Demonstrações financeiras fundo cristão para crianças 2011
Famílias do coração acolhem crianças em risco
1. conviver 24
o espaço de todos nós
Família do
coração
Quem resolve conviver com crianças que moram
em abrigos ou vivem em risco social ganha uma família.
E, juntos, descobrem o verdadeiro sentido do verbo amar
texto P a t r í c i a P e r e i r a ilustração G u i l h e r m e K a r s t e n
ESPERAR TODOS OS DIAS o carteiro “Gosto da companhia dele”, diz Natalia. mento Afetivo da ONG Aconchego, não
para conferir se chegou uma cartinha Quando se encontram, trocam muitos é por acaso o carinho entre as duas pon-
de longe. Passar a semana esperando “eu te amo!”, “que saudade!” e “quando tas da relação. Constrói-se uma amizade
um encontro. Ou ficar horas acordado à será o próximo encontro?”. transformadora. “O afilhado vê no padri-
noite imaginando como está aquela pes- nho alguém com quem pode contar, divi-
soa especial. Sensações assim são rotina Amizade transformadora dir alegrias, tristezas, conquistas, medos
para quem descobriu que adotar não é a Programas de apadrinhamento como o e sonhos. E também é quem ensina limi-
única maneira de trazer novas crianças de Natalia existem em todo o Brasil. O tes, faz cobranças e passa a perspectiva
para seu convívio. Na vida de padrinhos objetivo é proporcionar convivência fa- do que é certo e errado”, explica Sabrina.
e madrinhas de jovens que vivem em miliar e comunitária a jovens de abrigos. Há cumplicidade com responsabilidade.
abrigos ou em regiões carentes, a sauda- Há os que requerem apenas uma doa- Alessandra Fonseca, de 32 anos,
de se mistura com o amor e a responsa- ção mensal e troca de correspondência. descobriu isso ao tornar-se madrinha de
bilidade. “Por mais clichê que pareça, é Outros permitem a padrinhos e madri- Alberto, de 10 anos, que mora no Vale
difícil saber quem doa ou quem recebe”, nhas que passem fins de semana, feria- do Jequitinhonha, um dos lugares mais
conta Natalia Veil, de 29 anos, que par- dos ou parte das férias com os afilhados. pobres do país. Ela o conheceu em uma
ticipa do programa de apadrinhamento Alguns até possibilitam que eles fiquem lista de perfis da ONG ChildFund Bra-
afetivo da ONG Aconchego, de Brasília. com a criança sob sua guarda por até sil, que incentiva a doação de quantias
Há quatro anos, ela passa um fim dois anos. Quem quer ser padrinho pre- mensais para ajudar crianças que vivem
de semana por mês com seu afilha- cisa preencher pré-requisitos como ter em regiões de risco social. Logo, os dois
do. Nesses momentos, adoram se reu- tempo e disponibilidade para as crian- começaram a trocar cartas e fotos. “Cos-
nir para comer. “Na rua ou em casa, é ças, participar de oficinas e formações. tumo dizer que é a única coisa da qual ja-
do que ele mais gosta”, diz a madrinha, Com isso, dão uma chance a meninos e mais abrirei mão. Não quero perder esse
que viu pela primeira vez o garoto em meninas de construírem relações afeti- vínculo”, diz Alessandra, que vive em La-
uma visita ao abrigo. Como queria le- vas e ganharem referências da vida fora goa Santa (MG). “Quando ele era menor,
var um pouco de afeto a crianças afasta- do abrigo, onde esperam a adoção ou o a mãe escrevia e ele desenhava. Agora,
das da família, ela tornou-se madrinha. momento de voltar para a família. ele escreve, desenha, dá noticias da fa-
Com o tempo, o convívio entre os Para a psicóloga Sabrina de Melo, mília. Acompanhei a evolução na escola
dois tornou-se harmônico e divertido. do Núcleo de Preparação de Apadrinha- – a letra que melhora, o falar que muda.”
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2. É que acolher uma criança tem a
ver com conviver e educar quem vem de
uma realidade diferente. Kátia diz que,
quando as meninas chegam, elas preci-
sam se adaptar à rotina da casa, aos ho-
rários e aos costumes. “E nós também
precisamos nos adaptar ao ritmo delas
e chegar a um acordo. Afinal, é um novo
relacionamento”, conta. E nem sempre
Em maio deste ano, os dois conhe- e não um processo de adoção. O objeti- isso é tranquilo. Um dos problemas que
ceram-se pessoalmente. Alessandra foi vo é tentar reestruturar a família de ori- já teve foi com a filha biológica. As ga-
até a cidade de Alberto e foi recebida por gem para que a criança volte para casa. rotas começaram a ter desentendimen-
toda a família. “Foi muito emocionante. Kátia Nascimento, 48 anos, faz parte tos comuns entre irmãs. Com muita con-
Eu não fazia ideia de como estava cresci- de um projeto como esse há quatro anos. versa e paciência, a família se entendeu.
do, só nos conhecíamos por foto”, lem- Ela participa do Sapeca (Serviço de Aco- Para Adriana Pinheiro, assistente
bra a madrinha. “É impossível ser um pa- lhimento e Proteção Especial à Criança e social do Sapeca, pais que acolhem es-
drinho sem se envolver, sem querer sa- ao Adolescente), da prefeitura de Campi- ses jovens costumam ter de readaptar a
ber como o afilhado está o tempo todo.” nas. Desde janeiro, Júlia, de 9 anos, mora rotina e o jeito de se relacionar. “Apren-
em sua casa. “É como um novo nasci- de-se muito com uma criança que vem
Perto do coração mento na família”, conta Kátia, que vive de uma família desestruturada”, afirma.
Esse envolvimento é ainda mais inten- com o marido e a filha de 15 anos. “A ter empatia, a oferecer colo, a escu-
so quando os voluntários se dispõem a Ela fala que tem preocupações e feli- tar dúvidas e medos.” Isso acontece por-
receber crianças em casa, por um perí- cidades como se a garota fosse sua filha. que, ao cuidar e ter um olhar atento ao
odo de até dois anos. Nesse tipo de pro- “Eu me emociono quando aprendem outro, jovens e adultos passam a repen-
grama, a família ganha a guarda provisó- algo ou fazem apresentações na escola”, sar suas necessidades e valores. Amor,
ria de jovens afastados da família e deve diz. Júlia é a segunda garota que Kátia re- afinal, também é convívio, troca e cons-
tratá-los como filhos – mas tendo em cebe. “Hoje tenho três filhas, e a família tante aprendizado. Algo que essas famí-
mente que é uma situação temporária, vai aumentar no futuro”, afirma a mãe. lias do coração têm de sobra.
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