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Chicos
Setembro/2007
Cataguases
Foto: Vicente Costa
chicos.cataletras@hotmail.com
Um dedim de prosa
Neste setembro, Francisco Cabral, nosso poeta maior, lançou lá no Instituto
Francisca de Souza, seu último livro, o imperdível “Cidade Interior”. Pensamos em falar
alguma coisa a respeito, mas escrever o quê? Façamos então o seguinte: leia dois poemas que
publicamos; um do Antônio Jaime (na contracapa do livro) “Ao outro cabral” e o do mestre
“Inexílio II”. Depois corra até o Chica e compre este ótimo livro.
Dois amigos nossos morreram em agosto e o poema “Zé Pedro” retrata nossa raiva contra
estas mortes. Apesar de toda a discussão sobre ética, lá em Brasília continua a farra do boi e
nós aqui em baixo ruminando ódio. Para todos os “boiadeiros” de todos os Legislativos do
Brasil dedicamos “A maioria”. Na crônica de Márcia Denser vocês vão notar que o Ronaldo
Cagiano já se enturmou com o pessoal bom lá de Sampa. Quem nos mandou uma ótima
colaboração foi Felipe Fortuna, outro poeta dos bons.
Ao outro cabral
*Antônio Jaime
bem uns duzentos anos
pós corrida do ouro
de novo garimpouros
a exaurir o rio pomba
não de todo sem lucro
pode provar – no papel
francisco marcelo cabral
o homem que sabe tudo
basta só um exemplo:
poeta – no seu entender -
é o que puxa a cadeira
a poesia é o tombo
ouve troqueus no jorro
da torneira – anapestos
no ralo – pensa em verso
e – ao escrever – sai ouro
*Antônio Jaime Soares (Cataguases -MG)
Inexílio II
*Francisco Cabral
Todo poema é celebração
mesmo não lido.
Todo poema é de amor
mesmo perdido.
Todo poema fica por aí
mesmo esquecido
*Francisco Marcelo Cabral, poeta (Rio de Janeiro -RJ)
A geladeira
*Zé Antonio
Havia há alguns anos, um enorme Curtume nos arredores da cidade. Proprietário:
Coronel Camargo, senhor de todas as terras e cercas. Aquele estabelecimento, tão asqueroso
como seu dono, poluía sistematicamente o rio e o ar da cidade, espoliava seus empregados,
tanto quanto o meio ambiente. O velho, um cão de caça, assediava todas as mulheres do seu
feudo. Nada o detinha. Ameaças de orgulhar qualquer crápula.
Mirtinha casara cedo, não tinha filhos e, nos seus dezoito anos incompletos, conservava o
frescor da adolescência. Dona de uma alegria quase infantil, sem anseios, pensava apenas em
viver para a casa e o seu homem; era a típica jovem mulher de cidade pequena. Casada com
um empregado do Curtume, o velho coronel, partindo para o cerco , tanto fez que a teve entre
as mãos. Com caridade diabólica, o coronel conseguira que ela e o marido fixassem
residência em uma casa de sua propriedade, última da rua no acesso a sua fazenda.
Rapidamente, tornou-se senhor do corpo de Mirtinha. Todas as tardes ele saia do curtume,
atravessava a cidade e a desfrutava. Num dia calorento, pediu um copo d’água, ela de
moringa na mão o serve. O coronel reclama da falta de uma geladeira na casa. Num repente
autoritário decide presenteá-la com o eletrodoméstico. A mulher se apavora; como justificar
ao marido presente tão caro, completamente fora de suas posses? O velho gavião sai
afirmando que encontrará a solução.
Certa tarde no curtume, o patrão coloca o marido de Mirtinha em um carro. Precisaria dele
para um serviço urgente na fazenda. Tarefa concluída, os dois retornam. Aproximando-se da
casa, de onde também era frequentador, o velho ardilosamente, inventa de tomar água na casa
do empregado. Mirtinha, ao ver os dois juntos ali na sua casa, entra em pânico, não consegue
disfarçar o constrangimento. Senta-se na primeira cadeira que encontra. O marido, inocente,
passa-lhe uma descompostura e serve a água ao patrão. Os dois saem. A dona da casa
continua sentada no mesmo lugar, desfalecida, tenta se recompor do susto.
O velho reclama da água e põe-se a elogiar as vantagens e virtudes de um refrigerador.
Intempestivamente toma outro rumo. Entra em uma loja e compra uma geladeira. O inocente
do marido é só agradecimento a tão bom patrão.
Mirtinha, já sem viço algum, com o corpo e a alma doloridos por aquela vil exploração, é
só tristeza. Descobrindo-se grávida, atormenta-lhe a dúvida da paternidade. O terror a toma
ao constatar que as probabilidades maiores apontavam para o coronel. O bom marido chega
do trabalho, abre a geladeira toma prazeirosamente um copo d’água. Estranha a ausência da
mulher. Decide-se por um banho. No banheiro, estarrece-se ao vê-la nua, pendurada numa
corda de bacalhau. Acode-lhe distante vizinho, atraído por desesperados gritos.
Tristeza no féretro, meia dúzia de amigos, o coronel não comparecera, mas custeara do
caixão roxo à cova rasa. Os dias foram passando o viúvo naquela lamuriosa contrição. Era só
agradecimento ao patrão. Ele ajudara em tudo, da locação da casa ao custeio do funeral e da
geladeira. Tudo regiamente descontado no pagamento. Em verdade ganhava pouco, mas
nenhum empregado no Curtume tinha tais regalias. Tinha orgulho de trabalhar para o
Coronel Camargo.
Paga a última prestação da geladeira, o marido de Mirtinha foi demitido.
*José Antonio Pereira (Cataguases -MG)
co-autor de“A Casa da Rua Alferes e outras crônicas”
Zé Pedro
*Zeca Junqueira
Estava cheio de gordura
estava cheio de raiva
estava cheio de tudo
estragado!
Deu no que deu:
estourou
enfartou
esvaziou
morreu.
A maioria
*Zeca Junqueira
Como mentem. Que nojo.
Até suas presenças mentem. Mentem com
as mãos, com a cara, com a roupa,
com os gestos, mentem com o corpo todo.
A fala constrange, ofende, é delírio e
aleijão – semântica molar
mas os mentirosos nem loucos nem
doentes são:
contra eles, o mais preciso e frio diagnóstico:
são em sua maioria filhos da puta.
No país deles,
a saúde, câncer com metástase nacional,
a segurança, morra ou salve-se quem puder
a educação, burro ou analfabeto funcional
o trabalho, dane-se, arrume uma
viração qualquer.
Furtivamente furtam tudo:
dinheiro, direitos, destinos e
circulam pelas casas da República com
desenvoltura de veranistas.
Ocupam tudo, mancham tudo, aquartelam-se,
enquadrilham-se, tramam, metamorfoseiam-se,
deixam de ser para continuarem sendo
indefinida e sorrateiramente
filhos da puta.
Quando afanam o dinheiro nacional
diz-se deles lenientemente que mal utilizam a
coisa pública – não furtam, não são ladrões?!
quando chutam o ventre da nação
abortando impiedosamente o direito à vida de
milhões
(crime hediondo)
quando chafurdam na mais deslavada corrupção
aí sim!
dão sua cartada de exímios trapaceiros e
evocam um verdadeiro Moloch
- as zonas obscuras da ética –
vejam só!
que juram existir no fazer político e
onde tudo é relativo
principalmente o público e o privado
onde tudo é possível, aceitável e
onde quase todos eles se arrogam o direito de
serem filhos da puta, não relativa, mas
absolutamente filhos da puta.
