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Universidade de Brasília
Instituto de Ciências Sociais
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas
Adriana Coelho Saraiva
Movimentos em movimento: uma visão comparativa de dois
movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos.
Brasília, 03 de setembro de 2010
i
Adriana Coelho Saraiva
Movimentos em Movimento: uma visão comparativa de dois movimentos sociais
juvenis no Brasil e Estados Unidos
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos Comparados
sobre as Américas, como requisito parcial
para obtenção do grau de Doutora em
Ciências Sociais, sob a orientação do
Professor Gustavo Lins Ribeiro, no Centro
de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as
Américas da Universidade de Brasília.
Banca examinadora:
____________________________________________
Gustavo Lins Ribeiro, Dr. – Ceppac - Antopologia/UnB
(Orientador)
________________________________________
Cristhian Teófilo da Silva, Dr. – Ceppac/UnB
(Examinador Interno)
____________________________
Sadi Dal Rosso, Dr. - PPGSol/UnB
(Examinador Interno)
____________________________________________________________
Ilse Scherer-Warren, Dra. – PPG/UFCS
(Examinadora Externa)
__________________________________________________________
Janice Tirelli Ponte de Sousa, Dra. – PPG/UFSC
(Examinadora Externa)
ii
Brasília, 03 setembro de 2010.
FICHA CATALOGRÁFICA
SARAIVA, ADRIANA
Movimentos em movimento - uma visão comparativa de dois movimentos sociais
juvenis no Brasil e Estados Unidos.
x, 265p, 210x297 mm (ICS/CEPPAC/UnB, Doutor, Ciências Sociais, 2010).
Tese de Doutorado – Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Sociais, Centro
de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília.
1- Movimentos Sociais 3- Direito à cidade
2- Autonomismo 4- Movimentos Sociais Urbanos
5- Anarquismo
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SARAIVA, Adriana (2010). Movimentos em movimento: uma visão comparativa de
movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos. Tese de Doutorado,
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas, Universidade de Brasília, 264 p.
CESSÃO DE DIREITOS
NOME DA AUTORA:Adriana Coelho Saraiva.
TÍTULO DA TESE: Movimentos em movimento - uma visão comparativa de dois
movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos.
GRAU/ANO: Doutor/2010.
É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta tese de
doutorado e para emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e
científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta tese de
doutorado pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor.
Adriana Saraiva
adrianac@cnpq.br
iii
AGRADECIMENTOS
Agradecer é um importante ato de reconhecimento e retribuição, mas é também
uma tarefa muitas vezes difícil de expressar em palavras.
No âmbito acadêmico, quero agradecer o firme suporte, atenção e paciência de
meu orientador, Gustavo Lins Ribeiro. Da mesma maneira, agradeço aos professores do
Ceppac, que instigaram, de diferentes formas, minha curiosidade e ânsia de
compreender, em especial ao Professor Roberto Cardoso de Oliveira, pelo exemplo e
pelo apoio fundamental para o início desse percurso. Ao Professor Cristhian Teófilo da
Silva, pelo estímulo e confiança que sempre expressou. Também lembro aqui a
Professora Fernanda Sobral, sempre amiga e ao alcance de minhas ansiedades
doutorandas, muitas vezes soube instilar-me ânimo e calma. Da mesma forma, a
Professora Maria de Lourdes Mollo, por preciosas sugestões. À(o)s colegas de curso,
em especial à Juliana, Paola, Regina e Elizabeth, também agradeço pela amizade e troca
de experiências que me propiciaram nesse período.
No campo pessoal, quero agradecer aos amigos, por tanta paciência, carinho e
espera. À minha família, agradeço por diferentes tipos de apoio e pelo carinho e
estímulo que sempre me proporcionam. Ao irmão Francisco Caqui, por conversas e
trocas de idéias inspiradoras; aos irmãos e sobrinha, Bruno, Simone e Cecília, por
generosamente me acolherem em Washington e por me brindarem com conversas que
contribuiram para ampliar meus conhecimentos sobre os Estados Unidos; a Clarissa e
Verônica, irmãs queridas, por oferecerem amizade, conforto e apoio incondicionais nos
momentos mais difíceis. Aos Tios Clausius e Vilneyde, por sempre se disporem a
ajudar. Ao Armando, por conseguir paciência para esperar e a Diogo, pelas trabalhosas
transcrições.
Ainda no âmbito familiar quero agradecer ao meu filho Felipe, que me provê
com seu carinho e expertise tecnológica, de que tanto necessito. E à minha filha Leila,
por me inspirar e me apresentar novas formas de ação e pensamento; por ouvir e
acompanhar pacientemente minhas quase infinitas angústias durante esse caminhar; por
ser, enfim, uma grande companheira de jornada. Também ao Cled, meu genro, quero
demonstrar minha gratidão por todas as horas de conversas e explicações com as quais
me apresentou os anarcopunks e outros movimentos autônomos; e aos demais e
queridos sobrinhos, por diferentes apoios. Não posso esquecer, aqui, meu imenso
agradecimento a meu pai, figura amada de intelectual sólido e íntegro, que será sempre
iv
uma inspiração e uma saudade para mim. E à minha mãe, por fim, eterno iluminar,
também agradeço pela paixão combativa – quase obstinação - que me ensinou a buscar
a realização daquilo a que me determino.
Quero, finalmente, agradecer aos movimentos sociais que se constituíram em
personagens centrais dessa empreitada. Nos Estados Unidos, a todos aqueles que, com
boa vontade, se dispuseram a ser entrevistados, a darem dicas, explicações, indicações,
tudo que pudesse contribuir para a ampliação de meus conhecimentos sobre a realidade
americana. Meu agradecimento especial aos jovens ativistas do Baltimore Algebra
Project, que tão gentilmente se dispuseram a ser ‘meus sujeitos de pesquisa
americanos’.
No Brasil, como não poderia deixar de ser, o meu profundo agradecimento aos
militantes/ativistas do MPL e da Convergência de Grupos Autônomos. Por sua
confiança e entrega; pela permanente paciência em me esclarecer sobre tantos e tão
variados aspectos; pela forma como souberam ultrapassar barreiras naturais devidas ao
fato de ser uma ‘mãe de ativista’; enfim, pela amizade que sempre recebi de todos e por
ter tido a oportunidade de aprender novas formas do pensar-fazer político. Espero
retribuir, pelo menos parte do que recebi dos dois movimentos sociais a que me
dediquei nessa tese, com uma tradução e interpretação que faça jus à forma solidária e
generosa com que atuam em suas sociedades.
Finalmente, agradeço ao CNPq por me ter possibilitado a oportunidade de
embarcar na grande aventura que é a construção do conhecimento. A todos, a minha
profunda gratidão.
v
RESUMO
Esta tese está centrada na observação e compreensão de movimentos sociais juvenis
urbanos da contemporaneidade que adotam uma perspectiva radical de luta social. Para
isso, apoiou-se em uma pesquisa etnográfica sobre o Movimento Passe Livre–DF – um
movimento que foca sua luta na questão dos transportes e na concepção do direito à
cidade – comparando-o com o movimento estadunidense Baltimore Algebra Project,
um ‘programa- movimento’, concebido por um ex-ativista da luta por direitos civis,
voltado para a educação pública de qualidade e com foco na questão identitária negra.
Em Baltimore, esse programa desenvolveu características radicais, ao enfrentar uma
crise fiscal que se abateu sobre a cidade. Enquanto na parte brasileira, foram utilizados
os recursos habituais da pesquisa etnográfica, no caso do movimento norte-americano,
dado o curto período de tempo para realizar a etnografia, os dados foram
complementados por pesquisa documental. Para analisar os movimentos, são
recuperadas parte da literatura referente aos Novos Movimentos Sociais, perspectivas
teóricas sobre juventude, tecnologias de informação e comunicação e anarquismo. Após
dedicar dois capítulos a cada um dos movimentos, onde suas principais características
de pensamento e ação são traçadas, procedo à comparação entre os dois, contrastando
alguns princípios/mecanismos de funcionamento (não-liderança, processos decisórios e
ação direta) e sua concretização na prática de cada movimento; a forma como
constituem uma perspectiva ampla a partir de suas lutas aparentemente pontuais –
processo que denomino de ‘tema englobante’; a relação dos movimentos com o Estado
e a forma como configuram perspectivas de políticas públicas e direitos sociais; e,
finalmente, a relação de cada movimento com as tecnologias de informação e
comunicação. Dentre as conclusões obtidas por esta pesquisa destacam-se o
redimensionamento da noção de ‘especificidade’ dessas lutas, face à ‘perspectiva
englobante’ desenvolvida pelos movimentos; a constatação da relativização da noção de
autonomia, que varia de acordo com inter-relações entre sujeito, coletivo e
circunstâncias (locais, nacionais e globais) de opressão e privação; e as diversas formas
de apropriação das tecnologias de informação e comunicação pelos diferentes
movimentos. Finalmente, ressalto a percepção de que os movimentos sociais estudados
não podem ser compreendidos como movimentos voltados para causas pontuais ou
identitárias, pois ampliam suas lutas, agregando diversificadas opressões.
Palavras-chave: movimentos sociais urbanos; movimentos sociais juvenis; movimentos
sociais autonomistas; direito à cidade; luta pela educação; luta pelo transporte; novas
tecnologias de informação e comunicação; novíssimos movimentos sociais; lógica da
afinidade pela afinidade.
vi
ABSTRACT
This dissertation is centered on the observation and understanding of contemporary
urban youth social movements which adopt a radical perspective of social struggle. In
order to do this, an ethnography of the Movimento Passe Livre DF – which focuses on
the fight for free transportation, based on the idea of the right to the city – was
conducted. This movement was compared to the US movement Baltimore Algebra
Project, conceived by a former civil rights movement activist, which works for quality
public education with a focus on black identity. In Baltimore, the program developed
radical features when it faced the city’s fiscal crisis. While in the Brazilian study a full-
fledged ethnography was conducted, in the US counterpart, documental research
supplemented the data. The analysis of the movements draws from the literature on
New Social Movements, theoretical perspectives on youth, information and
communication technologies and anarchism. Initially, each movement’s main lines of
thought and action are described. A comparison of the the two movements follows,
contrasting principles and operational mechanisms (non-leadership, decision-making
processes and direct action) and how such principles play out in practice; the emergence
of broad perspectives (comprehensive themes) from apparently punctual issues and the
relation of the movements with the State and the manner in which they develop public
policy and social rights approaches. Finally, the relations of each movement with
information and communication technologies are analysed. In the conclusions we can
highlight a reconceptualization of the notion of movement specifity, considering the
comprehensive perspectives they take on; the relativization of the notion of autonomy,
which varies with inter-relations between subject, collective and circumstances of
opression and deprivation (local, national and global) and the varied forms of
appropriation of information and communication technologies. Finally, I emphasize the
perception that these movements cannot be understood as centered on indentities or
punctual causes inasmuch as they broaden their struggles to address multiple
oppressions.
Key words: Urban Social Movements; Youth Social Moments; Autonomous Social
Movements; Right to the City; Struggle for Education; Struggle for public
transportation; New Informational Technologies; Newest Social Movements; Affinity
for affinity logic.
vii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO – NOTAS SOBRE UMA PESQUISA COMPARATIVA
EM MOVIMENTOS SOCIAIS .......................................................................... 1
I- CAPÍTULO
O
M
103
E
MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO: CONTEXTUALIZAÇÃO
TEÓRICA - QUE MOVIMENTOS SÃO ESSES? ............................... 8
1.1 Problematizando a Literatura .......................................................... 8
1.2 Novos Movimentos Sociais – debates antes durante e após os
Movimentos Anti-Globalização ....................................................... 9
1.3 A Juventude e os Movimentos Sociais ............................................ 17
1.4 As Novas Tecnologias de Comunicação, as Redes e os Movimentos
Sociais ............................................................................................. 20
1.5 Considerações Metodólogicas sobre uma comparação etnográfica.. 23
II- CAPÍTUL
MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO (II): CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA - HISTÓRIA E RAÍZES DOS MOVIMENTOS
AUTÔNOMOS CONTEMPORÂNEOS ................................................. 28
1.1 Os Movimentos Globais .................................................................. 28
1.2 Um Pouco Mais das Raízes Históricas: Um Passeio sobre o
Anarquismo ..................................................................................... 36
III- O MOVIMENTO PASSE LIVRE – MPL: “POR UMA VIDA SE
CATRACAS! ” ................................................................................ 55
3.1 Brevíssima Contextualização das Lutas Sociais Urbanas no Brasil. 55
3.2 Brasília e os Movimentos Sociais .................................................... 62
3.3 O Movimento Passe Livre – MPL: histórico ................................... 64
3.4 Características e Princípios do MPL ............................................... 73
3.5 A Identidade dxs ativistas – ............................................................ 79
3.6 O Direito à Cidade: de quem é a cidade? ....................................... 98
IV- O MOVIMENTO AUTÔNOMO SAI ÀS RUAS BRASILIENSES:
“EU PULO A CATRACA SIM!” ....................................................
4.1 Fluidez, Multimilitância e Multiforma, Redes de Movimentos ....... 103
4.2 “Ocupa e Resiste!” – relação intra e inter organizações de diferentes
perfis ................................................................................................ 112
4.3 As ocupações como Rituais ............................................................ 133
V- O ALGEBRA PROJECT – ANTECEDENTES
CONTEXTUALIZAÇÃO: “O PODER DO POVO VAI FAZER UM
MUNDO NOVO" (Black Panthers) ................................................ 138
viii
ix
PELA EDUCAÇÃO
5.1 As lutas sociais nos EUA na década de 1960 ................................ 138
5.2 Uma Breve História de Bob Moses e o SNCC .............................. 153
5.3 Alguns comentários sobre o sistema educacional público nos Estados
Unidos ...................................................................................... 158
5.4 Alguns comentários sobre a cidade de Baltimore ......................... 159
VI- O ALGEBRA PROJECT – DE COMO O ENSINO DA
MATEMÁTICA PARA ESTUDANTES NEGROS SE
TRANSFORMA EM MOVIMENTO RADICAL
6.1 Criação e estrutura do Programa de acesso à educação ................ 162
6.2 Baltimore Algebra Project: do programa-movimento ao movimento
radical pela educação ..................................................................... 167
6.3 Alguns princípios que norteiam o BAP ......................................... 172
6.4 Quem são os ativistas do BAP? ..................................................... 174
VII- DISCUTINDO OS MOVIMENTOS: O EXERCÍCIO DA
COMPARAÇÃO ............................................................................. 181
7.1 Como Princípios se Materializam na Prática: visão comparativa dos
princípios adotados pelo Movimento Passe Livre e o Baltimore
Algebra Project ........................................................................... 181
7.1.1 Não Liderança ............................................................. 183
7.1.2 Os Processos Decisórios ............................................. 189
7.1.3 A Ação Direta ............................................................. 191
7.2 Tema englobante: a construção da crítica à sociedade a partir do
ativismo em uma causa específica .................................................. 199
7.3 Relação com o Estado ..................................................................... 203
7.4 Políticas Públicas, Direitos Sociais e Ação Política ........................ 212
7.5 Os movimentos e suas relações com as Tecnologias de Informação e
Comunicação - TICs ........................................................................ 219
VIII- CONCLUSÃO: “SEJAMOS REALISTAS, QUEIRAMOS O
IMPOSSÍVEL!” ............................................................................. 234
INTRODUÇÃO:
UMA PESQUISA COMPARATIVA EM MOVIMENTOS SOCIAIS
“Teoria é quando nada funciona e todo mundo sabe por quê. Prática é quando
tudo funciona e ninguém sabe por que. Aqui, onde juntamos teoria e prática, nada
funciona e ninguém sabe por quê.”
(ditado argentino utilizado por uma militante do MPL, ao gracejar, dizendo
lembrar-lhe o movimento).
Desde meados da década de 1970, tem-se tratado das transformações nas formas
da ação social coletiva ocorridas, principalmente, na Europa e América do Norte, a
partir da década de 1960. Na América Latina, e no Brasil em particular, esses processos
se deram em meio a cenários de crescente militarização dos governos (também
ocorridos durante a década de 1960) e, posteriormente, de redemocratização, o que
resultou em algumas características específicas desses movimentos, bem como no
embaçamento de traços que poderiam ser vistos como comuns àqueles vigentes entre os
movimentos sociais contemporâneos do hemisfério norte. Já a partir do final dos anos
1980 e decorrer dos anos 90, foi possível observar transformações significativas no
cenário global de movimentação social. Articulada com a idéia do ‘fim da história’ e
‘fim da ideologia’, que marcou especialmente os anos 90, firmou-se a noção de que
certa apatia se abateu sobre os movimentos sociais em geral – desligados de ações
amplas e/ou partidárias e às voltas com questões específicas, fugazes, pragmáticas ou
vinculadas à identidade, sobretudo aqueles compostos por jovens, cujo comportamento
passou a ser caracterizado como cada vez mais individualista.
O Movimento Passe Livre (MPL) veio, juntamente com outras (inúmeras) ações
coletivas similares ocorridas em nível nacional e global, questionar essa suposta apatia
política. Entretanto, a especificidade de suas ações, o processo original de construção de
suas concepções e práticas, bem como sua diferenciação em relação aos movimentos
antecessores – tanto os de classe quanto os exclusivamente identitários – apontam o
1
desafio de compreender melhor que movimentos são esses, quais as suas características,
como se articulam entre si e com a sociedade, seja no plano onde ocorrem, como no
plano global, e qual o papel desempenhado pelas novas tecnologias de comunicação
utilizadas nesse processo.
Esta tese pretende contribuir para a compreensão dos processos políticos da
atualidade, bem como para a reflexão dos próprios grupos, no sentido de, juntamente
com seus integrantes, desvendar caminhos, perspectivas e subjetividades neles
envolvidas. O exame comparativo de movimentos de jovens no Brasil e nos Estados
Unidos pode permitir uma percepção mais ampla das similaridades e diferenças de um
fenômeno atual e global. Confrontá-los a partir dos diferentes contextos sócio-culturais
e políticos em que ocorrem pode contribuir para desnudar complexas relações entre o
local e global, entre o passado e o presente que caracterizam as concepções e práticas
políticas contemporâneas. Essa tese está, portanto, orientada para refletir sobre o que
chamo de radicalidade política da juventude nos anos 2.000.
Não se trata de utilizar acríticamente teorias elaboradas no exterior para a análise
de movimentos sociais latino-americanos, fato corretamente criticado por Maria da
Glória Gohn (2005), entre outros autores. Entretanto, como Richard Day (2006) trata de
um fênomeno com características globais, considero interessante elencá-lo como
referência para o exame dos movimentos em foco. Por ativismo radical entendo, com
base na compreensão deste autor, as tentativas conscientes de alterar, impedir, destruir
ou construir alternativas de estruturas, processos, práticas e identidades dominantes. O
foco desse ativismo são as lutas que procuram mudar na raiz, buscando tratar não
apenas o conteúdo de modos correntes de dominação e exploração, mas também as
formas que dão origem a elas. Nesse sentido, significaria, por exemplo, que, mais do
que lutar pela igualdade entre homens e mulheres, os ativistas radicais se dedicariam a
promover lutas que eliminassem o patriarcalismo em todas as suas formas de expressão.
Na concepção de Day (2006), o ativismo radical empurra para além as possibilidades e
os limites de uma reforma liberal, sem desconsiderar inteiramente as tentativas de
alterar o status quo. Por outro lado, esse ativismo também não busca, meramente, um
retorno nostálgico aos velhos movimentos de esquerda do século XIX, tampouco uma
volta à ‘nova esquerda’:
“Há alguma coisa mais acontecendo aqui, alguma coisa diferente, que tento indicar usando algumas
vezes o termo ‘Novíssimos Movimentos Sociais’ para descrever essas correntes nas quais estou mais
interessado.” (Day, 2006:5)
2
Ele chama a atenção para o fato de que compreender pelo que lutam esses
movimentos, a favor e contra, é um empreendimento necessário, embora arriscado: há
muito desacordo nessa matéria, dentro das comunidades de ativistas e entre elas, e os
estudiosos não têm tido maior sorte em encontrar um consenso.
O primeiro sujeito alvo de meu estudo é o Movimento Passe Livre, movimento
social autônomo brasileiro que luta pela reestruturação dos transportes públicos urbanos
e apresenta características bastante inovadoras frente ao cenário político local e
nacional. O segundo, o Algebra Project, um movimento/programa centrado na ação de
estudantes negros – os tutors – que busca melhorar o nível da educação das populações
negras dos Estados Unidos a partir do ensino peer to peer de álgebra. Em Baltimore,
cidade do estado de Maryland, vizinha a Washington – DC, esse programa adquiriu
contornos de um movimento radical ao se lançar na luta pela preservação das verbas
destinadas ao programa e cortadas pelas escolas públicas locais a título de economia de
recursos.
A escolha do primeiro movimento social não se deu por acaso. Trata-se do
movimento que vi esgueirar-se em minha casa, insinuando suas formas, ações e
pensamentos, com os quais tinha apenas uma vaga intimidade, ao me fazerem lembrar
velhos princípios anarquistas. Foi estranhando as idéias, ações e argumentos que me
foram apresentados pouco a pouco em minha vida cotidiana e doméstica que percebi
que estava ali algo que merecia uma reflexão mais aprofundada, por ser um exemplo da
criatividade que move jovens e movimentos sociais, desafiando o estabelecido, o lugar
comum e noções culturais como a de ‘emocracia representativa’ ou ‘política partidária e
a partir do voto’ que, de tanto serem repisadas, findam tornando-se a ‘única e pura
expressão da verdade’.
Foi a partir da observação da militância/ativismo1
de minha filha e seus amigos
que travei os primeiros contatos com o MPL. E, como ela esteve presente desde o início
1
No início do movimento, houve um intenso debate quanto ao termo a ser utilizado para definir a ação de
seus integrantes no âmbito do MPL: de um lado, muitos defendiam o uso do termo militância, por ser
este já empregado para designar a ação de uma pessoa em um movimento de cunho político e social,
trazendo à mente uma noção de responsabilidade e compromisso; por outro lado, outros integrantes
advogavam a utilização do termo ativismo, justamente por não ser tão usado no Brasil e, portanto,
diferenciar-se dos significados costumeiramente atribuídos ao termo ‘militância’ que denotavam posturas
e atitudes das quais se queria afastar. Atualmente, esse debate já não provoca mais os militantes/ativistas
do MPL que passaram a usar ambos os termos como sinônimos. Atribuo esse processo à constituição da
identidade dos participantes do MPL que agora já se encontra bem definida, sem despertar maiores
ansiedades quanto às suas diferenças em relação à ‘militância tradicional’.
