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Polígrafo:


   Reflexões sobre
    as palavras da
instituição da Ceia do
        Senhor
Organizadora: Mara Cristina Weber Kehl
                          Maio de 2011




                     Apresentação




Nos tempos de Lutero nenhum tema foi tão relevante e caro para
sua luta quanto à Ceia do Senhor. Ele constatou que o centro do
Evangelho em palavra e sacramentos estava “na lama”, encoberto
ao povo. Como ministro da palavra percebeu que precisava
lutar para que novamente as pessoas tivessem acesso livre e
espontâneo ao Sacramento do Altar e assim pudessem usufruir de
seus benefícios.
Também em nossos dias, grande parte das pessoas despreza o
sacramento. Mostra-se alheia e indiferente com o mandamento de
Cristo. Isto se deve, principalmente, ao fato de que pregadores/as
pouco, ou quase nada, pregam sobre a dádiva da Ceia do Senhor,
seus benefícios e malefícios, sua centralidade no Evangelho, seu
significado e conseqüências para a vida terrena e eterna. Além
disso, muitas vezes o pouco que ainda se fala sobre a Ceia serve
para encobri-la ao invés de revelá-la.
Frente ao silêncio e a compreensão errônea a respeito da Ceia
do Senhor, há alguns anos, pastores e pastoras da IECLB, vem
se reunindo para que, através da comunhão na Mesa do Senhor
e da prática confortante da Confissão e Absolvição dos pecados,
sejam mutuamente fortalecidos na vivência cristã e na tarefa do
ministério, de zelar pela palavra e sacramentos. Com este afã, no
último encontro foram apresentadas reflexões sobre as assertivas
das Palavras da Instituição da Ceia do Senhor.
Colocamos tal material à disposição com a intenção de contagiar e
puxar para a comunhão e reflexão outros/as colegas, que também
se preocupam com a correta ministração e recepção da Ceia do
Senhor.
Esperamos ajudar na caminhada que não nos pertence, mas que
pertence tão somente àquele que nos inclui em tão maravilhosa e
séria tarefa.




                          Sumário




1º texto:
      A importância da formulação inicial das Palavras da
      Instituição: “O Senhor Jesus, na noite em que foi traído /
      entregue” (apenas em 1 Co 11.23b). Autor: Albérico Baeske
2º texto:
      Reflexão sobre a frase do Evangelho:
      “tomou o pão, e tendo dado graças o partiu”.
       Autora: Mara Cristina Weber Kehl


3º texto:
       E o deu aos seus discípulos. Autor: Airton H. Loeve


4º texto:
       Tomai e comei, isto é o meu corpo. Autor: Hércules O. Kehl


5º texto:
      O significado de “em memória de mim”
      (1 CO 11.24s. / LC 22.19): Autor: Albérico Baeske


6º texto:
      O significado das palavras a respeito do cálice no contexto
      das Palavras da Instituição. Autor: Michael Kleine



7º texto:
      Compreensão das Palavras da Instituição:
      na IECLB, em Lutero e nos Escritos Confessionais.
       Autor: Michael Kleine

           A importância da formulação inicial das Palavras da Instituição:                
  “O Senhor Jesus, na noite em que foi traído / entregue” (apenas em 1 Co 11.23b).
  
  
      1. O relato neotestamentário referente à Ceia do Senhor – em versão
           harmonizada dos quatro textos existentes (cf. M. Lutero, Catecismo Menor
           [CMe], VI.1) – tem caráter tríplice. Ele constitui:

       a. verba testamenti = o testamento que Jesus Cristo deixou, ou seja, fornece
          a ba-se cristológica do Sacramento, a quintessência do Segundo Artigo do
          Credo;
       a. verba institutionis [consecrationis] = as palavras que instituem a ministração
          da Ceia do Senhor em determinada comunidade, aqui e agora, ou seja,
          fornecem a base criacional no Sacramento conforme o Primeiro Artigo do
          Credo;
b. verba explicationis [applicationis] = as palavras que explicam e imputam a
        Ceia do Senhor às pessoas comungantes, aqui e agora, ou seja, fornecem
        a base regeneradora / santificadora do Sacramento conforme o Terceiro
        Artigo do Credo.

 Baseado neste relato, a comunidade comungante, hoje, confessa a presença
 audível e degustável do próprio Jesus Cristo, “o cozinheiro e garçom” de
 sua Ceia, e, concomitantemente, recebe o próprio Jesus Cristo – “o qual foi
 entregue por causa de nossas transgressões, e ressuscitado por causa de nossa
 justificação [diante de Deus]” (Rm 4.25) – “a comida e bebida” (Lutero), que se
 dá pessoal e fisicamente em sua Ceia, gerando nossa vida e nossa salvação.

                  (Cf., p.ex., A. B., A conseqüência de Deus tomar corpo em Jesus Cristo é a presença real e corporal
                   de Jesus Cristo na sua Ceia, ponto 7. In: ID, Na sua Ceia, o próprio Jesus Cristo “é a comida e a
                  bebida, o cozinheiro e o garçom” [Lutero] / Na sua Ceia)



2. A parte inicial das Palavras da Instituição fundamenta a ministração
  comunitária da Ceia do Senhor e define sua compreensão. Ressaltam-se os
  seguintes aspectos:

   a.    Seu peso histórico. Paulo – em termos técnicos da transmissão de bem
         cunhada tradição original: “parelabon / recebi” e “paredooka / transmiti”
         (1 Co 11.23a) – comunicou à comunidade em Corinto (fundada cerca 49/
         50-51 d. C.; cf. At 18.1-22) o relato do ocorrido com a indicação exata
         do tempo (“na noite em que [o Senhor Jesus] foi traído / entregue”),
         intrínseca à sua mensagem, à qual se reporta nesta passagem de sua
         Primeira Carta aos Coríntios (escrita no início de 54 d.C.?). O mais tardar,
         o apóstolo deve ter recebido a referida tradição no começo de seu
         serviço em Antioquia (cerca 40 d. C.; cf. At 11.25s.). Ao que tudo indica,
         a formulação da mesma surgiu em Jerusalém entre pessoas que se
         lembravam vivamente dos acontecimentos (abril de 30 d. C.) dos quais ela
         dá testemunho; a partir de Jerusalém, então, a fórmula ganhou o mundo.
         Assim, “noite” aqui alude a um fato situado num determinado momento
         histórico, enquanto em Jo caracteriza teologicamente determinada
         existência humana (salvo, talvez, 3.1s.; 7.50): “os homens amaram mais
         as trevas do que a luz” (3.19b; cf. 1.5). Para o quarto evangelista, Judas
         Iscariotes é o protótipo desta existência (13.30b), que “não sabe para
         onde vai” (12.35d). Quem crê na “luz do mundo”, que é Jesus Cristo (8.12,
         12.46; cf. 1.4s.9, 3.19-21), “não permanece nas trevas” (12.46b), “não
         andará nas trevas, pelo contrário, terá a luz da vida” (8.12b), jamais é
         apanhado pelas trevas (cf. 12.35). Àquele/a, contudo, que se separa de
         Jesus Cristo – “a luz do mundo” / “a luz da vida” – determina “a noite”
         (9.4, 11.10, 12.35s.), engolem “as trevas”, o que vale dizer, a pessoa está
         sendo ocupada por Satanás, tal qual Judas (13.27a).

                  (Cf., p.ex., G. Bornkamm, Paulo – sua vida e obra. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 11s. 96-105. 135-46.
                  182-8. 201-21. 253-64. Chr. Dietzfelbinger, Das Evangelium nach Johannes. 2 Vols. 2. ed. Zürich:
                  Theologischer Verlag, 2004. Vol 1, p. 87-90. 237-41. 255-61. 341-3. 348-50. 399-404. Vol 2, p.
                   18-23 [Zürcher Bibelkommentare hrgb. v. H. H. Schmid u. H. Weder]. A. B., Noite da Ceia
                  do Senhor e noite de Judas. In: ID, Na sua Ceia)
b)      Sua expressão teológica, aliás: cristológica, sim, “kyriológica” (Chr.
        Dietzfelbinger). “O Senhor Jesus” em absoluto é ´meu / nosso Jesus
        Cristinho` (da novela), o quebra-galho infalível, sempre solícito, nas
        enrascadas em que a gente se mete. Ele é ho kyrios, a quem as
        comunidades pós-pascais proclamam como vindo já para assumir, aos
        olhos de todo o mundo, seu poderio sempiterno (1 Ts 4.15, 5.2; 1 Co
        1,7; Fp 4,5). Elas o aclamam sendo aquele em cuja libertação foram
        acolhidas, desmistificando, assim, os demais senhores, ávidos para as
        subjugarem (Fp 2.11; Rm 10.9a). Em suas reuniões, que ele mesmo
        promove, o exultam com “Kyrios Iaesous” (1 Co 12.3c). Sobretudo
        durante a Ceia do Senhor, experimentam, confessam e esperam Jesus,
        ho kyrios, o presente vindouro (1 Co 10.21s., 11.20-32, 16.22).

               (Cf. A. B., Creio em Jesus Cristo, nosso Senhor ou “Ele serve pra sê Sinhô” (P. do Assaré). In: W.
               Altmann [org.], Nossa fé e suas razões / O Credo Apostólico – história, mensagem, atualidade.
               São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 64-75. ID, Festa da Ascensão de Jesus Cristo – Cl 3.1-11. In:
               V.Hoefelmann e J. A. M. da Silva [coord.], Proclamar Libertação – Auxílios Homiléticos, Vol. 30.
               São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 309-17)

        O apóstolo Paulo reflete tal “kyriologia”, comum às primeiras
        comunidades cristãs, e a puxa para a vida cristã concreta, localizada
        em comunidade (eclesial e social): diante de ho kyrios, cada um tem
        de se responsabilizar e assumir certas tarefas no convívio (1 Ts 3.12; 1
        Co 3.5, 7.17); na vida e na morte, “somos do Senhor” (Rm 14.7s.), logo,
        o irmão / a irmã é independente de meu julgar e a mim não compete,
        sob hipótese alguma, qualificá-lo/la ou desqualificá-lo/la (v.10-3);
        ho kyrios avalia, de vez, decidindo sobre a existência da comunidade
        inteira bem como sobre a de cada membro individualmente, seja na
        interinidade “no corpo, distantes [ainda] do Senhor” – 2 Co 5.6) seja na
        eternidade / ´definitividade` (no “habitar [futuramente, em breve] com
        o Senhor” – v. 8).

               (Cf. W. Kramer, Christos Kyrios Gottessohn – Untersuchungen zu Gebrauch und Bedeutung der
               christologischen Bezeichnungen bei Paulus und den vorpaulinischen Gemeinden. Zürich/Stutt-
               gart: Zwingli-Verlag, 1963. p. 61-103. 149-81, em especial: 167-72. [Abhandlungen zur Theolo-
               gie des Alten und Neuen Testaments hrgb. v. W. Eichrodt u. O. Cullmann])

     c) Sua importância pastoral, que, de momento, mais interessa, vem à luz
        quando se observa que

        ca)    a ceia na qual “o Senhor Jesus” age não tem nada a ver com um
               passah (cf. Êx 12.1-14: ameaça de fora < > Mc 14.12-72 par:
               ameaça de fora, mas, em especial, de dentro);

        cb) “o Senhor Jesus” está sendo entregue
               ● pelo próprio Deus: paredideto = passivum divinum (cf. Mc
                  9.31; Rm 4.25, 8.32; Jo 3.16), respectivamente, se entrega
                  a este, aceitando sua decisão: Mc 14.32-42 par [15.34 par];
                  sim, se entrega a si próprio, de livre e espontânea vontade, a
                  seus caçadores (cf. 10.45; Jo 18.4-8 <> Gl 1.4, 2.20)
●    pelas autoridades judaicas – Mc 15.1 par.
                 ●    pelos discípulos: Judas Iscariotes – Mc 14.10s. par; três deles
                      dormem no Getsêmani – Mc 14.26.32-42 par; Simão Pedro
                      – Mc 14.30s.53s.66-72 par; “todos [os discípulos] fugiram” –
                      Mc 14.50 [51s.] par.

                 (Cf., p.ex., Johnson Gnanabaranam, Uma Nova Dança. São Leopoldo: Sinodal, 1970. p. 41s. A. B.,
                 Mt 22.10-4; Os comensais de Jesus Cristo correm alto risco; Noite da Ceia do Senhor e noite de
                  Judas. In: ID, Na sua Ceia)

          Chama atenção que conhecedor da vasta literatura relativa à Ceia do
          Senhor, no âmbito ecumênico, constata que “a noite da traição /
          entrega [de Jesus] está sendo notoriamente omitida [na reflexão]” (cf.
          M. Welker, Was geht vor beim Abendmahl? 2. ed. [completamente
          revisada e aumentada]. Gütersloh: Gütersloher, 2004. p. 49). Tão-só em
          justaposição com o início das Palavras da Instituição, se entende seu
          centro e sua estrela: “Dado e derramado em favor de vós para remissão
          dos pecados” (M. Lutero, CMe, VI. 4). O início descreve o que nós
          fazemos: traindo / entregando, renegando e dando no pé – e o que
          segue é o que Jesus Cristo faz: ultrapassando e vencendo nossos
          malfeitos. Neste conjunto, resplandece / se manifesta, recém, aquilo
          que o Novo Testamento chama de “amor de Deus“ (Rm 5.8, 8.32, 1 Jo
          4.18 [4.7-21]), de “graça de Deus” (Jo 3.16). Eis gratia praeveniens, a
          manifestação degustável da “paterna e divina bondade e misericórdia”,
          que nos envolve “sem nenhum mérito ou dignidade de nossa parte”,
          sim, em franca e onipotente oposição a esses. A graça de Deus “supre”
          as pessoas que vivem junto à e a partir da Mesa do Senhor “abundante
          e diariamente de todo o necessário”, as “protege contra todos os
          perigos e” as “guarda de todo o mal”. Logo, surte nelas gratidão e
          louvor, bem como as ajeita para o serviço alegre ao Senhor da Ceia, no
          dia-a-dia (cf. ID, ibd., II.1).