Dão nojo. Sua fala é molar. Até suas presenças mentem.
É isso. Contra eles o mais preciso e frio diagnóstico:
são em sua maioria absolutos filhos da puta.
Bolso
*Zeca Junqueira
Que coisa triste e doída
meu Deus!
Que coisa patética
é a lista do mercado feita pela mulher
que após o último item – 3 kg de feijão
escreve no pedaço de folha de caderno:”eu te amo”
encontrado no bolso da camisa do homem
sem documentos
atropelado no alsfalto quente e sujo
morto
esquecido no meio da roda de curiosos
no meio-dia da cidade barulhenta
indiferente e vazia.
Palavras, essas bijouterias
*Zeca Junqueira
O texto “Sobriedade demais”, da Martha Medeiros, publicado na Revista O Globo do último
domingo (16/09), soa como um vagido no meio de letras mortas que adensam ainda mais o
silêncio produzido pela falência das nossas utopias. Perdemos nossas convicções, somos
transmissores passivos de ruídos de coisas geladas, mecanizadas, chipadas, vazias de tudo para
garantir a aceitação incontestável do reinado do bezerro de ouro. Somos arautos do nada.
Martha cita Hemingway, Bukowski, Dylan Thomas e cobra de si mesma o seu quinhão de
desatino, o seu pileque por trás do texto, o LP arranhado soltando jazz de uma antiga vitrola
enquanto uma velha e imaginária Remington substitui o computador e importuna
tamborilando em voz alta o que é preciso tamborilar: dor, sentimento, esperança, desespero,
rebeldia, amor – arte; e que se dane depois a ressaca, depois a gente acerta.
Sabiamente, Martha diz que está na hora de vasculharmos a cesta de papéis em busca do
rascunho jogado fora só porque é rascunho - será que a vida rigorosamente passada a limpo
não se traduz mesmo em rascunho, em aspereza, em intensidade proporcional ao sangue que
ela contém? “Os escritores deste novo século já não se suicidam, a Sylvia Plath de hoje faz
mamografia, a nova Ana Cristina Cesar faz pilates, o William Burroughs do século XXI precisa
parar de beber por recomendação médica”, diz a colunista.
Alvíssaras!, essa percepção da Martha Medeiros, esse súbito engasgo numa revista light de
domingo, facilmente digerível com o enfadonho almoço do dia, é animador. Instiga-me a botar
a cara à mostra, inspira-me a enfrentar o eterno dilema da arte, que atualmente é ainda mais
angustiante para aqueles que não querem trapacear com as palavras, essas bijouterias vendidas
aos montes por escritores bem-comportados nas melhores casas do ramo.
A eles, o recado:
Poeta não é título a ser ostentado.
Afastem essas luzes!
Cessem os aplausos!
Não vêem nossas muletas?
O dilema é esse: evadir-se e quem sabe imolar-se vigorosamente como o rascunho de si
mesmo, acreditando numa semente vital que se deixa com o sacrifício da autenticidade, ou
optar pelo conforto do lugar garantido entre o rebanho, enquanto o mundo desaba infecundo
sobre nossas cabeças disciplinadas e vazias?
Diante da morte iminente e inesperada, o trágico personagem de Tólstoi, Ivan Ilitch, padece de
angústia incomensurável, não pelo fim que se aproxima, mas pela constatação de não ter vivido
sua vida fazendo tudo que deveria ter feito.
Saber se vamos salvar ou não o mundo das garras dos vendilhões não importa muito. O que
não deve ser nada bom é terminar sem remissão como um Ivan Ilitch das letras.
*Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e
autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”
Cincerro
*Guilhermino César
Cavalo do Havre
cego de Peniche
uva de Erexim
pombo de Genebra
saibro de Lorvão
Noivo de Ermesinde
sais de Galaad
lesma de Astorga
anu de Caitité
goivo de Algeciras
estrela de Ur.
Lírio da Guarda
enxofre de Kiev
beiju de Cataguases
anêmona do Chile
corvo de Osasco
alfanje de Larache.
A vida em Corinto
a morte em Benim.
*Guilhermino César( Porto Alegre)
um dos criadores da “Revista Verde”
E a poesia, morreu de quê?
*Felipe Fortuna
Escutei, escuto e escutarei – de tempos em tempos – a mesma bobagem: a poesia está morta. O
mais recente legista literário foi o escritor Martin Amis, que, durante o festival de Hay-on-Wye,
despachou novo atestado de óbito.
(Parênteses explicativos: o que é o festival de Hay-on-Wye? Resposta: é aquele onde escritores
brasileiros não têm vez, porque mal são traduzidos. E o que é a Festa Literária Internacional de
Paraty (FLIP)? Reposta: é aquela, inspirada em Hay-on-Wye, onde escritores estrangeiros,
incluindo Martin Amis, fazem a festa com seus livros traduzidos para o Português). Mas o que
disse o romancista de A Seta do Tempo (1991) ao público? Transcrevo: “Vocês podem ter notado
que a poesia está morta. O obituário já foi escrito (...). Quer dizer, a poesia continua, e sua
estranha, fantasmagórica existência póstuma se dá na forma de excursões e leituras e concursos
poéticos e tudo o mais, porém não muitas pessoas agora se aconchegam à noite com um livro
de poesia...” Para o escritor, a causa mortis da poesia foi a aceleração da História, que
contaminou os indivíduos com o desejo de velocidade e de seguir adiante. A poesia,
infelizmente, seria o oposto a toda essa correria – pois pára o relógio e exige que se olhe para o
momento, para a pequena e súbita epifania que está à espera de exame.
A jornalista Tishani Doshi, num artigo publicado em The Guardian, sentiu-se incomodada com a
afirmação de Martin Amis, e logo encontrou antídotos: atualmente, romances muito volumosos
continuam populares, pois sempre se arranja tempo para lê-los. Além disso, um cortejo de
poetas ganhou aplausos e reconhecimento naquele mesmo festival de Hay-on-Wye: por
exemplo, Derek Walcott ao recitar o poema “Farewell”, de Walter de la Mare; e ainda Wole
Soyinka em sua homenagem a Omar Khayyam, além dos tributos à poesia de W. H. Auden.
Um observador mais cínico poderia afirmar que o romancista britânico estava, de fato, fazendo
uma propaganda da sua arte literária, como se esta fosse a mais preparada para enfrentar o
século XXI. No entanto, volta-se a ouvir as palavras de Derek Walcott: o mundo é o território da
metáfora; e a força da poesia se encontra, justamente, no seu poder de confrontar as perdas.
Nada mal como resposta definitiva a quem havia diagnosticado um mundo cada vez mais
veloz: afinal, quem cuidará das perdas, se estamos avançando em velocidades tão altas e mal
temos tempo de contemplar o o caminho? Se me coubesse levar a sério a afirmação de Martin
Amis, ainda assim me sentiria bem ao perceber a poesia como uma crítica ao que há de pior na
idéia de progresso.