3
do movimento, pude perceber os processos percorridos entre a sua criação, os
momentos de auge de suas ações, as crises e reflexões permanentes do grupo. É bem
verdade que o fato de ser mãe de uma ativista também proporcionou momentos de
estranhamento de minha parte e da parte dos integrantes do movimento. Tivemos eu,
minha filha e seus amigos (que também se tornaram meus amigos) que romper com
algumas sensações de desconcerto, quando minha relação como mãe ou ‘mãe da amiga’
se confrontava com uma postura mais (equi)distante de pesquisadora. Da mesma forma,
ouvi várias vezes comentários como este: “Nossa, nem imagino minha mãe aqui, no
meio da gente!” ou “Queria que minha mãe também fosse assim...” Foi também por
essa aproximação, tão inquestionável e sólida, que pude contar com a confiança,
amizade, boa vontade e muita paciência dos ativistas do MPL. Foi, enfim, graças a essa
proximidade que me coloco na fronteira entre aqueles que estudam e que se envolvem
com seus sujeitos pesquisados, devendo esse fato ficar claro desde o início desta tese.
No que tange à escolha do segundo grupo, com o qual comparei o MPL, o
processo de escolha foi mais complexo, aliás como costuma ser em qualquer pesquisa
de campo comparativa. Ao escolher os Estados Unidos como local onde realizaria a
comparação, tinha em mente o fato de ter ocorrido nesse país, em Seattle, a primeira e
massiva manifestação “antiglobalização”. Estava orientada para pesquisar o Indymedia,
movimento surgido em 1999, durante a referida manifestação, e exemplar quando se
trata da cultura de movimentos autônomos e da utilização dos novos meios de
comunicação. Entretanto, a cidade que selecionei como objeto de minha pesquisa foi
Washington – DC, que apresentava como ponto adicional de interesse o fato de permitir
comparar movimentos sociais em duas capitais: de um lado, a de um país em
desenvolvimento do que agora chamam o ‘Sul Global’ – com crescente projeção
mundial, inclusive no tocante aos movimentos sociais –; de outro, a capital do país mais
rico e poderoso do mundo, ainda que sob intensa crise econômica, no Norte Global.2
Quando comecei a estabelecer contato com militantes da capital estadunidense,
pouco antes de minha viagem, foi se aprofundando a percepção de que a realidade de
Washington era bastante distinta daquela da capital brasileira. Vários e-mails trocados e
2
Utilizo a terminologia de ‘Norte e Sul Globais’ em vez de outras já consagradas como 1º e 3º mundos,
países periféricos/centrais, países globalizados/globalizadores etc.. Essas terminologias refletem, como
chama a atenção Robertson (1990), um particular mapeamento do mundo, do ponto de vista científico e
social (e político) – com várias conotações –, procedimento cristalizado a partir da década de 1960,
quando começaram a proliferar inúmeros e conflitantes mapas ideológicos e/ou científicos do sistema
mundial de sociedades nacionais. Os movimentos sociais têm preferência por essa terminologia que se
despoja de alguns parâmetros classificatórios inerentes às anteriores.
4
entrevistas realizadas, bem como tentativas de contatos com grupos locais, foram me
fazendo ver que DC, por ser a capital do Império, uma cidade cara – em que circulam
muitos recursos econômicos oriundos de todo tipo de fundações, empresas, lobbies etc.
– apresentava uma cultura política local bastante peculiar. Nesse sistema, as
organizações não governamentais (ONGs) proliferam e os ativistas e organizadores
sociais têm uma vida instável e, muitas vezes, provisória. Foi assim que fiquei sabendo
que o Indymedia local havia se desestruturado há já algum tempo, premido por conflitos
internos que não me foram detalhados. Dessa forma, procurei imediatamente
estabelecer/reforçar contatos que me propiciassem a identificação de um novo grupo –
preferivelmente de jovens – com características básicas similares que pudessem ser
interpretadas como uma expressão de radicalidade. Nesse percurso, entrevistei vários
ativistas de diferentes grupos/associações/ONGs que muito contribuíram para melhor
delinear o cenário de ativismo social de DC, bem como as peculiaridades de vários de
seus movimentos. Foi a partir de suas informações e indicações e simultaneamente ao
contato com três outros grupos distintos3
que optei por aprofundar minha pesquisa sobre
o Algebra Project, movimento/programa de luta pela educação, de Baltimore, levando
em conta algumas considerações sobre as quais me deterei ao final deste capítulo,
quando discutir as questões metodólogicas do trabalho.
Cabe ainda tecer um último comentário quanto à realização deste trabalho.
Quando escolhi os Estados Unidos como locus da pesquisa contrastiva e passei a
explorar a área a partir da internet, observando sítios e participando de redes de e-mail,
percebi que a questão identitária provavelmente faria parte de meu trabalho nesse país.
De fato, o que findou por ocorrer foi que – sem que houvesse me proposto
originalmente a isso – veio a ser selecionado justamente um grupo para quem a questão
identitária é central: os jovens estudantes negros de Baltimore. Como poderemos
perceber no decorrer desta tese, vários são os desdobramentos da escolha realizada, que
apontam manifestações distintas de radicalidade da juventude, das quais procurarei dar
conta da melhor forma possível.
3
Os três outros grupos eram o Code Pink, grupo composto basicamente por mulheres que luta contra as
guerras protagonizadas pelos Estados Unidos, com grande e espalhafatoso repertório de ações diretas; o
Positive Force, grupo composto por punks cuja ação se baseia em fazer concertos beneficentes e apoiar
comunidades de idosos – geralmente ‘de cor’, nos bairros mais pobres de DC; e o One DC, espécie de
associação de bairro composta, em sua maioria, por mulheres mais velhas e negras e inserida na
coalização de movimentos Right to the City. Cada um desses grupos, por diferentes motivos, fizeram-me
pensar que não seriam o par adequado da comparação que pretendia realizar com o MPL.
5
Por fim, uma das grandes críticas feitas por parte de militantes de movimentos
sociais refere-se ao fato de que os pesquisadores, não sendo militantes dos movimentos,
raramente conseguem, em suas análises e reflexões, aduzir conhecimentos que
interessem diretamente a eles. Este trabalho, a despeito de não ser realizado por uma
militante, tem o propósito de contribuir para a compreensão dos processos políticos da
atualidade e também de refletir conjuntamente com os próprios movimentos no sentido
de desvendar caminhos, perspectivas e subjetividades envolvidas.
Para dar conta dos dois universos pesquisados e realizar a comparação
pretendida, estruturei essa tese com a seguinte distribuição em capítulos.
No primeiro capítulo, traço uma contextualização teórica em que resgato parte
da vasta literatura sobre movimentos sociais, em especial aqueles denominados ‘novos
movimentos sociais’. Discuto suas fases e ciclos, vindo, posteriormente, a discorrer
sobre a relação entre juventude e movimentos sociais e o papel das tecnologias de
informação e comunicação nesse contexto. Finalizo, tecendo considerações
metodológicas sobre a tese.
No segundo capítulo, ainda procurando demarcar o contexto no qual me
movimento e buscando traçar um background de filiação/inspirações para os
movimentos autônomos brasilienses, faço uma breve recuperação da história recente
dos movimentos sociais desde a década de 1990, passando pelo levante zapatista e pelos
movimentos ‘anti-alter-globalização’. Passo, a seguir, a lançar os olhares sobre a teoria
anarquista em geral. Embora reconheça ser esta uma abordagem incompleta, meu
objetivo nessa seção é procurar situar o leitor em relação a muitos aspectos e temas que
envolvem a compreensão dos sujeitos políticos a que me proponho observar e tratar
neste trabalho. Os dois primeiros capítulos desta tese, portanto, se propõem a traçar uma
contextualização desses sujeitos, inserindo-os em um período histórico e em uma
discussão acadêmica que envolve vários ângulos, indicando o ambiente em que
transitaremos na jornada de tradução e compreensão dos movimentos sociais radicais da
contemporaneidade.
No terceiro capítulo, apresentarei o Movimento Passe Livre. Após traçar um
rápido panorama dos movimentos sociais urbanos no Brasil e em Brasília, me atenho à
história do movimento, onde se insere a criação da rede Convergência de Movimentos
Autônomos (CGA). Detenho-me, então, sobre algumas características e princípios que
norteiam a ação do MPL e volto-me para a elaboração da identidade do ativista
autônomo brasiliense. Finalmente, passo a expor a perspectiva de direito à cidade
6
desenvolvida pelo grupo. No quarto capítulo, ainda focando no Movimento Passe Livre,
exploro as características de fluidez e multimilitância que detecto no movimento;
descrevo e abordo as estratégias de luta utilizadas por ele, bem como suas relações
intergrupos autônomos e com outras organizações políticas. As ocupações realizadas
pelo MPL são, assim, tratadas simultaneamente como estratégias políticas e
mecanismos rituais.
No quinto capítulo, voltando-me para o movimento social estadunidense, busco
delinear um contexto amplo, no qual se possam melhor compreender as especificidades
do Algebra Project. Assim, no início, recuperando as lutas sociais ocorridas nos Estados
Unidos, na década de 1960, por constituir um pano de fundo sobre o qual o Algebra
Project irá se assentar três décadas depois. Trato, em seguida, da história pessoal do
fundador do Algebra Project, ao mesmo tempo em que dou pinceladas sobre a questão
educacional nos Estados Unidos e sobre a cidade de Baltimore, onde eclodirá, sob uma
forma mais radical, em 2004, o movimento que estudo. O sexto capítulo será dedicado a
uma descrição mais pormenorizada do ‘progama-movimento’, tanto em sua constituição
nacional, como em sua expressão local. Procuro traçar um panorama dos princípios de
ação e posições adotados por seus integrantes, bem como características gerais dos
ativistas.
No sétimo capítulo, procedo à comparação entre os dois movimentos sujeitos
desta pesquisa. Centro minha atenção em como alguns princípios de funcionamento se
concretizam na prática (não liderança, processos decisórios e ação direta); passando a
comparar, em seguida, a constituição de uma perspectiva ampla pelos movimentos em
questão a partir de suas lutas aparentemente pontuais – processo a que denomino ‘tema
englobante’. Em seguida, volto-me para a relação dos movimentos com o Estado e a
forma como, a partir de suas ações, configuram perspectivas de políticas públicas e
direitos sociais. Finalmente, abordo a relação de cada movimento com as tecnologias de
informação e comunicação. No oitavo e último capítulo, sintetizo e evidencio as
conclusões aduzidas a partir da pesquisa realizada, apontando algumas outras
perspectivas de investigação.
7
 CAPÍTULO I 
 
I – MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO: QUE MOVIMENTOS SÃO
ESSES? – contextualização teórica
1.1 - Problematizando a literatura
Existe uma vasta literatura centrada em diferentes aspectos dos movimentos
sociais que dá margem à constituição de paradigmas com diferenças demarcadas. Sendo
uma área por excelência interdisciplinar, este tema se converteu em um importante ramo
de reflexão tanto na Sociologia quanto na Ciência Política. No que concerne à
participação da Antropologia na abordagem do tema, como chama a atenção Edelman
(2001), esta tem se dado de forma marginal, refletindo uma divisão de trabalho entre
antropólogos, sociólogos e cientistas políticos: os primeiros têm se dedicado mais ao
estudo de camponeses, pobres e minorias étnicas ou religiosas, enquanto os temas
relacionados à ação coletiva ficariam a cargo dos dois últimos. A despeito da
significativa produção acadêmica, muitos autores reconhecem a dificuldade de teorizar
sobre o tema (Gohn, 2006 [1997]; Melucci, 1994). Gohn atribui a isso o fato de que “os
movimentos transitam, fluem e acontecem em espaços não consolidados das estruturas e
organizações sociais, na maioria das vezes, questionando-as e propondo novas formas
de organização” (Gohn, 2006:12).
Além disso, vale notar que essa produção teórica com características tão
marcantes e diversificadas quanto as que apresentam as abordagens européias, norte-
americanas e latino-americanas denota a existência de contextos históricos, políticos e
sociais distintos, bem como de movimentos sociais específicos (Gohn 2006:13). Como
8
adverte a autora, assim como os movimentos se apresentam em ciclos, com ênfases
particulares a cada momento histórico, as categorias criadas para análise e os conceitos
produzidos também são datados historicamente. É correta sua perspectiva quando
afirma que:
Os movimentos sociais são fenômenos históricos, decorrentes de lutas sociais. Colocam atores
específicos sob as luzes da ribalta em períodos determinados. Com as mudanças estruturais e
conjunturais da sociedade civil e política, eles se transformam. [...] São objetos de estudo
permanente (2006:19-20).
1.3 - Novos Movimentos Sociais – debates antes, durante e após os
movimentos antiglobalização
Os novos movimentos sociais (NMS) compreendem uma geração deles cujas
origens remontam aos anos 1960 e englobam uma série de natureza diversa como
feminista, étnica, racial, sexual, ecológica e outros. Tais movimentos implicariam uma
ruptura com o padrão tradicional, uma vez que retiram o foco da noção de classe social
e lutas de classe e passam a considerar centrais questões de identidade e cultura, sejam
étnicas, de gênero, sexualidade ou outras. Como afirma Gohn, o novo sujeito desses
movimentos
[...] é um coletivo difuso, não hierarquizado, em luta contra as discriminações de acesso aos bens
da modernidade, e, ao mesmo tempo, crítico de seus efeitos nocivos, a partir da fundamentação
de suas ações em valores tradicionais, solidários, comunitários (2006: 121).
Uma das marcas desses movimentos é, portanto, a politização dos aspectos
cotidianos da vida, sendo os participantes das ações coletivas vistos como atores sociais.
De autores como Touraine (1970, 1985, 1999, 2004, entre outros textos), Melucci
(1980, 1994, 1996, 2001, entre outros), Offe (1985, 1989, entre outros), Laclau (1980) e
Mouffe (1985, entre outros) vieram grandes contribuições para a construção dessa
perspectiva ampla e diversificada, descortinando a especificidade dos novos
movimentos sociais em face dos movimentos de classe, considerados pela abordagem
marxista e tão caros ao continente latino-americano.
A abordagem dos NMS também enfatiza o papel, na cena política, de mais um
ator: a sociedade civil. Ela passará a despontar como responsável por grandes
conquistas da sociedade. Embora não vise à conquista do poder, os movimentos geram
demandas a serem atendidas pelo Estado, propiciando, assim, a instalação de um
processo de democratização da sociedade. Especialmente durante a década de 1990, as
9
organizações não governamentais passaram a assumir um papel determinante,
conferindo à ação política um aspecto profissional e pragmático. É o que se
convencionou chamar de ‘política de demandas’.
Na perspectiva de Gohn (2006:125), os NMS recusam a política de cooperação
entre as agências estatais e os sindicatos e estão mais preocupados em assegurar direitos
sociais – existentes ou a serem adquiridos – para suas clientelas. Usam a mídia e a
organização de atividades de protesto para mobilizar a opinião pública como forma de
pressão sobre órgãos e políticas estatais. Por meio de ações diretas, buscam modificar os
valores dominantes e alterar situações de discriminação, principalmente dentro da
sociedade civil. Acrescentem-se a isso as alterações ocorridas na organização desses
movimentos, que passaram a um patamar de demandas mais culturais, tornaram-se mais
descentralizados, com menos hierarquias internas e desenvolveram estruturas colegiadas
mais participativas, abertas, espontâneas e fluidas. As lideranças, na análise dos NMS,
continuaram a ter importância, mas são apreendidas ao atuar em grupo, formando
correntes de opiniões. Embora fragmentadas, desposando orientações plurais e às vezes
conflitantes, as redes de informação e cooperação constituem-se em mecanismos
essenciais para a atuação e desenvolvimento dos movimentos (Castells, 2005a, 2005b,
entre outros).
Por outro lado, como destacam Laclau e Mouffe (1985), a participação nos NMS
já é uma meta em si, uma vez que as práticas cotidianas dos movimentos incorporam,
em sua forma embrionária, as mudanças procuradas. É o que os anarquistas e os
próprios ativistas costumam chamar de prefigurativismo, ou o que Katsiaficas (2006)
observa nos movimentos autônomos feministas italianos entre as décadas de 1970-80
como sendo ‘a política praticada na primeira pessoa’. Na perspectiva deste último, a
política de identidade implementada pelos NMS começa com um processo de
desbloqueamento das estruturas de dominação que precisa eventualmente resultar na
completa desconstrução de identidades e na reformulação como seres humanos
autônomos, essencialmente livres de externalidades impostas. Os NMS difundem,
assim, o conflito para âmbitos de relações sociais cada vez maiores (Gohn, 2006;
Alvarez, Dagnino e Escobar, 2000; Katsiaficas, 2006).
Num contexto teórico com tais contornos, Touraine se volta para a análise e
compreensão dos movimentos sociais do continente latino-americano (apud Gadea e
Scherer-Warren, 2005). O autor busca desvendar o caráter particular assumido pelos
10
movimentos sociais nesse continente, que dizem muito do tipo de ‘modernidade’ –
ambígua e em constante tensão – que caracteriza, em sua perspectiva, a região.
Mesmo percebendo a racionalização segundo o prisma foucaultiano (como
fortalecimento da lógica de integração social e controle do indivíduo sob uma
multiplicidade de lógicas de poder), Touraine aponta a presença dos atores sociais,
impacientes por seu reconhecimento na condição de sujeitos. Assim, tornar-se-ia
compreensível que, em meio a tantas contradições sociais, o primeiro impulso desse
sujeito não fosse a superação imediata das contradições, mas, ao contrário, o alívio de
seu sofrimento como sujeito desgarrado de uma religião, de uma natureza auto-
organizada ou de uma sociedade racional.
Touraine retoma, dessa forma, a inserção do sujeito na modernidade latino-
americana: a contínua tensão entre o universo instrumental expresso pelos contornos
racionalizadores da sociedade e o universo simbólico traduzido na produção e afirmação
dos sujeitos sociais gerará uma demanda por subjetivação, afirmação e reconhecimento
dos aspectos culturais das identidades pessoais e sociais. Na perspectiva tourainiana, os
movimentos sociais estariam dirigidos ao alívio dessa tensão, assim como para um
esforço de subjetivação, visto como a busca de um sujeito por seu reconhecimento
como ator social.
No cenário dessa particular modernidade latino-americana, Touraine discute
temas como democracia, sujeitos sociais e a própria modernidade. A idéia de
democracia do autor extrapola o sentido de um conjunto de garantias institucionais e se
configura na luta do sujeito, em sua cultura e liberdade, contra a lógica dominadora dos
sistemas sociais. Nessa concepção, os sujeitos protegem sua memória e combinam
pensamento racional, liberdade pessoal e identidade cultural.
A abordagem tourainiana também considera que a idéia de revolução está para a
noção de ‘povo’ (forma pela qual o Estado percebe a sociedade) como a de movimento
social está associada à de sujeito, constituindo uma oposição incontornável entre as duas
maneiras de pensar e agir (Touraine, 2007:150). Vinculado à sua concepção de
sociedade e movimento social, o autor constrói uma noção de democracia que, a seu
ver, deve ser capaz de criar espaços para participação cada vez mais perceptíveis e
garantir o respeito às diferenças individuais e ao pluralismo. Assim, a formação de
movimentos sociais dependeria muito menos de situações e condições objetivas do que
de elementos formadores de atores definidos, ao mesmo tempo, por um determinado
conflito social e por uma vontade de participação social. O sujeito social assim
11
analisado estaria centrado no movimento social, e não na classe social, já que o conceito
da última encontraria escassa verificação empírica, não parecendo ter tanta utilidade na
compreensão do cenário político e social do continente. O marco de análise tourainiano
será, portanto, permeado por uma combinação entre movimento social e as questões
próprias da diversidade cultural, entre mobilização e identidade pessoal e cultural; e a
constituição do sujeito se daria a partir da mescla entre o universal e o comunitário
Os novos movimentos sociais são também analisados por correntes teóricas
diferenciadas, especialmente as norte-americanas, que privilegiam outras perspectivas,
tais como os recursos estratégicos e as estruturas de oportunidade. Essas abordagens se
pautam em grande parte na ótica proposta por Olson (1965), que se caracteriza por uma
rejeição da irracionalidade do indivíduo e uma concepção das ações coletivas como
somatório de decisões estratégicas tomadas individualmente. Em outras palavras, uma
abordagem pautada pelo individualismo metodológico. Nessa abordagem, a adesão ao
grupo se dá mediante incentivos e sanções. Aqui, de diferentes maneiras, são
importantes autores como McCarthy e Zald (1973, 1977 e 1996b, entre outros), Gamson
(1982 e 2006, entre outros), Tilly (1978, 1984, 1995, entre outros), McAdam (1982,
1994) e Tarrow (1983, 1994, entre outros). Muitas críticas foram tecidas em relação a
essa abordagem (veja, especialmente, Gohn, 2006), entre as quais se menciona a não
diferenciação entre comportamento convencional e de protesto, a normatização do
impacto das ações coletivas, o impacto do individualismo na concepção de sociedade,
ou a incapacidade de tais teorias de lidar com questões relacionadas a entusiasmo,
espontaneidade, experiências de conversão e sentimentos de solidariedade e
compartilhamento (Edelman, 2001).
Fragmentação, localidade, fundamentação em identidade ou objetivos únicos,
autonomia e não hierarquização são características que apontam semelhanças, à
primeira vista, entre os movimentos sociais alvo deste estudo com a abordagem dos
novos movimentos sociais. Como são amplas as características atribuídas a eles, é
possível perceber diferenças que tipifiquem uma nova categoria de movimentos
atualmente em curso? É bom ressaltar que o próprio tema da ‘novidade’ dos NMS
também configura um amplo debate, rico em nuances (veja Gohn, 2006). Alguns
especialistas constatam, sob a perspectiva histórica, a existência de continuidades nas
concepções/práticas ativistas de uma fase para outra e entre movimentos (Edelman,
2001:297). Por outro lado, autores como Johnston, Laraña e Gusfield sustentam que um
dos méritos dessa abordagem é “chamar a atenção para o significado das mudanças
12
morfológicas na estrutura e na ação dos movimentos, relacionando-as com
transformações estruturais na sociedade como um todo” (1994: 6).
Nesse contexto, Mouffe (1988) julga que a novidade dos NMS deriva de novas
formas de subordinação ao capitalismo tardio e sua eclosão resulta da crise da
modernidade, focalizando em lutas sobre o simbólico, informacional e cultural. No
mesmo sentido, Katsiaficas (2006) identifica na política de identidade a fragmentação
do proletariado universal, em uma época em que a velocidade e a mobilidade ocorrem
em níveis sem precedentes e em que, sob condições pós-fordistas, a natureza do capital
global faz a conquista do poder político nacional se tornar crescentemente supérflua. Na
opinião de Gohn, por sua vez, “o novo se refere a muitas coisas, conforme o lugar em
que ocorra, mas, em todo caso, significa uma nova forma de fazer política e a
politização de novos temas” (2006:125).