3. A formulação “na noite em que [o Senhor Jesus] foi traído / entregue” capta
    nitidamente a vicissitude em que os discípulos se encontram na véspera da
    morte de Jesus. As pessoas, que cunharam e transmitiram a frase, confessam
    através dela a quantas elas mesmas andaram. Aliás, é difícil que haja épocas
    e lugares em que os/ as comungantes se achem em circunstâncias diferentes.
    Correspondem, pois, àquela confissão, os/as comungantes de hoje, quando
    localizam / descrevem / caracterizam / abrem sua situação bem peculiar na
    qual sucede a Ceia do Senhor. Tal ocorre sob enfoque

   ●   pessoal-individual (´pecados prediletos`),
   ●   comunitário-eclesial:
   falta de testemunho vivencial / alternativo em sua própria hoste e fora dela,
   falta de clareza no que “cremos, ensinamos e confessamos [perante Igreja
   e Sociedade]” e, por conseguinte, não “rejeitamos e condenamos [perante
   Igreja e Sociedade]” (LC – Fórmula de Concórdia, passim) o que seria preciso e
   urgente,
   ● social mais amplo: falta de engajamento político-social em público.
A mencionada correspondência se articula

        a)    em honesto levantamento da referida tripla conjuntura (pessoal,
              eclesial, sociopolítica);
        b)    em confissão comunitária, concreta e pública, de nossa culpa e
              corresponsabilidade quanto ao estado geral das coisas em Igreja e
              Sociedade;
        c)    em confissão sigilosa, junto a um/a familiar da fé, de nossa culpa
              particular e de nossa omissão pessoal em relação à opção eclesial e à
              opção em favor do bem-comum;

                       (Cf., p.ex., Dietrich Bonhoeffer, Vida em Comunhão. São Leopoldo: Sinodal, diversas edições
                       em diferentes anos. A. B., Na sua Ceia, passim)


        d)    em reparação, tanto quanto ainda possível, do estrago provocado, de
              forma individual e comunitária.



                                                                                                         A. Baeske




                   Reflexão sobre a frase do Evangelho:
“tomou o pão, e tendo dado graças o partiu”

   1.   O pão na Ceia do Senhor
a) Contexto Bíblico
O pão era o alimento mais importante. Consumido unicamente (Gn 31.54),
ou ao lado de outros alimentos (Lv 8.32). Era feito de trigo ou cevada.
Geralmente as pessoas mais pobres só podiam se alimentar do pão de
cevada. Cabia às mulheres e escravos/as a tarefa de fazer pão. Mas
existiam também padeiros de profissão (Jr 37.21).

              (Cf. McKenzie, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulinas, 1984 , p.689)


Além do sentido literal, o pão também aparece como sinônimo de toda
alimentação (1 Sm 20.34; Gn 47.17; Dt 8.3; Jó 3.24; Ez 18.16). Era
considerado alimento sagrado, e por isso, não se permitia colocar um pedaço
de carne sobre um pedaço de pão. Se caíssem migalhas ao chão deveriam ser
recolhidas caso fossem maiores do que uma azeitona.
Os pães asmos eram produzidos para visitas inesperadas (Gn 19.13) e para
quando as pessoas estavam muito ocupadas (Rt 2.14). A partir do êxodo
do povo de Deus começa a “Festa dos pães asmos”, com sua observância
anual como representação cúltica da libertação (Ex 12.14-20). O pão asmo
relembrava a aflição que o povo havia passado (Dt 16.3).
No NT, além do sentido literal, o pão aparece muitas vezes como sinônimo
de comida e/ou sustentação física integral (Mt 4.4; Mt 6.11; Lc 15.17). Há o
desenvolvimento do pão da vida (Jo 6.35) e do pão no reino (Lc 14.15).
Na última refeição de Jesus com seus discípulos, o pão está presente, ao
lado de ervas amargas e vinho.

               (Cf.MERKEL, F. Pão. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo
      Testamento. 1ª. Edição, 1981, pgs. 444- 445.)


b) Instituição da Ceia
Sobre o pão na instituição da Ceia podemos crer, ensinar e confessar que:
         ● O pão passa por longo processo de transformação. Primeiro
             a semente é enterrada para germinar, crescer e produzir.
             Quando, no devido tempo, a planta produz os grãos, estes são
             triturados e moídos resultando na farinha que, após misturada,
             se torna massa até chegar ao pão. Cada uma destas etapas
             pode ser comparada com a vida e obra redentora de Jesus
             Cristo. No fazer o pão, assim como na vida e obra de Cristo, há
             espera, sofrimento e transformação.
         ● O pão é feito de uma porção de sementes que perderam
             sua forma, ‘sua identidade’, e se fundem tornando-se um só
             pão. Assim também acontece com cada pessoa que participa
             verdadeiramente da comunhão em Cristo (da Ceia). Morre para
             si mesma, tornando-se co-participante da vida de Cristo. A
             pessoa passa a ser parte do único pão.
         ● O pão é capaz de sustentar uma pessoa durante muito
             tempo. Ele é fonte de energia que nutre, sustenta e vitaliza o
             organismo. Por isto, quem come pão em excesso e não trabalha,
             pode adoecer. Também neste aspecto o pão ilustra aquilo que
             Cristo faz aos seus comungantes. Seus benefícios e malefícios.
             Tomar a Ceia do Senhor é receber alimento que trás vida ou
             morte.
         ●    O pão foi e continua sendo alimento básico. Não é apenas para
             domingos, feriados e festas, como um bolo ou torta. Mas para
             o dia-a-dia. Quem hoje aqui não se alimentou de pão? O pão
             é alimento para a luta diária, para quando se tem fome e não
             apenas gula. Neste sentido, o pão ilustra que o Sacramento do
Altar é alimento para quando se tem fome (e sede). Para quem
            precisa se alimentar para a luta diária da fé.
          ● Por último, não por fim, Jesus Cristo toma o alimento que mais
            pode caracterizar o seu corpo. Ao “tomar” ele se apropria,
            decide e faz. O tomar é apenas um gesto, que não encobre e
            não deve encobrir o que vem depois.

c) Na IECLB (nós)-
A IECLB ainda usa pão? Quando se ministra o Sacramento do Altar para
multidão, é possível usar o pão? A IECLB prega sobre o pão? O Sacramento
do Altar é acessível como o pão diário?
Na liturgia que consta no Livro de Culto justifica-se o ofertório com o
gesto: “tomou...”. Que vem a ser isso? Será também sobrevalorização
daquilo que não é central?

   2.   e; tendo dado graças,-
   a.  Contexto Bíblico
   Havia o reconhecimento de que tudo pertence ao Criador, principalmente
   a comida (Sl 24:1). Por isso, a gratidão, em forma de ação de graças
   estava presente na vida cotidiana e no culto.
   Quando acontecia uma refeição, havia o costume de agradecer, antes e
   no final. Muitas vezes se proferia uma benção ao alimento. O chefe da
   família e /ou hospedeiro abençoava o alimento e depois servia todos/
   as. Por ocasião da última refeição de Jesus com os discípulos, além
   da benção aos alimentos era feita uma explicação sobre a história da
   libertação.
   Jesus segue o costume da sua época. Na multiplicação dos pães e peixes
   ele abençoa os alimentos (Mt 14:19) e dá graças (Jo 6.11; Mt 15.36).

            (Cf. Cf. id., ibid., p. 445)

   b. Instituição da Ceia
   Conforme relato de Lucas e Paulo, Jesus pronuncia uma oração de
   gratidão ao tomar o pão. Mateus e Marcos narram que Jesus abençoa
   o pão. Tanto agradecer quanto abençoar, revelam um gesto de gratidão
   de Jesus pelo alimento que toma em suas mãos. Porém, se este
   agradecimento ou benção tivesse um longo conteúdo e fosse central na
   instituição, é provável que teria sido escrito detalhadamente. O fato
   de aparecer na instituição somente a frase ‘e tendo dado graças’/ ‘o
   abençou’, pode revelar que as primeiras comunidades cristãs (por ex.
   Damasco), pronunciavam também uma pequena oração de gratidão antes
   da Ceia.
c. Na IECLB
No Livro de Culto (p.I 15) consta que a Oração Eucarística (OE) deriva
da frase ‘tendo dado graças’, justificando que desde a primeira geração
cristã a OE estava presente na liturgia da Ceia. No entanto, ao olhar
para o conteúdo e para a extensão da mesma veremos que não pode
haver relação. A OE coloca as palavras da instituição dentro de seu
conteúdo, deixando-as sem centralidade. Muitos membros que participam
do culto eucarístico não conseguem, nem sequer, perceber que dentro
da OE foram ditas as palavras do Evangelho. Um exemplo é o que disse
certa vez um membro da IECLB, que na ocasião, era presidente sinodal:
     “o que vocês querem dizer com palavras da instituição?”


A oração de gratidão pode existir antes da instituição. De forma breve
os participantes do Sacramento do Altar agradecem por aquilo que irão
receber. A pregação, por sua vez, precisa clarear e sempre insistir na
ação de graças que sucede a Mesa do Senhor (veja para ex. Lc 24.32-
35).

3.   “o partiu”
a) Contexto Bíblico:
O pão era partido ou rasgado, nunca cortado com faca. Muitas vezes
se fazia com um furo no meio para facilitar a rasgadura. Na refeição
judaica era costume que o chefe do lar e/ou hospedeiro partia o pão para
a família ou hóspedes.

            (Cf. id., ibid. 444)

No NT, além do sentido literal, aparece o desenvolvimento do partir do
pão como sinônimo para a Ceia do Senhor (Lc 24.30; 1Co 10.16; 1Co 11.24;
At 2.42 e 46; At 20.7 e 11; At 27.35). Os discípulos, após a Páscoa
reconhecem Jesus, o crucificado, entre eles no partir do pão. Seus olhos
são abertos e não cessam mais de testemunhar (Lc 24.32-35).

b) Instituição da Ceia
O partir do pão é o gesto que mais revela o que é a Ceia do Senhor em
significado e conseqüências. Nenhum outro gesto como ‘cortar’, ‘dar
todo’ teria a mesma profundidade que o partir. A Ceia é a partilha de
Cristo que é dado para homens e mulheres, escravos e livres, pretos e
brancos. Ao receber Cristo, o/a comungante recebe a comida (e bebida)
que o leva a partilhar fé, vida e bens. Quanto mais o/a comungante é
conscientizado da sua participação real no ‘verdadeiro pão partido’, tanto
mais experimenta existencialmente a partilha na sua vida, com seus/as
   irmãos/ãs.
   As primeiras comunidades cristãs tinham olhos sensíveis voltados
   aos necessitados, ao ponto de partilharem seus bens (At 2.45). Será
   que a expressão ‘partir do pão’, deriva da clareza que tinham sobre o
   Sacramento do Altar?

   d. Na IECLB
   Uma indagação: Como fica o uso da hóstia, principalmente na questão
   do ‘partir’?
   Um ex. para refletir:
   -Um membro escandaliza-se com a pregação, quando é dito que aquela pessoa que
   tem medo ou nojo do/a irmão/ã, não deveria ir à Ceia, já que ninguém tem medo de
   tomar chimarrão ou caipirinha juntos ( o que era próprio no contexto). Leva o assunto
   ao presbitério e pressiona pela continuidade dos copinhos na Ceia. Na seqüência da
   reunião, outro membro sugere um jantar para casais afastados da comunidade, com a
   intenção de reaproximá-los. O mesmo membro polemiza a questão e diz que deveria
   fazer jantares para aqueles que sempre trabalharam na comunidade e não para aqueles
   que nunca aparecem.


   Será que, entre nós, há sono (1Co 11.30) na fé e na partilha, pois não
   discernimos ( v. 29) devidamente o ‘partir do pão’ e o repassamos?
                                                            Mara C. W Kehl




                      E O DEU AOS SEUS DISCÍPULOS

   O estudo relacionado à assertiva tem por objetivo lançar luz sobre o
significado da mesma na perspectiva das palavras da instituição Ceia do
SENHOR, na qual ela está escrita.

   1.   O significa, em detalhes: “E O deu aos seus discípulos”

    Quem dá a Ceia do SENHOR é o próprio SENHOR Jesus Cristo aos Seus
discípulos. Ele não dá a Si Próprio às pessoas seguidoras de outros seres
humanos ou autoridades constituídas: Fariseus e escribas, por exemplo. Além
desse fato concreto: A ação do verbo ‘dar’, como veremos, parte daquEle que
anuncia, prepara, aplica e faz desfrutar dos benefícios e promessas da Ceia, Jesus
Cristo, no caso. Ah é? Sim! De fato! Sem participação dos discípulos no preparo
da Ceia, porque eles, tão somente, se apropriam da Promessa do SENHOR, tanto
na fé quanto no concreto, segundo as Palavras o indicam e professam, aí e agora.

   2.   A conjunção coordenativa: καὶ - e.
A palavra invariável que introduz a assertiva em estudo é: καὶ. Ela serve
para ligar (relacionar, unir) duas orações ou dois termos semelhantes da mesma
oração. Nela ela é coordenativa, visto que ela não se altera com a mudança de
construção da frase.
    Na assertiva, a função gramatical do καὶ é de ligação, ou seja, ela estabelece
uma relação de adição entre os elementos da oração, sem que, isoladamente,
perde-se o sentido que cada um dos elementos da oração possui. Ademais,
observando os textos, notamos que a conjunção, tão somente, liga elementos da
oração toda que tem pensamento equivalente.
Mt 26.26: A conjunção antecede diretamente o verbo: δοὺς.
Mt 26.27: A conjunção não antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν, mas
ela aparece no início da oração, conforme vemos: καὶ λαβὼν ποτήριον καὶ
εὐχαριστήσας ἔδωκεν αὐτοῖς λέγων· (...).
Mc 14.22: A conjunção antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν.
Mc 14.23: A conjução não antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν, mas
ela aparece no início da oração, conforme vemos: καὶ λαβὼν ποτήριον
εὐχαριστήσας ἔδωκεν αὐτοῖς (...).
Lc 22.19: A conjunção antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν.
1Co 11.24: Nesta passagem a conjunção aparece duas vezes, conforme vemos:
καὶ εὐχαριστήσας ἔκλασεν καὶ εἶπεν· (...).

   3.   O verbo ‘dar’, no original:

Mt 26.26: δοὺς – particípio aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Dando
Mt 26.27: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito:
Deu.
Mc 14.22: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito:
Deu.
Mc 14.23: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito:
Deu.
Lc 22.19: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito:
Deu.
1Co 11.24: τὸ ὑπὲρ ὑμῶν – Que foi (dado) a favor de vós. A palavra a ser
suprimida aqui é: Dado.
      Não é especificado, em nenhuma das passagens bíblicas alusivas à Ceia
do SENHOR se, Jesus Cristo, o Unigênito de Deus, também comeu e bebeu a
Ceia dEle. Uh é? Sim. Jesus Cristo é exclusivamente aquEle que dá a Si próprio a
Seus discípulos. [Pausa para reflexão.]
Os termos, λάβετε (comei), φάγετε (bebei), somente, aparecem em Mateus. O
evangelista de Jesus Cristo Marcos, tão somente, tem o verbete: φάγετε. Já em
Lucas e em 1 Coríntios, nenhuma dessas duas palavras aparece.