Entre nós, o poeta José Paulo Paes já havia reagido ironicamente com o livro A Poesia Está
Morta Mas Juro que Não Fui Eu (1988). E ele tinha mesmo razão em tirar o corpo fora, pois nunca
se sabe se a poesia pode morrer na mão dos seus inimigos, que nunca a praticam, ou na dos
poetas – que tentam matá-la por incompetência ou, conforme o caso, por envenenamento lento
e gradual. Explico-me: na longa lista dos inimigos da poesia encontram-se os historicistas, a
desconfiar dos poetas que não conhecem a verdade dos fatos; e os cientistas, que consideram a
poesia uma afetação puramente intuitiva; e ainda os matemáticos, os filósofos, os políticos, e
por aí vai. Já repetindo, em 1825, um ataque de origem platônica, o jurista Jeremy Bentham, em
The Rationale of Reward, criticava os poetas por apresentarem a ficção como verdade, o que lhe
parecia imoral e desmoralizador.
Se alguns poetas foram incompetentes e quase mataram a poesia – é melhor calar seus nomes:
eles fracassaram por completo, e a poesia aí está, robusta sobrevivente. Mas não é possível
omitir aqueles poetas que tentaram atrofiar até à morte um tipo, um estilo ou uma idéia de
poesia. Isso tem sido comum ao longo do tempo, quando se presta atenção às escolas literárias:
ali está o velhaco parnasiano a zombar do jovem simbolista com seus poemas siderais e
voláteis; e também o mestre modernista a tapar o nariz em rejeição ao cheiro de naftalina que
vem do passado. As injúrias e as gozações pululam na forma de sapos.
Até que um dia anunciaram a morte do verso, do poema e até da arte. A fúria assassina foi
tamanha que muitas vezes o autor do golpe se confundia de alvo: por exemplo, no índice do
livro O Arco-Íris Branco (1997), de Haroldo de Campos, consta o ensaio “Poesia e Modernidade:
da Morte do Verso à Constelação”. Quando se chega à página 243, o título passa a ser “Poesia e
Modernidade: da Morte da Arte à Constelação”. O leitor se pergunta: será que tanto faz, já que
o negócio é matar? A leitura faz supor que o crítico só se preocupava mesmo com o verso, mas
resta a dúvida sobre se o seu veneno poderia espalhar-se... Por outro lado, se então for
verdadeira a morte do verso, como compreender a poesia de vanguarda que dele não mais se
utiliza? O mesmo Haroldo de Campos, no ensaio intitulado “Comunicação na Poesia de
Vanguarda”, incluído em A Arte no Horizonte do Provável (1969), aparece com a solução: “À
medida que [a poesia de vanguarda] vai crescendo em complexidade, o auditório vai carecendo
de elementos redundantes, de normas, que o ajudem a decodificá-la. Este problema só se
resolve com a ampliação do repertório do leitor através de uma revolução nos métodos
tradicionais de educação (...)”. Se bem entendi, é preciso revolucionar o ensino para ensinar a
morte do verso.
O flerte com a morte e a anulação, aliado a uma tendência à obscuridade, está no âmago da
idéia de vanguarda artística. É uma tendência implícita, por exemplo, na negatividade de livros
como Viva a Vaia (1979), Despoesia (1994) e Não (2003), de Augusto de Campos, nos quais um
poema como “Afazer” implica afasia. Uma presença pelo desaparecimento, ou, nas palavras de
Arnaldo Antunes: “Do menos ao ex, do ex ao des, do des ao não, a poesia de Augusto renova a
sua afirmação.” Assim, fica o não-dito pelo dito e a impressão de que às vezes a poesia, assim
como a morte, não manda recado.
*Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e
diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”
Estância n º 1
*Emerson Teixeira
Bastou a indecisão de uma vírgula
para que se perdesse o elo entre as palavras
e aí, por séculos e séculos
só se ouviu o tique taque nervoso do meu relógio
Meu reino por um cavalo...
*Emerson Teixeira
...alado:
a vida inteira só fiz
castelos no ar.
*Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases-MG)
poeta e professor,autor de “Similes” (poesia)
Relevâncias Inexistentes
(Uma crônica vagabunda)
*Márcia Denser
Esta semana recomecei a dar meu Estúdio de Texto, laboratório de criação
avançada, no Centro Cultural, terrivelmente concorrido (cinqüenta candidatos só na fila de
espera) e lá estava eu, em meio à aula inaugural com os primeiros vinte e dois selecionados,
quando surgem Marcelo Mirisola e Ronaldo Cagiano, escritor de Brasília que acaba de se
mudar para Sampa. Sorte nossa, azar de vocês aí. Aliás, Cagiano é uma curiosa mistura de
cavalheiro discretíssimo & agitador cultural metido em várias paradas, fato que não é
absolutamente um paradoxo porque alguém que trabalha há 24 anos numa instituição
financeira pública é profundo conhecedor do coração humano, sobrevive manuseando valores
dos outros e, afinal, o que fazem os escritores senão precisamente ISTO? Naturalmente a coisa
tem vários ângulos, alguns bem negativos, mas escritores para serem bons precisam ser
honestos – inclusive à revelia de si próprios, que ninguém é santo – de imediato, posso citar
dois, Osman Lins, escriturário do Banco do Brasil, que recusava promoções em nome de mais
tempo livre para escrever, e Esdras do Nascimento, também do Banco do Brasil, amigo de
Osman, um verdadeiro gênio para detectar o talento alheio.
Fomos jantar os três e rolou aquelas conversas literárias vagabundas que implicam
em troca de figurinhas, discreta sondagem de preferências e visões de mundo do recém-
chegado, cumplicidade incondicional entre mim e Mirisola, Cagiano contando sua viagem a
Teerã, onde esteve dando palestra com texto previamente censurado - a sensualidade da nossa
mulata, por exemplo, não passou - a partir do quê chegou-se à conclusão que o
fundamentalismo religioso dos talebãs fundido ao fundamentalismo neoliberal da onipresente
cultura de mercado - coexistência de burkas & tênis Nike – superpõe censura religiosa local &
imposição mercadológica imperial (naturalmente aí Bush, talebãs e demais poderosos de pleno
acordo) deixando a população sem outra alternativa senão render-se ao pior dos dois mundos.
Merda no Além e no Aquém, merda em cima e embaixo, assim na terra como no
céu. Amém. Realmente, a única guerra que existe é contra os civis, as populações civis do
mundo.
O negócio é o seguinte: no Mundo, você só come no MacDonald’s (embora, se o
fizer, foda sua saúde,o filme Supersize-me esgota o assunto), se trata só se tiver Plano de Saúde
(que não cobre quase nada embora cobre os olhos da cara, enquanto neoliberais de plantão
destroem o que resta da saúde pública, Serra à frente), não fuma (embora a indústria de
cigarros continue lucrando horrores), não fala mal dos ricos e poderosos, aliás, melhor não
dizer nada, enfia uma burka e vai te foder, já que no Paraíso te esperam o que? Setecentas
virgens! Local e seres que não interessam se você for mulher ou viado ou broxa ou Bento XVI
ou Clodovil, aliás, o Além, cristão ou islâmico, é um mecanismo de controle social arcaico
demais, maluco e idiota demais.