Do outro lado do espectro, autores que defendem a existência de uma
continuidade dos movimentos partem da premissa de que aqueles que caracterizam essa
abordagem sempre coexistiram com aqueles considerados ‘tradicionais’, mas foram,
paulatina ou drasticamente, absorvidos pelo mainstream dos movimentos sociais – ou
das abordagens acadêmicas que, antes, priorizavam a noção de classe social. Com
relação a essa questão, Edelman (2001) observa que, no intuito de legitimar e forjar
novas identidades coletivas, os próprios movimentos feministas, ecologistas,
homossexuais e outros buscaram esquecer as histórias de seus antecessores políticos.
Para o autor, a formulação dos movimentos sociais por ondas (ou fases) torna-se
problemática; pois, ao privilegiar gerações políticas, tende a mascarar variações entre os
movimentos e organizações em torno de raça, classe e orientação sexual, tanto quanto
entre ondas e pós-ondas. Ainda segundo Edelman, teóricos do processo político não
identificaram, em geral, grandes distinções entre ondas ou entre novos e velhos
movimentos, mas alguns (especialmente Tilly, 1986) estabeleceram uma ruptura entre
as formas defensivas e paroquiais das ações coletivas características da Europa da
metade do século XIX e o moderno repertório de reuniões públicas, demonstrações e
greves que visam a barganhas com autoridades estabelecidas.
Edelman sugere que alguns dos aspectos aqui analisados levantam questões que
só poderiam ser tratadas etnograficamente por uma pesquisa informada historicamente.
E acrescenta que a ampliação do campo social gerada pelo aparecimento do ativismo
transnacional sugere que os desafios a serem enfrentados serão ainda maiores com a
‘globalização de baixo para cima’ (globalization from bellow) e seus múltiplos
13
repertórios de ações, que combinam elementos pós-modernos (políticas informacionais,
cyber-ataques etc.) com outros que reportam às antigas práticas de ação direta do século
XIX, embora com audiências mais globais.
Vale destacar a perspectiva delineada por Kling (2000), quando analisa as
diversas formas de atuação dos movimentos sociais e os processos identitários a eles
vinculados. O autor conduz sua análise aproximando-a dos atores sociais, sugerindo
serem as narrativas um poderoso recurso na inserção de significados aos fatos
ocasionais da vida diária, bem como às práticas através das quais as pessoas fazem
escolhas, modelam ações e criam movimentos sociais. Kling adverte que, embora cada
época histórica produza amplas categorias de identidade – algumas delas específicas por
regiões e culturas particulares –, verificar-se-ia a coexistência de várias formas de
organização em um dado período. Assim, as identidades de classe não são vistas como
desdobramento lógico das posições econômicas estruturalmente fixas. Seriam, ao
contrário, o resultado de um conjunto de textos reunidos por grupos sociais sob
condições de industrialização: tais histórias ajudaram aquelas pessoas a fazer sentido a
partir de suas experiências diárias. Ao tratar dos movimentos moldados sob as
condições de um capitalismo fundado nas tecnologias de informação e comunicação que
conduzem a uma era de complexidade social (Melucci, 1989, apud Kling) ou de
modernidade tardia (Giddens, 1991), na qual a vida cotidiana é uma experiência
significativamente diferente, o autor afirma:
Se a história corrente é um indicador, há pouca razão para se supor que os futuros movimentos
sociais vão replicar as dinâmicas da política baseadas em organização partidárias e focalizadas
no Estado, como nas eras passadas (Id. ibid. 9).
Outras características desse novo contexto ressaltadas pelo autor referem-se à
reflexividade dos sujeitos que amplia o espaço da autonomia e da escolha humana, às
novas tecnologias, seja no campo da informação/comunicação seja no da biologia, que
expandem as arenas de atuação do sujeito, e à descentralização das políticas e seu
relacionamento com o indivíduo, bem diferente das políticas relacionadas à
modernidade em sua forma industrial – quando as grandes narrativas e questões sociais
circunscritas, entre outros fatores, agiram como forças centrípetas para conduzir
movimentos unificados em torno de temas comuns.
Os grupos que lutam por autonomia na modernidade tardia são menos institucionalmente
conectados por posições econômicas, menos burocráticos, mais desligados do Estado e mais
concernentes a questões de comunidade e identidade cultural. São movimentos complexos,
politicamente polivalentes e auto-reflexivos. Não mais compartilham um projeto histórico
comum. As histórias contadas pelas pessoas são mais privadas, comunitárias e provincianas. Tais
14
narrativas minam o Estado como uma arena de mudança social e dificultam as possibilidades de
políticas públicas redistributivas (id. ibid. 11).
Por um lado, a abordagem desenvolvida por Kling levanta questões quanto ao
fato de ser o Estado o único agente (se e quando, de fato, o é) de políticas
redistributivas, ao passo que ilumina alguns aspectos a serem discutidos neste trabalho
no que se refere às narrativas como forma de dar sentido às experiências políticas
individuais – em face das condições históricas, econômicas e sócio-culturais específicas
em que os movimentos contemporâneos têm lugar –, bem como no que concerne aos
desafios que essas formas de organização enfrentam na construção/consecução de seus
objetivos. Por outro lado, essa abordagem também dá margem a questionamentos como
o desenvolvido por óticas marxistas heterodoxas, como a adotada por Nildo Viana
(2008), que aponta, na fragmentação e heterogeneidade, o principal reflexo e fragilidade
de movimentos que se espelham na perspectiva pós-estruturalista [como] expressão da
reação burguesa, que busca realizar uma contra-revolução cultural preventiva” (Viana,
Caderno de Provocações de Pensamentos Heterodoxos, 2008:40).
Scherer-Warren (1998), por sua vez, enfocando a questão da estruturação em
rede dos movimentos sociais da contemporaneidade, aponta dois tipos de ações
coletivas: i) as redes de comunidades virtuais identitárias e ii) as manifestações de
massa. Para a autora, a primeira corresponderia à forma como os múltiplos atores
específicos dos NMS marcam sua presença e dão continuidade ao movimento no
cenário globalizado, com um caráter muito mais próximo das comunidades virtuais,
baseadas em intercâmbios solidarísticos, do que das formas de organizações coletivas
centralizadas. O segundo tipo de ação coletiva seriam respostas ao paradoxo da
inclusão-exclusão social, característico da atualidade, alimentando-se do substrato social
das redes identitárias e estabelecendo uma espécie de rede das redes para promover seus
processos de mobilização.
Ainda no que se refere às redes de comunidades, a autora destaca que os novos
movimentos sociais vêm assumindo essa característica de redes sociais complexas, na
medida em que: i) são referências simbólicas, de orientação ética e política para sujeitos
individuais e coletivos agirem em seus contextos sociais; ii) são canais de solidariedade
que se intensificam em circunstâncias conjunturais em que os sujeitos são chamados a
apoiar, estratégica ou simbolicamente, iniciativas em face de problemas que afetam o
público-alvo do movimento de referência; iii) configuram um enorme conjunto de
práticas dispersas com autonomia entre si, com agendas e projetos próprios, mais
15
abertas a parcerias, intercâmbios e cooperações com sujeitos e associações congêneres
ou receptivas a mobilizações em decorrência de afinidade ética ou política; iv) tornam-
se referência de uma condição de sujeito e de um lugar de pertencimento eticamente
qualificado na sociedade contemporânea, em contraposição a condições sistêmicas de
exclusão ou aniquilamento dos sujeitos.
Alvarez, Dagnino e Escobar (2006[1998]), por sua vez, destacam, ao analisarem
os movimentos sociais latino-americanos, uma importante articulação dos conceitos de
política cultural e cultura política. A utilização que esses autores fazem do conceito de
política cultural chama a atenção para o laço existente entre cultura e política e a
redefinição de política que essa visão implica, na medida em que elas expressam,
produzem e comunicam significados. Com a expressão política cultural, portanto, os
autores destacam o processo pelo qual o cultural se torna político – que constitui uma
faceta essencial para pensar a ação dos movimentos ora investigados: “A cultura é
política porque os significados são constitutivos dos processos que implícita ou
explicitamente buscam redefinir o poder social” (op.cit. 24-25).
Ao desenvolverem uma abordagem centrada no papel da sociedade civil como
uma arena multifacetada da política e como locus privilegiado da reforma moral e
intelectual da sociedade, Alvarez et al adotam uma concepção fortemente centrada no
pensamento gramsciano, que, além de alçar a relação entre cultura e política a um
patamar de destaque, também coloca, em seu centro constitutivo, a noção de hegemonia.
É assim que Dagnino afirma:
A hegemonia, enquanto processo de articulação dos diferentes interesses necessários para
construir uma ‘vontade coletiva’ e alcançar um consentimento ativo, é ela mesma um processo
de constituição de sujeitos. (...) vou sugerir que essa ênfase na sociedade não implica, como
afirmava uma parte da literatura anterior sobre movimentos sociais, uma recusa da
institucionalidade política e do Estado, mas, ao contrário implica em uma reivindicação radical
de sua transformação (Id. Ibid.:73 e 81).
Se a noção de política cultural – como produção de novos significados políticos
– representa um elemento chave na compreensão dos movimentos aqui tratados, há um
aspecto, sugerido por Richard Day (op.cit.), divergente desses autores, que acrescenta
mais uma faceta ao ‘vitral teórico’ a partir do qual são examinados os sujeitos objeto
deste trabalho. Refere-se ele à ênfase na constituição de uma lógica não hegemônica que
delineará uma das diferenças cruciais na perspectiva proposta por esse autor.
16
A partir da análise de movimentos/organizações autônomas4
, Day observa que
as lutas orientadas pela concepção de reforma – incluindo aí tanto as pós-marxistas
quanto as multiculturalistas – ao demandarem o reconhecimento de direitos individuais
(na forma de leis) a serem concedidos pelo Estado, contribuiriam para o aumento de seu
poder hegemônico. Assim, marxistas e liberais findariam por pautar-se por lógicas
similares, ao buscarem universalizar ou hegemonizar seus programas políticos em
massa, via institucional. Na contramão dessa concepção, Day propõe que uma lógica
não hegemônica fundada nos conceitos de afinidade e renovação estrutural –
recuperados de Gustav Landauer e Kropotkin (influentes pensadores anarquistas, sobre
os quais se falará a seguir) – está sendo desenvolvida por grupos deste século, uma vez
que as táticas dos ‘novíssimos movimentos sociais’ (pós- década de 80), não estão
orientadas para permitir que um grupo particular de pessoas refaça um Estado-Nação –
ou o mundo – à sua própria imagem e semelhança.
O que é mais interessante sobre os movimentos radicais contemporâneos é que alguns grupos
estão quebrando essa armadilha, e operando não hegemonicamente, mais do que contra-
hegemonicamente. Eles buscam uma mudança radical, mas não por meio de tomar ou influenciar
o poder de Estado, e assim fazendo, desafiam a lógica da hegemonia em seu verdadeiro âmago.
Nesse sentido, muitos dos ‘novíssimos movimentos sociais’ não são exatamente o que os
sociólogos chamam de movimento social. Há, assim, uma certa ironia no uso que faço desse
termo, que ilumina mudanças dos movimentos hegemonicamente orientados para estratégias e
táticas não rotuladas, como Indymedia, Reclaim the Streets, Grupos de afinidades em geral,
Black, Pink, Yellow blocks (Id. Ibid. 8).
Day considera que algumas tendências da atualidade caracterizam melhor uma
definição sociológica de movimento social, exibindo o que o autor identifica como
‘afinidade pela afinidade’, ou seja, relações não universalizantes, não hierárquicas e não
coercitivas, baseadas em apoio mútuo e em um comprometimento ético compartilhado.
1.3 - A Juventude e os Movimentos Sociais
Um aspecto importante que se deve considerar quando se abordam os
movimentos sociais que constituem o alvo de interesse desta obra é a questão da
juventude e sua participação em movimentos sociais. Dessa forma, será feita uma breve
4
Day analisa inúmeros exemplos desses movimentos/táticas pautados por práticas comunitárias e não
baseados no Estado, mas, ao contrário, fundados em Grupos de Afinidade, tais como IMC (Independent
Media Center em Vancouver), RTS (Reclaim the Streets , em Londres), FNB (Food not Bombs, no
continente norte-americano), Zapatistas (no México),Assembleístas/ Piqueteiros (na Argentina),
guerreiros Mohawwk (dentro/contra os EUA, squatters (em Londres), LPM (ativistas da África do Sul)
entre outros.
17
discussão sobre o tema. Para Bourdieu (1983), as divisões entre as idades são arbitrárias
na medida em que todos são “sempre o jovem ou o velho de alguém” (1983:113). A
categoria “jovem”, portanto, seria relacional, ou seja, essa noção só faria sentido no
contraste entre os mais novos e mais velhos. Assim, as relações entre idade biológica e
social seriam muito complexas, pois os cortes em classes de idade ou gerações teriam
uma variação interna e seriam objetos de manipulação. Juventude e velhice, portanto,
não seriam dados, mas construções sociais oriundas das ‘lutas’/relações entre jovens e
velhos.
De acordo com Pereira (2007), Philippe Ariès (1978) observa ter sido a escola,
em fins do século XVII, que proporcionou as condições para a criação das noções de
infância e juventude como etapas separadas da vida adulta. Ariès afirma que, na
sociedade medieval, o mundo infantil não era separado do adulto, não havendo,
portanto, uma fase de transição definida:
A escola substituiu a aprendizagem como educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser
misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A despeito
das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida à distância
numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o
colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos,
dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias e ao qual se dá o nome de
escolarização (Ariès, 1978:11).
Se foi a escola a principal responsável pelo surgimento das categorias de
infância e juventude como se configuram atualmente, pode-se dizer que também ocorre
o processo inverso, no qual jovens e crianças estariam recriando seu próprio espaço,
com suas novas demandas. Isso porque o isolamento de crianças e jovens permitiu a
estes um contato maior entre si e o estabelecimento de redes de sociabilidade juvenis e
infantis específicas que passaram a ter a escola como referência. Abre-se, assim, a
possibilidade de inverter a função de adestramento e disciplina autoritária da escola.
Portanto, a partir do século XVIII e XIX, a juventude passará a ser vista como uma
camada que detém certos privilégios, antes da maturidade biológica e social, marcados
por maior permissividade.
Nesse contexto, Margulis e Urresti (1996) sugerem um interessante par de
conceitos que poderão iluminar aspectos dos processos vividos pelos jovens ativistas
nos movimentos que serão enfocados. Trata-se dos conceitos de moratória social e
moratória vital. O primeiro refere-se ao período em que os jovens desfrutam dos
referidos privilégios, que pode ser maior ou menor de acordo com a classe social a que
pertencem. Os jovens de classe social mais popular teriam sua moratória social
18
diminuída devido ao casamento e/ou trabalho precoces, portanto teriam uma vivência
juvenil diversa dos jovens mais abastados. No que tange à moratória vital, esta estaria
relacionada ao ‘excedente temporal’ e energético que caracterizaria tal período de
juventude. “Daí a sensação de invulnerabilidade que caracteriza os jovens, sua sensação
de segurança: a morte está longe, é inverossímil, pertence ao mundo dos outros, às
gerações que os precederam” (Margulis e Urresti,1996; apud Pereira, 2007).
Para esses autores, a moratória social definiria certa noção de juvenil que se
expressaria por determinados aspectos estéticos e configuraria certo privilégio das
classes sociais mais abastadas. Já a moratória vital se ateria a uma noção fática de ser
jovem, comum a todas as classes sociais e marcada pela energia do corpo, pela distância
da morte etc. Esse tópico será retomado oportunamente.
Outro aspecto relativo ao tema da juventude diz respeito à relação do jovem com
a territorialidade. Carles Feixa (2006) chama a atenção para a importância de pensar o
território na análise dos grupos juvenis. Em sua perspectiva, a ação dos jovens pode
redescobrir territórios urbanos esquecidos ou marginais, dotando-os de novos
significados, humanizando praças e ruas, dando-lhes usos imprevistos.
Através das festas, das rotas de ócio, mas também através do grafite e outras manifestações,
diversas gerações de jovens têm recuperado espaços públicos que tinham se tornado invisíveis,
questionando os discursos dominantes sobre a cidade (Feixa, 2006: 117).
Por outro lado, esse mesmo autor ressalta que a categoria de ‘juventude’
frequentemente serve como uma poderosa metáfora, sinalizando crises sociais amplas,
instabilidade e/ou mudanças. Não por acaso os jovens estariam, com muita frequência,
vinculados ao debate dentro de movimentos sociais por transformações sociais. Essas
noções serão de interesse quando for discutida a relação dos dois grupos analisados,
com seus espaços característicos e suas noções de territorialidade que desembocarão em
suas perspectivas de luta pelo direito à cidade.
Vale ainda notar o aspecto que relaciona o jovem ao lazer. Para Feixa (2004), a
relação da juventude com o tempo livre é um tópico central, enquanto Abramo (1994)
aponta o lazer como uma das dimensões mais significativas da vida do jovem, espaço
dedicado à sociabilidade e à estruturação de identidades individuais e coletivas. Luís
Antônio Groppo (2000), por sua vez, ressalta a importância do lazer para os jovens, que
aí encontrariam locais e momentos favoráveis às suas atividades diferenciadas e
relativamente autônomas em relação às dos adultos.
19
Finalmente, cabe ainda mencionar o trabalho de Jeffrey Juris (2006), que
estudou a participação dos jovens no V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Para
esse autor, muitos jovens ativistas antiglobalização que estiveram presentes dentro e no
entorno do fórum rejeitavam a categoria ‘juventude’ dada sua conotação paternalista.
Dessa forma, Juris observa que, mais do que ‘jovens’ versus ‘velhos’, uma importante
clivagem se daria quanto ao conflito entre o que o autor denomina ‘trabalho em rede’
(Networking) x ‘lógica de comando’.
Esta última estaria presente em todas as formações tradicionais tais como partidos políticos e
sindicatos, baseando-se no recrutamento de novos membros, na construção de estratégias
unificadas e na luta por hegemonia. Em contraste, a primeira envolveria a criação de um amplo
guarda-chuva de espaços, para o qual os diversos movimentos convergiriam em torno de um
pequeno núcleo comum de posições/princípios, preservando sua autonomia e especificidade.
Mais do que recrutar novos membros para qualquer organização particular, o objetivo torna-se a
expansão horizontal, por meio da conexão com movimentos, organizações e redes já existentes
(Juris, 2008:2).
Essa concepção será de grande importância na observação dos dois movimentos
analisados, na medida em que apontam suas formas de ação e filiações/genealogias
políticas.
1.4 – As Novas Tecnologias de Comunicação, as Redes e os Movimentos
Sociais
As novas tecnologias de comunicação têm sido apontadas frequentemente como
um dos vetores essenciais que teriam contribuído para a ocorrência das transformações
verificadas na ação política contemporânea. Aliadas aos acontecimentos de ordem
geopolítica que redesenharam as relações de poder institucional no planeta ao final da
década de 1980, as novas tecnologias teriam gerado um ambiente de descentralização de
informações e relações, favorecendo a proliferação de novas formas de manifestação,
ação e concepção políticas.
Inúmeros autores têm se debruçado sobre o crescimento exponencial do
universo das comunicações com o advento da internet e suas potenciais consequências
sobre o processo político (veja Van Aelst e Walgrave, 2004). Diante do entusiasmo
inicial com os efeitos dos novos meios de comunicação, tem-se questionado, na
atualidade, a amplitude do impacto de sua utilização na transformação radical da
democracia, bem como na estrutura de poder existente. Por um lado, várias pesquisas
têm mostrado, ao contrário, que as pessoas que atuam politicamente na web, já o faziam
20
(ou fazem), simultaneamente, na ‘vida real’ (Johnson e Kaye, 2000, Norris, 2002), e, de
acordo com Bimber (1998), as tecnologias de informação e comunicação (TICs) tendem
a beneficiar potencialmente grupos que atuam fora dos limites de instituições ou
organizações políticas tradicionais. Van Aelst e Walgrave (op.cit.) afirmam, por outro
lado, que há um consenso quanto ao fato de que a nova mídia oferece novas
oportunidades para uma ação coletiva internacional, embora não se acredite que tais
relações possam ser estáveis e duradouras. Mc. Adam et al. (1996b), por sua vez,
consideram que a capacidade ampliada de comunicação transnacional não conduz
automaticamente a movimentos internacionais. E, ainda sobre esse aspecto, Etzioni e
Etzioni (1999) observam que, na formação de um movimento social (transnacional), o
encontro pessoal (em manifestações, por exemplo) e a existência de valores
compartilhados são elementos necessários para a manutenção e/ou o aprofundamento
das relações estabelecidas por meio do computador (veja também, a esse respeito,
Ribeiro, 2000 [1998]).
Já Castells (2005: 444) cita Wellman, quando este afirma que a formação de
‘comunidades virtuais’ não precisa se opor, necessariamente, à existência das
‘comunidades físicas’, constituindo universos diferenciados regidos por leis e dinâmicas
específicas que interagem com outras formas de comunidades. Castells ressalta que
Wellman chama a atenção para a formação de ‘comunidades pessoais’ nas sociedades
da modernidade tardia que vão de meia dúzia de amigos íntimos a centenas de laços
mais fracos e para o fato de que tanto as comunidades de grupo quanto as comunidades
pessoais funcionam tanto on-line quanto off-line. Nessa perspectiva, Castells observa
que as comunidades substituiriam as redes sociais, tornando-se as comunidades locais
uma das muitas opções possíveis para a criação e manutenção dessas redes, e a internet,
um instrumento adicional para a consecução dessa finalidade. O autor acrescenta que a
interação via internet pode ser tanto especializada e funcional quanto ampla e solidária,
conforme a interação nas redes amplia seu âmbito de comunicação com o passar do
tempo. Castells ainda menciona que a ‘rede’ é especialmente apropriada para a geração
de laços fracos e múltiplos, sendo estes especialmente adequados para o fornecimento
de informações e oportunidades de baixo custo. Nesse sentido, ressalta:
A internet pode contribuir para a expansão dos vínculos sociais, numa sociedade que parece estar
passando por uma rápida individualização e ruptura cívica. [...] A internet favorece a expansão e
a intensidade dessas centenas de laços fracos, que geram uma camada fundamental de interação
social para as pessoas que vivem num mundo tecnologicamente desenvolvido (op.cit: 445).