   4.   Quem é quem na Ceia do SENHOR? Quem faz o quê?
Na Ceia do SENHOR Jesus Cristo, o ‘garçom’, aquEle que prepara a Ceia,
dá algo [a Si próprio] a Seus discípulos! Magnífico. Na Ceia do SENHOR,
imerecidamente, única, exclusiva e tão somente, a participação concreta dos
discípulos é que eles recebem algo [os elementos da Ceia unidos às Suas Palavras
que Ele próprio lhes dirige] de Jesus Cristo, O próprio, pela fé e no real. Isto é
claríssimo nas palavras da instituição da Ceia. Vejamos:
Mt 26.26: τοῖς (dativo plural masculino) μαθηταῖς (dativo plural masculino): Aos
discípulos.
Mt 26.27: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes.
Mc 14.22: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes.
Mc 14.23: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes.
Lc 22.19: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes.

    5.   Qual o significado e alcance do verbete: Discípulo?

    Pessoas impuras não podiam participar da Ceia da Páscoa judaica. Havia
um exame prévio, preparação segundo a Palavra do SENHOR – Êx 12.43ss.
Jesus Cristo, antes da instituição, ministração e recepção da Ceia dEle, notifica1
que aquele que O havia traído se dê a conhecer e faz com que os discípulos
todos se examinem o mais seriamente possível2. Pois é. Precisamos refletir
com profundidade que: Na comunidade da Ceia, na comunhão com o próprio
Jesus, pessoas puras não têm lugar, mas sim, e tão somente gente contrita e
arrependida, que à Luz da Palavra de Deus e Cristo, se confessa, reconhece e
declara culpada ante Deus; enfim, pecadores que crendo nos benefícios de Cristo,
correm para Ele. É. A Ceia do SENHOR é justamente para gente pecadora que
diz, na e pela fé no Cristo Crucificado, assim: Se me examino à Luz da Escritura
Sagrada, chego à conclusão, pela fé, de que eu deveria dar um fim à vida que
me foi confiada, exatamente como Judas o fez, mas, isto não faço pois Deus me
o proibiu, pelo contrário, como mendigo da Graça, Misericórdia, Compaixão,
Complacência, Bondade, Amor de Cristo, me entrego, mediante a fé, aos
Cuidados de Deus.
    Ademais, como é horrível e terrível perceber que Jesus Cristo só pode ser
traído por uma pessoa que é discípula dEle, como no caso de Judas cuja índole é
controlada e guiada, regida e determinada pelo ser interior de alguém que não é
totalmente crente na pessoa e pregação de Cristo, como o notamos na sua postura
concreta!3 De mais a mais é preciso refletir que não somente Judas trai a Cristo,
mas sim, todos.
1 Nötigt. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches Handbuch zum Evangelium de Matthäus, I.
1889, pg. 489.
2 Aufs ernsteste sich zu prüfen. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches  Handbuch  zum 

Evangelium de Matthäus, I. 1889, pg. 489.
3 Wie ist es wohl zu bedenken, daβ in Jesu Kreis, besonders in die Abendmahlgemeide,

Unheilige nicht passen; wie entetzlich das Los eines Judas-artig stehenden Menschen!
Assim escreve Kübel no seu livro. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches  Handbuch  zum 
Evangelium de Matthäus, I. 1889, pg. 489.
Também, nós, hoje, os que atualmente queremos ir e vamos à Ceia
do SENHOR, precisamos nos examinar, conscientizados pela pregação
cristocêntrica, antes de participar e receber a Ceia do SENHOR, com a mesma
pergunta: Porventura, sou eu, SENHOR, quem Te está traindo? E, isto precisa
se dar, não como uma lei, mas como resposta à Obra da Salvação na cruz do
Calvário, onde Jesus Cristo pagou com Seu próprio Sangue o preço da nossa
dívida ante Deus. Ademais, o que eu sou capaz/apto4 a fazer ou mesmo estou
concretizando em termos de traição e profanação, tanto com o ensino quanto
com a vida, do Nome de Deus na atualidade? Será que nós não temos também
segredos de traição de Cristo a revelar? Tentaremos ser ousados crendo que
no dia final isto não virá á tona?5 Ou ainda, será cremos que, mesmo sem
arrependimento e fé em Jesus Cristo, igual se irá, com algum ‘jeitinho’, ser
partícipe de Ceia Derradeira? Auto-Ilusão!




4   Fähig.
5   Quanto à esse assunto consultar: BONHOEFFER, Dietrich. Prédicas e Alocuções. Pg. 23-27.
Nos tempos do Novo Testamento, a palavra significava, em geral, aqueles
que aceitavam os ensinamentos de outro – exemplo, de João Batista (Mt 9.14;
Jo 1.35), dos fariseus (Mc 2.18; Lc 5.33) e de Moisés (Jo 9.28). Seu uso mais
comum era para denotar as pessoas aderentes de Jesus: Quer no sentido geral
(como em Mt 10.42; Lc 6.17; Jo 6.66), quer referindo-se especialmente aos doze
(Mt 10.1; 11.1), que tudo abandonaram a fim de seguí-Lo.7 Igualmente, não se
pode deixar de mencionar testemunhas específicas (Jo 9.28).
    Atendo-nos ao assunto em questão na presente exposição da assertiva,
observamos que: Jesus Cristo, na noite em que foi traído, institui, ministra e se
dá aos Seus discípulos (μαθηταὶ). Mas quem são esses discípulos? Só os doze
que Ele escolhera? Havia outros discípulos/as com Jesus Cristo naquela hora?
Não podemos afirmar com exatidão. Certo, contudo, é que os doze que Ele havia
escolhido estavam aí presente.
    Considerando que não nos é possível, ao exato, declarar quem estava, e se
havia mais pessoas presentes na hora da Ceia, nos atemos com mais afinco,
agora, ao significado do termo: Discípulo.
    Há uma clara diferença entre οἱ μαθηταὶ (Mt 5.1), os discípulos (um círculo
mais restrito de pessoas), de τοὺς ὄχλους (Mt 5.1), as multidões (um grande
círculo de ouvintes), de ὄχλος μαθητῶν (Lc 6.17), de multidão de discípulos,
isto é, todas as pessoas que até aqui tinham recebido o Ensino Doutrinal de Jesus
propriamente8, e que o tinham aderido seguindo-o.9

    6.   Aproximando-nos ao conceito ‘discípulos’ à luz de falas diretas de Jesus 
         Cristo.
 




6 MÜLLER, D. Discípulo. In: BROWN, Colin. O  Novo  Dicionário  Internacional  de  Teologia  do 
Novo  Testamento. 1ª. Edição, 1981, pgs. 662-663. Além, do texto, em português, pode ser
consultado, em língua alemã: COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich und BIETENHARD, Hans.
Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Band II/1, pgs. 947-953.
7 Para maiores informações consultar: MÜLLER, D. Discípulo. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário 

Internacional de Teologia do Novo Testamento. 1ª. Edição, 1981, pgs. 662-663.
8 “(...) d. h. allen, die bis jetzt in den eigentlichen Lehruntericht Jesu, in seine Nachfolge

eingetreten waren.“ Mais acerca do assunto em: COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich und
BIETENHARD, Hans. Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Band II/1, pg. 95.
9 Nachfolge.
a. Mt 5.3-12. As pessoas concretas integradas nos conceito: πτωχοὶ (v.3);
πενθοῦντες (4); πραεῖς (5); πεινῶντες καὶ διψῶντες τὴν δικαιοσύνην (6);
ἐλεήμονες (7); καθαροὶ τῇ καρδίᾳ (8); εἰρηνοποιοί (9); δεδιωγμένοι ἕνεκεν
δικαιοσύνης (10); ἐστε ὅταν ὀνειδίσωσιν ὑμᾶς καὶ διώξωσιν καὶ εἴπωσιν
πᾶν πονηρὸν καθ᾽ ὑμῶν [ψευδόμενοι] ἕνεκεν ἐμοῦ (11). Exato. Sem sobra
de dúvida, para estas pessoas a Ceia do SENHOR é existencial, de valor
e significado ímpar, determinante na fé que se apega à Viva Voz de Deus
proclamada pelo ministério da pregação, instituído por Deus. Com certeza, à
essas pessoas μαθηταῖς a explicação, conscientização, ministração e recepção
correta da Ceia do SENHOR é substancial à fé e vida com e pelo Evangelho
de Jesus Cristo. Com certeza. Saber e ouvir acerca da presença real e concreta
de Cristo na Ceia aí sendo ministrada e sendo dada unida ao que ela é, pela
fé, revigora a pessoa serva do Crucificado-Ressurreto Ressurreto-Crucificado.
Sim, os discípulos de Jesus Cristo são, aí e agora, na Palavra e no Sacramento,
também, graciosamente alcançados, de fora.
            Sem sombra de dúvida é preciso dar atenção, tanto na perspectiva
    do versículo 11 quanto nos antecedentes, três a dez, às pessoas μακάριοι
    incluídas e referidas concretamente à Luz da Palavra de Deus, nos conceitos
    e ordens, mandamentos e promessas, que exigem fé e decisão obediente
    do ouvinte, do Próprio Jesus Cristo, presente de modo real, na Palavra
    e na Ceia dEle. Pela Palavra e Sacramento as pessoas podem crer que
    são lembradas individualmente pelo SENHOR que ordena: χαίρετε καὶ
    ἀγαλλιᾶσθε (regozijai-vos e exultai). A Ceia do SENHOR, de verdade, é
    momento de tomar alento concreto sob regozijo e exultação, não forçada
    por pessoas; cerimonialismo; psicologização; liturgização que endurece e
    dificulta o chegar ao puro Evangelho a ser acolhido na fé; o meio e espaço
    no qual se institui, ministra e se recebe a Ceia; louvores emotivos. Uh é? Isto
    é verdade? Certissimamente. Por isso mesmo, ainda que nas catacumbas,
    em circunstânscias diversamente adversas, de perseguição clara e concreta,

10 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pg. 20.
iminente ou a pleno vento em popa, na fé, por graça, segundo a Palavra
   proferida durante e antes da recepção do Corpo e Sangue de Cristo, de
   modo real e concreto, há e se vivencia o χαίρετε καὶ ἀγαλλιᾶσθε. Pois é.
   Eis aí, existencialmente, vivido e vivenciado, o que a fé crê e busca. Quem
   poderá criar uma lei ou norma para proibir ou recriminar o χαίρετε καὶ
   ἀγαλλιᾶσθε? Se Jesus o disse e declarou, então, se pode crer: O que Ele diz,
   cumpre. Se Cristo declara que se pode sair do barco, no qual se está, e vir
   à Ele por sobre as águas, então, é possível caminhar sobre as águas, sem
   afundar, pela fé naquilo que Seus lábios proclamaram!

b. Mt 10.16-33. Às pessoas μαθητὴς que vivem as admoestações e os estímulos,
por causa do serviço junto ao Evangelho de Jesus Cristo, a Ceia do SENHOR,
na qual Jesus Cristo está presente real e concretamente, segundo lhes é ensinado
pelo mistério da pregação, a ‘sua’ vida e existir em função da Boa Nova, hoje,
sustentam e alimentam, a esperança, fruto da fé no Unigênito de Deus e Seu
doutrinamento. Inegavelmente o Sacramento, ministrado em memória de Cristo,
lembra e faz vivenciar o χαίρετε (Imperativo de χαίρω – regozijar-se, estar
feliz) καὶ (conjução: e) ἀγαλλιᾶσθε (Imperativo de ἀγαλλιάoμαι – regozijar-se
grandemente). Realmente, enquanto, se recebe, aí e agora, durante e enquanto
ele, o Evangelho de Jesus Cristo é proclamado e a Ceia do SENHOR está sendo
ministrada e recebida, Deus mesmo vai chamando e reconciliando conSigo, as
que já são μαθητες e as que Ele próprio vai acrescentado e fazendo com que se
reconciliem com o semelhante que está ao seu lado e que também foi inserido e
unido ao Corpo de Cristo, que tem muitos membros.
c. Mc 9.49. Discípulos de Jesus Cristo, μαθητες δοῦλος Χριστοῦ Ἰησοῦ,
separados para o Evangelho de Deus, κλητὸς εἰς εὐαγγέλιον θεοῦ, crêem no
salgar com fogo, no dia derradeiro. De fato. Ninguém será salvo pelas obras (Rm
3.24s.,28; Gl 2.16s.), mas isto não significa de modo algum que não haja um
julgamento final (Mt 10.32s.; Rm 14.12; 2Co 5.10). Por outra, é confortante
saber que não haverá salvação eterna automática e compulsória, mas que cada
um, individualmente, terá de dar contas da vida e do modo como a viveu ao
Doador e Mantenedor da mesma. Uau! Sim, diante de Deus é preciso reconhecer,
conhecer e confessar que há diferença clara entre o ser humano e o Seu Criador,
Resgatador, Santificador. Por conseguinte, de verdade, é confortante e
consolador saber, como fruto da fé na proclamação externa da Palavra de Cristo,
que Deus vai tirar dos/as Seus/Suas servos/as todas as impurezas, como Ação
exclusiva do SENHOR em favor deles/as, como já está fazendo e faz aí na Sua
Ceia através de Cristo, o operador e consumador da ‚Troca Alegre‘.
Concomitantemente, a pregação nos anuncia o que é a Ceia do SENHOR e do
modo como se deve vir à ela: Crente, ἐκ πίστεως εἰς πίστιν, de fé em fé. Ah, é?
Sim. À Ceia, como Gottesdient, Sacramento da fé, é preciso ir devidamente
conscientizado acerca da necessidade da fé e do arrependimento. Do contrário, se
passará a crer: Se eu não for também não fará mal; e, se for, ninguém tem nada
haver como o modo como vou. Basta que eu vá de vez em quando, pelo menos
uma vez por ano, ou, duas, caso não dê na sexta-feira da Paixão. É. Sem
pregação concreta, as próprias elocubrações e palpites pessoais podem ser
controlado pelo diabo, sim, basta justificar os seus pecados com a Bíblia e tudo
estará aí presente, no concreto.
d. Lc 17.10. A Ceia do SENHOR é consolo às pessoas μαθητες δοῦλος Χριστοῦ
Ἰησοῦ, que são servas junto ao Evangelho, por Graça e fé, na Viva Voz do
Evangelho de Jesus Cristo, crida.
e. Jo 15.18s.; 16.2. Os discípulos de Jesus Cristo são pessoas que, por causa
do Nome, Reino e Vontade de Deus, são odiados, excluídos, perseguidos,
caluniados, difamados, identificados como inimigos do „gênero humano“11, mas,
ainda assim, amados, cuidados, guardados, acompanhados pelo próprio Cristo,
que age neles pelo Espírito. Que Graça! Que Bendição! O próprio Crucificado-
Ressurreto Ressurreto-Crucificado, pelo Espírito Santo, cuida das pessoas que
Ele identifica como Seus (Lc 12.11s.). Pois é, como os expulsos e mortos como
culto tributado a Deus (Jo 16.2) haveriam de ter certeza que são de Cristo Jesus
e que não serão deixados sós por Jesus, senão, através do Serviço de Deus,
que age pela Palavra e pelo Sacramento, neles, sim, naqueles que recebem o
Gottesdienst dignamente, pela fé? Louvai a Deus em alta voz, porque Ele age na
Palavra e Sacramento de modo concreto nos seus embaixadores da reconciliação,
πρεσβεύομεν τῆς καταλλαγῆς! Vinde cansados e amedrontados: O Salvador aí
está: Na Palavra e Sacramento a servir aos que crêem na loucura da pregação
(1Co 1.18), na diaconia da reconciliação (διακονίαν τῆς καταλλαγῆς) em
andamento! Quem haverá de desprezar tal oferta da Graça? Que seja longe de
nós todo o minimíssimo desperzo ao chamado de Cristo. Ouçamos, pra valer, o
que o SENHOR diz.

