos” (1973 p. 73). Para Oliveira (1999), a categoria “pardo”, ao ser instituída nos censos, revelou, sobretudo, uma “apologia à mistura” e ressaltou a “mobilidade, a assimilação e a miscigenação”, como fundamentos necessários para a composição de uma sociedade moderna e democrática. Concordo com o autor quando entendeu, o uso da categoria “pardo”, como um esforço de legitimação do discurso da mestiçagem, “seu objetivo primordial é apontar a existência da mistura – ou seja, de um entrecuzamento entre diferentes categorias [...]” (Ibid. 135). A partir dos números relacionados a essa categoria no Rio Grande do Norte, pensou por exemplo, as diferentes situações em que se aplicou tal categoria. Por exemplo, no censo populacional de 1940, os “pardos” representavam 43% da população total do Estado e, em 1980 passou a ser a categoria dominante com 56,7% da população. O autor sugeriu que essa categoria “residual” pode ser justificada, “em virtude de sua facilidade de registro e por possuir menores conotações estigmatizantes (racistas e segregacionistas)” (Ibid, 133). Sendo assim, a cautela relacionada ao uso da categoria “pardo” ocorreria: Dada a grande heterogeneidade externa da categoria censitária “pardo”, não é possível explicar tais variações exclusivamente pela análise 38 CASCUDO, Luiz da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 1952.