21
Castells conclui que as comunidades virtuais, embora sejam consideradas
‘comunidade’, não seguem os mesmos modelos de comunicação e interação das
comunidades físicas, ou seja, têm sua própria dinâmica:
A Rede é a Rede. Transcendem a distância, a baixo custo, costumam ter natureza assincrônica,
combinam a rápida disseminação da comunicação em massa com a penetração da comunicação
pessoal, permitem afiliações múltiplas em comunidades parciais. Ademais, não existem no
isolamento de outras formas de sociabilidade (op.cit: 446).
No que tange ao uso político, Castells destaca a utilização da internet, cada vez
mais massificada, na difusão de propaganda política institucional, bem como em
campanhas partidárias; ao lado disso, aponta a realização de projetos de participação
popular. Vale notar sua observação concernente à existência, em Seattle, durante a
década de 90, de ativistas comunitários “construindo redes comunitárias com a
finalidade de fornecer informações, incentivar o debate entre os cidadãos e confirmar o
controle democrático sobre questões ambientais e de política local” (Ibsen: 448).
Isso leva a refletir que talvez não tenha sido obra do acaso o fato de que a rede
mundial Indymedia, referência indispensável quando se trata de uma rede de
informações do ponto de vista dos movimentos sociais radicais no planeta, tenha
surgido justamente nessa cidade, ao final da década, quando ocorria a primeira grande
manifestação ‘anti-alter-globalização’.
No que concerne à questão do controle, sempre implícita quando se trata do uso
da internet, Ribeiro (2000) adverte, com base no caráter ambíguo da tecnologia:
A internet não se ajusta à imagem de um mercado livre, sem controle, ou que responda apenas à
manipulação individual. Apesar de que deveríamos explorar a idéia de um controle
descentralizado, pode-se argumentar que a rede é controlada por uma hierarquia de ‘conexões’,
cujos pontos mais altos localizam-se no estado americano, em agências de segurança e em
corporações privadas que caso necessário, podem exercer seu poder eletrônico (Ribeiro,
2000:474).
De fato, o aspecto do controle da rede, tão relegado por seus usuários comuns,
reveste-se de relevância e motiva vários receios por parte de muitos dos ativistas que
militam em movimentos sociais radicais e utilizam a internet como importante
ferramenta.
Gohn (2003 e 2008), por sua vez, também reforça o crescente papel
desempenhado pelas TICs (sob a forma de lista de e-mails, blogs, sítios, celulares,
skype) tanto nos movimentos anti-alter-globalização quanto nas manifestações
promovidas recentemente por estudantes brasileiros5
, permitindo uma maior articulação
5
Referindo-se, no caso às ocupações de reitorias de universidades brasileiras, como a Universidade de
São Paulo- USP ou a Universidade de Brasília - UnB, entre outras, ocorridas entre 2007 e 2008.
22
em rede de ações dispersas e fragmentadas. O uso dessas tecnologias contribuiria
decisivamente para o aprofundamento das discussões, deliberações e coordenação das
ações projetadas. Tal constatação confirma o observado por Katsiaficas (2006), entre
outros, quanto ao poder criativo dos movimentos sociais no uso de novas táticas e
apropriação de novas ferramentas de luta.
Por outro lado, se os primeiros estudos relativos ao impacto da internet sobre os
movimentos sociais atinham-se a seus efeitos na condição de uma nova forma de
comunicação por eles utilizada, estudos mais recentes se reportam a essa tecnologia
também como um processo organizacional em si próprio. De acordo com Tarrow:
Está crescendo entre os acadêmicos a suspeita de que a importância da internet vai bem além da
comunicação, constituindo uma rede social notavelmente similar a estrutura em formato de rede
dos movimentos sociais... desde que muitos movimentos sociais sofrem a falta de uma estrutura
consistente e hierarquicamente baseada, esses teóricos parecem dizer que este é apenas um
pequeno passo para considerar a internet, em si mesma, como uma forma de organização
(Tarrow, 2002:15).
Assim, a internet é também pensada como influenciando e sendo influenciada
pelas características do próprio movimento social, sua estrutura, ideologia e escala e
conduzindo, entre outras coisas, a modos de organização fluidos e estruturas não
hierárquicas. O exame da utilização desses meios pelos movimentos alvos deste estudo,
bem como de sua forma peculiar de organizar-se, pode servir como mais uma referência
para a reflexão sobre as distintas formas de apropriação dessas tecnologias de
comunicação e informação por diferentes movimentos sociais.
1.5 – Considerações Metodológicas
Castells (2005b) afirma que movimentos autônomos forjados no contexto da
globalização podem propor diferentes visões alternativas de sociedades baseados na
constituição de uma identidade com ênfase em valores diferenciados. Nesta tese são
focalizados dois movimentos sociais compostos por jovens, um brasileiro e outro
estadunidense, com características radicais, cujas lutas se inserem em uma perspectiva
particular de direito à cidade, com diferentes matizes de autonomia, não liderança e
horizontalidade.
Concordo com Gohn (2004), Castells (2005), e Scherer-Warren (2005), para
quem os movimentos sociais se constituem em redes. Essa idéia também implica uma
23
opção epistemológica e metodológica que privilegia a ‘integração da diversidade’
(Archer, 1991; apud Scherer-Warren, 2005) em detrimento da concepção de unicidade
totalizadora, comum nas interpretações marxistas mais positivistas (Scherer-Warren,
2005). Entretanto, por considerar diferentes expressões de radicalidade política juvenil,
no que se refere ao Movimento Passe Livre (MPL/DF), a investigação voltou-se para
esse sujeito, ampliando o foco para a Convergência dos Grupos Autônomos (CGA), na
medida em que a atuação em rede e a multimilitância do grupo assim a conduziram. As
características deste movimento são traçadas mediante a observação e discussão de
alguns aspectos de suas ações, bem como a partir do delineamento das referências
políticas que inspiram seus ativistas. Da mesma forma, nos Estados Unidos, observou-
se a ação do Baltimore Algebra Project (BAP), tentando identificar suas inspirações e
elaborações/práticas de aspectos similares/correspondentes e traçar um contexto
histórico no qual tais lutas se inserem naquele país.
Para a realização dessa pesquisa, adotei uma postura metodológica que
considera, a exemplo de Castells (2006), que os movimentos sociais devem ser
compreendidos em seus próprios termos, ou seja, suas práticas discursivas
desempenham um papel crucial no trabalho sócio-antropológico. Entretanto, a partir da
etnografia, da observação participante, das entrevistas realizadas com os membros dos
movimentos e de fontes pesquisadas na internet, busquei, sempre que possível, cruzar os
valores depreendidos dos discursos (obtidos nas entrevistas, durante o transcurso das
reuniões, nas listas de e-mails, documentos e filmes disponíveis) com as experiências
concretas vivenciadas no grupo, o que compõe um conjunto de observações a partir do
qual é possível “examinar o significado associado ao fluxo da experiência” (Feldman-
Bianco, 1987:11). Essa perspectiva favorece, como sugere a autora,
a operacionalização de pesquisas que tem como premissa entender como conjuntos de
significados são transmitidos e desenvolvidos e como a ação humana é mediada por um projeto
cultural no contexto das complexidades dos processos sociais (Feldman-Bianco, op.cit. 11).
Alguns aspectos, entretanto, devem ser destacados no que se refere à
comparação empreendida. Se o objetivo de qualquer trabalho nas Ciências Sociais está
voltado para uma compreensão melhor e mais ampliada das inumeráveis formas de
construção social humana, é preciso, como explicita Taylor (2000: 165):
recorrer a um gênero de compreensão dos assuntos humanos que estabeleça as formas e os
limites de inteligibilidade. Com efeito, boa parte de nossa compreensão é sobremodo
inarticulada: é, nesse sentido, uma forma de pré-compreensão. Ela molda nossos juízos sem que
nos demos conta disso.
24
O trabalho do pesquisador, portanto, exige um constante estranhar tanto dos
sujeitos que pesquisa como daquilo que se chamaria a sua própria pré-compreensão
deles. A par disso, é sabido que esse trabalho (antropológico, sociológico) envolve, em
si mesmo, o ato de comparar. Taylor ressalta esse aspecto com propriedade, quando
observa que “a outro-compreensão é sempre, de certo modo, comparativa. Isso porque
tornamos o outro inteligível por meio de nossa própria compreensão humana” (Taylor,
op.cit: 166).
Assim, ao ampliar os termos da comparação que a construção de uma etnografia
exige e pretender traçar contrastes entre duas observações de campo, chega-se,
invariavelmente, ao que Barth (2000) descreve como “comparar duas ou mais
descrições, e não os próprios objetos descritos: fazemos comparações de relatos
antropológicos, ou seja, ficções” (op.cit. 189).
Em outras palavras, qualquer comparação desenvolvida nessas áreas envolverá a
perspectiva em que as observações foram realizadas, as representações e
conceitualizações do pesquisador. Ao que Barth acrescenta: “Devemos, portanto, evitar
tanto quanto possível as conceitualizações que reifiquem (as descrições das) culturas e
sociedades como itens unitários e separados para compreensão” (Barth, op.cit. 190).
Esse é, portanto, um dos horizontes da empreitada comparativa que este trabalho
se dispõe a realizar, ao contrastar o MPL, em Brasília, com o Algebra Project, em
Baltimore. Para além das dificuldades e complexidades inerentes a qualquer
comparação – como foi ressaltado –, trata-se também, como será observado, de um
contraste entre um sujeito com o qual mantive uma maior intimidade e convivência,
bem como dispus de um grande período de contato e observação; com um outro sujeito
- o Algebra Project – com o qual o contato foi muito mais limitado, o que acarretou,
certamente, em um desequilíbrio relativo à observação participante realizada em ambos
os grupos. Para amenizar tal desequilíbrio, busquei ter o maior acesso possível aos
documentos sobre o programa, filmes disponíveis no My Space e sítios/blogs
individuais de alguns dos participantes (Facebook). Em suma, trata-se de comparar o
material obtido por uma pesquisa etnográfica de longo prazo com uma pesquisa
exploratória de um universo mais distante e desconhecido.
O próprio acesso e escolha desse universo, como já acentuado no início deste
trabalho, merecem aqui uma nova menção. Ao identificar o desativamento do
Indymedia em Washington-DC, busquei, imediatamente, um novo grupo para realizar a
pretendida comparação. O fato de ter escolhido a cidade de Washington, levando
25
também em consideração aspectos práticos que facilitariam minha estadia no país por
um curto espaço de tempo, conduziu a lidar com dificuldades adicionais para selecionar
um grupo/coletivo político com características semelhantes ao movimento estudado no
Brasil. Como já mencionado, Washington tem contornos bastante originais, por se tratar
da capital dos Estados Unidos, onde a grande circulação de recursos financeiros
advindos de lobbies e de fundações induz à formação de inúmeras organizações não
governamentais com traços bastante específicos e diferenciados dos
movimentos/coletivos que pretendia estudar.
No percurso de identificar o novo sujeito da pesquisa, além de participar do
evento The City from Below, ocorrido em Baltimore, ao final de abril de 2009, no qual
incontáveis ativistas de diversos locais do país e do Canadá estiveram presentes,
também busquei maior contato com três diferentes grupos sediados em DC, além de
vários ativistas/organizadores atuantes em diversos movimentos/grupos. Esse contato,
em certa medida, propiciou uma espécie de ‘campo de diversidade’ (Barth, 2000: 193) a
partir do qual foi possível traçar um mapeamento mais amplo de grupos ativistas,
práticas e pensamentos presentes naquele território.
Foram algumas das características do Baltimore Algebra Project que me levaram
a escolhê-lo como sujeito: a) tratar-se de um movimento de jovens; b) utilizarem ações
diretas em suas lutas/manifestações; e c) apresentarem, entre suas conquistas na cidade,
direitos relativos ao transporte, o que colocava o movimento, também por esse motivo,
em comunicação com o brasiliense.
Ademais, tanto o Movimento Passe Livre quanto o Baltimore Algebra Project
são movimentos que se organizam em rede, disseminados nacionalmente. No caso do
MPL, desde o III Encontro Nacional do MPL, realizado em julho de 2006, na escola do
MST Florestan Fernandes, no interior de São Paulo, ficou definido seu caráter nacional,
estruturado de forma federativa, o que assegurou a descentralização, horizontalidade e
autonomia dos coletivos locais. Quanto ao Algebra Project, tratando-se de um programa
de ensino e luta pela educação dos jovens negros das escolas públicas dos Estados
Unidos, sua abrangência também é nacional: o programa se estrutura em vários
chapters, ou coletivos, espalhados pelo país. Certamente, cada um desses movimentos,
em cada localidade, apresenta características próprias, que colorem com matizes
diferenciados o movimento nacional. Entretanto, nesta pesquisa, foi considerado apenas
o coletivo do MPL-DF e o chapter Baltimore Algebra Project, de forma a facilitar a
comparação interpaíses/ movimentos pretendida.
26
Além disso, também foi possível reconstituir, sob ângulos diferentes, mas
complementares, a história recente dos movimentos sociais nos Estados Unidos. Isso,
aliado à leitura de publicações de ativistas norte-americanos concernentes aos
movimentos antiglobalização, uma bibliografia mais teórica, focada em movimentos
sociais daquele país e intensas buscas na internet, permitiu constituir o pano de fundo a
partir do qual foi desenvolvida a pesquisa. Vale citar, também, que foi especialmente
pelo acesso aos filmes expostos no sítio de relacionamentos MySpace – bem como por
meio do sítio do AP, além de respostas recebidas em diálogos travados pelo Facebook –
que foram obtidas informações adicionais sobre o Baltimore Algebra Project,
subsidiando as observações de campo e conclusões posteriores e reafirmando, mais uma
vez, a importância das tecnologias de informação e comunicação como ferramentas
vitais também no que concerne ao trabalho acadêmico.
Dessa forma, portanto, foi construído o universo de comparação, considerando
sempre que, antes de ser um método, a comparação é muito mais uma abordagem ou um
exercício que, ao lado das dificuldades já apontadas, também permite – ao (des)focar
contrastivamente o olhar – desvendar novos e instigantes aspectos sobre os
fenômenos/sujeitos estudados.
27
II- CAPÍTULO
MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO (II): CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS
2.1 - Contextualizando os sujeitos – os movimentos globais
Os anos 1990 foram pródigos em acontecimentos que levaram à percepção de
que grandes transformações estavam em curso. No plano econômico, a década trouxe
consigo processos globalizados em que o capital, impulsionado pelo desenvolvimento
das novas tecnologias de informação, reorganizou suas bases e rompeu vários limites
antes tão determinados por Estados nacionais. As principais funções produtivas de
consumo e circulação passaram a se realizar em escala global, levando a uma expansão
do capital há muito não conhecida e o papel do Estado passou a ser considerado mínimo
em relação à autonomia imputada ao mercado. Essa década trouxe à baila debates
teóricos pertinentes. Expressões como ‘redes’, ‘sociedade informacional’ (Castells,
2005a), ‘capitalismo flexível’ (Harvey, 2005), ‘globalização de mercados’,
‘reestruturação produtiva’, entre outras, passaram a expressar mudanças ocorridas na
economia e na sociedade. Concomitantemente, os efeitos na vida social também se
fizeram sentir: a globalização e seus impactos passaram a ser amplamente discutidos
(Harvey, 2005; Bauman, 1998, 1999; Dowbor, 2002), tanto quanto suas manifestações
de fragmentação social, cultural e política (Castells, 2005a e b; Ribeiro, 2000; Ortiz,
1994; Sklair, 1991; Canclini, 2006[1997]; entre muitos outros). Ao lado desses debates,
também se instalou uma disputa centrada no questionamento referente a se de fato
ocorreu um processo de ruptura histórico, econômico e sócio-cultural, atingindo a
totalidade do planeta ou se, ao contrário, o que se deu foi a continuidade de um projeto
capitalista global que fez uso da ideologia da globalização e de uma bem orquestrada
28
campanha midiática – com amplas ressonâncias na produção acadêmica – para legitimar
a expansão dos mercados globais e atender aos anseios de consolidação planetária do
capitalismo anglo-americano que estaria alcançando seu momento de ápice global (Held
e McGrew, 2001; Hirst e Thompsom, 2002).
Não é possível esquecer que, por um lado, a década de 90 proporcionou um
açodamento das diferenças econômico-sociais entre países, regiões e continentes,
ampliando dramaticamente a distância entre ricos e pobres. Por outro lado, presenciou-
se, nesse período, toda uma rearticulação política planetária que, após o colapso da
União Soviética e dos regimes socialistas, resultou na supremacia do poder dos
mercados e das ideologias neoliberais. Em contraposição, o período também se
caracterizou pela consolidação de novos atores políticos – as organizações não
governamentais e a sociedade civil organizada – e por um propalado novo estilo de
exercer a política. O decorrer da década de 90 foi marcado, assim, pela predominância
de um associativismo baseado em processos de mobilizações pontuais e fragmentados,
com uma característica mais operativa, estratégica e fundada na participação cidadã
(Gohn, 2004; Scherer-Warren, 2005; Dagnino, 2004[1996]), assim como na formação
de uma ‘cidadania planetária’ baseada especialmente na atuação de ONGs (Ribeiro,
2000; Keane, 2003; Gohn, 2004). Mas foi também em meados dessa década,
precisamente em 1º de janeiro de 1994, que ocorreu o que viria a se tornar o símbolo e
paradigma das insurgências contemporâneas: o levante zapatista.
O zapatismo inaugura o calendário de insurreições da década de 1990, eclodindo
no México – nas montanhas Chiapanencas, habitadas por indígenas – não por acaso na
mesma data em que entrava em vigor naquele país o Tratado de Livre Comércio da
América do Norte (Nafta). A partir de sua história peculiar – a insurgência de indígenas
acompanhados de alguns poucos guerrilheiros ‘brancos’ armados com velhas
espingardas e tomando de assalto seis cidades simultaneamente, em luta contra o Estado
nacional mexicano –, o movimento zapatista passou a representar uma nova forma de
pensar e fazer política. Aliando ao caráter pluriétnico uma postura que desafiava a
arrogância dos movimentos políticos vanguardistas, os zapatistas souberam enxergar a
inexequibilidade do projeto inicial de tomada do Estado Mexicano, ao tempo em que
iniciaram outro caminho – forjado pelo diálogo com as comunidades indígenas locais –
no qual o apoio da sociedade civil mexicana e planetária tornou-se imprescindível para
sua sobrevivência como movimento social insurgente (Di Felice e Moñoz, 1998;
Gennari, 2002). Vários elementos passaram a agregar-se a esse paradigma com grande
29
força simbólica: o poder de expressão poético e performático de um de seus insurgentes
mais reconhecidos – que se assume como um ‘subcomandante’, ‘que manda,
obedecendo’ – associado às ferramentas oferecidas pela comunicação por internet,
causou grande impacto no imaginário rebelde do planeta e provocou inúmeras ondas de
apoio que asseguraram sua permanência como movimento revolucionário autônomo nas
terras mexicanas. Em suma, ao desconstruir velhos arquétipos da ação política
ocidental, mesmo que algumas vezes no plano literário e simbólico, o zapatismo tornou-
se a nova face da rebelião e insurgência contemporâneas: a propriedade da verdade, a
liderança, a hierarquização do movimento e a superioridade dos conhecimentos
(científicos) eurocêntricos dão lugar a uma organização com características horizontais
baseadas no consenso e ‘no ritmo do mais lento’, na qual a visão de mundo e os
conhecimentos indígenas tradicionais passam a ter grande importância. O zapatismo,
enfim, ao fazer uso da poderosa arma do lirismo, contaminou a todos que com ele se
depararam:
“Este é um movimento profundamente consciente do poder das palavras e dos
símbolos”, diz a jornalista e ativista canadense Naomi Klein (2003:275). Para os
movimentos que passaram a se espelhar no levante zapatista, seu poder se traduziu nos
inúmeros lemas e palavras de ordem constituídos sob sua inspiração: “Por um mundo
onde caibam todos os mundos”; “Para todos tudo, para nós nada”; “Abaixo e à
esquerda, onde está o coração”; “Caminhar perguntando”; “Ya basta!” Esses são alguns
dos muitos exemplos produzidos por essa revolução, também das palavras e do
imaginário ativista.
Os anos de transição entre os milênios (1999-2002) representaram o ápice de
movimentos sociais globais que surpreenderam por seu caráter massivo, inundando as
ruas e trazendo, à cena planetária, um repertório de ações diretas com o objetivo de
impedir reuniões de organizações multilaterais. Foi então que se difundiu mundialmente
a idéia de uma “globalização vinda de baixo’ – ‘globalization from bellow’ (Appadurai,
2003; Day, 2005; Yuen, Katsiaficas e Burton Rose, 2001).
Esse movimento, que passou a ser conhecido midiaticamente por “Movimento
Anti-Globalização”6
, foi inaugurado simbolicamente em Seattle, em novembro de 1999,
6
O termo “anti-globalização’ sempre foi questionado pelos ativistas desse movimento, na medida em que, de acordo
com eles, não está em jogo uma luta contra a ‘globalização’ mas, contra a ‘globalização’ neo-liberal em curso. Por
outro lado, Ribeiro (2006) observa que seria mais apropriado chamar tais movimentos de ‘anti-alter-globalização’, na
medida em que tas manifestações reuniriam tanto grupos contra a globalização como aqueles que desejam uma ‘outra
globalização’, como seria o caso da ATTAC.
30
mas tem suas origens, como bem ressalta Ortelado (2008), em diversos países e ações
promovidas por diferentes grupos ao longo de várias décadas. Podem-se apontar, de um
lado, as ações contra o Acordo Multilateral de Investimento (AMI) promovidas por
algumas ONGs e pela ATTAC7
, na França. Do ponto de vista das ONGs, essa história
pode ser traçada a partir do encontro do Rio-92. Nos Estados Unidos, o ativismo
ocorrido nos campi americanos, nos anos 90, contra as más condições de trabalho,
personificadas nas sweat shops8
, bem como o movimento ecológico e antinuclear da
década de 80, além dos movimentos contraculturais da década de 60 também podem ser
mencionados como antecessores. Na Itália e Alemanha, um conjunto de correntes e
práticas desenvolvidas nos anos 70 e 80 – o Autonomia – surgidas a partir do
movimento estudantil radical e apartidário (extraparlamentar, na tradição alemã), do
movimento feminista e do movimento de ocupações urbanas de jovens e do movimento
operário também fazem parte das raízes deste movimento (Katsiaficas, 2006). E,
finalmente, na Inglaterra, onde se desenvolveu um movimento autônomo e de ação
direta que inclui ocupações urbanas de jovens e o movimento ecológico, com uma
participação particularmente importante dos grupos de defesa dos direitos animais, dos
quais é exemplo o Reclaim the Streets9
, nos anos 90.