     7.   A fé que alcança os benefícios da Promessa de Deus

    A pessoa discípula de Jesus Cristo crê naquEle que servirá na Ceia Derradeira
(Lc 12.37b.), com vocação e convocação pessoal escatológica. Sim, ela não
fica neutra frente ao Unigênito de Deus, Suas Promessas e Ordens. Ela é
alguém que segue a Fala de Cristo, identificando-se com Ele, os ἀκολουθέω. As
pessoas que são chamadas por Jesus Cristo, O seguem (ἐξακολουθέω - seguir;
παρακολουθέω – acompanhar, entender; συνακολουθέω - seguir) por fé, de
modo decisivo e existencial, alimentados e saciados por Ele próprio, visto que
são dirigidas e governadas pelo Nome, Vontade e Reino de Deus, em obediência
a Jesus Cristo, com propósitos novos, renovados e fixados na Boa Nova de
Grande Alegria: A dívida do pecado está paga ante Deus através e por meio de
Jesus Cristo que derramou o Seu Sangue na Cruz do Calvário em seu lugar, por
graça, arrependido e crente. Se o crês, usufruis do conteúdo da fé.
    Deus não é um bocó nem um coió e nem tão pouco um arrigó que pura e
simplesmente deixa que pequemos sem nos responsabilizar. Aliás, bem pelo
contrário, Deus é justo, correto, verdadeiro, juiz e, nos responsabiliza pelos

11 Para quem quiser saber mais acerca do modo como os cristãos eram acusados, sob o prisma pagão,
ler: FELDMEIER, Reinhardt. A Primeira Carta de Pedro. Um comentário exegético-teológico. Pgs. 15-25.
nossos pecados que cometemos contra Ele, nosso próximo, a sua criação. Por
conseguinte, Jesus Cristo é quem se interpõe entre os discípulos do Unigênito
de Deus e o próprio Deus, dizendo, como Advogado: Deixa eles serem salvos
porque crêem em Mim.
   Como discípulo de Jesus Cristo é preciso ser fiel a Ele (At 14.22). Contudo,
sem justificar rasamente o pecado, a realidade de vida e viver ante Deus e nosso
próximo, como servo de Jesus Cristo, se percebe que não há como não pecar.
Logo, como subsistir diante de Deus, fora e longe de Cristo? Impossível. Tão
somente em e através de Cristo, pela fé, há paz com Deus!

    8.   A pessoa discípula de Jesus Cristo hoje

    A pessoa discípula (μαθητὴς) da atualidade precisa da presença do Mestre/
Professor (διδάσκαλος) Espírito Santo que age, gerando arrependimento e fé, na
vida e viver das pessoas, pela Palavra da Cruz (λόγος τοῦ σταυροῦ), apontando
e promovendo a Jesus Cristo, o Crucificado-Ressurreto Ressurreto-Crucificado.
Tal pessoa, na totalidade de ‘sua’ existência, passa, pela Ação do Espírito
Santo, mediante a fé em Cristo, a viver e crer, compreender e conhecer o Amor
de Cristo, ἀγάπην τοῦ Χριστοῦ, segundo e conforme a Vontade de Deus, não
profanando o Nome de Deus, nem com a vida e nem muito menos com ensino
que não é cristocêntrico (1Co 3.11).
    A assertiva em estudo e reflexão, no todo, esboçada, nos faz pensar
indubitavelmente na possibilidade do ‘baratear’12 a Graça de Deus, da
autoministração do perdão sem contrição, arrependimento, confissão e
proclamação externa do perdão dos pecados, do colocar ‘rosas na cruz’ e no
exercício arbitrário e irresponsável do ministério da pregação de Cristo e da
ministração incorreta do Sacramento. Isto, sem sombra de dúvida, significaria
justificação dos pecados e condenação do pecador. Por isso mesmo, incluímos,
aqui e já, reflexões concretas, que nos ajudam a ter um norte firme, de verdade,
visto que não dá pra minorar que:
a. Na Confissão de Augsburgo, documento normativo na IECLB, artigo vinte
e cinco, está escrito: “A confissão não está abolida em nossas igrejas. Pois não
se costuma dar o Corpo do SENHOR a não ser àqueles que previamente foram
examinados e absolvidos.”13
b. Lutero, na terceira parte dos concílios e da Igreja, escreveu:
            “[O Espírito Santo] santifica os cristãos segundo o corpo, e dá que
            eles obedeçam de boa vontade aos pais e superiores, que sejam
            pacíficos, humildes, não sejam irados nem vingativos ou maldosos,
            mas pacientes, amáveis, serviçais, fraternos, amorosos; que não sejam
            incastos, adúlteros, indisciplinados, mas castos, disciplinados com a
            mulher, filhos e empregados, ou também sem mulher e filhos, e
            doravante não roubem, pratiquem a usura, sejam avarentos,
            exploradores, etc., mas que trabalhem honestamente, ganhem o pão

12 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pg. 9.
13 Confissão de Augsburgo. Pg. 37.
lealmente, gostem de emprestar, dar, ajudar onde podem; que não
            mintam, enganem, caluniem, mas que sejam bondosos, verdadeiros,
            fiéis e constantes, e tudo o mais que é exigido nos Mandamentos de
            Deus. Isso faz o Espírito Santo que santifica e desperta também o
            corpo para esta nova vida, até que seja consumado na outra vida. A
            isto se chama a santidade cristã. E sempre haverá que ter tais pessoas
            sobre a terra, ainda que sejam apenas dois ou três, ou somente as
            crianças. Infelizmente há poucos entre os adultos, e os que o não são
            não deveriam considerar-se cristãos. Também não se deve consolá-
            los, como se fossem cristãos, por meio de muita conversa sobre o
            perdão dos pecados e a Graça de Cristo, como fazem os antinomianos.
            Pois esses, depois de haverem rejeitado os Dez Mandamentos e sem
            os entenderem, pregam em lugar deles muito a respeito da Graça de
            Cristo, mas fortalecem e consolam aqueles que continuam em
            pecados, dizendo que não precisam temer nem se apavorar por causa
            dos pecados, porque todos já estão tirados por Cristo. Não obstante,
            vêem isso e deixam as pessoas continuar em pecados públicos, sem
            qualquer renovação e melhora de sua vida. Disso se pode deduzir que
            na verdade não entendem bem a fé nem a Cristo, anulando-o
            justamente pelo fato de O pregarem. Pois como pode falar
            corretamente das Obras do Espírito Santo na primeira tábua, de
            consolo, graça, perdão dos pecados aquele que despreza as Obras do
            Espírito Santo na outra tábua nem pratica as que pode compreender e
            experimentar, mas jamais exercitou nem experimentou aquelas? Por
            isso é indubitável que eles não têm ou não entendem nem a Cristo
            nem ao Espírito Santo. Sua conversa é pura espuma na língua e eles
            são, como já foi dito, verdadeiros Nestórios e Eutiques, que
            confessam e ensinam a Cristo na premissa, na substância, mas,
            mesmo assim, O negam na conclusão ou nos atributos, isso é, eles
            ensinam a Cristo e O destroem ensinando-O”.14
c. Dietrich escreveu em relação à vida em comunhão, assim:
            “[...] Àqueles que, apesar de toda busca e esforço, não conseguem
            achar a imensa alegria da comunhão, da cruz, da nova vida e da
            certeza, deve ser mostrada a oferta que nos é feita na confissão
            fraternal. A confissão situa-se dentro da liberdade do cristão. Quem,
            todavia, recusará uma ajuda que Deus considerou necessário oferecer
            sem levar prejuízo?” [...]“O dia da celebração da Santa Ceia é dia de
            festa para a comunidade cristã. Reconciliada no coração com Deus e
            com os irmãos, a comunidade recebe a dádiva do Corpo e Sangue de
            Cristo, e nela, perdão, nova vida e bem-aventurança. Ela é presenteada
            com nova comunhão com Deus e com as pessoas. A comunhão da
            Santa Ceia é por excelência o cumprimento da comunhão cristã. Do
            modo como os membros da comunidade estão unidos em corpo e
            sangue na Mesa do SENHOR, assim serão unidos em eternidade.
            Aqui a comunhão alcança a sua meta. A alegria em Cristo e sua

14 LUTERO, Martinho.  Obras Selecionadas. V. 3. Pgs. 406s.
comunidade é completa. A vida em comunhão dos cristãos sob a
           Palavra atinge seu alvo no Sacramento”.15
    Em termos, práticos, então, sem desmerecer, o ministério da pregação e a fé
na Palavra de Deus pregada e em andamento durante o Gottesdienst (Serviço
de Deus) em comunidade, quem são as pessoas discípulas, de hoje, a quem se
dá o Corpo e Sangue de Cristo, responsavelmente, sem é claro, lançar pérola
aos porcos, os que insistem em não se arrepender e crer em Cristo? Em sintonia
com a Palavra de Deus pregada e ensinada com clareza, não abandonado e nem
tão pouco rejeitando a justificação por graça mediante a fé em Jesus Cristo,
podemos, a partir do conteúdo do próprio Evangelho, quem a suscita, fazer
referência concreta, afirmando, que pessoas discípulas são:
    ● Aquelas que ouvem e respondem obedientemente na fé ao Evangelho
       de Jesus Cristo que notifica à fé e ao arrependimento, e, conscientizadas
       por ele, se integram às outras, também chamadas para junto de Cristo,
       as pessoas κλητοί (chamadas pela proclamação de Jesus Cristo, que na
       e pela fé acolhem a proclamação da reconciliação de Deus operada no
       e pelo Unigênito dEle), que também querem, em memória de Cristo,
       louvar, exaltar, glorificar, rejubilar, bendizer a Deus pela Sua Obra
       Misericordiosa, Benigna, Clemente, Graciosa, totalmente imerecida, em
       favor delas em Cristo, o Salvador, Remidor, Perdoador, SENHOR sobre
       pecado, morte, inferno e todo mal.
    Lutero sublinha a necessidade da pregação, do ensino, do estímulo ao
Sacramento. Eles, recebidos na fé fazem com que as pessoas acorram ao
Sacramento com vontade, disposição, buscando, sem ser obrigado por leis
humanas, o proveito e salvação que aí se anuncia, oferece e aplica. Aliás, como,
ele declara: “Quem não é cristão ou não vai ao sacramento por livre e espontânea
vontade, que fique bem longe e vá aonde bem entenda.”16
     ● Aquelas que reconhecem, confessam, professam que são pecadoras
       e que querem que seus pecados sejam encobertos pelo Sangue de
       Jesus Cristo, segundo ouviram e creram ser prometido nas Palavras da
       Instituição da Ceia do SENHOR.
Lutero ensinou que Cristo: “(...) não quer as almas enfastiadas, enojadas, fartas,

15 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pgs. 92,95. Às pessoas que queiram estudar mais acerca
da relação entre Ceia do SENHOR e testemunho, corajoso e destemido, de Cristo com todo o ser,
fazemos referência e indicamos outro aspecto e tema profundíssimo: “Das Abendmahl als Mahl der
Mündiger” em: KUSKE, Martin. Weltliches  Christsein.  Dietrich  Bonhoeffers  Vision  nimmt  Gestalt  an.
Pgs. 19-47. Especialmente a página 88s.
16LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de Momentos Decisivos 
da Reforma. Pg. 258. O mesmo texto, em língua alemã, pode ser lido assim: “Und wer nicht
bereitwillig und gerne ein Christ ist oder zum Sakrament geht, der bleibe nur weit davon und
fahre, wohin er fahren will” em: LUTHER, Martin. Ermahnung  zum  Sakrament  des  Leibes 
und  Blutes  unseres  Herrn. In: BEINTKER, Horst; JUNGHANS, Helmar; KIRCHNER, Hubert. 
Sacramente,  Gottesdienst,  Gemeindeordnung. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt GmbH,
Band 3, 1981, pgs. 140s.
mas as famintas e sedentas, que por Ele urgem e lutam, como diz em Mateus 5.6:
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão satisfeitos.”17
    ● Aquelas que querem ser integrantes da santa Igreja Cristã, a comunhão
       das pessoas santas pela fé em Cristo, segundo confessa a comunidade
       cristã;
    ● Aquelas que querem ser regidas, governadas, guiadas, controladas pelo
       Espírito Santo de Deus pela fé na Sua Palavra;
    ● Aquelas que querem que seus pecados reconhecidos e odiados, pela fé e
       no concreto, mediante a diaconia da Palavra (διακονίᾳ τοῦ λόγου), nele
       sejam perdoados por Jesus Cristo;
    ● Aquelas que querem ser ressuscitadas dos mortos para a vida eterna com
       Jesus Cristo, segundo crêem;
    ● Aquelas que respondem positivamente à Ordem de fazer discípulos de
       Cristo Jesus em todas as nações, batizando e ensinando essas pessoas a
       guardar tudo o que Cristo tem ordenado;
     ● Aquelas que querem viver como servas junto ao Evangelho de Jesus
       Cristo;
    ● As pessoas batizadas em Nome do Trino Deus que querem santificar o
       Nome de Deus, que Seu Reino Venha, que Sua Vontade se faça.18
    Mas, em relacionando quem seriam, de modo concreto, os μαθητὴς, hoje, já
se têm solucionado e resolvido, de uma vez por todas, o mau uso do sacramento?
Não. Em absoluto, não. E, em relacionando alguns pontos que caracterizam
μαθητὴς, como fizemos, já teremos relacionado e lançado todas as bases para a
ministração correta do Sacramento, de uma vez por todas, segundo o ouvimos
na assertiva em estudo, meditação e pregação? Talvez sim. Talvez não. Talvez,
até o pioramos, quando pontos elencados forem tomados de modo normativo
e legalista, ou quando, libertinamente e diabolicamente, se pretende manter