A população pode ser ignorante, mas não é burra, Deus, pra quem acredita, pode
ser louco, mas também não é burro, coisas simultaneamente loucas & burras como Paraíso ou o
Movimento Cansei & ideólogas Hebe Camargo/Regina Duarte/Ana Maria Braga/Ivete Sangalo
não resistem ao ridículo mais elementar, concluímos filosoficamente, já engatando na entrevista
do João Moreira Salles, 45, filho de banqueiro e dono da revista “Piauí”.1
Nela, ele discorre instrutivamente sobre o Brasil medíocre, irrelevante (não seria
descartável que ele quis dizer?) e sem rumo de hoje, em todos os aspectos, político, econômico,
social, incluindo as artes, literatura, cinema, porque “é importante dentro de determinado caldo
cultural. Quando esse caldo desaparece, pode haver cineastas extraordinários, e eles existem, mas os
filmes não têm mais centralidade. O cinema teve o seu momento, e o momento passou. A centralidade
hoje está na tecnologia, na ciência. Houve um deslocamento do que é vital para uma cultura. O que há de
vivo hoje nas artes e tem algum impacto é a arquitetura. Não consigo imaginar em nenhuma outra
manifestação das artes um impacto tão grande quanto o museu de Bilbao produziu na cidade de Bilbao e
por conseguinte na Espanha.”
Pois é, Bilbao, um pesadelo arquitetônico que nem Borges conceberia porque, ao
contrário dos arquitetos de Bilbao, não brincava em serviço.
Referindo-se à casa da Gávea onde, entre os anos 50 e 60, seu pai, o banqueiro e
diplomata Walther Moreira Salles, recebia o “jet set” das artes, economia e política de dentro e
de fora do Brasil, locação do seu filme “Santiago” cujo tema é as memórias e a persona do
mordomo dos Salles (grifo meu), assunto aliás extremamente relevante para o público
brasileiro, e co-ra-jo-so (segundo a brilhante entrevistadora) ele diz: “Aquela é uma casa da década
de 50, quando o Brasil tinha uma arquitetura importante; produzia uma literatura muito inovadora; teve
grande ambição no cinema, com o cinema novo; e na música, com a bossa nova. No concerto geral das
nações, o Brasil não era irrelevante.”.
Esse João é um exemplo lapidar do “intelectual-banqueiro”, amigo do ex-presidente
FHC, ambos adornos críticos da nossa mais fina sociedade, devidamente categorizados por
Paulo Arantes, mas o que ele não disse (nem lhe foi perguntado) é que o Brasil medíocre de
hoje é o resultado da ação duma elite predadora que, sobretudo nos últimos quinze anos, na
etapa de financeirização do capital, têm bancos e banqueiros à frente do desmanche do país e
seu projeto, logo da sua cultura e arte, Moreira Salles incluído.
E esse João a fazer um filme sobre Santiago,o mordomo da família há três gerações
e os dourados anos 50-60, esse João, dono da revista literária “Piauí” (“Somos imprensa
nanica!Somos combativos. A gente é contra o sistema (risos)”) é o mesmo que diz que a arte
(literatura incluída) brasileira se tornou medíocre, irrelevante.
Ah, sim, à pergunta da Folha: “No filme "Santiago", você afirma não ter se dado conta,
nas filmagens, que o conflito de classe contido na relação patrão/empregado estendia-se à relação diretor/
entrevistado. É porque pensava em sua relação com Santiago pela perspectiva do
1
Folha de São Paulo, 13/08/2007.
afeto, não como patrão?”
ele responde:”De maneira nenhuma quero parecer alguém com maior identificação com quem está do
outro lado do conflito de classe, que era mais próximo dos empregados.É algo tipicamente brasileiro. Está
em Gilberto Freyre, em "Casa Grande & Senzala" -a impossibilidade de a gente não transformar as
relações profissionais, principalmente as ligadas à vida domiciliar, em relações que também
são pessoais.
O afeto atravessa o conflito de classe, rompe um pouco da barreira imposta, é subversivo nesse
sentido”. (grifos meus).
É isso, ideologicamente o texto dele soma duas inevitabilidades: a da ideologia do
favor com a globalização (vide Arantes e Schwarz). O Brasil é irrevogavelmente assim. E a
literatura brasileira não existe.
Bom, pelas Caras da Piauí e sua "proposta editorial", apriorísticamente esse dado já
existia, isto é, que a literatura brasileira não existia era a conditio sine qua nom da própria Piauí.
Um país que premia apenas escritores irrelevantes só tem mesmo que se foder literariamente.
Felizmente, no fim da noite, a declaração de Paulo Zotollo, presidente da Philips, retificando
que na verdade é o Piauí que não existe, nos fez suspirar aliviados.
Márcia Denser (São Paulo - SP)
Quem é o jogador?
*Vanderlei Pequeno
O repórter esportivo, aquele que busca as informações na beira do
gramado, sem dúvida, é o comunicador que muito contribui para enriquecer o acervo de Casos
engraçados do nosso futebol. E, quase sempre, as tiradas verbais mais insólitas vêm a lume
quando falta ao profissional, de imediato, respostas às indagações do narrador - aquele que
trabalha na cabine de transmissão. Nesse momento, no calor da luta, é que aparece o
necessário, urgente, mas perigoso improviso.
Foi o que aconteceu com Ariosvaldo, dublê de funcionário do Banco do Brasil e
repórter de rádio nos finais de semana. Responsável pela reportagem, num Ribeiro Junqueira,
de Leopoldina, versus Madureira, do Rio de Janeiro, na década de 1970, foi chamado numa
participação pelo narrador, exatamente no momento em que a equipe carioca entrava em
campo:
-Alô Ariosvaldo, diga lá o nome do sete da equipe do Madureira? Quem é o sete,
por favor?
Atrasado e um tanto quanto distraído na sua tarefa de coleta de dados sobre a
composição das duas equipes e sem conseguir localizar o atleta a que o colega de cabine se
referia, Ariosvaldo foi curto e infeliz na sua resposta:
-É o Ponta-Direita!
*Vanderlei Pequeno (Cataguases-MG)
co-autor de“A Casa da Rua Alferes e outras crônicas”
Serras e Cachoeiras - Vicente Costa
O artista plástico Francisco Severino e o fotógrafo Vicente Costa
Um dos nossos chicos, o Vicente Costa, apresenta seus trabalhos no Espaço Francisco
Severino na cidade de Descoberto, aqui em Minas. Ele vem registrando com sua objetiva suas
caminhadas pelo que restou de Mata Atlântica aqui na curiosamente chamada Zona da Mata
Mineira.
Francisco Severino está expondo suas telas, aqui em Cataguases, na Casa de Cultura
Simão.
Novidades
No próximo dia 11 de outubro lá no Instituto Francisca de Souza, Eltânia
André estará lançando seu livro de estréia.
Eltânia André, apresenta-nos em sua estréia a obra “Meu Nome Agora é
Jaque”, trata-se de um livro de contos, todos narrados pelo mesmo personagem, Tizé, de um
modo peculiar que conduz o leitor, inevitavelmente, a reflexão sob forma de humor e ironia.