A Ação Global dos Povos, uma rede global contra o livre comércio formada
durante o Segundo Encontro Interplanetário contra o Neoliberalismo, promovida pelos
zapatistas em Barcelona, em 1997, tem também um lugar de destaque nas origens do
Movimento Antiglobalização. Foi em sua primeira reunião, na Suíça, que se optou por
uma nova forma de atuação, a realização dos ‘Dias de Ação Global’, descentralizados e
distribuídos nos mais variados rincões do planeta. E, para não deixar de mencionar a
América do Sul, Hortelão cita os movimentos autônomos de jovens independentes na
Argentina e no Brasil que vieram a se consolidar nos anos 90, fruto da politização do
movimento punk ao final dos anos 80 e das práticas autogestionárias que foram
difundindo-se no movimento estudantil, também nesse período. Na Argentina, em 1999,
um movimento de jovens “desafiou os tabus da política institucional, promovendo o
absenteísmo em massa [nas eleições], num movimento que ficou conhecido como 501”
(Ortelado, op.cit: 10). Tratava-se de caravanas de jovens que, utilizando o mote “existe
7
Association pour la Taxation des Transactions pour l'Aide aux Citoyens ("Associação pela Tributação das
Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos"
8
Que visavam à substituição ou cancelamento dos contratos das universidades com empresas do setor de vestuário
cujos produtos eram fabricados no terceiro mundo.
9
Movimento de perspectiva anticapitalista que promove, entre outras coisas, raves de rua, com a finalidade de
retomar os espaços da cidade para os cidadãos.
31
Tese de adriana coelho saraiva na un b em 2010
Tese de adriana coelho saraiva na un b em 2010
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  • 1. Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas Adriana Coelho Saraiva Movimentos em movimento: uma visão comparativa de dois movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos. Brasília, 03 de setembro de 2010 i
  • 2. Adriana Coelho Saraiva Movimentos em Movimento: uma visão comparativa de dois movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados sobre as Américas, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Ciências Sociais, sob a orientação do Professor Gustavo Lins Ribeiro, no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília. Banca examinadora: ____________________________________________ Gustavo Lins Ribeiro, Dr. – Ceppac - Antopologia/UnB (Orientador) ________________________________________ Cristhian Teófilo da Silva, Dr. – Ceppac/UnB (Examinador Interno) ____________________________ Sadi Dal Rosso, Dr. - PPGSol/UnB (Examinador Interno) ____________________________________________________________ Ilse Scherer-Warren, Dra. – PPG/UFCS (Examinadora Externa) __________________________________________________________ Janice Tirelli Ponte de Sousa, Dra. – PPG/UFSC (Examinadora Externa) ii
  • 3. Brasília, 03 setembro de 2010. FICHA CATALOGRÁFICA SARAIVA, ADRIANA Movimentos em movimento - uma visão comparativa de dois movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos. x, 265p, 210x297 mm (ICS/CEPPAC/UnB, Doutor, Ciências Sociais, 2010). Tese de Doutorado – Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Sociais, Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília. 1- Movimentos Sociais 3- Direito à cidade 2- Autonomismo 4- Movimentos Sociais Urbanos 5- Anarquismo REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SARAIVA, Adriana (2010). Movimentos em movimento: uma visão comparativa de movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos. Tese de Doutorado, Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas, Universidade de Brasília, 264 p. CESSÃO DE DIREITOS NOME DA AUTORA:Adriana Coelho Saraiva. TÍTULO DA TESE: Movimentos em movimento - uma visão comparativa de dois movimentos sociais juvenis no Brasil e Estados Unidos. GRAU/ANO: Doutor/2010. É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta tese de doutorado e para emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta tese de doutorado pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor. Adriana Saraiva adrianac@cnpq.br iii
  • 4. AGRADECIMENTOS Agradecer é um importante ato de reconhecimento e retribuição, mas é também uma tarefa muitas vezes difícil de expressar em palavras. No âmbito acadêmico, quero agradecer o firme suporte, atenção e paciência de meu orientador, Gustavo Lins Ribeiro. Da mesma maneira, agradeço aos professores do Ceppac, que instigaram, de diferentes formas, minha curiosidade e ânsia de compreender, em especial ao Professor Roberto Cardoso de Oliveira, pelo exemplo e pelo apoio fundamental para o início desse percurso. Ao Professor Cristhian Teófilo da Silva, pelo estímulo e confiança que sempre expressou. Também lembro aqui a Professora Fernanda Sobral, sempre amiga e ao alcance de minhas ansiedades doutorandas, muitas vezes soube instilar-me ânimo e calma. Da mesma forma, a Professora Maria de Lourdes Mollo, por preciosas sugestões. À(o)s colegas de curso, em especial à Juliana, Paola, Regina e Elizabeth, também agradeço pela amizade e troca de experiências que me propiciaram nesse período. No campo pessoal, quero agradecer aos amigos, por tanta paciência, carinho e espera. À minha família, agradeço por diferentes tipos de apoio e pelo carinho e estímulo que sempre me proporcionam. Ao irmão Francisco Caqui, por conversas e trocas de idéias inspiradoras; aos irmãos e sobrinha, Bruno, Simone e Cecília, por generosamente me acolherem em Washington e por me brindarem com conversas que contribuiram para ampliar meus conhecimentos sobre os Estados Unidos; a Clarissa e Verônica, irmãs queridas, por oferecerem amizade, conforto e apoio incondicionais nos momentos mais difíceis. Aos Tios Clausius e Vilneyde, por sempre se disporem a ajudar. Ao Armando, por conseguir paciência para esperar e a Diogo, pelas trabalhosas transcrições. Ainda no âmbito familiar quero agradecer ao meu filho Felipe, que me provê com seu carinho e expertise tecnológica, de que tanto necessito. E à minha filha Leila, por me inspirar e me apresentar novas formas de ação e pensamento; por ouvir e acompanhar pacientemente minhas quase infinitas angústias durante esse caminhar; por ser, enfim, uma grande companheira de jornada. Também ao Cled, meu genro, quero demonstrar minha gratidão por todas as horas de conversas e explicações com as quais me apresentou os anarcopunks e outros movimentos autônomos; e aos demais e queridos sobrinhos, por diferentes apoios. Não posso esquecer, aqui, meu imenso agradecimento a meu pai, figura amada de intelectual sólido e íntegro, que será sempre iv
  • 5. uma inspiração e uma saudade para mim. E à minha mãe, por fim, eterno iluminar, também agradeço pela paixão combativa – quase obstinação - que me ensinou a buscar a realização daquilo a que me determino. Quero, finalmente, agradecer aos movimentos sociais que se constituíram em personagens centrais dessa empreitada. Nos Estados Unidos, a todos aqueles que, com boa vontade, se dispuseram a ser entrevistados, a darem dicas, explicações, indicações, tudo que pudesse contribuir para a ampliação de meus conhecimentos sobre a realidade americana. Meu agradecimento especial aos jovens ativistas do Baltimore Algebra Project, que tão gentilmente se dispuseram a ser ‘meus sujeitos de pesquisa americanos’. No Brasil, como não poderia deixar de ser, o meu profundo agradecimento aos militantes/ativistas do MPL e da Convergência de Grupos Autônomos. Por sua confiança e entrega; pela permanente paciência em me esclarecer sobre tantos e tão variados aspectos; pela forma como souberam ultrapassar barreiras naturais devidas ao fato de ser uma ‘mãe de ativista’; enfim, pela amizade que sempre recebi de todos e por ter tido a oportunidade de aprender novas formas do pensar-fazer político. Espero retribuir, pelo menos parte do que recebi dos dois movimentos sociais a que me dediquei nessa tese, com uma tradução e interpretação que faça jus à forma solidária e generosa com que atuam em suas sociedades. Finalmente, agradeço ao CNPq por me ter possibilitado a oportunidade de embarcar na grande aventura que é a construção do conhecimento. A todos, a minha profunda gratidão. v
  • 6. RESUMO Esta tese está centrada na observação e compreensão de movimentos sociais juvenis urbanos da contemporaneidade que adotam uma perspectiva radical de luta social. Para isso, apoiou-se em uma pesquisa etnográfica sobre o Movimento Passe Livre–DF – um movimento que foca sua luta na questão dos transportes e na concepção do direito à cidade – comparando-o com o movimento estadunidense Baltimore Algebra Project, um ‘programa- movimento’, concebido por um ex-ativista da luta por direitos civis, voltado para a educação pública de qualidade e com foco na questão identitária negra. Em Baltimore, esse programa desenvolveu características radicais, ao enfrentar uma crise fiscal que se abateu sobre a cidade. Enquanto na parte brasileira, foram utilizados os recursos habituais da pesquisa etnográfica, no caso do movimento norte-americano, dado o curto período de tempo para realizar a etnografia, os dados foram complementados por pesquisa documental. Para analisar os movimentos, são recuperadas parte da literatura referente aos Novos Movimentos Sociais, perspectivas teóricas sobre juventude, tecnologias de informação e comunicação e anarquismo. Após dedicar dois capítulos a cada um dos movimentos, onde suas principais características de pensamento e ação são traçadas, procedo à comparação entre os dois, contrastando alguns princípios/mecanismos de funcionamento (não-liderança, processos decisórios e ação direta) e sua concretização na prática de cada movimento; a forma como constituem uma perspectiva ampla a partir de suas lutas aparentemente pontuais – processo que denomino de ‘tema englobante’; a relação dos movimentos com o Estado e a forma como configuram perspectivas de políticas públicas e direitos sociais; e, finalmente, a relação de cada movimento com as tecnologias de informação e comunicação. Dentre as conclusões obtidas por esta pesquisa destacam-se o redimensionamento da noção de ‘especificidade’ dessas lutas, face à ‘perspectiva englobante’ desenvolvida pelos movimentos; a constatação da relativização da noção de autonomia, que varia de acordo com inter-relações entre sujeito, coletivo e circunstâncias (locais, nacionais e globais) de opressão e privação; e as diversas formas de apropriação das tecnologias de informação e comunicação pelos diferentes movimentos. Finalmente, ressalto a percepção de que os movimentos sociais estudados não podem ser compreendidos como movimentos voltados para causas pontuais ou identitárias, pois ampliam suas lutas, agregando diversificadas opressões. Palavras-chave: movimentos sociais urbanos; movimentos sociais juvenis; movimentos sociais autonomistas; direito à cidade; luta pela educação; luta pelo transporte; novas tecnologias de informação e comunicação; novíssimos movimentos sociais; lógica da afinidade pela afinidade. vi
  • 7. ABSTRACT This dissertation is centered on the observation and understanding of contemporary urban youth social movements which adopt a radical perspective of social struggle. In order to do this, an ethnography of the Movimento Passe Livre DF – which focuses on the fight for free transportation, based on the idea of the right to the city – was conducted. This movement was compared to the US movement Baltimore Algebra Project, conceived by a former civil rights movement activist, which works for quality public education with a focus on black identity. In Baltimore, the program developed radical features when it faced the city’s fiscal crisis. While in the Brazilian study a full- fledged ethnography was conducted, in the US counterpart, documental research supplemented the data. The analysis of the movements draws from the literature on New Social Movements, theoretical perspectives on youth, information and communication technologies and anarchism. Initially, each movement’s main lines of thought and action are described. A comparison of the the two movements follows, contrasting principles and operational mechanisms (non-leadership, decision-making processes and direct action) and how such principles play out in practice; the emergence of broad perspectives (comprehensive themes) from apparently punctual issues and the relation of the movements with the State and the manner in which they develop public policy and social rights approaches. Finally, the relations of each movement with information and communication technologies are analysed. In the conclusions we can highlight a reconceptualization of the notion of movement specifity, considering the comprehensive perspectives they take on; the relativization of the notion of autonomy, which varies with inter-relations between subject, collective and circumstances of opression and deprivation (local, national and global) and the varied forms of appropriation of information and communication technologies. Finally, I emphasize the perception that these movements cannot be understood as centered on indentities or punctual causes inasmuch as they broaden their struggles to address multiple oppressions. Key words: Urban Social Movements; Youth Social Moments; Autonomous Social Movements; Right to the City; Struggle for Education; Struggle for public transportation; New Informational Technologies; Newest Social Movements; Affinity for affinity logic. vii
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO – NOTAS SOBRE UMA PESQUISA COMPARATIVA EM MOVIMENTOS SOCIAIS .......................................................................... 1 I- CAPÍTULO O M 103 E MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO: CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA - QUE MOVIMENTOS SÃO ESSES? ............................... 8 1.1 Problematizando a Literatura .......................................................... 8 1.2 Novos Movimentos Sociais – debates antes durante e após os Movimentos Anti-Globalização ....................................................... 9 1.3 A Juventude e os Movimentos Sociais ............................................ 17 1.4 As Novas Tecnologias de Comunicação, as Redes e os Movimentos Sociais ............................................................................................. 20 1.5 Considerações Metodólogicas sobre uma comparação etnográfica.. 23 II- CAPÍTUL MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO (II): CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA - HISTÓRIA E RAÍZES DOS MOVIMENTOS AUTÔNOMOS CONTEMPORÂNEOS ................................................. 28 1.1 Os Movimentos Globais .................................................................. 28 1.2 Um Pouco Mais das Raízes Históricas: Um Passeio sobre o Anarquismo ..................................................................................... 36 III- O MOVIMENTO PASSE LIVRE – MPL: “POR UMA VIDA SE CATRACAS! ” ................................................................................ 55 3.1 Brevíssima Contextualização das Lutas Sociais Urbanas no Brasil. 55 3.2 Brasília e os Movimentos Sociais .................................................... 62 3.3 O Movimento Passe Livre – MPL: histórico ................................... 64 3.4 Características e Princípios do MPL ............................................... 73 3.5 A Identidade dxs ativistas – ............................................................ 79 3.6 O Direito à Cidade: de quem é a cidade? ....................................... 98 IV- O MOVIMENTO AUTÔNOMO SAI ÀS RUAS BRASILIENSES: “EU PULO A CATRACA SIM!” .................................................... 4.1 Fluidez, Multimilitância e Multiforma, Redes de Movimentos ....... 103 4.2 “Ocupa e Resiste!” – relação intra e inter organizações de diferentes perfis ................................................................................................ 112 4.3 As ocupações como Rituais ............................................................ 133 V- O ALGEBRA PROJECT – ANTECEDENTES CONTEXTUALIZAÇÃO: “O PODER DO POVO VAI FAZER UM MUNDO NOVO" (Black Panthers) ................................................ 138 viii
  • 9. ix PELA EDUCAÇÃO 5.1 As lutas sociais nos EUA na década de 1960 ................................ 138 5.2 Uma Breve História de Bob Moses e o SNCC .............................. 153 5.3 Alguns comentários sobre o sistema educacional público nos Estados Unidos ...................................................................................... 158 5.4 Alguns comentários sobre a cidade de Baltimore ......................... 159 VI- O ALGEBRA PROJECT – DE COMO O ENSINO DA MATEMÁTICA PARA ESTUDANTES NEGROS SE TRANSFORMA EM MOVIMENTO RADICAL 6.1 Criação e estrutura do Programa de acesso à educação ................ 162 6.2 Baltimore Algebra Project: do programa-movimento ao movimento radical pela educação ..................................................................... 167 6.3 Alguns princípios que norteiam o BAP ......................................... 172 6.4 Quem são os ativistas do BAP? ..................................................... 174 VII- DISCUTINDO OS MOVIMENTOS: O EXERCÍCIO DA COMPARAÇÃO ............................................................................. 181 7.1 Como Princípios se Materializam na Prática: visão comparativa dos princípios adotados pelo Movimento Passe Livre e o Baltimore Algebra Project ........................................................................... 181 7.1.1 Não Liderança ............................................................. 183 7.1.2 Os Processos Decisórios ............................................. 189 7.1.3 A Ação Direta ............................................................. 191 7.2 Tema englobante: a construção da crítica à sociedade a partir do ativismo em uma causa específica .................................................. 199 7.3 Relação com o Estado ..................................................................... 203 7.4 Políticas Públicas, Direitos Sociais e Ação Política ........................ 212 7.5 Os movimentos e suas relações com as Tecnologias de Informação e Comunicação - TICs ........................................................................ 219 VIII- CONCLUSÃO: “SEJAMOS REALISTAS, QUEIRAMOS O IMPOSSÍVEL!” ............................................................................. 234
  • 10. INTRODUÇÃO: UMA PESQUISA COMPARATIVA EM MOVIMENTOS SOCIAIS “Teoria é quando nada funciona e todo mundo sabe por quê. Prática é quando tudo funciona e ninguém sabe por que. Aqui, onde juntamos teoria e prática, nada funciona e ninguém sabe por quê.” (ditado argentino utilizado por uma militante do MPL, ao gracejar, dizendo lembrar-lhe o movimento). Desde meados da década de 1970, tem-se tratado das transformações nas formas da ação social coletiva ocorridas, principalmente, na Europa e América do Norte, a partir da década de 1960. Na América Latina, e no Brasil em particular, esses processos se deram em meio a cenários de crescente militarização dos governos (também ocorridos durante a década de 1960) e, posteriormente, de redemocratização, o que resultou em algumas características específicas desses movimentos, bem como no embaçamento de traços que poderiam ser vistos como comuns àqueles vigentes entre os movimentos sociais contemporâneos do hemisfério norte. Já a partir do final dos anos 1980 e decorrer dos anos 90, foi possível observar transformações significativas no cenário global de movimentação social. Articulada com a idéia do ‘fim da história’ e ‘fim da ideologia’, que marcou especialmente os anos 90, firmou-se a noção de que certa apatia se abateu sobre os movimentos sociais em geral – desligados de ações amplas e/ou partidárias e às voltas com questões específicas, fugazes, pragmáticas ou vinculadas à identidade, sobretudo aqueles compostos por jovens, cujo comportamento passou a ser caracterizado como cada vez mais individualista. O Movimento Passe Livre (MPL) veio, juntamente com outras (inúmeras) ações coletivas similares ocorridas em nível nacional e global, questionar essa suposta apatia política. Entretanto, a especificidade de suas ações, o processo original de construção de suas concepções e práticas, bem como sua diferenciação em relação aos movimentos antecessores – tanto os de classe quanto os exclusivamente identitários – apontam o 1
  • 11. desafio de compreender melhor que movimentos são esses, quais as suas características, como se articulam entre si e com a sociedade, seja no plano onde ocorrem, como no plano global, e qual o papel desempenhado pelas novas tecnologias de comunicação utilizadas nesse processo. Esta tese pretende contribuir para a compreensão dos processos políticos da atualidade, bem como para a reflexão dos próprios grupos, no sentido de, juntamente com seus integrantes, desvendar caminhos, perspectivas e subjetividades neles envolvidas. O exame comparativo de movimentos de jovens no Brasil e nos Estados Unidos pode permitir uma percepção mais ampla das similaridades e diferenças de um fenômeno atual e global. Confrontá-los a partir dos diferentes contextos sócio-culturais e políticos em que ocorrem pode contribuir para desnudar complexas relações entre o local e global, entre o passado e o presente que caracterizam as concepções e práticas políticas contemporâneas. Essa tese está, portanto, orientada para refletir sobre o que chamo de radicalidade política da juventude nos anos 2.000. Não se trata de utilizar acríticamente teorias elaboradas no exterior para a análise de movimentos sociais latino-americanos, fato corretamente criticado por Maria da Glória Gohn (2005), entre outros autores. Entretanto, como Richard Day (2006) trata de um fênomeno com características globais, considero interessante elencá-lo como referência para o exame dos movimentos em foco. Por ativismo radical entendo, com base na compreensão deste autor, as tentativas conscientes de alterar, impedir, destruir ou construir alternativas de estruturas, processos, práticas e identidades dominantes. O foco desse ativismo são as lutas que procuram mudar na raiz, buscando tratar não apenas o conteúdo de modos correntes de dominação e exploração, mas também as formas que dão origem a elas. Nesse sentido, significaria, por exemplo, que, mais do que lutar pela igualdade entre homens e mulheres, os ativistas radicais se dedicariam a promover lutas que eliminassem o patriarcalismo em todas as suas formas de expressão. Na concepção de Day (2006), o ativismo radical empurra para além as possibilidades e os limites de uma reforma liberal, sem desconsiderar inteiramente as tentativas de alterar o status quo. Por outro lado, esse ativismo também não busca, meramente, um retorno nostálgico aos velhos movimentos de esquerda do século XIX, tampouco uma volta à ‘nova esquerda’: “Há alguma coisa mais acontecendo aqui, alguma coisa diferente, que tento indicar usando algumas vezes o termo ‘Novíssimos Movimentos Sociais’ para descrever essas correntes nas quais estou mais interessado.” (Day, 2006:5) 2