17 LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de Momentos Decisivos 
da  Reforma. Pg. 258. O mesmo texto, em língua alemã, pode ser lido assim: “Er will nicht
die überdrüssigen, gleichgültigen, selbstzufriedenen Seelen, sondern die hungrigen und
durstigen, die sich danach drängen und darum reiβen, wie Er Matth 5,6 sagt: Selig sind, die
nach der Gerechtigkeit hungern und dürsten, denn sie sollen satt werden”, em: LUTHER,
Martin. Ermahnung zum Sakrament des Leibes und Blutes unseres Herrn. In: BEINTKER, Horst;
JUNGHANS, Helmar; KIRCHNER, Hubert. Sacramente, Gottesdienst, Gemeindeordnung. Berlin:
Evangelische Verlagsanstalt GmbH, Band 3, 1981, pgs. 141.
18 Propomos que se leia e estude os textos mencionados nas notas de rodapé acima. Os textos

em questão, tanto o original quanto a tradução, nos trazem profundas bases em relação
ao que foi relacionado; e, com certeza, muitos outros aspectos não referidos nos pontos
elencados podem ser agregados, sem medo, resguardado, é claro, uma normatização legalista
de quem seriam μαθητὴς aquém da pregação de Cristo. Ora, é pela pregação do Cristo
Crucificado que as pessoas discípulas são conhecidas e dadas a conhecer, pela fé, mediante o
Agir do Espírito Santo.
oculto o pecado alojado em si ‘piedosamente’19. Os pontos acima elencados
são úteis enquanto extratos de pregações acolhidas na fé por pessoas que foram
feitas discípulas pelo próprio Cristo Jesus que serve a Sua Ceia com pregação
antecedente! Jesus Cristo não serve a Sua Ceia sem pregação antecedente,
reiteramos! A Ceia do SENHOR não é um momento social, nem tão pouco um
momento que preenche algum momento bonito na noite da Sua traição e prisão.
Iríamos nós fazer de Sua Ceia apenas um algo a mais daquilo que chamamos
de ‘nossa celebração’, a Deus, ainda por cima?
    Afinal, como, então, ministrar o sacramento corretamente, de tal modo
que não se vá lançar pérolas aos porcos (Mt 7.6; 1Co 11.27,29)? De certeza,
vale lembrar, que Cristo instituiu o ministério da pregação, a qual deve ser
exercitada ‘sem papas na língua’, sem rodeios e meneios, sem medo acuado de
dizer as cousas como as cousas de fato são, tal qual Cristo a exerceu (Mt 5.1ss.).
É fato! Jesus Cristo não é aletofóbico! Pode crer. Ademais, o perigo sempre
existe, o de transformar em libertinagem a graça de nosso Deus (μετατιθέντες
χάριτα τὴν ἡμῶν τοῦ θεοῦ) de se julgar a pessoa não a atitude pecaminosa, o que
não se deve esquecer jamais; e, justamente, na comunidade das pessoas κλητοί
que exercem a νουθετοῦντες ἑαυτούς (Cl 3.16 – a confrontação/admoestação
noutética mútua, de acordo com as Escrituras Sagradas) e disciplina eclesiástica
(Mt 18.15-20), é preciso lembrar que a Palavra final, não é nossa, em termos de
salvação, eterna, mas do próprio Deus, que salgará as pessoas μαθητὴς, com fogo
(Mc 9.49).

Concluindo

       O chamado de Jesus Cristo: Comei/Bebei, é, sem sombra de dúvida,
uma ordem e um chamado clemente e gracioso, complacente e assaz benigno,
misericordioso e imerecido em relação às pessoas pecadoras mendigas da Graça
de Deus. E mais, as pessoas arrependidas e crentes nEle, vão experimentar pelo
Trabalho/Serviço de Deus (Gottesdienst) nelas, pela Palavra e Sacramento, que
o SENHOR está querendo ser seu Deus; e, que elas, por sua vez, tenham a Ele
como seu SENHOR, pessoal, seguindo-O na vida e viver, com fidelidade ao Seu
Nome, Sua Vontade, Seu Reino. Hmmm. Uh é? Mas, por que Ele age assim tão
compassivamente para com pessoas que não tem nada de bom para que Jesus
Cristo as chame a Si e lhes dê de comer e beber a Si Próprio? Porque Ele quer
ser bom para ti e para mim que aceitamos viver e morrer para aquEle que é bom,
de todo. Sim, Jesus Cristo, em obediência ao Seu Pai, veio se compadecer das
pessoas que deviam receber castigo mui tremendo. Mas, a questão é: Será que
Ele está sendo ouvido, crido, conhecido e reconhecido por nós como aquEle que
conquistou o perdão dos pecados?
       Ademais, frisamos que o vir a ser pessoa discípula de Jesus Cristo,
igualmente a fome e sede pela Ceia do SENHOR, como sacramento da fé, se dá
pelo e no Gottesdienst (Serviço de Deus), enquanto ouvintes da pregação pura.
A Palavra de Deus ensinada puramente e a fé na proclamação, opera tudo, sem
participação externa. Claro. Sem sombra de dúvida, é a pregação de Cristo que
19 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pg. 29.
suscita discípulos, mendigos da Graça, Misericórdia, Compaixão, Clemência,
Bondade, Amor de Deus, que, então, concretamente, a recebem, aí na Mesa do
SENHOR. Aí, já, agora, as pessoas ouvintes, encontram e se deixam servir pelo
próprio Unigênito de Deus, aquEle que prepara, oferece, dá, concede e aplica,
corporalmente, o que a pregação anunciou e proclamou.
   Por conseguinte, concluindo, afirmamos, ainda que tenhamos feito algumas
menções concretas, que, é, sem sombra de dúvida, perigoso e até legalista, querer
enumerar quem seriam as pessoas discípulas de Cristo, aquém do Gottesdienst
e da fé que é operada pelo Espírito Santo naqueles que crêem naquilo que a
Viva Voz de Deus indica, menciona e profere na pregação de preparação para a
ministração. Aliás, de fato, não é a experiência e nem o momento exato e externo
que é o importante na Ceia do SENHOR mas a Palavra de Deus pregada, crida e
recebida de modo concreto e real aí em torno da Mesa do SENHOR.

BIBLIOGRAFIA

      Nós estudamos e fundamentamos o acima exposto na bibliografia
primária, contudo, não deixamos de observar e mencionar outra bibliografia que
também foi consultada.

   ●   Bibliografia  de  Apoio  e  Fundamentação  Primária,  Usada  no  Corpo  do 
       Texto:
 
BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Trad. de João Ferreira de Almeida. Ed. rev. e
atualizada no Brasil. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
BLENDINGER, C. Discípulo. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1ª.
Edição, 1981, pgs. 658-661.
BONHOEFFER, Dietrich. Prédicas e Alocuções. São Leopoldo: Sinodal, 2007,
pg. 23-27.
BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. São Leopoldo: Sinodal. 3ª.
Edição Revisada, 1997, pgs. 86-95.
COENEN, Lothar. Igreja. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1ª.
Edição, 1982, pgs. 393-407.
COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich und BIETENHARD, Hans.
Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Band II/1, Wuppertal:
Theologischer Verlag Rolf Brockhaus, 1969, pgs. 947-953.
Confissão de Augsburgo. São Leopoldo: Sinodal, 1980.
KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches Handbuch zum Evangelium de
Matthäus, I. Nördlingen: T. H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1889, 544 pg.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas – Debates e Controvérsias, I. São
Leopoldo: Sinodal/Porto Alegre:Concórdia, 1992, v.3, pgs. 404-432.
LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de
Momentos Decisivos da Reforma. Porto Alegre:Concórdia/São Leopoldo:
Sinodal, 1984, pgs. 253-285.
MÜLLER, D. Discípulo. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional
de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1ª. Edição, 1981, pgs.
661-667.
NESTLE, Eberhard. Novum Testamentum Graece. Stuttgart: Privilegierte
Württemgergische Bibelanstalt. Editio vicesima prima, 1952.

   ●   Bibliografia  que  pode  e  deve  ser  consultada,  também,  em  relação  ao 
       assunto:
 
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 3ª. Edição,
1989, pgs. 9-133.
HALLER, Eduard. Vom verborgenen Glücklichsein. In: Zusammengestelt von
GIERUS, Friedrich; BAIER, Klaus Alois. Dem Wort gehorsam. Eine
Dankesgabe na Prof. Christian Dietzfelbinger. Blumenau: Otto Kuhr, 2009, pgs.
9-15.
KUSKE, Martin. Weltliches Christsein. Dietrich Bonhoeffers Vision nimmt
Gestalt an. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt GmbH, 1984. 152 pgs.
LUTHER, Martin. Ermahnung zum Sakrament des Leibes und Blutes
unseres Herrn. In: BEINTKER, Horst; JUNGHANS, Helmar; KIRCHNER,
Hubert. Sacramente, Gottesdienst, Gemeindeordnung. Berlin: Evangelische
Verlagsanstalt GmbH, Band 3, 1981, pgs. 135-178.
FELDMEIER, Reinhardt. A Primeira Carta de Pedro. Um cometário
exegético-teológico. São Leopoldo: Faculdade EST/Sinodal, 2009, pgs. 15-25.
Explicação sobre a frase do Evangelho:
                           “tomai e comei, isto é o meu corpo”

1. Vejamos primeiramente um comparativo entre as quatro versões das
palavras da instituição referentes ao pão:

Mateus 26.26
Λάβετε φάγετε, τοΰτό εστιν το σωμά μου
labete fagete touto estin to swma mou
Tomai, comei; isto é o meu corpo.   
Marcos 14.22
labete touto estin to swma mou
Tomai; isto é o meu corpo.
Lucas 22.19
touto estin to swma mou to uper umwn
Isto é o meu corpo, que é dado por vós.
1 Co 11.24
touto mou estin to swma to uper umwn
Isto é o meu corpo que é por vós.

2. Qual versão é a mais antiga?
Cada texto da Ceia representa uma tradição litúrgica diferente, confiado ao
escritor pela sua própria comunidade. Há um consenso geral de que Marcos
e 1 Coríntios são as duas formas mais antigas das Palavras da Instituição.
Deve-se pressupor uma forma original Aramaica (ou Hebraica), que não
foi conservada, e que fica por detrás de ambas estas formas mais antigas
do texto. Contudo, Marcos é considerado o mais antigo. Pois, a forma
transmitida por Paulo e Lucas, pressupõe a versão de Marcos das palavras
explanatórias, e somente pode ser entendida como desenvolvimento das
mesmas. Já que a frase no relato de Paulo “no meu sangue” (1 Co 11.25) não
aparece em Jr 31.31ss, a formula não deve ser entendida primariamente em
termos de Jeremias; recebe seu significado, que fala do “sangue da aliança”
a partir de Ex 24.8.

3. A versão de Mateus das palavras da instituição da ceia é a menos tardia e
a que mais se diferencias das demais. Na versão de Mateus estão presentes
as palavras “tomai e comei”, as mesmas não constam nas versões de Lucas e
Paulo, e, na versão de Marcos somente “tomai”.
a) Quais as razões para esta diferença?
Os aparecimentos de Jesus depois da Páscoa (At 10.41; Lucas 24.30-
31,35,43; Jo 21.13) eram, conforme reconhece o próprio NT, ocorrências
sem iguais e, como tais, eram restritas aos testemunhos originais (1Co
15.5ss). Quando Jesus ressuscitado comia e bebia com seus discípulos,
estava fazendo uma coisa extraordinária, que não podia ser repetida da
mesma maneira, nem continuada de qualquer forma.
A comunhão de mesa do Jesus terrestre e a do Cristo ressurreto com seus
discípulos são fatores que se relacionam com os motivos básicos por detrás
da última refeição de Jesus. A realização regular da Ceia do Senhor pela
igreja primitiva surgiu de todos estes fatores.
O mais provável é que “tomai e comei” seja um acréscimo imperativo no
emprego litúrgico das palavras da instituição. Assim como o mandamento
explicito no sentido de repetir o ato (Lc 22.19 e 1 Co 11.24-25), bem como
a substituição da terceira pessoa “por muitos” (Mc 14.24) pela segunda
pessoa “por vós” (Lc 22.20 e 1 Co 11.24), que estreita a referência universal
das declarações acerca do cálice (a morte vicária de Jesus em prol de
muitos). Os diferentes acréscimos litúrgicos foram surgindo, com o
propósito de incluir as reflexões teológicas que foram surgindo na prática
da Ceia do Senhor. As palavras “tomai e comei” em Mt 26.26, originalmente
não faziam parte das palavras originais da instituição da ceia.

B) Por que Mateus acrescenta “tomai e comei”?
Nas religiões antigas, comer e beber se realizava mormente nas refeições
formais, i. é. atos de comunhão pública ou particulares vinculadas com
os atos sagrados. As famílias, clãs e comunidades religiosas recebiam
uma participação no poder divino mediante a refeição em comum, que
representava sua união com a divindade. A origem da natureza sagrada da
refeição é vinculada com conceitos mágicos, mediante as quais o divino se
concretiza em coisas materiais. Nada havia que levava a mais união entre os
homens e entre o homem e Deus, do que o comer e beber.
As festas e sacrifícios no AT frequentemente se vinculam com refeições
religiosas, que podem se descrever como: “comendo diante do Senhor e se
alegrando” (Dt 12.7) a comunhão à mesa liga o homem a Deus e diante de
Deus (Ex 18.12; 24.11). Uma refeição frequentemente desempenha um papel
ao concluir-se uma aliança secular (Gn 26.30; Js 9.14-15) onde Javé estava
presente como hóspede invisível.
A comunhão à mesa significava que era outorgado o perdão ( 2 Sm 9.7; 2 Rs
25.27-30), a proteção (Js 19.15ss) e a paz (Gn 31.36,54; 43.25ss). Quebrar
a comunhão da mesa era o mais detestável dos crimes (Jr 41.1-2; Sl 41.9).

Mateus ao incluir o φάγετε, estaria querendo ligar a Ceia do Senhor às
refeições do Antigo Testamento?

4. Em Marcos as palavras pronunciadas sobre o pão expressam a entrega
que Jesus fez de Si mesmo. Isto porque as palavras da instituição na
forma original em Marcos não ligava “corpo” e “sangue”, tinham sentido
em si mesmo, i.é, ligavam “meu corpo” e “meu morrer em prol de muitos”.
Em Marcos “corpo e sangue” não são termos complementares, como
frequentemente são citados (Hb 2.14). Marcos com a declaração do
pão aponta para “meu corpo”, com a declaração a cerca do cálice aponta
para “meu morrer em prol de muitos”.

5. Em 1 Coríntios, Paulo associa com as palavras pronunciadas sobre o pão,
a declaração acerca da expiação (Isto é o meu corpo que é por vós), a
qual em Marcos está associada ao sangue. O conceito do próprio Paulo se
expressa mais claramente em 1 Co 10: somos unicamente um pão (o que
nos dá uma participação em Cristo, que foi entregue à morte como nosso
substituto), “nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo;
porque todos participamos do único pão” (1 Co 10.17), i.é. o corpo de Cristo
como uma comunidade. Para Paulo, Cristo que foi entregue por nós, a Quem
recebemos no pão, automaticamente inclui a igreja como corpo de Cristo,
a igreja na qual somos incluídos mediante a Ceia do Senhor. A preocupação
específica de Paulo, portanto, é o relacionamento entre Ceia do Senhor e a
Igreja. Para Paulo, o conceito cristológico do corpo dá a entender também o
conceito eclesiológico.