O Tizé (ou seria melhor dizer Jaque?) vive um momento conflitante de sua vida, suas
lembranças estão voltadas para casos familiares e vivências diversas das quais se tira alguma
lição, embora nem sempre elas pareçam claras. O personagem é saudosista, engraçado, ora
turrão, ora alegre, ora tímido, ora expansivo... Há uma mescla de características, que, mesmo
antagônicas, ficam ligadas ao conteúdo dos contos. Ele se revela a partir de cada história, e isso
é um recurso interessante, porque motiva o leitor a descobrir o que é ser jaque, em meio a seus
conflitos pessoais e existenciais. Contatos com a autora: eltaniaandre@hotmail.com e
falecomeltania@yahoo.com.br
“A Casa da rua Alferes e outras crônicas”
dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e
Vanderlei Pequeno
Se você quer adquirir entre em contato conosco:
chicos.cataletras@hotmail.com

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Chicos 11 setembro 2007

  • 2. Um dedim de prosa Neste setembro, Francisco Cabral, nosso poeta maior, lançou lá no Instituto Francisca de Souza, seu último livro, o imperdível “Cidade Interior”. Pensamos em falar alguma coisa a respeito, mas escrever o quê? Façamos então o seguinte: leia dois poemas que publicamos; um do Antônio Jaime (na contracapa do livro) “Ao outro cabral” e o do mestre “Inexílio II”. Depois corra até o Chica e compre este ótimo livro. Dois amigos nossos morreram em agosto e o poema “Zé Pedro” retrata nossa raiva contra estas mortes. Apesar de toda a discussão sobre ética, lá em Brasília continua a farra do boi e nós aqui em baixo ruminando ódio. Para todos os “boiadeiros” de todos os Legislativos do Brasil dedicamos “A maioria”. Na crônica de Márcia Denser vocês vão notar que o Ronaldo Cagiano já se enturmou com o pessoal bom lá de Sampa. Quem nos mandou uma ótima colaboração foi Felipe Fortuna, outro poeta dos bons. Ao outro cabral *Antônio Jaime bem uns duzentos anos pós corrida do ouro de novo garimpouros a exaurir o rio pomba não de todo sem lucro pode provar – no papel francisco marcelo cabral o homem que sabe tudo basta só um exemplo: poeta – no seu entender - é o que puxa a cadeira a poesia é o tombo ouve troqueus no jorro da torneira – anapestos no ralo – pensa em verso e – ao escrever – sai ouro *Antônio Jaime Soares (Cataguases -MG) Inexílio II *Francisco Cabral Todo poema é celebração mesmo não lido. Todo poema é de amor mesmo perdido. Todo poema fica por aí mesmo esquecido *Francisco Marcelo Cabral, poeta (Rio de Janeiro -RJ)
  • 3. A geladeira *Zé Antonio Havia há alguns anos, um enorme Curtume nos arredores da cidade. Proprietário: Coronel Camargo, senhor de todas as terras e cercas. Aquele estabelecimento, tão asqueroso como seu dono, poluía sistematicamente o rio e o ar da cidade, espoliava seus empregados, tanto quanto o meio ambiente. O velho, um cão de caça, assediava todas as mulheres do seu feudo. Nada o detinha. Ameaças de orgulhar qualquer crápula. Mirtinha casara cedo, não tinha filhos e, nos seus dezoito anos incompletos, conservava o frescor da adolescência. Dona de uma alegria quase infantil, sem anseios, pensava apenas em viver para a casa e o seu homem; era a típica jovem mulher de cidade pequena. Casada com um empregado do Curtume, o velho coronel, partindo para o cerco , tanto fez que a teve entre as mãos. Com caridade diabólica, o coronel conseguira que ela e o marido fixassem residência em uma casa de sua propriedade, última da rua no acesso a sua fazenda. Rapidamente, tornou-se senhor do corpo de Mirtinha. Todas as tardes ele saia do curtume, atravessava a cidade e a desfrutava. Num dia calorento, pediu um copo d’água, ela de moringa na mão o serve. O coronel reclama da falta de uma geladeira na casa. Num repente autoritário decide presenteá-la com o eletrodoméstico. A mulher se apavora; como justificar ao marido presente tão caro, completamente fora de suas posses? O velho gavião sai afirmando que encontrará a solução. Certa tarde no curtume, o patrão coloca o marido de Mirtinha em um carro. Precisaria dele para um serviço urgente na fazenda. Tarefa concluída, os dois retornam. Aproximando-se da casa, de onde também era frequentador, o velho ardilosamente, inventa de tomar água na casa do empregado. Mirtinha, ao ver os dois juntos ali na sua casa, entra em pânico, não consegue disfarçar o constrangimento. Senta-se na primeira cadeira que encontra. O marido, inocente, passa-lhe uma descompostura e serve a água ao patrão. Os dois saem. A dona da casa continua sentada no mesmo lugar, desfalecida, tenta se recompor do susto. O velho reclama da água e põe-se a elogiar as vantagens e virtudes de um refrigerador. Intempestivamente toma outro rumo. Entra em uma loja e compra uma geladeira. O inocente do marido é só agradecimento a tão bom patrão. Mirtinha, já sem viço algum, com o corpo e a alma doloridos por aquela vil exploração, é só tristeza. Descobrindo-se grávida, atormenta-lhe a dúvida da paternidade. O terror a toma ao constatar que as probabilidades maiores apontavam para o coronel. O bom marido chega do trabalho, abre a geladeira toma prazeirosamente um copo d’água. Estranha a ausência da mulher. Decide-se por um banho. No banheiro, estarrece-se ao vê-la nua, pendurada numa
  • 4. corda de bacalhau. Acode-lhe distante vizinho, atraído por desesperados gritos. Tristeza no féretro, meia dúzia de amigos, o coronel não comparecera, mas custeara do caixão roxo à cova rasa. Os dias foram passando o viúvo naquela lamuriosa contrição. Era só agradecimento ao patrão. Ele ajudara em tudo, da locação da casa ao custeio do funeral e da geladeira. Tudo regiamente descontado no pagamento. Em verdade ganhava pouco, mas nenhum empregado no Curtume tinha tais regalias. Tinha orgulho de trabalhar para o Coronel Camargo. Paga a última prestação da geladeira, o marido de Mirtinha foi demitido. *José Antonio Pereira (Cataguases -MG) co-autor de“A Casa da Rua Alferes e outras crônicas” Zé Pedro *Zeca Junqueira Estava cheio de gordura estava cheio de raiva estava cheio de tudo estragado! Deu no que deu: estourou enfartou esvaziou morreu. A maioria *Zeca Junqueira Como mentem. Que nojo. Até suas presenças mentem. Mentem com as mãos, com a cara, com a roupa, com os gestos, mentem com o corpo todo. A fala constrange, ofende, é delírio e aleijão – semântica molar mas os mentirosos nem loucos nem doentes são: contra eles, o mais preciso e frio diagnóstico: são em sua maioria filhos da puta. No país deles, a saúde, câncer com metástase nacional, a segurança, morra ou salve-se quem puder a educação, burro ou analfabeto funcional o trabalho, dane-se, arrume uma viração qualquer.