  • 12. Ele chama a atenção para o fato de que compreender pelo que lutam esses movimentos, a favor e contra, é um empreendimento necessário, embora arriscado: há muito desacordo nessa matéria, dentro das comunidades de ativistas e entre elas, e os estudiosos não têm tido maior sorte em encontrar um consenso. O primeiro sujeito alvo de meu estudo é o Movimento Passe Livre, movimento social autônomo brasileiro que luta pela reestruturação dos transportes públicos urbanos e apresenta características bastante inovadoras frente ao cenário político local e nacional. O segundo, o Algebra Project, um movimento/programa centrado na ação de estudantes negros – os tutors – que busca melhorar o nível da educação das populações negras dos Estados Unidos a partir do ensino peer to peer de álgebra. Em Baltimore, cidade do estado de Maryland, vizinha a Washington – DC, esse programa adquiriu contornos de um movimento radical ao se lançar na luta pela preservação das verbas destinadas ao programa e cortadas pelas escolas públicas locais a título de economia de recursos. A escolha do primeiro movimento social não se deu por acaso. Trata-se do movimento que vi esgueirar-se em minha casa, insinuando suas formas, ações e pensamentos, com os quais tinha apenas uma vaga intimidade, ao me fazerem lembrar velhos princípios anarquistas. Foi estranhando as idéias, ações e argumentos que me foram apresentados pouco a pouco em minha vida cotidiana e doméstica que percebi que estava ali algo que merecia uma reflexão mais aprofundada, por ser um exemplo da criatividade que move jovens e movimentos sociais, desafiando o estabelecido, o lugar comum e noções culturais como a de ‘emocracia representativa’ ou ‘política partidária e a partir do voto’ que, de tanto serem repisadas, findam tornando-se a ‘única e pura expressão da verdade’. Foi a partir da observação da militância/ativismo1 de minha filha e seus amigos que travei os primeiros contatos com o MPL. E, como ela esteve presente desde o início 1 No início do movimento, houve um intenso debate quanto ao termo a ser utilizado para definir a ação de seus integrantes no âmbito do MPL: de um lado, muitos defendiam o uso do termo militância, por ser este já empregado para designar a ação de uma pessoa em um movimento de cunho político e social, trazendo à mente uma noção de responsabilidade e compromisso; por outro lado, outros integrantes advogavam a utilização do termo ativismo, justamente por não ser tão usado no Brasil e, portanto, diferenciar-se dos significados costumeiramente atribuídos ao termo ‘militância’ que denotavam posturas e atitudes das quais se queria afastar. Atualmente, esse debate já não provoca mais os militantes/ativistas do MPL que passaram a usar ambos os termos como sinônimos. Atribuo esse processo à constituição da identidade dos participantes do MPL que agora já se encontra bem definida, sem despertar maiores ansiedades quanto às suas diferenças em relação à ‘militância tradicional’. 3
  • 13. do movimento, pude perceber os processos percorridos entre a sua criação, os momentos de auge de suas ações, as crises e reflexões permanentes do grupo. É bem verdade que o fato de ser mãe de uma ativista também proporcionou momentos de estranhamento de minha parte e da parte dos integrantes do movimento. Tivemos eu, minha filha e seus amigos (que também se tornaram meus amigos) que romper com algumas sensações de desconcerto, quando minha relação como mãe ou ‘mãe da amiga’ se confrontava com uma postura mais (equi)distante de pesquisadora. Da mesma forma, ouvi várias vezes comentários como este: “Nossa, nem imagino minha mãe aqui, no meio da gente!” ou “Queria que minha mãe também fosse assim...” Foi também por essa aproximação, tão inquestionável e sólida, que pude contar com a confiança, amizade, boa vontade e muita paciência dos ativistas do MPL. Foi, enfim, graças a essa proximidade que me coloco na fronteira entre aqueles que estudam e que se envolvem com seus sujeitos pesquisados, devendo esse fato ficar claro desde o início desta tese. No que tange à escolha do segundo grupo, com o qual comparei o MPL, o processo de escolha foi mais complexo, aliás como costuma ser em qualquer pesquisa de campo comparativa. Ao escolher os Estados Unidos como local onde realizaria a comparação, tinha em mente o fato de ter ocorrido nesse país, em Seattle, a primeira e massiva manifestação “antiglobalização”. Estava orientada para pesquisar o Indymedia, movimento surgido em 1999, durante a referida manifestação, e exemplar quando se trata da cultura de movimentos autônomos e da utilização dos novos meios de comunicação. Entretanto, a cidade que selecionei como objeto de minha pesquisa foi Washington – DC, que apresentava como ponto adicional de interesse o fato de permitir comparar movimentos sociais em duas capitais: de um lado, a de um país em desenvolvimento do que agora chamam o ‘Sul Global’ – com crescente projeção mundial, inclusive no tocante aos movimentos sociais –; de outro, a capital do país mais rico e poderoso do mundo, ainda que sob intensa crise econômica, no Norte Global.2 Quando comecei a estabelecer contato com militantes da capital estadunidense, pouco antes de minha viagem, foi se aprofundando a percepção de que a realidade de Washington era bastante distinta daquela da capital brasileira. Vários e-mails trocados e 2 Utilizo a terminologia de ‘Norte e Sul Globais’ em vez de outras já consagradas como 1º e 3º mundos, países periféricos/centrais, países globalizados/globalizadores etc.. Essas terminologias refletem, como chama a atenção Robertson (1990), um particular mapeamento do mundo, do ponto de vista científico e social (e político) – com várias conotações –, procedimento cristalizado a partir da década de 1960, quando começaram a proliferar inúmeros e conflitantes mapas ideológicos e/ou científicos do sistema mundial de sociedades nacionais. Os movimentos sociais têm preferência por essa terminologia que se despoja de alguns parâmetros classificatórios inerentes às anteriores. 4
  • 14. entrevistas realizadas, bem como tentativas de contatos com grupos locais, foram me fazendo ver que DC, por ser a capital do Império, uma cidade cara – em que circulam muitos recursos econômicos oriundos de todo tipo de fundações, empresas, lobbies etc. – apresentava uma cultura política local bastante peculiar. Nesse sistema, as organizações não governamentais (ONGs) proliferam e os ativistas e organizadores sociais têm uma vida instável e, muitas vezes, provisória. Foi assim que fiquei sabendo que o Indymedia local havia se desestruturado há já algum tempo, premido por conflitos internos que não me foram detalhados. Dessa forma, procurei imediatamente estabelecer/reforçar contatos que me propiciassem a identificação de um novo grupo – preferivelmente de jovens – com características básicas similares que pudessem ser interpretadas como uma expressão de radicalidade. Nesse percurso, entrevistei vários ativistas de diferentes grupos/associações/ONGs que muito contribuíram para melhor delinear o cenário de ativismo social de DC, bem como as peculiaridades de vários de seus movimentos. Foi a partir de suas informações e indicações e simultaneamente ao contato com três outros grupos distintos3 que optei por aprofundar minha pesquisa sobre o Algebra Project, movimento/programa de luta pela educação, de Baltimore, levando em conta algumas considerações sobre as quais me deterei ao final deste capítulo, quando discutir as questões metodólogicas do trabalho. Cabe ainda tecer um último comentário quanto à realização deste trabalho. Quando escolhi os Estados Unidos como locus da pesquisa contrastiva e passei a explorar a área a partir da internet, observando sítios e participando de redes de e-mail, percebi que a questão identitária provavelmente faria parte de meu trabalho nesse país. De fato, o que findou por ocorrer foi que – sem que houvesse me proposto originalmente a isso – veio a ser selecionado justamente um grupo para quem a questão identitária é central: os jovens estudantes negros de Baltimore. Como poderemos perceber no decorrer desta tese, vários são os desdobramentos da escolha realizada, que apontam manifestações distintas de radicalidade da juventude, das quais procurarei dar conta da melhor forma possível. 3 Os três outros grupos eram o Code Pink, grupo composto basicamente por mulheres que luta contra as guerras protagonizadas pelos Estados Unidos, com grande e espalhafatoso repertório de ações diretas; o Positive Force, grupo composto por punks cuja ação se baseia em fazer concertos beneficentes e apoiar comunidades de idosos – geralmente ‘de cor’, nos bairros mais pobres de DC; e o One DC, espécie de associação de bairro composta, em sua maioria, por mulheres mais velhas e negras e inserida na coalização de movimentos Right to the City. Cada um desses grupos, por diferentes motivos, fizeram-me pensar que não seriam o par adequado da comparação que pretendia realizar com o MPL. 5
  • 15. Por fim, uma das grandes críticas feitas por parte de militantes de movimentos sociais refere-se ao fato de que os pesquisadores, não sendo militantes dos movimentos, raramente conseguem, em suas análises e reflexões, aduzir conhecimentos que interessem diretamente a eles. Este trabalho, a despeito de não ser realizado por uma militante, tem o propósito de contribuir para a compreensão dos processos políticos da atualidade e também de refletir conjuntamente com os próprios movimentos no sentido de desvendar caminhos, perspectivas e subjetividades envolvidas. Para dar conta dos dois universos pesquisados e realizar a comparação pretendida, estruturei essa tese com a seguinte distribuição em capítulos. No primeiro capítulo, traço uma contextualização teórica em que resgato parte da vasta literatura sobre movimentos sociais, em especial aqueles denominados ‘novos movimentos sociais’. Discuto suas fases e ciclos, vindo, posteriormente, a discorrer sobre a relação entre juventude e movimentos sociais e o papel das tecnologias de informação e comunicação nesse contexto. Finalizo, tecendo considerações metodológicas sobre a tese. No segundo capítulo, ainda procurando demarcar o contexto no qual me movimento e buscando traçar um background de filiação/inspirações para os movimentos autônomos brasilienses, faço uma breve recuperação da história recente dos movimentos sociais desde a década de 1990, passando pelo levante zapatista e pelos movimentos ‘anti-alter-globalização’. Passo, a seguir, a lançar os olhares sobre a teoria anarquista em geral. Embora reconheça ser esta uma abordagem incompleta, meu objetivo nessa seção é procurar situar o leitor em relação a muitos aspectos e temas que envolvem a compreensão dos sujeitos políticos a que me proponho observar e tratar neste trabalho. Os dois primeiros capítulos desta tese, portanto, se propõem a traçar uma contextualização desses sujeitos, inserindo-os em um período histórico e em uma discussão acadêmica que envolve vários ângulos, indicando o ambiente em que transitaremos na jornada de tradução e compreensão dos movimentos sociais radicais da contemporaneidade. No terceiro capítulo, apresentarei o Movimento Passe Livre. Após traçar um rápido panorama dos movimentos sociais urbanos no Brasil e em Brasília, me atenho à história do movimento, onde se insere a criação da rede Convergência de Movimentos Autônomos (CGA). Detenho-me, então, sobre algumas características e princípios que norteiam a ação do MPL e volto-me para a elaboração da identidade do ativista autônomo brasiliense. Finalmente, passo a expor a perspectiva de direito à cidade 6
  • 16. desenvolvida pelo grupo. No quarto capítulo, ainda focando no Movimento Passe Livre, exploro as características de fluidez e multimilitância que detecto no movimento; descrevo e abordo as estratégias de luta utilizadas por ele, bem como suas relações intergrupos autônomos e com outras organizações políticas. As ocupações realizadas pelo MPL são, assim, tratadas simultaneamente como estratégias políticas e mecanismos rituais. No quinto capítulo, voltando-me para o movimento social estadunidense, busco delinear um contexto amplo, no qual se possam melhor compreender as especificidades do Algebra Project. Assim, no início, recuperando as lutas sociais ocorridas nos Estados Unidos, na década de 1960, por constituir um pano de fundo sobre o qual o Algebra Project irá se assentar três décadas depois. Trato, em seguida, da história pessoal do fundador do Algebra Project, ao mesmo tempo em que dou pinceladas sobre a questão educacional nos Estados Unidos e sobre a cidade de Baltimore, onde eclodirá, sob uma forma mais radical, em 2004, o movimento que estudo. O sexto capítulo será dedicado a uma descrição mais pormenorizada do ‘progama-movimento’, tanto em sua constituição nacional, como em sua expressão local. Procuro traçar um panorama dos princípios de ação e posições adotados por seus integrantes, bem como características gerais dos ativistas. No sétimo capítulo, procedo à comparação entre os dois movimentos sujeitos desta pesquisa. Centro minha atenção em como alguns princípios de funcionamento se concretizam na prática (não liderança, processos decisórios e ação direta); passando a comparar, em seguida, a constituição de uma perspectiva ampla pelos movimentos em questão a partir de suas lutas aparentemente pontuais – processo a que denomino ‘tema englobante’. Em seguida, volto-me para a relação dos movimentos com o Estado e a forma como, a partir de suas ações, configuram perspectivas de políticas públicas e direitos sociais. Finalmente, abordo a relação de cada movimento com as tecnologias de informação e comunicação. No oitavo e último capítulo, sintetizo e evidencio as conclusões aduzidas a partir da pesquisa realizada, apontando algumas outras perspectivas de investigação. 7
  • 17.  CAPÍTULO I    I – MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO: QUE MOVIMENTOS SÃO ESSES? – contextualização teórica 1.1 - Problematizando a literatura Existe uma vasta literatura centrada em diferentes aspectos dos movimentos sociais que dá margem à constituição de paradigmas com diferenças demarcadas. Sendo uma área por excelência interdisciplinar, este tema se converteu em um importante ramo de reflexão tanto na Sociologia quanto na Ciência Política. No que concerne à participação da Antropologia na abordagem do tema, como chama a atenção Edelman (2001), esta tem se dado de forma marginal, refletindo uma divisão de trabalho entre antropólogos, sociólogos e cientistas políticos: os primeiros têm se dedicado mais ao estudo de camponeses, pobres e minorias étnicas ou religiosas, enquanto os temas relacionados à ação coletiva ficariam a cargo dos dois últimos. A despeito da significativa produção acadêmica, muitos autores reconhecem a dificuldade de teorizar sobre o tema (Gohn, 2006 [1997]; Melucci, 1994). Gohn atribui a isso o fato de que “os movimentos transitam, fluem e acontecem em espaços não consolidados das estruturas e organizações sociais, na maioria das vezes, questionando-as e propondo novas formas de organização” (Gohn, 2006:12). Além disso, vale notar que essa produção teórica com características tão marcantes e diversificadas quanto as que apresentam as abordagens européias, norte- americanas e latino-americanas denota a existência de contextos históricos, políticos e sociais distintos, bem como de movimentos sociais específicos (Gohn 2006:13). Como 8
  • 18. adverte a autora, assim como os movimentos se apresentam em ciclos, com ênfases particulares a cada momento histórico, as categorias criadas para análise e os conceitos produzidos também são datados historicamente. É correta sua perspectiva quando afirma que: Os movimentos sociais são fenômenos históricos, decorrentes de lutas sociais. Colocam atores específicos sob as luzes da ribalta em períodos determinados. Com as mudanças estruturais e conjunturais da sociedade civil e política, eles se transformam. [...] São objetos de estudo permanente (2006:19-20). 1.3 - Novos Movimentos Sociais – debates antes, durante e após os movimentos antiglobalização Os novos movimentos sociais (NMS) compreendem uma geração deles cujas origens remontam aos anos 1960 e englobam uma série de natureza diversa como feminista, étnica, racial, sexual, ecológica e outros. Tais movimentos implicariam uma ruptura com o padrão tradicional, uma vez que retiram o foco da noção de classe social e lutas de classe e passam a considerar centrais questões de identidade e cultura, sejam étnicas, de gênero, sexualidade ou outras. Como afirma Gohn, o novo sujeito desses movimentos [...] é um coletivo difuso, não hierarquizado, em luta contra as discriminações de acesso aos bens da modernidade, e, ao mesmo tempo, crítico de seus efeitos nocivos, a partir da fundamentação de suas ações em valores tradicionais, solidários, comunitários (2006: 121). Uma das marcas desses movimentos é, portanto, a politização dos aspectos cotidianos da vida, sendo os participantes das ações coletivas vistos como atores sociais. De autores como Touraine (1970, 1985, 1999, 2004, entre outros textos), Melucci (1980, 1994, 1996, 2001, entre outros), Offe (1985, 1989, entre outros), Laclau (1980) e Mouffe (1985, entre outros) vieram grandes contribuições para a construção dessa perspectiva ampla e diversificada, descortinando a especificidade dos novos movimentos sociais em face dos movimentos de classe, considerados pela abordagem marxista e tão caros ao continente latino-americano. A abordagem dos NMS também enfatiza o papel, na cena política, de mais um ator: a sociedade civil. Ela passará a despontar como responsável por grandes conquistas da sociedade. Embora não vise à conquista do poder, os movimentos geram demandas a serem atendidas pelo Estado, propiciando, assim, a instalação de um processo de democratização da sociedade. Especialmente durante a década de 1990, as 9
  • 19. organizações não governamentais passaram a assumir um papel determinante, conferindo à ação política um aspecto profissional e pragmático. É o que se convencionou chamar de ‘política de demandas’. Na perspectiva de Gohn (2006:125), os NMS recusam a política de cooperação entre as agências estatais e os sindicatos e estão mais preocupados em assegurar direitos sociais – existentes ou a serem adquiridos – para suas clientelas. Usam a mídia e a organização de atividades de protesto para mobilizar a opinião pública como forma de pressão sobre órgãos e políticas estatais. Por meio de ações diretas, buscam modificar os valores dominantes e alterar situações de discriminação, principalmente dentro da sociedade civil. Acrescentem-se a isso as alterações ocorridas na organização desses movimentos, que passaram a um patamar de demandas mais culturais, tornaram-se mais descentralizados, com menos hierarquias internas e desenvolveram estruturas colegiadas mais participativas, abertas, espontâneas e fluidas. As lideranças, na análise dos NMS, continuaram a ter importância, mas são apreendidas ao atuar em grupo, formando correntes de opiniões. Embora fragmentadas, desposando orientações plurais e às vezes conflitantes, as redes de informação e cooperação constituem-se em mecanismos essenciais para a atuação e desenvolvimento dos movimentos (Castells, 2005a, 2005b, entre outros). Por outro lado, como destacam Laclau e Mouffe (1985), a participação nos NMS já é uma meta em si, uma vez que as práticas cotidianas dos movimentos incorporam, em sua forma embrionária, as mudanças procuradas. É o que os anarquistas e os próprios ativistas costumam chamar de prefigurativismo, ou o que Katsiaficas (2006) observa nos movimentos autônomos feministas italianos entre as décadas de 1970-80 como sendo ‘a política praticada na primeira pessoa’. Na perspectiva deste último, a política de identidade implementada pelos NMS começa com um processo de desbloqueamento das estruturas de dominação que precisa eventualmente resultar na completa desconstrução de identidades e na reformulação como seres humanos autônomos, essencialmente livres de externalidades impostas. Os NMS difundem, assim, o conflito para âmbitos de relações sociais cada vez maiores (Gohn, 2006; Alvarez, Dagnino e Escobar, 2000; Katsiaficas, 2006). Num contexto teórico com tais contornos, Touraine se volta para a análise e compreensão dos movimentos sociais do continente latino-americano (apud Gadea e Scherer-Warren, 2005). O autor busca desvendar o caráter particular assumido pelos 10
  • 20. movimentos sociais nesse continente, que dizem muito do tipo de ‘modernidade’ – ambígua e em constante tensão – que caracteriza, em sua perspectiva, a região. Mesmo percebendo a racionalização segundo o prisma foucaultiano (como fortalecimento da lógica de integração social e controle do indivíduo sob uma multiplicidade de lógicas de poder), Touraine aponta a presença dos atores sociais, impacientes por seu reconhecimento na condição de sujeitos. Assim, tornar-se-ia compreensível que, em meio a tantas contradições sociais, o primeiro impulso desse sujeito não fosse a superação imediata das contradições, mas, ao contrário, o alívio de seu sofrimento como sujeito desgarrado de uma religião, de uma natureza auto- organizada ou de uma sociedade racional. Touraine retoma, dessa forma, a inserção do sujeito na modernidade latino- americana: a contínua tensão entre o universo instrumental expresso pelos contornos racionalizadores da sociedade e o universo simbólico traduzido na produção e afirmação dos sujeitos sociais gerará uma demanda por subjetivação, afirmação e reconhecimento dos aspectos culturais das identidades pessoais e sociais. Na perspectiva tourainiana, os movimentos sociais estariam dirigidos ao alívio dessa tensão, assim como para um esforço de subjetivação, visto como a busca de um sujeito por seu reconhecimento como ator social. No cenário dessa particular modernidade latino-americana, Touraine discute temas como democracia, sujeitos sociais e a própria modernidade. A idéia de democracia do autor extrapola o sentido de um conjunto de garantias institucionais e se configura na luta do sujeito, em sua cultura e liberdade, contra a lógica dominadora dos sistemas sociais. Nessa concepção, os sujeitos protegem sua memória e combinam pensamento racional, liberdade pessoal e identidade cultural. A abordagem tourainiana também considera que a idéia de revolução está para a noção de ‘povo’ (forma pela qual o Estado percebe a sociedade) como a de movimento social está associada à de sujeito, constituindo uma oposição incontornável entre as duas maneiras de pensar e agir (Touraine, 2007:150). Vinculado à sua concepção de sociedade e movimento social, o autor constrói uma noção de democracia que, a seu ver, deve ser capaz de criar espaços para participação cada vez mais perceptíveis e garantir o respeito às diferenças individuais e ao pluralismo. Assim, a formação de movimentos sociais dependeria muito menos de situações e condições objetivas do que de elementos formadores de atores definidos, ao mesmo tempo, por um determinado conflito social e por uma vontade de participação social. O sujeito social assim 11
  • 21. analisado estaria centrado no movimento social, e não na classe social, já que o conceito da última encontraria escassa verificação empírica, não parecendo ter tanta utilidade na compreensão do cenário político e social do continente. O marco de análise tourainiano será, portanto, permeado por uma combinação entre movimento social e as questões próprias da diversidade cultural, entre mobilização e identidade pessoal e cultural; e a constituição do sujeito se daria a partir da mescla entre o universal e o comunitário Os novos movimentos sociais são também analisados por correntes teóricas diferenciadas, especialmente as norte-americanas, que privilegiam outras perspectivas, tais como os recursos estratégicos e as estruturas de oportunidade. Essas abordagens se pautam em grande parte na ótica proposta por Olson (1965), que se caracteriza por uma rejeição da irracionalidade do indivíduo e uma concepção das ações coletivas como somatório de decisões estratégicas tomadas individualmente. Em outras palavras, uma abordagem pautada pelo individualismo metodológico. Nessa abordagem, a adesão ao grupo se dá mediante incentivos e sanções. Aqui, de diferentes maneiras, são importantes autores como McCarthy e Zald (1973, 1977 e 1996b, entre outros), Gamson (1982 e 2006, entre outros), Tilly (1978, 1984, 1995, entre outros), McAdam (1982, 1994) e Tarrow (1983, 1994, entre outros). Muitas críticas foram tecidas em relação a essa abordagem (veja, especialmente, Gohn, 2006), entre as quais se menciona a não diferenciação entre comportamento convencional e de protesto, a normatização do impacto das ações coletivas, o impacto do individualismo na concepção de sociedade, ou a incapacidade de tais teorias de lidar com questões relacionadas a entusiasmo, espontaneidade, experiências de conversão e sentimentos de solidariedade e compartilhamento (Edelman, 2001). Fragmentação, localidade, fundamentação em identidade ou objetivos únicos, autonomia e não hierarquização são características que apontam semelhanças, à primeira vista, entre os movimentos sociais alvo deste estudo com a abordagem dos novos movimentos sociais. Como são amplas as características atribuídas a eles, é possível perceber diferenças que tipifiquem uma nova categoria de movimentos atualmente em curso? É bom ressaltar que o próprio tema da ‘novidade’ dos NMS também configura um amplo debate, rico em nuances (veja Gohn, 2006). Alguns especialistas constatam, sob a perspectiva histórica, a existência de continuidades nas concepções/práticas ativistas de uma fase para outra e entre movimentos (Edelman, 2001:297). Por outro lado, autores como Johnston, Laraña e Gusfield sustentam que um dos méritos dessa abordagem é “chamar a atenção para o significado das mudanças 12