6. Lucas, na linha de Paulo e Marcos, também faz seus acréscimos, contudo,
com ênfases na escatologia, fazendo um paralelismo entre as expressões
escatológicas (Lc 22.16,18) e as palavras da instituição (Lc 22.19,20). Tal
ponto de vista fica evidenciado por aqueles que sustentam que Lucas 22.15-
20, espelha a liturgia de uma celebração judaico-cristã da páscoa, a qual
tinha a expectativa escatológica no centro de sua celebração.(B. Lohse; J.
Jeremias; F.Hahn; in: B. Klappert. A ceia do Senhor. p.411)

7. João é o único Evangelista que não dá um relato da Ceia do Senhor no
contexto da última refeição de Jesus (13.1-30). Apesar disso, supõem-se
que João 6 diz respeito a Ceia do Senhor, pelo menos por um argumento:
se João 6 não diz respeito a Ceia do Senhor é porque a Ceia do Senhor se
refere aquilo que foi descrito em João 6.
João está muito preocupado com a presença pessoal de Cristo. Numa
confrontação anti-gonóstica, ressaltou a conexão entre comer da carne de
Cristo e beber o Seu sangue, e a encarnação. Para João “comer a carne”
e “beber o sangue” do Filho do Homem é um sinal perpétuo da participação
da Sua vida, mediante a fé, e compartilhar dela é continuar a reconhecer a
plena realidade do Logos divino (6.35,47,54).
João mesmo omitindo a narrativa da instituição, com o discurso do capítulo
6 destaca que a totalidade da vida cristã deve ser caracterizada por este
alimentar-se com Cristo e que é disto que trata a refeição sacramental da
Igreja.

8. A presença real e corporal de Jesus Cristo.
As diferenças existentes nos textos da narrativa da instituição indicam
que houve um processo de reinterpretação, contínua, do significado do
evento de Jesus oferecer a Si mesmo. O oferecimento que Jesus fez
de si mesmo é transmitido e atualizado na Ceia do Senhor. O crucificado
ressurreto/ressurreto crucificado se oferece a si próprio no pão sob o qual
suas palavras são ditas: “isto é o meu corpo’. E, na medida em que o kyrios, o
Crucificado Ressurreto/ o Ressurreto Crucificado se oferece na refeição, a
graça transmitida pela Ceia do Senhor é Jesus Cristo. Ele mesmo torna real
a Sua presença enquanto se realiza a Ceia, fazendo, portanto, com que seja
a Ceia do Senhor.

A presença real e corporal de Jesus Cristo, o Crucificado Ressurreto / o
Ressurreto Crucificado na sua Ceia é o que nos indicam as palavras “tomai e
comei; isto é o meu corpo”.



                           P. Hércules O. Kehl.
O SIGNIFICADO DE “EM MEMÓRIA DE MIM”
                                         (1 Co 11.24s. / Lc 22.19)



                                 I.


                                 1.

      É comum a todas as épocas e regiões que as pessoas
recordem seus mortos, especialmente os que lhes eram queridos
ou tinham importância para suas vidas. Os respectivos hábitos são
multiformes. Não raras vezes, permeiam a existência toda dos vivos
(como entre povos do extremo oriente e em comunidades tribais ao
redor do globo). Em nosso meio, confere-se os nomes das pessoas
mortas às quais somos de uma ou outra forma ligadas e gratas, a
crianças, a logradouros, a instituições, etc.; publica-se livros “in
memoriam” de determinados vultos; adota-se jeitos e práticas de
falecidos inesquecíveis.
       Também o universo religioso está cheio ou se apodera de mil
e um costumes de lembrar, sim, celebrar mortos e mortas. Assim
se realizaram, por exemplo, na antiguidade, ceias cultuais junto aos
túmulos de pessoas veneradas, na data anual de seu falecimento
e/ou de seu aniversário. Em certos ambientes, faz-se, atualmente,
oferendas a ancestrais mortos, repartindo as mesmas entre os
familiares vivos e convidados para este fim. Entre nós, solicita-
se “missas em memória”, respectivamente, “orações memoriais”
para entes amados.

                                  2.

      Na Bíblia, a expressão “em memória” não tem nada a ver
com os mortos e as recordações, guardadas e celebradas, a seu
respeito, por parte de vivos que lamentam seu passamento. A
formulação neotestamentária “em memória de mim” tem base
veterotestamentária. O termo-raiz hebraico é çkr = “lembrar” e seus
derivados çaekaer = memória (memorial?) / çikaron = o lembrar
de algo / de alguém. O lembrar de Javé é eficaz: salva / resgata
seu povo ou resiste a / destrói seus inimigos; ele é criador: abre
possibilidades / projetos impensáveis para seus fiéis. Javé “fez
memorizáveis suas maravilhas [suas ações libertárias]” (Sl 111.4;
cf. 77.6s.12 s., 119.52, 143.5). Enquanto elas são lembradas, estão
presentes, orientam e enchem de novas esperanças o povo que as
lembra (p.ex.: Gn 42.9; Nm 11.5; 2 Rs 9.25).
      O povo de Israel vive do fato de que Javé se lembra dele,
quer dizer, é ciente de sua situação, vê seus aperreios, intervém em
seu favor (p.ex.: Gn 9.15s.; Êx 2.24; Lv 26.42.45). Israel confessa:
estamos sendo lembrados por nosso Deus; lembramo-nos daquele
que de nós se lembra. Existimos em sua memória e por causa dela,
e, consequentemente, permanecemos na firme expectativa de
novas manifestações de sua memória em relação a nós, as quais
suplicamos com fôlego e fervor (p.ex.: Sl 74.18.22 > Êx 32.13; Dt
9.27; Jr 14.21; Hc 3.2).
         Parece que “lembra-te” caracteriza o grito de socorro em
Israel, dirigido a Javé (p.ex.: Jz 16.28; 2 Re 20.3; Jó 7.7; Sl 25.6,
137.7). Especialmente, “o Deuteronômio desenvolve uma teologia
do lembrar [em duplo sentido]”: Javé > povo (p.ex.: 7.18, 8.18,
15.15, 16.3, 24.18-22) e povo > Javé (p.ex.: 5.15, 8.2, 9.7-29, 16.12,
32.7) [1]. Tal reflexão assertiva do passado e do porvir sustenta o
povo em fé e vida no presente [2].


                                II.

                                1.

      Na era inaugurada por Jesus Cristo, as primeiras
comunidades pós-pascais entram neste testemunho de Israel,
resultante de experiências de muitas gerações. Aquelas dão
prosseguimento a este, respectivamente, o reinterpretam e
atualizam; o que vale dizer que o compreendem em sua imutável
abertura para o futuro, “em seu movimento irrequieto rumo ao
cumprimento [derradeiro]”, que Javé, “que se realiza em Jesus
Cristo” (C. H. Ratschow), providencia [3]. As aludidas comunidades
o têm deste modo em conseqüência daquilo que lhes acontece [4]:
estão sendo reunidas da dispersão em um só corpo (cf. Jo 11.52),
iluminadas (cf. Ef 1.18s.) “com os dons do Espírito Santo” [5] e
enviadas (cf. Lc 24.36-49 par., Jo 17.6-19).
      As cristofanias [6], que as reconstituem, lhes esmiúçam,
aqui e agora, a certeza de serem factíveis as promessas de Javé,
como: “Não vos lembreis das cousas passadas, nem considereis as
antigas. Eis que faço cousa nova, que está saindo à luz; porventura
não o percebeis?” (Is 43.18s.; cf. 46.9, 54.4, 65.17). Em verdade, “a
cousa nova [a novíssima]”, predita pelos profetas, iniciando com
Jeremias, principalmente, no entanto, por aqueles no exílio e logo
após, excede, de longe, tudo o que a fé e sua experiência em Israel
conhecia até então (cf. Is 48.7s.); sim, o que vem vindo escandaliza,
com efeito, todos os que fitam o passado – um passado tão
distinguido por fatos e atos que o próprio Javé desencadeou,
contudo, não concluiu ainda [7].
      Assim como as comunidades pós-pascais agem no tocante
ao título de Javé-Adonai = o Senhor = ho kyrios (na comunidade
de fala grega) [8], de semelhante modo, também, quanto ao çkr /
çaekaer / çikaron = mnaemoneuoo / to mnaemosinon / anamnaesis
(na comunidade de fala grega) [9]: sempre articulam um
testemunho cristocêntrico insofismável – fenômeno jamais superado
em sua abrangência e intensidade salvíficas [10]. Em Jesus, o
Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado, se manifesta
a memória personificada de Deus, graciosa e potente (veja: Lc
1.54.72). Daí surge a oração confessional loeçikroni (re-tradução
para o hebraico por F. Delitzsch) = eis taen emaen anamnaesin =
“em memória de mim”. O acento repousa no sufixo. O acréscimo
pós-pascal é, doravante, o central, “a cousa nova [novíssima]”, na
linha de Deutero-Isaías e seus sucessores. Portanto, não pode se
traduzir a fórmula recriada com “em minha memória”.

     O testemunho de “em memória de mim” comunica:

a) usando e tomando [11] a Ceia do Senhor, a comunidade,
gerada e congregada por ela, confessa a presença real e corporal,
audível e degustável de Jesus Cristo em seu meio, com a finalidade
de ligar os/as comungantes a si próprio de maneira integral,
indissolúvel, perpétua [12]. Destarte, o Crucificado Ressurreto / o
Ressurreto Crucificado edifica seu corpo presente (1 Co 10.16s.)
– e futuro (Ap 7.9-17, 11.15-9, 12.7-17, 14. 1-5.12s., 19.1-10, 21.1-
22.5);

b)    usando e tomando a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada
e congregada por ela, se lembra concretamente de Jesus Cristo e
do que ele fez por ela (cf. Is 53 > Rm 4.[16-24]25 e 1 Pe 2.21-5).
Sua morte salvadora – como tal revelada e consolidada por Deus
através de sua ressurreição – está intrinsecamente vinculada a sua
Ceia (1 Co 11.24b.25b > 11. 26) como ao Batismo em seu nome
(Rm 6.3-6.8-11), mais: está sendo aplicada / imputada aos/às
comungantes batizados/as, que, assim, se transformam em
agentes de reconciliação e irmandade, de igualdade e liberdade
[13];

c) usando e tomando a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada e
congregada por ela, proclama Jesus Cristo, ho kyrios de tudo e de
todos, que está por vir abertamente (Fp 2.9-11; 1 Co 15.20-8);

d) usando e tomando a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada
e congregada por ela, grita a Deus que se lembre de ho kyrios,
apressando sua parousia patente / visível e, desta feita, a
consumação definitiva de sua obra salvífica (1 Co 11.26c, 16.22; Ap
22.20 // Lc 23.42; Didaché 10. 5).


                               2.

       A comunidade é chamada e congregada, santificada e
conservada na fé verdadeira e única [14] / o corpo de Cristo
é formado e sustentado / o povo de Deus prossegue em sua
peregrinação até o repouso que lhe é preparado (cf. Hb 4.1-13),
rumo “aos novos céus e à nova terra nos quais habita justiça” (2 Pe
2.13), em conseqüência do ato que Jesus Cristo se recorda dela /
deles, sempiternamente. Na Ceia de Cristo, esta sua recordação
se materializa. A Ceia do Senhor constitui a comprovação direta
e corporal do Crucificado Ressurreto na presente existência
dos “seus” (cf., p.ex., Jo 10.3.14, 13.1, 15.14-6, 17.9s.) [15].
      Origem e fundamento de sua Ceia emergem da ressurreição
de Jesus Cristo – “e este crucificado” (1 Co 2.2). Sua ressurreição
e sua Ceia são interligadas; Paulo o evidencia, empregando a
mesma terminologia ao introduzir a Ceia do Senhor e ao se referir
à Ressurreição do Crucificado – “parelabon / recebi” e “paredooka
/ transmiti”: 1 Co 11.23 e 15.3 [16]. Ressurreição de Jesus Cristo
e Ceia de Jesus Cristo se imbricam essencialmente [17] e se
interpretam mutuamente [18].

     Jamais a comunidade vive de suas recordações relativas a
Jesus Cristo, pelo contrário:

a)    comungando em sua Ceia, a comunidade é socorrida,
guarnecida, blindada, sempre e em toda a parte, pela lembrança
vigorosa que Jesus Cristo mantém a seu respeito (cf. Rm 8.32-9,
14.7-9; M. Lutero, OSel v. 7, 523.37-524.4, 535.31-40);

 b)    comendo e bebendo na Mesa do Senhor, ela escuta dele
com transbordante alegria: “Ó pobres, vinde! / Quero já comiserar-
me. / Não precisa de doutor / quem não sente doença e dor” [19];
imensamente grata, sabe que ele aplica nela: “Eu sou teu e tu és
meu [minha]; / onde eu estou / terás o céu, / nada há de separar-
nós” [20];

c)   comendo e bebendo na Mesa do Senhor, ela se percebe
        ● empregada no convívio eclesial (cf. 1 Ts 3.12s.; 1 Co
          3.5-10, 7.17, 10.12, 11.17-22; Gl 6.1-10 // Gl 1.6-10,
          2.11-21, 4.8-5.12; 1 Jo 4) e social (cf. 1 Ts 3.12, 4.12 /
          1 Tm 3.7; Rm 12.17-21; Cl 4.5 // 1 Ts 5. 21; Fp 4.8; Rm
          12.2; Ef 5.10.17; M. Lutero, Ibd., 513.24-7, 536.12- 22)
        ●  exposta ao autoexame (cf. 1 Co 11.28; 2 Co 13.5),
          provocado pela dupla eficácia do sacramento (cf. 1 Co
          10.1-13, 11.29-30 // 1 Co 1. 18; 2 Co 4.2s., 2.14-6; Lc
          2.34; 1 Co 1.23 par.; M. Lutero, Ibd., 512.26-9)
        ●  sujeita à avaliação do Senhor da Ceia (cf. 1 Co 11.27-
          34, 16.22; 2 Co 5.6-10; Rm 14.10-3 [nota 21]; Ap 2.1-
          3.22, 19.5-9; Mt 10.32s. par., 25.31-46; At 17.31; M.
          Lutero, Ibd., 513.4-7.14-7);

 d) na medida em que ela está sendo servida por Jesus Cristo,
seu “cozinheiro e garção”, e está degustando Jesus Cristo,
sua “comida e bebida”, ele injeta na comunidade comungante a
certeza de que será semelhante a ele, porque o verá como ele é (cf.
1 Jo 3.2; Fp 3.21; Rm 8.17; Cl 3.4) [22].



                               3.