  • 5. Furtivamente furtam tudo: dinheiro, direitos, destinos e circulam pelas casas da República com desenvoltura de veranistas. Ocupam tudo, mancham tudo, aquartelam-se, enquadrilham-se, tramam, metamorfoseiam-se, deixam de ser para continuarem sendo indefinida e sorrateiramente filhos da puta. Quando afanam o dinheiro nacional diz-se deles lenientemente que mal utilizam a coisa pública – não furtam, não são ladrões?! quando chutam o ventre da nação abortando impiedosamente o direito à vida de milhões (crime hediondo) quando chafurdam na mais deslavada corrupção aí sim! dão sua cartada de exímios trapaceiros e evocam um verdadeiro Moloch - as zonas obscuras da ética – vejam só! que juram existir no fazer político e onde tudo é relativo principalmente o público e o privado onde tudo é possível, aceitável e onde quase todos eles se arrogam o direito de serem filhos da puta, não relativa, mas absolutamente filhos da puta. Dão nojo. Sua fala é molar. Até suas presenças mentem. É isso. Contra eles o mais preciso e frio diagnóstico: são em sua maioria absolutos filhos da puta. Bolso *Zeca Junqueira Que coisa triste e doída meu Deus! Que coisa patética é a lista do mercado feita pela mulher que após o último item – 3 kg de feijão escreve no pedaço de folha de caderno:”eu te amo” encontrado no bolso da camisa do homem sem documentos atropelado no alsfalto quente e sujo morto esquecido no meio da roda de curiosos no meio-dia da cidade barulhenta indiferente e vazia.
  • 6. Palavras, essas bijouterias *Zeca Junqueira O texto “Sobriedade demais”, da Martha Medeiros, publicado na Revista O Globo do último domingo (16/09), soa como um vagido no meio de letras mortas que adensam ainda mais o silêncio produzido pela falência das nossas utopias. Perdemos nossas convicções, somos transmissores passivos de ruídos de coisas geladas, mecanizadas, chipadas, vazias de tudo para garantir a aceitação incontestável do reinado do bezerro de ouro. Somos arautos do nada. Martha cita Hemingway, Bukowski, Dylan Thomas e cobra de si mesma o seu quinhão de desatino, o seu pileque por trás do texto, o LP arranhado soltando jazz de uma antiga vitrola enquanto uma velha e imaginária Remington substitui o computador e importuna tamborilando em voz alta o que é preciso tamborilar: dor, sentimento, esperança, desespero, rebeldia, amor – arte; e que se dane depois a ressaca, depois a gente acerta. Sabiamente, Martha diz que está na hora de vasculharmos a cesta de papéis em busca do rascunho jogado fora só porque é rascunho - será que a vida rigorosamente passada a limpo não se traduz mesmo em rascunho, em aspereza, em intensidade proporcional ao sangue que ela contém? “Os escritores deste novo século já não se suicidam, a Sylvia Plath de hoje faz mamografia, a nova Ana Cristina Cesar faz pilates, o William Burroughs do século XXI precisa parar de beber por recomendação médica”, diz a colunista. Alvíssaras!, essa percepção da Martha Medeiros, esse súbito engasgo numa revista light de domingo, facilmente digerível com o enfadonho almoço do dia, é animador. Instiga-me a botar a cara à mostra, inspira-me a enfrentar o eterno dilema da arte, que atualmente é ainda mais angustiante para aqueles que não querem trapacear com as palavras, essas bijouterias vendidas aos montes por escritores bem-comportados nas melhores casas do ramo. A eles, o recado: Poeta não é título a ser ostentado. Afastem essas luzes! Cessem os aplausos! Não vêem nossas muletas? O dilema é esse: evadir-se e quem sabe imolar-se vigorosamente como o rascunho de si mesmo, acreditando numa semente vital que se deixa com o sacrifício da autenticidade, ou optar pelo conforto do lugar garantido entre o rebanho, enquanto o mundo desaba infecundo sobre nossas cabeças disciplinadas e vazias? Diante da morte iminente e inesperada, o trágico personagem de Tólstoi, Ivan Ilitch, padece de angústia incomensurável, não pelo fim que se aproxima, mas pela constatação de não ter vivido sua vida fazendo tudo que deveria ter feito. Saber se vamos salvar ou não o mundo das garras dos vendilhões não importa muito. O que não deve ser nada bom é terminar sem remissão como um Ivan Ilitch das letras. *Zeca Junqueira (Rio de Janeiro-RJ) jornalista, poeta e autor da peça “O Rei Lagarto – Tributo a Jim Morrisson”
  • 7. Cincerro *Guilhermino César Cavalo do Havre cego de Peniche uva de Erexim pombo de Genebra saibro de Lorvão Noivo de Ermesinde sais de Galaad lesma de Astorga anu de Caitité goivo de Algeciras estrela de Ur. Lírio da Guarda enxofre de Kiev beiju de Cataguases anêmona do Chile corvo de Osasco alfanje de Larache. A vida em Corinto a morte em Benim. *Guilhermino César( Porto Alegre) um dos criadores da “Revista Verde” E a poesia, morreu de quê? *Felipe Fortuna Escutei, escuto e escutarei – de tempos em tempos – a mesma bobagem: a poesia está morta. O mais recente legista literário foi o escritor Martin Amis, que, durante o festival de Hay-on-Wye, despachou novo atestado de óbito. (Parênteses explicativos: o que é o festival de Hay-on-Wye? Resposta: é aquele onde escritores brasileiros não têm vez, porque mal são traduzidos. E o que é a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP)? Reposta: é aquela, inspirada em Hay-on-Wye, onde escritores estrangeiros, incluindo Martin Amis, fazem a festa com seus livros traduzidos para o Português). Mas o que disse o romancista de A Seta do Tempo (1991) ao público? Transcrevo: “Vocês podem ter notado que a poesia está morta. O obituário já foi escrito (...). Quer dizer, a poesia continua, e sua
  • 8. estranha, fantasmagórica existência póstuma se dá na forma de excursões e leituras e concursos poéticos e tudo o mais, porém não muitas pessoas agora se aconchegam à noite com um livro de poesia...” Para o escritor, a causa mortis da poesia foi a aceleração da História, que contaminou os indivíduos com o desejo de velocidade e de seguir adiante. A poesia, infelizmente, seria o oposto a toda essa correria – pois pára o relógio e exige que se olhe para o momento, para a pequena e súbita epifania que está à espera de exame. A jornalista Tishani Doshi, num artigo publicado em The Guardian, sentiu-se incomodada com a afirmação de Martin Amis, e logo encontrou antídotos: atualmente, romances muito volumosos continuam populares, pois sempre se arranja tempo para lê-los. Além disso, um cortejo de poetas ganhou aplausos e reconhecimento naquele mesmo festival de Hay-on-Wye: por exemplo, Derek Walcott ao recitar o poema “Farewell”, de Walter de la Mare; e ainda Wole Soyinka em sua homenagem a Omar Khayyam, além dos tributos à poesia de W. H. Auden. Um observador mais cínico poderia