  • 22. morfológicas na estrutura e na ação dos movimentos, relacionando-as com transformações estruturais na sociedade como um todo” (1994: 6). Nesse contexto, Mouffe (1988) julga que a novidade dos NMS deriva de novas formas de subordinação ao capitalismo tardio e sua eclosão resulta da crise da modernidade, focalizando em lutas sobre o simbólico, informacional e cultural. No mesmo sentido, Katsiaficas (2006) identifica na política de identidade a fragmentação do proletariado universal, em uma época em que a velocidade e a mobilidade ocorrem em níveis sem precedentes e em que, sob condições pós-fordistas, a natureza do capital global faz a conquista do poder político nacional se tornar crescentemente supérflua. Na opinião de Gohn, por sua vez, “o novo se refere a muitas coisas, conforme o lugar em que ocorra, mas, em todo caso, significa uma nova forma de fazer política e a politização de novos temas” (2006:125). Do outro lado do espectro, autores que defendem a existência de uma continuidade dos movimentos partem da premissa de que aqueles que caracterizam essa abordagem sempre coexistiram com aqueles considerados ‘tradicionais’, mas foram, paulatina ou drasticamente, absorvidos pelo mainstream dos movimentos sociais – ou das abordagens acadêmicas que, antes, priorizavam a noção de classe social. Com relação a essa questão, Edelman (2001) observa que, no intuito de legitimar e forjar novas identidades coletivas, os próprios movimentos feministas, ecologistas, homossexuais e outros buscaram esquecer as histórias de seus antecessores políticos. Para o autor, a formulação dos movimentos sociais por ondas (ou fases) torna-se problemática; pois, ao privilegiar gerações políticas, tende a mascarar variações entre os movimentos e organizações em torno de raça, classe e orientação sexual, tanto quanto entre ondas e pós-ondas. Ainda segundo Edelman, teóricos do processo político não identificaram, em geral, grandes distinções entre ondas ou entre novos e velhos movimentos, mas alguns (especialmente Tilly, 1986) estabeleceram uma ruptura entre as formas defensivas e paroquiais das ações coletivas características da Europa da metade do século XIX e o moderno repertório de reuniões públicas, demonstrações e greves que visam a barganhas com autoridades estabelecidas. Edelman sugere que alguns dos aspectos aqui analisados levantam questões que só poderiam ser tratadas etnograficamente por uma pesquisa informada historicamente. E acrescenta que a ampliação do campo social gerada pelo aparecimento do ativismo transnacional sugere que os desafios a serem enfrentados serão ainda maiores com a ‘globalização de baixo para cima’ (globalization from bellow) e seus múltiplos 13
  • 23. repertórios de ações, que combinam elementos pós-modernos (políticas informacionais, cyber-ataques etc.) com outros que reportam às antigas práticas de ação direta do século XIX, embora com audiências mais globais. Vale destacar a perspectiva delineada por Kling (2000), quando analisa as diversas formas de atuação dos movimentos sociais e os processos identitários a eles vinculados. O autor conduz sua análise aproximando-a dos atores sociais, sugerindo serem as narrativas um poderoso recurso na inserção de significados aos fatos ocasionais da vida diária, bem como às práticas através das quais as pessoas fazem escolhas, modelam ações e criam movimentos sociais. Kling adverte que, embora cada época histórica produza amplas categorias de identidade – algumas delas específicas por regiões e culturas particulares –, verificar-se-ia a coexistência de várias formas de organização em um dado período. Assim, as identidades de classe não são vistas como desdobramento lógico das posições econômicas estruturalmente fixas. Seriam, ao contrário, o resultado de um conjunto de textos reunidos por grupos sociais sob condições de industrialização: tais histórias ajudaram aquelas pessoas a fazer sentido a partir de suas experiências diárias. Ao tratar dos movimentos moldados sob as condições de um capitalismo fundado nas tecnologias de informação e comunicação que conduzem a uma era de complexidade social (Melucci, 1989, apud Kling) ou de modernidade tardia (Giddens, 1991), na qual a vida cotidiana é uma experiência significativamente diferente, o autor afirma: Se a história corrente é um indicador, há pouca razão para se supor que os futuros movimentos sociais vão replicar as dinâmicas da política baseadas em organização partidárias e focalizadas no Estado, como nas eras passadas (Id. ibid. 9). Outras características desse novo contexto ressaltadas pelo autor referem-se à reflexividade dos sujeitos que amplia o espaço da autonomia e da escolha humana, às novas tecnologias, seja no campo da informação/comunicação seja no da biologia, que expandem as arenas de atuação do sujeito, e à descentralização das políticas e seu relacionamento com o indivíduo, bem diferente das políticas relacionadas à modernidade em sua forma industrial – quando as grandes narrativas e questões sociais circunscritas, entre outros fatores, agiram como forças centrípetas para conduzir movimentos unificados em torno de temas comuns. Os grupos que lutam por autonomia na modernidade tardia são menos institucionalmente conectados por posições econômicas, menos burocráticos, mais desligados do Estado e mais concernentes a questões de comunidade e identidade cultural. São movimentos complexos, politicamente polivalentes e auto-reflexivos. Não mais compartilham um projeto histórico comum. As histórias contadas pelas pessoas são mais privadas, comunitárias e provincianas. Tais 14
  • 24. narrativas minam o Estado como uma arena de mudança social e dificultam as possibilidades de políticas públicas redistributivas (id. ibid. 11). Por um lado, a abordagem desenvolvida por Kling levanta questões quanto ao fato de ser o Estado o único agente (se e quando, de fato, o é) de políticas redistributivas, ao passo que ilumina alguns aspectos a serem discutidos neste trabalho no que se refere às narrativas como forma de dar sentido às experiências políticas individuais – em face das condições históricas, econômicas e sócio-culturais específicas em que os movimentos contemporâneos têm lugar –, bem como no que concerne aos desafios que essas formas de organização enfrentam na construção/consecução de seus objetivos. Por outro lado, essa abordagem também dá margem a questionamentos como o desenvolvido por óticas marxistas heterodoxas, como a adotada por Nildo Viana (2008), que aponta, na fragmentação e heterogeneidade, o principal reflexo e fragilidade de movimentos que se espelham na perspectiva pós-estruturalista [como] expressão da reação burguesa, que busca realizar uma contra-revolução cultural preventiva” (Viana, Caderno de Provocações de Pensamentos Heterodoxos, 2008:40). Scherer-Warren (1998), por sua vez, enfocando a questão da estruturação em rede dos movimentos sociais da contemporaneidade, aponta dois tipos de ações coletivas: i) as redes de comunidades virtuais identitárias e ii) as manifestações de massa. Para a autora, a primeira corresponderia à forma como os múltiplos atores específicos dos NMS marcam sua presença e dão continuidade ao movimento no cenário globalizado, com um caráter muito mais próximo das comunidades virtuais, baseadas em intercâmbios solidarísticos, do que das formas de organizações coletivas centralizadas. O segundo tipo de ação coletiva seriam respostas ao paradoxo da inclusão-exclusão social, característico da atualidade, alimentando-se do substrato social das redes identitárias e estabelecendo uma espécie de rede das redes para promover seus processos de mobilização. Ainda no que se refere às redes de comunidades, a autora destaca que os novos movimentos sociais vêm assumindo essa característica de redes sociais complexas, na medida em que: i) são referências simbólicas, de orientação ética e política para sujeitos individuais e coletivos agirem em seus contextos sociais; ii) são canais de solidariedade que se intensificam em circunstâncias conjunturais em que os sujeitos são chamados a apoiar, estratégica ou simbolicamente, iniciativas em face de problemas que afetam o público-alvo do movimento de referência; iii) configuram um enorme conjunto de práticas dispersas com autonomia entre si, com agendas e projetos próprios, mais 15
  • 25. abertas a parcerias, intercâmbios e cooperações com sujeitos e associações congêneres ou receptivas a mobilizações em decorrência de afinidade ética ou política; iv) tornam- se referência de uma condição de sujeito e de um lugar de pertencimento eticamente qualificado na sociedade contemporânea, em contraposição a condições sistêmicas de exclusão ou aniquilamento dos sujeitos. Alvarez, Dagnino e Escobar (2006[1998]), por sua vez, destacam, ao analisarem os movimentos sociais latino-americanos, uma importante articulação dos conceitos de política cultural e cultura política. A utilização que esses autores fazem do conceito de política cultural chama a atenção para o laço existente entre cultura e política e a redefinição de política que essa visão implica, na medida em que elas expressam, produzem e comunicam significados. Com a expressão política cultural, portanto, os autores destacam o processo pelo qual o cultural se torna político – que constitui uma faceta essencial para pensar a ação dos movimentos ora investigados: “A cultura é política porque os significados são constitutivos dos processos que implícita ou explicitamente buscam redefinir o poder social” (op.cit. 24-25). Ao desenvolverem uma abordagem centrada no papel da sociedade civil como uma arena multifacetada da política e como locus privilegiado da reforma moral e intelectual da sociedade, Alvarez et al adotam uma concepção fortemente centrada no pensamento gramsciano, que, além de alçar a relação entre cultura e política a um patamar de destaque, também coloca, em seu centro constitutivo, a noção de hegemonia. É assim que Dagnino afirma: A hegemonia, enquanto processo de articulação dos diferentes interesses necessários para construir uma ‘vontade coletiva’ e alcançar um consentimento ativo, é ela mesma um processo de constituição de sujeitos. (...) vou sugerir que essa ênfase na sociedade não implica, como afirmava uma parte da literatura anterior sobre movimentos sociais, uma recusa da institucionalidade política e do Estado, mas, ao contrário implica em uma reivindicação radical de sua transformação (Id. Ibid.:73 e 81). Se a noção de política cultural – como produção de novos significados políticos – representa um elemento chave na compreensão dos movimentos aqui tratados, há um aspecto, sugerido por Richard Day (op.cit.), divergente desses autores, que acrescenta mais uma faceta ao ‘vitral teórico’ a partir do qual são examinados os sujeitos objeto deste trabalho. Refere-se ele à ênfase na constituição de uma lógica não hegemônica que delineará uma das diferenças cruciais na perspectiva proposta por esse autor. 16
  • 26. A partir da análise de movimentos/organizações autônomas4 , Day observa que as lutas orientadas pela concepção de reforma – incluindo aí tanto as pós-marxistas quanto as multiculturalistas – ao demandarem o reconhecimento de direitos individuais (na forma de leis) a serem concedidos pelo Estado, contribuiriam para o aumento de seu poder hegemônico. Assim, marxistas e liberais findariam por pautar-se por lógicas similares, ao buscarem universalizar ou hegemonizar seus programas políticos em massa, via institucional. Na contramão dessa concepção, Day propõe que uma lógica não hegemônica fundada nos conceitos de afinidade e renovação estrutural – recuperados de Gustav Landauer e Kropotkin (influentes pensadores anarquistas, sobre os quais se falará a seguir) – está sendo desenvolvida por grupos deste século, uma vez que as táticas dos ‘novíssimos movimentos sociais’ (pós- década de 80), não estão orientadas para permitir que um grupo particular de pessoas refaça um Estado-Nação – ou o mundo – à sua própria imagem e semelhança. O que é mais interessante sobre os movimentos radicais contemporâneos é que alguns grupos estão quebrando essa armadilha, e operando não hegemonicamente, mais do que contra- hegemonicamente. Eles buscam uma mudança radical, mas não por meio de tomar ou influenciar o poder de Estado, e assim fazendo, desafiam a lógica da hegemonia em seu verdadeiro âmago. Nesse sentido, muitos dos ‘novíssimos movimentos sociais’ não são exatamente o que os sociólogos chamam de movimento social. Há, assim, uma certa ironia no uso que faço desse termo, que ilumina mudanças dos movimentos hegemonicamente orientados para estratégias e táticas não rotuladas, como Indymedia, Reclaim the Streets, Grupos de afinidades em geral, Black, Pink, Yellow blocks (Id. Ibid. 8). Day considera que algumas tendências da atualidade caracterizam melhor uma definição sociológica de movimento social, exibindo o que o autor identifica como ‘afinidade pela afinidade’, ou seja, relações não universalizantes, não hierárquicas e não coercitivas, baseadas em apoio mútuo e em um comprometimento ético compartilhado. 1.3 - A Juventude e os Movimentos Sociais Um aspecto importante que se deve considerar quando se abordam os movimentos sociais que constituem o alvo de interesse desta obra é a questão da juventude e sua participação em movimentos sociais. Dessa forma, será feita uma breve 4 Day analisa inúmeros exemplos desses movimentos/táticas pautados por práticas comunitárias e não baseados no Estado, mas, ao contrário, fundados em Grupos de Afinidade, tais como IMC (Independent Media Center em Vancouver), RTS (Reclaim the Streets , em Londres), FNB (Food not Bombs, no continente norte-americano), Zapatistas (no México),Assembleístas/ Piqueteiros (na Argentina), guerreiros Mohawwk (dentro/contra os EUA, squatters (em Londres), LPM (ativistas da África do Sul) entre outros. 17
  • 27. discussão sobre o tema. Para Bourdieu (1983), as divisões entre as idades são arbitrárias na medida em que todos são “sempre o jovem ou o velho de alguém” (1983:113). A categoria “jovem”, portanto, seria relacional, ou seja, essa noção só faria sentido no contraste entre os mais novos e mais velhos. Assim, as relações entre idade biológica e social seriam muito complexas, pois os cortes em classes de idade ou gerações teriam uma variação interna e seriam objetos de manipulação. Juventude e velhice, portanto, não seriam dados, mas construções sociais oriundas das ‘lutas’/relações entre jovens e velhos. De acordo com Pereira (2007), Philippe Ariès (1978) observa ter sido a escola, em fins do século XVII, que proporcionou as condições para a criação das noções de infância e juventude como etapas separadas da vida adulta. Ariès afirma que, na sociedade medieval, o mundo infantil não era separado do adulto, não havendo, portanto, uma fase de transição definida: A escola substituiu a aprendizagem como educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias e ao qual se dá o nome de escolarização (Ariès, 1978:11). Se foi a escola a principal responsável pelo surgimento das categorias de infância e juventude como se configuram atualmente, pode-se dizer que também ocorre o processo inverso, no qual jovens e crianças estariam recriando seu próprio espaço, com suas novas demandas. Isso porque o isolamento de crianças e jovens permitiu a estes um contato maior entre si e o estabelecimento de redes de sociabilidade juvenis e infantis específicas que passaram a ter a escola como referência. Abre-se, assim, a possibilidade de inverter a função de adestramento e disciplina autoritária da escola. Portanto, a partir do século XVIII e XIX, a juventude passará a ser vista como uma camada que detém certos privilégios, antes da maturidade biológica e social, marcados por maior permissividade. Nesse contexto, Margulis e Urresti (1996) sugerem um interessante par de conceitos que poderão iluminar aspectos dos processos vividos pelos jovens ativistas nos movimentos que serão enfocados. Trata-se dos conceitos de moratória social e moratória vital. O primeiro refere-se ao período em que os jovens desfrutam dos referidos privilégios, que pode ser maior ou menor de acordo com a classe social a que pertencem. Os jovens de classe social mais popular teriam sua moratória social 18
  • 28. diminuída devido ao casamento e/ou trabalho precoces, portanto teriam uma vivência juvenil diversa dos jovens mais abastados. No que tange à moratória vital, esta estaria relacionada ao ‘excedente temporal’ e energético que caracterizaria tal período de juventude. “Daí a sensação de invulnerabilidade que caracteriza os jovens, sua sensação de segurança: a morte está longe, é inverossímil, pertence ao mundo dos outros, às gerações que os precederam” (Margulis e Urresti,1996; apud Pereira, 2007). Para esses autores, a moratória social definiria certa noção de juvenil que se expressaria por determinados aspectos estéticos e configuraria certo privilégio das classes sociais mais abastadas. Já a moratória vital se ateria a uma noção fática de ser jovem, comum a todas as classes sociais e marcada pela energia do corpo, pela distância da morte etc. Esse tópico será retomado oportunamente. Outro aspecto relativo ao tema da juventude diz respeito à relação do jovem com a territorialidade. Carles Feixa (2006) chama a atenção para a importância de pensar o território na análise dos grupos juvenis. Em sua perspectiva, a ação dos jovens pode redescobrir territórios urbanos esquecidos ou marginais, dotando-os de novos significados, humanizando praças e ruas, dando-lhes usos imprevistos. Através das festas, das rotas de ócio, mas também através do grafite e outras manifestações, diversas gerações de jovens têm recuperado espaços públicos que tinham se tornado invisíveis, questionando os discursos dominantes sobre a cidade (Feixa, 2006: 117). Por outro lado, esse mesmo autor ressalta que a categoria de ‘juventude’ frequentemente serve como uma poderosa metáfora, sinalizando crises sociais amplas, instabilidade e/ou mudanças. Não por acaso os jovens estariam, com muita frequência, vinculados ao debate dentro de movimentos sociais por transformações sociais. Essas noções serão de interesse quando for discutida a relação dos dois grupos analisados, com seus espaços característicos e suas noções de territorialidade que desembocarão em suas perspectivas de luta pelo direito à cidade. Vale ainda notar o aspecto que relaciona o jovem ao lazer. Para Feixa (2004), a relação da juventude com o tempo livre é um tópico central, enquanto Abramo (1994) aponta o lazer como uma das dimensões mais significativas da vida do jovem, espaço dedicado à sociabilidade e à estruturação de identidades individuais e coletivas. Luís Antônio Groppo (2000), por sua vez, ressalta a importância do lazer para os jovens, que aí encontrariam locais e momentos favoráveis às suas atividades diferenciadas e relativamente autônomas em relação às dos adultos. 19
  • 29. Finalmente, cabe ainda mencionar o trabalho de Jeffrey Juris (2006), que estudou a participação dos jovens no V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Para esse autor, muitos jovens ativistas antiglobalização que estiveram presentes dentro e no entorno do fórum rejeitavam a categoria ‘juventude’ dada sua conotação paternalista. Dessa forma, Juris observa que, mais do que ‘jovens’ versus ‘velhos’, uma importante clivagem se daria quanto ao conflito entre o que o autor denomina ‘trabalho em rede’ (Networking) x ‘lógica de comando’. Esta última estaria presente em todas as formações tradicionais tais como partidos políticos e sindicatos, baseando-se no recrutamento de novos membros, na construção de estratégias unificadas e na luta por hegemonia. Em contraste, a primeira envolveria a criação de um amplo guarda-chuva de espaços, para o qual os diversos movimentos convergiriam em torno de um pequeno núcleo comum de posições/princípios, preservando sua autonomia e especificidade. Mais do que recrutar novos membros para qualquer organização particular, o objetivo torna-se a expansão horizontal, por meio da conexão com movimentos, organizações e redes já existentes (Juris, 2008:2). Essa concepção será de grande importância na observação dos dois movimentos analisados, na medida em que apontam suas formas de ação e filiações/genealogias políticas. 1.4 – As Novas Tecnologias de Comunicação, as Redes e os Movimentos Sociais As novas tecnologias de comunicação têm sido apontadas frequentemente como um dos vetores essenciais que teriam contribuído para a ocorrência das transformações verificadas na ação política contemporânea. Aliadas aos acontecimentos de ordem geopolítica que redesenharam as relações de poder institucional no planeta ao final da década de 1980, as novas tecnologias teriam gerado um ambiente de descentralização de informações e relações, favorecendo a proliferação de novas formas de manifestação, ação e concepção políticas. Inúmeros autores têm se debruçado sobre o crescimento exponencial do universo das comunicações com o advento da internet e suas potenciais consequências sobre o processo político (veja Van Aelst e Walgrave, 2004). Diante do entusiasmo inicial com os efeitos dos novos meios de comunicação, tem-se questionado, na atualidade, a amplitude do impacto de sua utilização na transformação radical da democracia, bem como na estrutura de poder existente. Por um lado, várias pesquisas têm mostrado, ao contrário, que as pessoas que atuam politicamente na web, já o faziam 20
  • 30. (ou fazem), simultaneamente, na ‘vida real’ (Johnson e Kaye, 2000, Norris, 2002), e, de acordo com Bimber (1998), as tecnologias de informação e comunicação (TICs) tendem a beneficiar potencialmente grupos que atuam fora dos limites de instituições ou organizações políticas tradicionais. Van Aelst e Walgrave (op.cit.) afirmam, por outro lado, que há um consenso quanto ao fato de que a nova mídia oferece novas oportunidades para uma ação coletiva internacional, embora não se acredite que tais relações possam ser estáveis e duradouras. Mc. Adam et al. (1996b), por sua vez, consideram que a capacidade ampliada de comunicação transnacional não conduz automaticamente a movimentos internacionais. E, ainda sobre esse aspecto, Etzioni e Etzioni (1999) observam que, na formação de um movimento social (transnacional), o encontro pessoal (em manifestações, por exemplo) e a existência de valores compartilhados são elementos necessários para a manutenção e/ou o aprofundamento das relações estabelecidas por meio do computador (veja também, a esse respeito, Ribeiro, 2000 [1998]). Já Castells (2005: 444) cita Wellman, quando este afirma que a formação de ‘comunidades virtuais’ não precisa se opor, necessariamente, à existência das ‘comunidades físicas’, constituindo universos diferenciados regidos por leis e dinâmicas específicas que interagem com outras formas de comunidades. Castells ressalta que Wellman chama a atenção para a formação de ‘comunidades pessoais’ nas sociedades da modernidade tardia que vão de meia dúzia de amigos íntimos a centenas de laços mais fracos e para o fato de que tanto as comunidades de grupo quanto as comunidades pessoais funcionam tanto on-line quanto off-line. Nessa perspectiva, Castells observa que as comunidades substituiriam as redes sociais, tornando-se as comunidades locais uma das muitas opções possíveis para a criação e manutenção dessas redes, e a internet, um instrumento adicional para a consecução dessa finalidade. O autor acrescenta que a interação via internet pode ser tanto especializada e funcional quanto ampla e solidária, conforme a interação nas redes amplia seu âmbito de comunicação com o passar do tempo. Castells ainda menciona que a ‘rede’ é especialmente apropriada para a geração de laços fracos e múltiplos, sendo estes especialmente adequados para o fornecimento de informações e oportunidades de baixo custo. Nesse sentido, ressalta: A internet pode contribuir para a expansão dos vínculos sociais, numa sociedade que parece estar passando por uma rápida individualização e ruptura cívica. [...] A internet favorece a expansão e a intensidade dessas centenas de laços fracos, que geram uma camada fundamental de interação social para as pessoas que vivem num mundo tecnologicamente desenvolvido (op.cit: 445). 21