     M. Lutero se refere ao enunciado “em memória de mim”. Não
é nada fácil comunicar o entendimento que dele tem [23]. Sua
compreensão muda em decorrência dos embates com os
oponentes teológicos. Acontece que omite em determinadas
manifestações a respeito da Ceia do Senhor aquela expressão ou
reproduz seu conteúdo com outras palavras [24]. Chama atenção
que Lutero, sendo biblista veterotestamentário [25], focaliza raras
vezes o intuito da raiz hebraica do termo (veja acima). Para
ele, “em memória de mim”, traduzido para o alemão e/ou usado no
linguajar igrejeiro corriqueiro, leva quase forçosamente a um
entendimento contrário ao que sucede no sacramento, de fato e em
verdade. Pois a salvação acontece no exato momento em que, em
sua Ceia, o próprio Senhor – presente, real, corporal – se ministra a
nós. Não existe distância entre o objeto da memória e a atual minis-
tração/distribuição do Sacramento do Altar. Esta última é um fato
tão patente que, por dizer assim, engole o que se deu no passado
[26]. Aqui não há lugar para desdobrar a problemática
enredada.         Independentemente disto, Lutero traz abordagens
do enunciado que podem ajudar na medida em que comungarmos
e subsidiar a conscientização sacramental da comunidade. Por ora,
relaciono as seguintes:

a)    ante a compreensão romana / papista da formulação como
ordem de Deus para realizar ou repetir / representar o sacrifício de
Cristo na missa, Lutero liga “em memória de mim” com 1 Co 11.26.
Assevera que o Preparador e o Hospedeiro em sua Ceia dirige-se a
seus / suas hóspedes, a comunidade ao redor de sua Mesa: “Todas
as vezes que usam este sacramento e testamento precisam pregar
de / sobre mim” [27]. O que ele é e faz não pode ser esquecido no
decorrer dos séculos [28].
   Dito diferente: no Sacramento do Altar, Jesus Cristo é a dádiva
salvadora de Deus. Jesus Cristo, ele mesmo, o Crucificado
Ressurreto / o Ressurreto Crucificado se autocomemora, presente e
corporalmente, junto aos/às comungantes. O que acontece quando
os/as alcança e envolve, aqui e hoje, de moto próprio, via Palavras
da Instituição, “essas palavras vivas de Cristo” [29]. Com a única e
exclusiva finalidade de que surta neles/as a fé e que se apropriem
da dádiva divina, comendo e bebendo nesta refeição sem par, para
que não lhes reste a menor dúvida com relação ao seu resgate
derradeiro [30]. Ao que tudo indica, Lutero sustenta tal asserção
durante a vida inteira. O enunciado, deste modo captado, promove
Jesus Cristo qua Resgatador definitivo; logo, é expressão autêntica
do / para o Evangelho pregado. Visto do lado do último, é seu
resumo fidedigno, e visto do lado do povo crente, presenteado com
aquela dádiva de amor sem limites de Deus, é esteio inabalável da
vida e da certeza de sua salvação, agora e depois. O que leva – ato
estritamente posterior e derivado – a comunidade, assim agraciada
e certificada, tanto a agradecer e louvar a Deus quanto a se sacri-
ficar pelas pessoas que dela necessitam [31];

 b)    ante a compreensão entusiasta / sacramentária [32] da
referida formulação, Lutero insiste: Jesus Cristo “não fala de uma
memória oculta [e cultivada carinhosamente] no coração, mas, sim,
da lembrança pública e oral [veja II.1.], quando diz: ´Fazei isso em
memória de mim´, o que acontece através da prédica e palavra de
Deus – isto é sua memória, a qual instituiu ... Ela permanece... até
o fim do mundo, e é no sacramento [Ceia do Senhor] não apenas
comida, mas também palavra de Deus” [33]. Destarte, Lutero ataca
a ideia de que a fé em Jesus Cristo, o Crucificado Ressurreto / o
Ressurreto Crucificado, surgisse de modo direto, perpendicular do
céu, sem mediação exterior. Assim que fosse algo dito espiritual,
escondido na esfera íntima-individual, uma convicção estritamente
guardada / cuidada no fundo do coração, que sobe / vem à luz,
quem sabe, em momentos carregados de emoção.
       Dito diferente: Lutero confessa a presença real e corporal,
comunicável e degustável de Jesus Cristo em sua Ceia – aí “ele
está presente com tudo que ele é e tem” [34]. Tal memória, agindo
na pregação, ligada à correspondente refeição, ocorre, de todo
jeito, independentemente dos sentimentos e das ânsias ocasionais
dos/das comungantes. Trata-se não de uma memória espiritual e
interna, mas, isto sim, de uma memória externa e corporal. Quer
dizer: trata-se de “um presente”, no qual ele próprio, Jesus Cristo,
conforme suas palavras em sua Ceia, se “me oferece, brinda e
passa seu corpo e seu sangue, sendo dado e derramado por
mim” [35]. É, pois, um presente que ganhei e que como e bebo.
Blasfemam as pessoas que transformam em espiritual o que Deus
constitui e proporciona de modo corporal. Blasfemam não menos
aquelas que negligenciam e deixam de confessar que o presente
é justamente para elas mesmas. Aqui vale de maneira específica o
que Martim Lutero testemunha, em toda a parte: extra nos garante
pro nobis; pro nobis se origina extra nos; nos extra nos sucede em,
com e por intermédio da intervenção salvífica externa de Deus. Ao
que tudo indica, Lutero sustenta, igualmente, esta asserção durante
a vida inteira;

      c) em oposição a estas frentes – a papista e a entusiasta /
sacramentária, que, para ele, em todos os pontos vitais de doutrina
e fé são farinha do mesmo saco [diabólico] [36] – Lutero, baseando-
se em textos escriturísticos, identifica “memória” com “pregação”.
Por exemplo, expõe a partir de Sl 111.5s.: “Os cristãos têm de
pregar sempre a respeito destes grandes feitos de Deus [cf. Êx
14-15.21; Nm 21.21-35; Hb 13.20s.], embora eles [próprios / de e
em si] não pregam, mas, sim [conforme diz o salmista], o Senhor
[mesmo] prega. Pois ele [Deus] não quer que [a pregação] seja
nos- sa obra – e em absoluto não é – ele a constituiu, concedendo
o espírito e a graça para tal [a prédica de Deus] e, mesmo assim, a
realiza através de nós” [37].
      Lutero destaca “memória” como sendo ação direta e genuína
de Deus. Em absoluto, uma falação a respeito dele e de suas
ações. Urge, pois, “que se divulgue amplamente tal memória em
toda a parte a fim de que aquelas pessoas que a desconhecem
[ainda] também se aproximem. [Tal divulgação da memória] deve
suceder em público, não num canto reservado, [deve ocorrer]
perante a comunidade [reunida] e na missa [= durante a ministração
da Ceia do Senhor] sempre precisa-se pregar” [38]. Para Lutero,
ministração / distribuição da Ceia do Senhor sem pregação [veja
acima] é contradictio in adiecto por excelência [39]. Mais agudo: a
prédica existe e serve tão-só para desdobrar a Ceia do Senhor –
como síntese do Evangelho – em todos os seus ângulos [40];

d)      com a insistência na justaposição “memória de mim” =
pregação [do próprio Deus], Lutero resguarda a Ceia do Senhor
de qualquer cooperação / atividade de nosso lado, seja litúrgico
(cf. práticas igrejeiras na IECLB), seja afeto ao serviço ministerial
(cf. Igreja de Roma, Igrejas confessionalistas), seja em forma de
efusões da dita alma (cf. jeitos celebrativos dentro e fora da IECLB),
seja em “preparação corporal ou boa disciplina externa” [41].
       Lutero salienta: “Esta é nossa doutrina [/ pregação]: pão e
vinho [na Ceia do Senhor] não ajudam nada... Eu digo mais: Cristo
na cruz com todo seu sofrer e morrer em nada ajuda... Algo outro
ainda precisa se juntar aí e estar presente. O que? A palavra, a
palavra, a palavra” [42]. Jesus Cristo é esta palavra em carne e
osso. Ele a pronuncia, distribuindo seu corpo rasgado e seu sangue
derramado “em favor de muitos [= todos]” (Mc 14.24 / Is 53. 4-12)
entre os/as comungantes em sua Ceia. Consequentemente, Lutero
confessa: “A honra de nosso Deus... é esta: por causa de nós, ele
se humilha tanto, mas tanto, que se coloca na carne [encarnação de
Jesus Cristo], no pão [Ceia do Senhor],em nossa boca [distribuição
na Ceia], coração [fé], colo [semelhante necessitado]. E, além disto,
sofre por causa de nós” [43]. Lutero testemunha o Sacramento do
Altar “como continuação do cocho e da cruz [de Jesus Cristo, que
nos alcançam e envolvem, nos marcam e resgatam]” [44];

e)   quando a Reforma da Igreja toma vulto, articulando-se
sob o ponto de vista da doutrina, da liturgia e da edificação da
comunidade localizada, e se espraiando territorialmente, e, aos
poucos, começa a crescer uma geração que não conhece mais
pessoalmente os absurdos cometidos pelos papistas – em tal
conjuntura, Lutero constata com preocupação crescente que as
pessoas não comungam mais ou apenas de vez em quando. Neste
contexto, interpreta o enunciado “em memória de mim” como
chamada, sim, ordem do próprio Jesus Cristo para que o povo das
comunidades venha para sua Mesa.
      Pacífico, Lutero não pretende reintroduzir “a praxe papista”
(como diz), mas sublinha com energia que o povo seja atraído à
inefável dádiva da Ceia pela pregação convincente e convidativa
dos ministros, razão pela qual formulou e publicou, por exemplo, a
Quarta Parte do Catecismo Maior – Do Sacramento do Altar [45].
Lutero entende e ressalta agora, que com, através e na participação
no Sacramento do Altar, os/as comungantes honram, louvam,
agradecem – e divulgam seu Constituinte que se doa aí a seu povo,
corporalmente [46].
Notas
para apoio, aprofundamento – e discernimento pastorais-teológicos