afirmar que o romancista britânico estava, de fato, fazendo uma propaganda da sua arte literária, como se esta fosse a mais preparada para enfrentar o século XXI. No entanto, volta-se a ouvir as palavras de Derek Walcott: o mundo é o território da metáfora; e a força da poesia se encontra, justamente, no seu poder de confrontar as perdas. Nada mal como resposta definitiva a quem havia diagnosticado um mundo cada vez mais veloz: afinal, quem cuidará das perdas, se estamos avançando em velocidades tão altas e mal temos tempo de contemplar o o caminho? Se me coubesse levar a sério a afirmação de Martin Amis, ainda assim me sentiria bem ao perceber a poesia como uma crítica ao que há de pior na idéia de progresso. Entre nós, o poeta José Paulo Paes já havia reagido ironicamente com o livro A Poesia Está Morta Mas Juro que Não Fui Eu (1988). E ele tinha mesmo razão em tirar o corpo fora, pois nunca se sabe se a poesia pode morrer na mão dos seus inimigos, que nunca a praticam, ou na dos poetas – que tentam matá-la por incompetência ou, conforme o caso, por envenenamento lento e gradual. Explico-me: na longa lista dos inimigos da poesia encontram-se os historicistas, a desconfiar dos poetas que não conhecem a verdade dos fatos; e os cientistas, que consideram a poesia uma afetação puramente intuitiva; e ainda os matemáticos, os filósofos, os políticos, e por aí vai. Já repetindo, em 1825, um ataque de origem platônica, o jurista Jeremy Bentham, em The Rationale of Reward, criticava os poetas por apresentarem a ficção como verdade, o que lhe parecia imoral e desmoralizador. Se alguns poetas foram incompetentes e quase mataram a poesia – é melhor calar seus nomes:
  • 9. eles fracassaram por completo, e a poesia aí está, robusta sobrevivente. Mas não é possível omitir aqueles poetas que tentaram atrofiar até à morte um tipo, um estilo ou uma idéia de poesia. Isso tem sido comum ao longo do tempo, quando se presta atenção às escolas literárias: ali está o velhaco parnasiano a zombar do jovem simbolista com seus poemas siderais e voláteis; e também o mestre modernista a tapar o nariz em rejeição ao cheiro de naftalina que vem do passado. As injúrias e as gozações pululam na forma de sapos. Até que um dia anunciaram a morte do verso, do poema e até da arte. A fúria assassina foi tamanha que muitas vezes o autor do golpe se confundia de alvo: por exemplo, no índice do livro O Arco-Íris Branco (1997), de Haroldo de Campos, consta o ensaio “Poesia e Modernidade: da Morte do Verso à Constelação”. Quando se chega à página 243, o título passa a ser “Poesia e Modernidade: da Morte da Arte à Constelação”. O leitor se pergunta: será que tanto faz, já que o negócio é matar? A leitura faz supor que o crítico só se preocupava mesmo com o verso, mas resta a dúvida sobre se o seu veneno poderia espalhar-se... Por outro lado, se então for verdadeira a morte do verso, como compreender a poesia de vanguarda que dele não mais se utiliza? O mesmo Haroldo de Campos, no ensaio intitulado “Comunicação na Poesia de Vanguarda”, incluído em A Arte no Horizonte do Provável (1969), aparece com a solução: “À medida que [a poesia de vanguarda] vai crescendo em complexidade, o auditório vai carecendo de elementos redundantes, de normas, que o ajudem a decodificá-la. Este problema só se resolve com a ampliação do repertório do leitor através de uma revolução nos métodos tradicionais de educação (...)”. Se bem entendi, é preciso revolucionar o ensino para ensinar a morte do verso. O flerte com a morte e a anulação, aliado a uma tendência à obscuridade, está no âmago da idéia de vanguarda artística. É uma tendência implícita, por exemplo, na negatividade de livros como Viva a Vaia (1979), Despoesia (1994) e Não (2003), de Augusto de Campos, nos quais um poema como “Afazer” implica afasia. Uma presença pelo desaparecimento, ou, nas palavras de Arnaldo Antunes: “Do menos ao ex, do ex ao des, do des ao não, a poesia de Augusto renova a sua afirmação.” Assim, fica o não-dito pelo dito e a impressão de que às vezes a poesia, assim como a morte, não manda recado. *Felipe Fortuna (Rio de Janeiro-RJ) poeta, ensaísta e diplomata reside em Londres autor de “Em seu lugar”
  • 10. Estância n º 1 *Emerson Teixeira Bastou a indecisão de uma vírgula para que se perdesse o elo entre as palavras e aí, por séculos e séculos só se ouviu o tique taque nervoso do meu relógio Meu reino por um cavalo... *Emerson Teixeira ...alado: a vida inteira só fiz castelos no ar. *Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases-MG) poeta e professor,autor de “Similes” (poesia) Relevâncias Inexistentes (Uma crônica vagabunda) *Márcia Denser Esta semana recomecei a dar meu Estúdio de Texto, laboratório de criação avançada, no Centro Cultural, terrivelmente concorrido (cinqüenta candidatos só na fila de espera) e lá estava eu, em meio à aula inaugural com os primeiros vinte e dois selecionados, quando surgem Marcelo Mirisola e Ronaldo Cagiano, escritor de Brasília que acaba de se mudar para Sampa. Sorte nossa, azar de vocês aí. Aliás, Cagiano é uma curiosa mistura de cavalheiro discretíssimo & agitador cultural metido em várias paradas, fato que não é absolutamente um paradoxo porque alguém que trabalha há 24 anos numa instituição financeira pública é profundo conhecedor do coração humano, sobrevive manuseando valores dos outros e, afinal, o que fazem os escritores senão precisamente ISTO? Naturalmente a coisa tem vários ângulos, alguns bem negativos, mas escritores para serem bons precisam ser honestos – inclusive à revelia de si próprios, que ninguém é santo – de imediato, posso citar dois, Osman Lins, escriturário do Banco do Brasil, que recusava promoções em nome de mais tempo livre para escrever, e Esdras do Nascimento, também do Banco do Brasil, amigo de Osman, um verdadeiro gênio para detectar o talento alheio. Fomos jantar os três e rolou aquelas conversas literárias vagabundas que implicam em troca de figurinhas, discreta sondagem de preferências e visões de mundo do recém- chegado, cumplicidade incondicional entre mim e Mirisola, Cagiano contando sua viagem a Teerã, onde esteve dando palestra com texto previamente censurado - a sensualidade da nossa mulata, por exemplo, não passou - a partir do quê chegou-se à conclusão que o fundamentalismo religioso dos talebãs fundido ao fundamentalismo neoliberal da onipresente cultura de mercado - coexistência de burkas & tênis Nike – superpõe censura religiosa local & imposição mercadológica imperial (naturalmente aí Bush, talebãs e demais poderosos de pleno acordo) deixando a população sem outra alternativa senão render-se ao pior dos dois mundos.