  • 31. Castells conclui que as comunidades virtuais, embora sejam consideradas ‘comunidade’, não seguem os mesmos modelos de comunicação e interação das comunidades físicas, ou seja, têm sua própria dinâmica: A Rede é a Rede. Transcendem a distância, a baixo custo, costumam ter natureza assincrônica, combinam a rápida disseminação da comunicação em massa com a penetração da comunicação pessoal, permitem afiliações múltiplas em comunidades parciais. Ademais, não existem no isolamento de outras formas de sociabilidade (op.cit: 446). No que tange ao uso político, Castells destaca a utilização da internet, cada vez mais massificada, na difusão de propaganda política institucional, bem como em campanhas partidárias; ao lado disso, aponta a realização de projetos de participação popular. Vale notar sua observação concernente à existência, em Seattle, durante a década de 90, de ativistas comunitários “construindo redes comunitárias com a finalidade de fornecer informações, incentivar o debate entre os cidadãos e confirmar o controle democrático sobre questões ambientais e de política local” (Ibsen: 448). Isso leva a refletir que talvez não tenha sido obra do acaso o fato de que a rede mundial Indymedia, referência indispensável quando se trata de uma rede de informações do ponto de vista dos movimentos sociais radicais no planeta, tenha surgido justamente nessa cidade, ao final da década, quando ocorria a primeira grande manifestação ‘anti-alter-globalização’. No que concerne à questão do controle, sempre implícita quando se trata do uso da internet, Ribeiro (2000) adverte, com base no caráter ambíguo da tecnologia: A internet não se ajusta à imagem de um mercado livre, sem controle, ou que responda apenas à manipulação individual. Apesar de que deveríamos explorar a idéia de um controle descentralizado, pode-se argumentar que a rede é controlada por uma hierarquia de ‘conexões’, cujos pontos mais altos localizam-se no estado americano, em agências de segurança e em corporações privadas que caso necessário, podem exercer seu poder eletrônico (Ribeiro, 2000:474). De fato, o aspecto do controle da rede, tão relegado por seus usuários comuns, reveste-se de relevância e motiva vários receios por parte de muitos dos ativistas que militam em movimentos sociais radicais e utilizam a internet como importante ferramenta. Gohn (2003 e 2008), por sua vez, também reforça o crescente papel desempenhado pelas TICs (sob a forma de lista de e-mails, blogs, sítios, celulares, skype) tanto nos movimentos anti-alter-globalização quanto nas manifestações promovidas recentemente por estudantes brasileiros5 , permitindo uma maior articulação 5 Referindo-se, no caso às ocupações de reitorias de universidades brasileiras, como a Universidade de São Paulo- USP ou a Universidade de Brasília - UnB, entre outras, ocorridas entre 2007 e 2008. 22
  • 32. em rede de ações dispersas e fragmentadas. O uso dessas tecnologias contribuiria decisivamente para o aprofundamento das discussões, deliberações e coordenação das ações projetadas. Tal constatação confirma o observado por Katsiaficas (2006), entre outros, quanto ao poder criativo dos movimentos sociais no uso de novas táticas e apropriação de novas ferramentas de luta. Por outro lado, se os primeiros estudos relativos ao impacto da internet sobre os movimentos sociais atinham-se a seus efeitos na condição de uma nova forma de comunicação por eles utilizada, estudos mais recentes se reportam a essa tecnologia também como um processo organizacional em si próprio. De acordo com Tarrow: Está crescendo entre os acadêmicos a suspeita de que a importância da internet vai bem além da comunicação, constituindo uma rede social notavelmente similar a estrutura em formato de rede dos movimentos sociais... desde que muitos movimentos sociais sofrem a falta de uma estrutura consistente e hierarquicamente baseada, esses teóricos parecem dizer que este é apenas um pequeno passo para considerar a internet, em si mesma, como uma forma de organização (Tarrow, 2002:15). Assim, a internet é também pensada como influenciando e sendo influenciada pelas características do próprio movimento social, sua estrutura, ideologia e escala e conduzindo, entre outras coisas, a modos de organização fluidos e estruturas não hierárquicas. O exame da utilização desses meios pelos movimentos alvos deste estudo, bem como de sua forma peculiar de organizar-se, pode servir como mais uma referência para a reflexão sobre as distintas formas de apropriação dessas tecnologias de comunicação e informação por diferentes movimentos sociais. 1.5 – Considerações Metodológicas Castells (2005b) afirma que movimentos autônomos forjados no contexto da globalização podem propor diferentes visões alternativas de sociedades baseados na constituição de uma identidade com ênfase em valores diferenciados. Nesta tese são focalizados dois movimentos sociais compostos por jovens, um brasileiro e outro estadunidense, com características radicais, cujas lutas se inserem em uma perspectiva particular de direito à cidade, com diferentes matizes de autonomia, não liderança e horizontalidade. Concordo com Gohn (2004), Castells (2005), e Scherer-Warren (2005), para quem os movimentos sociais se constituem em redes. Essa idéia também implica uma 23
  • 33. opção epistemológica e metodológica que privilegia a ‘integração da diversidade’ (Archer, 1991; apud Scherer-Warren, 2005) em detrimento da concepção de unicidade totalizadora, comum nas interpretações marxistas mais positivistas (Scherer-Warren, 2005). Entretanto, por considerar diferentes expressões de radicalidade política juvenil, no que se refere ao Movimento Passe Livre (MPL/DF), a investigação voltou-se para esse sujeito, ampliando o foco para a Convergência dos Grupos Autônomos (CGA), na medida em que a atuação em rede e a multimilitância do grupo assim a conduziram. As características deste movimento são traçadas mediante a observação e discussão de alguns aspectos de suas ações, bem como a partir do delineamento das referências políticas que inspiram seus ativistas. Da mesma forma, nos Estados Unidos, observou- se a ação do Baltimore Algebra Project (BAP), tentando identificar suas inspirações e elaborações/práticas de aspectos similares/correspondentes e traçar um contexto histórico no qual tais lutas se inserem naquele país. Para a realização dessa pesquisa, adotei uma postura metodológica que considera, a exemplo de Castells (2006), que os movimentos sociais devem ser compreendidos em seus próprios termos, ou seja, suas práticas discursivas desempenham um papel crucial no trabalho sócio-antropológico. Entretanto, a partir da etnografia, da observação participante, das entrevistas realizadas com os membros dos movimentos e de fontes pesquisadas na internet, busquei, sempre que possível, cruzar os valores depreendidos dos discursos (obtidos nas entrevistas, durante o transcurso das reuniões, nas listas de e-mails, documentos e filmes disponíveis) com as experiências concretas vivenciadas no grupo, o que compõe um conjunto de observações a partir do qual é possível “examinar o significado associado ao fluxo da experiência” (Feldman- Bianco, 1987:11). Essa perspectiva favorece, como sugere a autora, a operacionalização de pesquisas que tem como premissa entender como conjuntos de significados são transmitidos e desenvolvidos e como a ação humana é mediada por um projeto cultural no contexto das complexidades dos processos sociais (Feldman-Bianco, op.cit. 11). Alguns aspectos, entretanto, devem ser destacados no que se refere à comparação empreendida. Se o objetivo de qualquer trabalho nas Ciências Sociais está voltado para uma compreensão melhor e mais ampliada das inumeráveis formas de construção social humana, é preciso, como explicita Taylor (2000: 165): recorrer a um gênero de compreensão dos assuntos humanos que estabeleça as formas e os limites de inteligibilidade. Com efeito, boa parte de nossa compreensão é sobremodo inarticulada: é, nesse sentido, uma forma de pré-compreensão. Ela molda nossos juízos sem que nos demos conta disso. 24
  • 34. O trabalho do pesquisador, portanto, exige um constante estranhar tanto dos sujeitos que pesquisa como daquilo que se chamaria a sua própria pré-compreensão deles. A par disso, é sabido que esse trabalho (antropológico, sociológico) envolve, em si mesmo, o ato de comparar. Taylor ressalta esse aspecto com propriedade, quando observa que “a outro-compreensão é sempre, de certo modo, comparativa. Isso porque tornamos o outro inteligível por meio de nossa própria compreensão humana” (Taylor, op.cit: 166). Assim, ao ampliar os termos da comparação que a construção de uma etnografia exige e pretender traçar contrastes entre duas observações de campo, chega-se, invariavelmente, ao que Barth (2000) descreve como “comparar duas ou mais descrições, e não os próprios objetos descritos: fazemos comparações de relatos antropológicos, ou seja, ficções” (op.cit. 189). Em outras palavras, qualquer comparação desenvolvida nessas áreas envolverá a perspectiva em que as observações foram realizadas, as representações e conceitualizações do pesquisador. Ao que Barth acrescenta: “Devemos, portanto, evitar tanto quanto possível as conceitualizações que reifiquem (as descrições das) culturas e sociedades como itens unitários e separados para compreensão” (Barth, op.cit. 190). Esse é, portanto, um dos horizontes da empreitada comparativa que este trabalho se dispõe a realizar, ao contrastar o MPL, em Brasília, com o Algebra Project, em Baltimore. Para além das dificuldades e complexidades inerentes a qualquer comparação – como foi ressaltado –, trata-se também, como será observado, de um contraste entre um sujeito com o qual mantive uma maior intimidade e convivência, bem como dispus de um grande período de contato e observação; com um outro sujeito - o Algebra Project – com o qual o contato foi muito mais limitado, o que acarretou, certamente, em um desequilíbrio relativo à observação participante realizada em ambos os grupos. Para amenizar tal desequilíbrio, busquei ter o maior acesso possível aos documentos sobre o programa, filmes disponíveis no My Space e sítios/blogs individuais de alguns dos participantes (Facebook). Em suma, trata-se de comparar o material obtido por uma pesquisa etnográfica de longo prazo com uma pesquisa exploratória de um universo mais distante e desconhecido. O próprio acesso e escolha desse universo, como já acentuado no início deste trabalho, merecem aqui uma nova menção. Ao identificar o desativamento do Indymedia em Washington-DC, busquei, imediatamente, um novo grupo para realizar a pretendida comparação. O fato de ter escolhido a cidade de Washington, levando 25
  • 35. também em consideração aspectos práticos que facilitariam minha estadia no país por um curto espaço de tempo, conduziu a lidar com dificuldades adicionais para selecionar um grupo/coletivo político com características semelhantes ao movimento estudado no Brasil. Como já mencionado, Washington tem contornos bastante originais, por se tratar da capital dos Estados Unidos, onde a grande circulação de recursos financeiros advindos de lobbies e de fundações induz à formação de inúmeras organizações não governamentais com traços bastante específicos e diferenciados dos movimentos/coletivos que pretendia estudar. No percurso de identificar o novo sujeito da pesquisa, além de participar do evento The City from Below, ocorrido em Baltimore, ao final de abril de 2009, no qual incontáveis ativistas de diversos locais do país e do Canadá estiveram presentes, também busquei maior contato com três diferentes grupos sediados em DC, além de vários ativistas/organizadores atuantes em diversos movimentos/grupos. Esse contato, em certa medida, propiciou uma espécie de ‘campo de diversidade’ (Barth, 2000: 193) a partir do qual foi possível traçar um mapeamento mais amplo de grupos ativistas, práticas e pensamentos presentes naquele território. Foram algumas das características do Baltimore Algebra Project que me levaram a escolhê-lo como sujeito: a) tratar-se de um movimento de jovens; b) utilizarem ações diretas em suas lutas/manifestações; e c) apresentarem, entre suas conquistas na cidade, direitos relativos ao transporte, o que colocava o movimento, também por esse motivo, em comunicação com o brasiliense. Ademais, tanto o Movimento Passe Livre quanto o Baltimore Algebra Project são movimentos que se organizam em rede, disseminados nacionalmente. No caso do MPL, desde o III Encontro Nacional do MPL, realizado em julho de 2006, na escola do MST Florestan Fernandes, no interior de São Paulo, ficou definido seu caráter nacional, estruturado de forma federativa, o que assegurou a descentralização, horizontalidade e autonomia dos coletivos locais. Quanto ao Algebra Project, tratando-se de um programa de ensino e luta pela educação dos jovens negros das escolas públicas dos Estados Unidos, sua abrangência também é nacional: o programa se estrutura em vários chapters, ou coletivos, espalhados pelo país. Certamente, cada um desses movimentos, em cada localidade, apresenta características próprias, que colorem com matizes diferenciados o movimento nacional. Entretanto, nesta pesquisa, foi considerado apenas o coletivo do MPL-DF e o chapter Baltimore Algebra Project, de forma a facilitar a comparação interpaíses/ movimentos pretendida. 26
  • 36. Além disso, também foi possível reconstituir, sob ângulos diferentes, mas complementares, a história recente dos movimentos sociais nos Estados Unidos. Isso, aliado à leitura de publicações de ativistas norte-americanos concernentes aos movimentos antiglobalização, uma bibliografia mais teórica, focada em movimentos sociais daquele país e intensas buscas na internet, permitiu constituir o pano de fundo a partir do qual foi desenvolvida a pesquisa. Vale citar, também, que foi especialmente pelo acesso aos filmes expostos no sítio de relacionamentos MySpace – bem como por meio do sítio do AP, além de respostas recebidas em diálogos travados pelo Facebook – que foram obtidas informações adicionais sobre o Baltimore Algebra Project, subsidiando as observações de campo e conclusões posteriores e reafirmando, mais uma vez, a importância das tecnologias de informação e comunicação como ferramentas vitais também no que concerne ao trabalho acadêmico. Dessa forma, portanto, foi construído o universo de comparação, considerando sempre que, antes de ser um método, a comparação é muito mais uma abordagem ou um exercício que, ao lado das dificuldades já apontadas, também permite – ao (des)focar contrastivamente o olhar – desvendar novos e instigantes aspectos sobre os fenômenos/sujeitos estudados. 27
  • 37. II- CAPÍTULO MONTANDO O CALEIDOSCÓPIO (II): CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS 2.1 - Contextualizando os sujeitos – os movimentos globais Os anos 1990 foram pródigos em acontecimentos que levaram à percepção de que grandes transformações estavam em curso. No plano econômico, a década trouxe consigo processos globalizados em que o capital, impulsionado pelo desenvolvimento das novas tecnologias de informação, reorganizou suas bases e rompeu vários limites antes tão determinados por Estados nacionais. As principais funções produtivas de consumo e circulação passaram a se realizar em escala global, levando a uma expansão do capital há muito não conhecida e o papel do Estado passou a ser considerado mínimo em relação à autonomia imputada ao mercado. Essa década trouxe à baila debates teóricos pertinentes. Expressões como ‘redes’, ‘sociedade informacional’ (Castells, 2005a), ‘capitalismo flexível’ (Harvey, 2005), ‘globalização de mercados’, ‘reestruturação produtiva’, entre outras, passaram a expressar mudanças ocorridas na economia e na sociedade. Concomitantemente, os efeitos na vida social também se fizeram sentir: a globalização e seus impactos passaram a ser amplamente discutidos (Harvey, 2005; Bauman, 1998, 1999; Dowbor, 2002), tanto quanto suas manifestações de fragmentação social, cultural e política (Castells, 2005a e b; Ribeiro, 2000; Ortiz, 1994; Sklair, 1991; Canclini, 2006[1997]; entre muitos outros). Ao lado desses debates, também se instalou uma disputa centrada no questionamento referente a se de fato ocorreu um processo de ruptura histórico, econômico e sócio-cultural, atingindo a totalidade do planeta ou se, ao contrário, o que se deu foi a continuidade de um projeto capitalista global que fez uso da ideologia da globalização e de uma bem orquestrada 28
  • 38. campanha midiática – com amplas ressonâncias na produção acadêmica – para legitimar a expansão dos mercados globais e atender aos anseios de consolidação planetária do capitalismo anglo-americano que estaria alcançando seu momento de ápice global (Held e McGrew, 2001; Hirst e Thompsom, 2002). Não é possível esquecer que, por um lado, a década de 90 proporcionou um açodamento das diferenças econômico-sociais entre países, regiões e continentes, ampliando dramaticamente a distância entre ricos e pobres. Por outro lado, presenciou- se, nesse período, toda uma rearticulação política planetária que, após o colapso da União Soviética e dos regimes socialistas, resultou na supremacia do poder dos mercados e das ideologias neoliberais. Em contraposição, o período também se caracterizou pela consolidação de novos atores políticos – as organizações não governamentais e a sociedade civil organizada – e por um propalado novo estilo de exercer a política. O decorrer da década de 90 foi marcado, assim, pela predominância de um associativismo baseado em processos de mobilizações pontuais e fragmentados, com uma característica mais operativa, estratégica e fundada na participação cidadã (Gohn, 2004; Scherer-Warren, 2005; Dagnino, 2004[1996]), assim como na formação de uma ‘cidadania planetária’ baseada especialmente na atuação de ONGs (Ribeiro, 2000; Keane, 2003; Gohn, 2004). Mas foi também em meados dessa década, precisamente em 1º de janeiro de 1994, que ocorreu o que viria a se tornar o símbolo e paradigma das insurgências contemporâneas: o levante zapatista. O zapatismo inaugura o calendário de insurreições da década de 1990, eclodindo no México – nas montanhas Chiapanencas, habitadas por indígenas – não por acaso na mesma data em que entrava em vigor naquele país o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). A partir de sua história peculiar – a insurgência de indígenas acompanhados de alguns poucos guerrilheiros ‘brancos’ armados com velhas espingardas e tomando de assalto seis cidades simultaneamente, em luta contra o Estado nacional mexicano –, o movimento zapatista passou a representar uma nova forma de pensar e fazer política. Aliando ao caráter pluriétnico uma postura que desafiava a arrogância dos movimentos políticos vanguardistas, os zapatistas souberam enxergar a inexequibilidade do projeto inicial de tomada do Estado Mexicano, ao tempo em que iniciaram outro caminho – forjado pelo diálogo com as comunidades indígenas locais – no qual o apoio da sociedade civil mexicana e planetária tornou-se imprescindível para sua sobrevivência como movimento social insurgente (Di Felice e Moñoz, 1998; Gennari, 2002). Vários elementos passaram a agregar-se a esse paradigma com grande 29
  • 39. força simbólica: o poder de expressão poético e performático de um de seus insurgentes mais reconhecidos – que se assume como um ‘subcomandante’, ‘que manda, obedecendo’ – associado às ferramentas oferecidas pela comunicação por internet, causou grande impacto no imaginário rebelde do planeta e provocou inúmeras ondas de apoio que asseguraram sua permanência como movimento revolucionário autônomo nas terras mexicanas. Em suma, ao desconstruir velhos arquétipos da ação política ocidental, mesmo que algumas vezes no plano literário e simbólico, o zapatismo tornou- se a nova face da rebelião e insurgência contemporâneas: a propriedade da verdade, a liderança, a hierarquização do movimento e a superioridade dos conhecimentos (científicos) eurocêntricos dão lugar a uma organização com características horizontais baseadas no consenso e ‘no ritmo do mais lento’, na qual a visão de mundo e os conhecimentos indígenas tradicionais passam a ter grande importância. O zapatismo, enfim, ao fazer uso da poderosa arma do lirismo, contaminou a todos que com ele se depararam: “Este é um movimento profundamente consciente do poder das palavras e dos símbolos”, diz a jornalista e ativista canadense Naomi Klein (2003:275). Para os movimentos que passaram a se espelhar no levante zapatista, seu poder se traduziu nos inúmeros lemas e palavras de ordem constituídos sob sua inspiração: “Por um mundo onde caibam todos os mundos”; “Para todos tudo, para nós nada”; “Abaixo e à esquerda, onde está o coração”; “Caminhar perguntando”; “Ya basta!” Esses são alguns dos muitos exemplos produzidos por essa revolução, também das palavras e do imaginário ativista. Os anos de transição entre os milênios (1999-2002) representaram o ápice de movimentos sociais globais que surpreenderam por seu caráter massivo, inundando as ruas e trazendo, à cena planetária, um repertório de ações diretas com o objetivo de impedir reuniões de organizações multilaterais. Foi então que se difundiu mundialmente a idéia de uma “globalização vinda de baixo’ – ‘globalization from bellow’ (Appadurai, 2003; Day, 2005; Yuen, Katsiaficas e Burton Rose, 2001). Esse movimento, que passou a ser conhecido midiaticamente por “Movimento Anti-Globalização”6 , foi inaugurado simbolicamente em Seattle, em novembro de 1999, 6 O termo “anti-globalização’ sempre foi questionado pelos ativistas desse movimento, na medida em que, de acordo com eles, não está em jogo uma luta contra a ‘globalização’ mas, contra a ‘globalização’ neo-liberal em curso. Por outro lado, Ribeiro (2006) observa que seria mais apropriado chamar tais movimentos de ‘anti-alter-globalização’, na medida em que tas manifestações reuniriam tanto grupos contra a globalização como aqueles que desejam uma ‘outra globalização’, como seria o caso da ATTAC. 30
  • 40. mas tem suas origens, como bem ressalta Ortelado (2008), em diversos países e ações promovidas por diferentes grupos ao longo de várias décadas. Podem-se apontar, de um lado, as ações contra o Acordo Multilateral de Investimento (AMI) promovidas por algumas ONGs e pela ATTAC7 , na França. Do ponto de vista das ONGs, essa história pode ser traçada a partir do encontro do Rio-92. Nos Estados Unidos, o ativismo ocorrido nos campi americanos, nos anos 90, contra as más condições de trabalho, personificadas nas sweat shops8 , bem como o movimento ecológico e antinuclear da década de 80, além dos movimentos contraculturais da década de 60 também podem ser mencionados como antecessores. Na Itália e Alemanha, um conjunto de correntes e práticas desenvolvidas nos anos 70 e 80 – o Autonomia – surgidas a partir do movimento estudantil radical e apartidário (extraparlamentar, na tradição alemã), do movimento feminista e do movimento de ocupações urbanas de jovens e do movimento operário também fazem parte das raízes deste movimento (Katsiaficas, 2006). E, finalmente, na Inglaterra, onde se desenvolveu um movimento autônomo e de ação direta que inclui ocupações urbanas de jovens e o movimento ecológico, com uma participação particularmente importante dos grupos de defesa dos direitos animais, dos quais é exemplo o Reclaim the Streets9 , nos anos 90. A Ação Global dos Povos, uma rede global contra o livre comércio formada durante o Segundo Encontro Interplanetário contra o Neoliberalismo, promovida pelos zapatistas em Barcelona, em 1997, tem também um lugar de destaque nas origens do Movimento Antiglobalização. Foi em sua primeira reunião, na Suíça, que se optou por uma nova forma de atuação, a realização dos ‘Dias de Ação Global’, descentralizados e distribuídos nos mais variados rincões do planeta. E, para não deixar de mencionar a América do Sul, Hortelão cita os movimentos autônomos de jovens independentes na Argentina e no Brasil que vieram a se consolidar nos anos 90, fruto da politização do movimento punk ao final dos anos 80 e das práticas autogestionárias que foram difundindo-se no movimento estudantil, também nesse período. Na Argentina, em 1999, um movimento de jovens “desafiou os tabus da política institucional, promovendo o absenteísmo em massa [nas eleições], num movimento que ficou conhecido como 501” (Ortelado, op.cit: 10). Tratava-se de caravanas de jovens que, utilizando o mote “existe 7 Association pour la Taxation des Transactions pour l'Aide aux Citoyens ("Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos" 8 Que visavam à substituição ou cancelamento dos contratos das universidades com empresas do setor de vestuário cujos produtos eram fabricados no terceiro mundo. 9 Movimento de perspectiva anticapitalista que promove, entre outras coisas, raves de rua, com a finalidade de retomar os espaços da cidade para os cidadãos. 31