  • 11. Merda no Além e no Aquém, merda em cima e embaixo, assim na terra como no céu. Amém. Realmente, a única guerra que existe é contra os civis, as populações civis do mundo. O negócio é o seguinte: no Mundo, você só come no MacDonald’s (embora, se o fizer, foda sua saúde,o filme Supersize-me esgota o assunto), se trata só se tiver Plano de Saúde (que não cobre quase nada embora cobre os olhos da cara, enquanto neoliberais de plantão destroem o que resta da saúde pública, Serra à frente), não fuma (embora a indústria de cigarros continue lucrando horrores), não fala mal dos ricos e poderosos, aliás, melhor não dizer nada, enfia uma burka e vai te foder, já que no Paraíso te esperam o que? Setecentas virgens! Local e seres que não interessam se você for mulher ou viado ou broxa ou Bento XVI ou Clodovil, aliás, o Além, cristão ou islâmico, é um mecanismo de controle social arcaico demais, maluco e idiota demais. A população pode ser ignorante, mas não é burra, Deus, pra quem acredita, pode ser louco, mas também não é burro, coisas simultaneamente loucas & burras como Paraíso ou o Movimento Cansei & ideólogas Hebe Camargo/Regina Duarte/Ana Maria Braga/Ivete Sangalo não resistem ao ridículo mais elementar, concluímos filosoficamente, já engatando na entrevista do João Moreira Salles, 45, filho de banqueiro e dono da revista “Piauí”.1 Nela, ele discorre instrutivamente sobre o Brasil medíocre, irrelevante (não seria descartável que ele quis dizer?) e sem rumo de hoje, em todos os aspectos, político, econômico, social, incluindo as artes, literatura, cinema, porque “é importante dentro de determinado caldo cultural. Quando esse caldo desaparece, pode haver cineastas extraordinários, e eles existem, mas os filmes não têm mais centralidade. O cinema teve o seu momento, e o momento passou. A centralidade hoje está na tecnologia, na ciência. Houve um deslocamento do que é vital para uma cultura. O que há de vivo hoje nas artes e tem algum impacto é a arquitetura. Não consigo imaginar em nenhuma outra manifestação das artes um impacto tão grande quanto o museu de Bilbao produziu na cidade de Bilbao e por conseguinte na Espanha.” Pois é, Bilbao, um pesadelo arquitetônico que nem Borges conceberia porque, ao contrário dos arquitetos de Bilbao, não brincava em serviço. Referindo-se à casa da Gávea onde, entre os anos 50 e 60, seu pai, o banqueiro e diplomata Walther Moreira Salles, recebia o “jet set” das artes, economia e política de dentro e de fora do Brasil, locação do seu filme “Santiago” cujo tema é as memórias e a persona do mordomo dos Salles (grifo meu), assunto aliás extremamente relevante para o público brasileiro, e co-ra-jo-so (segundo a brilhante entrevistadora) ele diz: “Aquela é uma casa da década de 50, quando o Brasil tinha uma arquitetura importante; produzia uma literatura muito inovadora; teve grande ambição no cinema, com o cinema novo; e na música, com a bossa nova. No concerto geral das nações, o Brasil não era irrelevante.”. Esse João é um exemplo lapidar do “intelectual-banqueiro”, amigo do ex-presidente FHC, ambos adornos críticos da nossa mais fina sociedade, devidamente categorizados por Paulo Arantes, mas o que ele não disse (nem lhe foi perguntado) é que o Brasil medíocre de hoje é o resultado da ação duma elite predadora que, sobretudo nos últimos quinze anos, na etapa de financeirização do capital, têm bancos e banqueiros à frente do desmanche do país e seu projeto, logo da sua cultura e arte, Moreira Salles incluído. E esse João a fazer um filme sobre Santiago,o mordomo da família há três gerações e os dourados anos 50-60, esse João, dono da revista literária “Piauí” (“Somos imprensa nanica!Somos combativos. A gente é contra o sistema (risos)”) é o mesmo que diz que a arte (literatura incluída) brasileira se tornou medíocre, irrelevante. Ah, sim, à pergunta da Folha: “No filme "Santiago", você afirma não ter se dado conta, nas filmagens, que o conflito de classe contido na relação patrão/empregado estendia-se à relação diretor/ entrevistado. É porque pensava em sua relação com Santiago pela perspectiva do 1 Folha de São Paulo, 13/08/2007.
  • 12. afeto, não como patrão?” ele responde:”De maneira nenhuma quero parecer alguém com maior identificação com quem está do outro lado do conflito de classe, que era mais próximo dos empregados.É algo tipicamente brasileiro. Está em Gilberto Freyre, em "Casa Grande & Senzala" -a impossibilidade de a gente não transformar as relações profissionais, principalmente as ligadas à vida domiciliar, em relações que também são pessoais. O afeto atravessa o conflito de classe, rompe um pouco da barreira imposta, é subversivo nesse sentido”. (grifos meus). É isso, ideologicamente o texto dele soma duas inevitabilidades: a da ideologia do favor com a globalização (vide Arantes e Schwarz). O Brasil é irrevogavelmente assim. E a literatura brasileira não existe. Bom, pelas Caras da Piauí e sua "proposta editorial", apriorísticamente esse dado já existia, isto é, que a literatura brasileira não existia era a conditio sine qua nom da própria Piauí. Um país que premia apenas escritores irrelevantes só tem mesmo que se foder literariamente. Felizmente, no fim da noite, a declaração de Paulo Zotollo, presidente da Philips, retificando que na verdade é o Piauí que não existe, nos fez suspirar aliviados. Márcia Denser (São Paulo - SP) Quem é o jogador? *Vanderlei Pequeno O repórter esportivo, aquele que busca as informações na beira do gramado, sem dúvida, é o comunicador que muito contribui para enriquecer o acervo de Casos engraçados do nosso futebol. E, quase sempre, as tiradas verbais mais insólitas vêm a lume quando falta ao profissional, de imediato, respostas às indagações do narrador - aquele que trabalha na cabine de transmissão. Nesse momento, no calor da luta, é que aparece o necessário, urgente, mas perigoso improviso. Foi o que aconteceu com Ariosvaldo, dublê de funcionário do Banco do Brasil e repórter de rádio nos finais de semana. Responsável pela reportagem, num Ribeiro Junqueira, de Leopoldina, versus Madureira, do Rio de Janeiro, na década de 1970, foi chamado numa participação pelo narrador, exatamente no momento em que a equipe carioca entrava em campo: -Alô Ariosvaldo, diga lá o nome do sete da equipe do Madureira? Quem é o sete, por favor? Atrasado e um tanto quanto distraído na sua tarefa de coleta de dados sobre a composição das duas equipes e sem conseguir localizar o atleta a que o colega de cabine se referia, Ariosvaldo foi curto e infeliz na sua resposta: -É o Ponta-Direita! *Vanderlei Pequeno (Cataguases-MG) co-autor de“A Casa da Rua Alferes e outras crônicas”
  • 13. Serras e Cachoeiras - Vicente Costa O artista plástico Francisco Severino e o fotógrafo Vicente Costa Um dos nossos chicos, o Vicente Costa, apresenta seus trabalhos no Espaço Francisco Severino na cidade de Descoberto, aqui em Minas. Ele vem registrando com sua objetiva suas caminhadas pelo que restou de Mata Atlântica aqui na curiosamente chamada Zona da Mata Mineira. Francisco Severino está expondo suas telas, aqui em Cataguases, na Casa de Cultura Simão. Novidades No próximo dia 11 de outubro lá no Instituto Francisca de Souza, Eltânia André estará lançando seu livro de estréia. Eltânia André, apresenta-nos em sua estréia a obra “Meu Nome Agora é Jaque”, trata-se de um livro de contos, todos narrados pelo mesmo personagem, Tizé, de um modo peculiar que conduz o leitor, inevitavelmente, a reflexão sob forma de humor e ironia. O Tizé (ou seria melhor dizer Jaque?) vive um momento conflitante de sua vida, suas lembranças estão voltadas para casos familiares e vivências diversas das quais se tira alguma lição, embora nem sempre elas pareçam claras. O personagem é saudosista, engraçado, ora turrão, ora alegre, ora tímido, ora expansivo... Há uma mescla de características, que, mesmo antagônicas, ficam ligadas ao conteúdo dos contos. Ele se revela a partir de cada história, e isso é um recurso interessante, porque motiva o leitor a descobrir o que é ser jaque, em meio a seus conflitos pessoais e existenciais. Contatos com a autora: eltaniaandre@hotmail.com e falecomeltania@yahoo.com.br
  • 14. “A Casa da rua Alferes e outras crônicas” dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno Se você quer adquirir entre em contato conosco: chicos.cataletras@hotmail.com