1         O. Michel, mimnaeskomai. In: G. Kittel, Theologisches Wörterbuch zum Neuen
          Testament. IV. Band. Stuttgart: Kohlhammer, 1942. p. 678.35-679.2.
2         Cf. G. v. Rad, Teologia do Antigo Testamento. Vol. II. São Paulo: Aste 1974.
          p.356 61, 367-74.
3         Tradução do original; veja G. v. Rad, p. 373s.
4         Cf. G. v. Rad, p. 383-7.
5         Cf. M. Lutero, Catecismo Menor – explicação ao Terceiro Artigo do Credo. In:
          Obras Selecionadas v. 7. São Leopoldo: Sinodal / Porto Alegre: Concórdia,
          2000. p 456.17 / OSel [= Igreja Evangélica Luterana, Livro de Concórdia –
          As Confissões da Igreja Evangélica Luterana. São Leopoldo: Sinodal / Porto
          Alegre: Concórdia, diversas edições em diferentes anos. 371.6 / LC = M.
          Lutero, Catecismo Menor – II.3. São Leopoldo: Sinodal, diversas edições em
          diferentes anos].
6         Cf. A. Baeske, Como ocorreu que a ceia de despedida de Jesus de Nazaré
          virou Ceia do Senhor, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado. In:
          Na sua Ceia, o próprio Jesus Cristo “é a comida e a bebida, o cozinheiro e o
          garção” (Lutero). Polígrafo, 2000ss. / Na sua Ceia.
7         Cf. G. v. Rad, p. 234-41, 258-68.
8         Cf. A. Baeske, Creio em Jesus Cristo, nosso Senhor ou: “Ele serve pra sê
          Sinhô” (P. do Assaré). In: W. Altmann (org.), Nossa fé e suas razões / O Credo
          Apostólico – história, mensagem, atualidade.      São Leopoldo: Sinodal, 2004.
          p. 63-79; em especial: p. 64-7 / Creio em Jesus Cristo.
9         O. Michel, mnaemoneuoo. In: G. Kittel, p. 685.23-686.29.
10        Cf. G. v. Rad, p. 378-82.
11        M. Lutero, Missa Alemã e Ordem do Culto. In: OSel v. 7, p. 196.23 [= M.
Lutero,
          Pelo Evangelho de Cristo – Obras Selecionadas de Momentos Decisivos da
          Reforma. Porto Alegre: Concórdia / São Leopoldo: Sinodal, 1984. p. 228 /
          PEC].
12        Cf. A. Baeske, Mc 14.25 par. / 1 Co 11.26 e outros trechos. In: Na sua Ceia. ID,
          A Comunhão Escatológica. In: P. W. Buss (apres./org.), Comunhão e
          Separação no Altar do Senhor – 2º Simpósio Internacional de Lutero. Porto
          Alegre: Concórdia, 2009. p. 138-40,160-2 [= Estudos Teológicos Ano 45– Nº 1 –
          2005. São Leopoldo. p. 131-3,152-4] / Comunhão.
13        Cf. A. Baeske, Creio em Jesus Cristo, p. 67s., 75-8.
14        Cf. M. Lutero, Catecismo Menor – explicação ao Terceiro Artigo do Credo:
          OSel v. 7, 456.16s. [= LC 371s.6 = M. Lutero, Catecismo Menor – II.3].
15        Veja H. J. Iwand, Luthers Theologie [hgb. v. J. Haar]. München: Kaiser, 1974.
          p. 105-10,131-76.
16        Cf. A. Baeske, A importância da formulação inicial das Palavras da Instituição.
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  • 1. Polígrafo: Reflexões sobre as palavras da instituição da Ceia do Senhor
  • 2. Organizadora: Mara Cristina Weber Kehl Maio de 2011 Apresentação Nos tempos de Lutero nenhum tema foi tão relevante e caro para sua luta quanto à Ceia do Senhor. Ele constatou que o centro do Evangelho em palavra e sacramentos estava “na lama”, encoberto ao povo. Como ministro da palavra percebeu que precisava
  • 3. lutar para que novamente as pessoas tivessem acesso livre e espontâneo ao Sacramento do Altar e assim pudessem usufruir de seus benefícios. Também em nossos dias, grande parte das pessoas despreza o sacramento. Mostra-se alheia e indiferente com o mandamento de Cristo. Isto se deve, principalmente, ao fato de que pregadores/as pouco, ou quase nada, pregam sobre a dádiva da Ceia do Senhor, seus benefícios e malefícios, sua centralidade no Evangelho, seu significado e conseqüências para a vida terrena e eterna. Além disso, muitas vezes o pouco que ainda se fala sobre a Ceia serve para encobri-la ao invés de revelá-la. Frente ao silêncio e a compreensão errônea a respeito da Ceia do Senhor, há alguns anos, pastores e pastoras da IECLB, vem se reunindo para que, através da comunhão na Mesa do Senhor e da prática confortante da Confissão e Absolvição dos pecados, sejam mutuamente fortalecidos na vivência cristã e na tarefa do ministério, de zelar pela palavra e sacramentos. Com este afã, no último encontro foram apresentadas reflexões sobre as assertivas das Palavras da Instituição da Ceia do Senhor. Colocamos tal material à disposição com a intenção de contagiar e puxar para a comunhão e reflexão outros/as colegas, que também se preocupam com a correta ministração e recepção da Ceia do Senhor. Esperamos ajudar na caminhada que não nos pertence, mas que pertence tão somente àquele que nos inclui em tão maravilhosa e séria tarefa. Sumário 1º texto: A importância da formulação inicial das Palavras da Instituição: “O Senhor Jesus, na noite em que foi traído / entregue” (apenas em 1 Co 11.23b). Autor: Albérico Baeske
  • 4. 2º texto: Reflexão sobre a frase do Evangelho: “tomou o pão, e tendo dado graças o partiu”. Autora: Mara Cristina Weber Kehl 3º texto: E o deu aos seus discípulos. Autor: Airton H. Loeve 4º texto: Tomai e comei, isto é o meu corpo. Autor: Hércules O. Kehl 5º texto: O significado de “em memória de mim” (1 CO 11.24s. / LC 22.19): Autor: Albérico Baeske 6º texto: O significado das palavras a respeito do cálice no contexto das Palavras da Instituição. Autor: Michael Kleine 7º texto: Compreensão das Palavras da Instituição: na IECLB, em Lutero e nos Escritos Confessionais. Autor: Michael Kleine   A importância da formulação inicial das Palavras da Instituição:                   “O Senhor Jesus, na noite em que foi traído / entregue” (apenas em 1 Co 11.23b).       1. O relato neotestamentário referente à Ceia do Senhor – em versão harmonizada dos quatro textos existentes (cf. M. Lutero, Catecismo Menor [CMe], VI.1) – tem caráter tríplice. Ele constitui: a. verba testamenti = o testamento que Jesus Cristo deixou, ou seja, fornece a ba-se cristológica do Sacramento, a quintessência do Segundo Artigo do Credo; a. verba institutionis [consecrationis] = as palavras que instituem a ministração da Ceia do Senhor em determinada comunidade, aqui e agora, ou seja, fornecem a base criacional no Sacramento conforme o Primeiro Artigo do Credo;
  • 5. b. verba explicationis [applicationis] = as palavras que explicam e imputam a Ceia do Senhor às pessoas comungantes, aqui e agora, ou seja, fornecem a base regeneradora / santificadora do Sacramento conforme o Terceiro Artigo do Credo. Baseado neste relato, a comunidade comungante, hoje, confessa a presença audível e degustável do próprio Jesus Cristo, “o cozinheiro e garçom” de sua Ceia, e, concomitantemente, recebe o próprio Jesus Cristo – “o qual foi entregue por causa de nossas transgressões, e ressuscitado por causa de nossa justificação [diante de Deus]” (Rm 4.25) – “a comida e bebida” (Lutero), que se dá pessoal e fisicamente em sua Ceia, gerando nossa vida e nossa salvação. (Cf., p.ex., A. B., A conseqüência de Deus tomar corpo em Jesus Cristo é a presença real e corporal de Jesus Cristo na sua Ceia, ponto 7. In: ID, Na sua Ceia, o próprio Jesus Cristo “é a comida e a bebida, o cozinheiro e o garçom” [Lutero] / Na sua Ceia) 2. A parte inicial das Palavras da Instituição fundamenta a ministração comunitária da Ceia do Senhor e define sua compreensão. Ressaltam-se os seguintes aspectos: a. Seu peso histórico. Paulo – em termos técnicos da transmissão de bem cunhada tradição original: “parelabon / recebi” e “paredooka / transmiti” (1 Co 11.23a) – comunicou à comunidade em Corinto (fundada cerca 49/ 50-51 d. C.; cf. At 18.1-22) o relato do ocorrido com a indicação exata do tempo (“na noite em que [o Senhor Jesus] foi traído / entregue”), intrínseca à sua mensagem, à qual se reporta nesta passagem de sua Primeira Carta aos Coríntios (escrita no início de 54 d.C.?). O mais tardar, o apóstolo deve ter recebido a referida tradição no começo de seu serviço em Antioquia (cerca 40 d. C.; cf. At 11.25s.). Ao que tudo indica, a formulação da mesma surgiu em Jerusalém entre pessoas que se lembravam vivamente dos acontecimentos (abril de 30 d. C.) dos quais ela dá testemunho; a partir de Jerusalém, então, a fórmula ganhou o mundo. Assim, “noite” aqui alude a um fato situado num determinado momento histórico, enquanto em Jo caracteriza teologicamente determinada existência humana (salvo, talvez, 3.1s.; 7.50): “os homens amaram mais as trevas do que a luz” (3.19b; cf. 1.5). Para o quarto evangelista, Judas Iscariotes é o protótipo desta existência (13.30b), que “não sabe para onde vai” (12.35d). Quem crê na “luz do mundo”, que é Jesus Cristo (8.12, 12.46; cf. 1.4s.9, 3.19-21), “não permanece nas trevas” (12.46b), “não andará nas trevas, pelo contrário, terá a luz da vida” (8.12b), jamais é apanhado pelas trevas (cf. 12.35). Àquele/a, contudo, que se separa de Jesus Cristo – “a luz do mundo” / “a luz da vida” – determina “a noite” (9.4, 11.10, 12.35s.), engolem “as trevas”, o que vale dizer, a pessoa está sendo ocupada por Satanás, tal qual Judas (13.27a). (Cf., p.ex., G. Bornkamm, Paulo – sua vida e obra. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 11s. 96-105. 135-46. 182-8. 201-21. 253-64. Chr. Dietzfelbinger, Das Evangelium nach Johannes. 2 Vols. 2. ed. Zürich: Theologischer Verlag, 2004. Vol 1, p. 87-90. 237-41. 255-61. 341-3. 348-50. 399-404. Vol 2, p. 18-23 [Zürcher Bibelkommentare hrgb. v. H. H. Schmid u. H. Weder]. A. B., Noite da Ceia do Senhor e noite de Judas. In: ID, Na sua Ceia)
  • 6. b) Sua expressão teológica, aliás: cristológica, sim, “kyriológica” (Chr. Dietzfelbinger). “O Senhor Jesus” em absoluto é ´meu / nosso Jesus Cristinho` (da novela), o quebra-galho infalível, sempre solícito, nas enrascadas em que a gente se mete. Ele é ho kyrios, a quem as comunidades pós-pascais proclamam como vindo já para assumir, aos olhos de todo o mundo, seu poderio sempiterno (1 Ts 4.15, 5.2; 1 Co 1,7; Fp 4,5). Elas o aclamam sendo aquele em cuja libertação foram acolhidas, desmistificando, assim, os demais senhores, ávidos para as subjugarem (Fp 2.11; Rm 10.9a). Em suas reuniões, que ele mesmo promove, o exultam com “Kyrios Iaesous” (1 Co 12.3c). Sobretudo durante a Ceia do Senhor, experimentam, confessam e esperam Jesus, ho kyrios, o presente vindouro (1 Co 10.21s., 11.20-32, 16.22). (Cf. A. B., Creio em Jesus Cristo, nosso Senhor ou “Ele serve pra sê Sinhô” (P. do Assaré). In: W. Altmann [org.], Nossa fé e suas razões / O Credo Apostólico – história, mensagem, atualidade. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 64-75. ID, Festa da Ascensão de Jesus Cristo – Cl 3.1-11. In: V.Hoefelmann e J. A. M. da Silva [coord.], Proclamar Libertação – Auxílios Homiléticos, Vol. 30. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 309-17) O apóstolo Paulo reflete tal “kyriologia”, comum às primeiras comunidades cristãs, e a puxa para a vida cristã concreta, localizada em comunidade (eclesial e social): diante de ho kyrios, cada um tem de se responsabilizar e assumir certas tarefas no convívio (1 Ts 3.12; 1 Co 3.5, 7.17); na vida e na morte, “somos do Senhor” (Rm 14.7s.), logo, o irmão / a irmã é independente de meu julgar e a mim não compete, sob hipótese alguma, qualificá-lo/la ou desqualificá-lo/la (v.10-3); ho kyrios avalia, de vez, decidindo sobre a existência da comunidade inteira bem como sobre a de cada membro individualmente, seja na interinidade “no corpo, distantes [ainda] do Senhor” – 2 Co 5.6) seja na eternidade / ´definitividade` (no “habitar [futuramente, em breve] com o Senhor” – v. 8). (Cf. W. Kramer, Christos Kyrios Gottessohn – Untersuchungen zu Gebrauch und Bedeutung der christologischen Bezeichnungen bei Paulus und den vorpaulinischen Gemeinden. Zürich/Stutt- gart: Zwingli-Verlag, 1963. p. 61-103. 149-81, em especial: 167-72. [Abhandlungen zur Theolo- gie des Alten und Neuen Testaments hrgb. v. W. Eichrodt u. O. Cullmann]) c) Sua importância pastoral, que, de momento, mais interessa, vem à luz quando se observa que ca) a ceia na qual “o Senhor Jesus” age não tem nada a ver com um passah (cf. Êx 12.1-14: ameaça de fora < > Mc 14.12-72 par: ameaça de fora, mas, em especial, de dentro); cb) “o Senhor Jesus” está sendo entregue ● pelo próprio Deus: paredideto = passivum divinum (cf. Mc 9.31; Rm 4.25, 8.32; Jo 3.16), respectivamente, se entrega a este, aceitando sua decisão: Mc 14.32-42 par [15.34 par]; sim, se entrega a si próprio, de livre e espontânea vontade, a seus caçadores (cf. 10.45; Jo 18.4-8 <> Gl 1.4, 2.20)
  • 7. pelas autoridades judaicas – Mc 15.1 par. ● pelos discípulos: Judas Iscariotes – Mc 14.10s. par; três deles dormem no Getsêmani – Mc 14.26.32-42 par; Simão Pedro – Mc 14.30s.53s.66-72 par; “todos [os discípulos] fugiram” – Mc 14.50 [51s.] par. (Cf., p.ex., Johnson Gnanabaranam, Uma Nova Dança. São Leopoldo: Sinodal, 1970. p. 41s. A. B., Mt 22.10-4; Os comensais de Jesus Cristo correm alto risco; Noite da Ceia do Senhor e noite de Judas. In: ID, Na sua Ceia) Chama atenção que conhecedor da vasta literatura relativa à Ceia do Senhor, no âmbito ecumênico, constata que “a noite da traição / entrega [de Jesus] está sendo notoriamente omitida [na reflexão]” (cf. M. Welker, Was geht vor beim Abendmahl? 2. ed. [completamente revisada e aumentada]. Gütersloh: Gütersloher, 2004. p. 49). Tão-só em justaposição com o início das Palavras da Instituição, se entende seu centro e sua estrela: “Dado e derramado em favor de vós para remissão dos pecados” (M. Lutero, CMe, VI. 4). O início descreve o que nós fazemos: traindo / entregando, renegando e dando no pé – e o que segue é o que Jesus Cristo faz: ultrapassando e vencendo nossos malfeitos. Neste conjunto, resplandece / se manifesta, recém, aquilo que o Novo Testamento chama de “amor de Deus“ (Rm 5.8, 8.32, 1 Jo 4.18 [4.7-21]), de “graça de Deus” (Jo 3.16). Eis gratia praeveniens, a manifestação degustável da “paterna e divina bondade e misericórdia”, que nos envolve “sem nenhum mérito ou dignidade de nossa parte”, sim, em franca e onipotente oposição a esses. A graça de Deus “supre” as pessoas que vivem junto à e a partir da Mesa do Senhor “abundante e diariamente de todo o necessário”, as “protege contra todos os perigos e” as “guarda de todo o mal”. Logo, surte nelas gratidão e louvor, bem como as ajeita para o serviço alegre ao Senhor da Ceia, no dia-a-dia (cf. ID, ibd., II.1). 3. A formulação “na noite em que [o Senhor Jesus] foi traído / entregue” capta nitidamente a vicissitude em que os discípulos se encontram na véspera da morte de Jesus. As pessoas, que cunharam e transmitiram a frase, confessam através dela a quantas elas mesmas andaram. Aliás, é difícil que haja épocas e lugares em que os/ as comungantes se achem em circunstâncias diferentes. Correspondem, pois, àquela confissão, os/as comungantes de hoje, quando localizam / descrevem / caracterizam / abrem sua situação bem peculiar na qual sucede a Ceia do Senhor. Tal ocorre sob enfoque ● pessoal-individual (´pecados prediletos`), ● comunitário-eclesial: falta de testemunho vivencial / alternativo em sua própria hoste e fora dela, falta de clareza no que “cremos, ensinamos e confessamos [perante Igreja e Sociedade]” e, por conseguinte, não “rejeitamos e condenamos [perante Igreja e Sociedade]” (LC – Fórmula de Concórdia, passim) o que seria preciso e urgente, ● social mais amplo: falta de engajamento político-social em público.
  • 8. A mencionada correspondência se articula a) em honesto levantamento da referida tripla conjuntura (pessoal, eclesial, sociopolítica); b) em confissão comunitária, concreta e pública, de nossa culpa e corresponsabilidade quanto ao estado geral das coisas em Igreja e Sociedade; c) em confissão sigilosa, junto a um/a familiar da fé, de nossa culpa particular e de nossa omissão pessoal em relação à opção eclesial e à opção em favor do bem-comum; (Cf., p.ex., Dietrich Bonhoeffer, Vida em Comunhão. São Leopoldo: Sinodal, diversas edições em diferentes anos. A. B., Na sua Ceia, passim) d) em reparação, tanto quanto ainda possível, do estrago provocado, de forma individual e comunitária. A. Baeske Reflexão sobre a frase do Evangelho: “tomou o pão, e tendo dado graças o partiu” 1. O pão na Ceia do Senhor a) Contexto Bíblico O pão era o alimento mais importante. Consumido unicamente (Gn 31.54), ou ao lado de outros alimentos (Lv 8.32). Era feito de trigo ou cevada. Geralmente as pessoas mais pobres só podiam se alimentar do pão de cevada. Cabia às mulheres e escravos/as a tarefa de fazer pão. Mas existiam também padeiros de profissão (Jr 37.21). (Cf. McKenzie, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulinas, 1984 , p.689) Além do sentido literal, o pão também aparece como sinônimo de toda alimentação (1 Sm 20.34; Gn 47.17; Dt 8.3; Jó 3.24; Ez 18.16). Era considerado alimento sagrado, e por isso, não se permitia colocar um pedaço de carne sobre um pedaço de pão. Se caíssem migalhas ao chão deveriam ser
  • 9. recolhidas caso fossem maiores do que uma azeitona. Os pães asmos eram produzidos para visitas inesperadas (Gn 19.13) e para quando as pessoas estavam muito ocupadas (Rt 2.14). A partir do êxodo do povo de Deus começa a “Festa dos pães asmos”, com sua observância anual como representação cúltica da libertação (Ex 12.14-20). O pão asmo relembrava a aflição que o povo havia passado (Dt 16.3). No NT, além do sentido literal, o pão aparece muitas vezes como sinônimo de comida e/ou sustentação física integral (Mt 4.4; Mt 6.11; Lc 15.17). Há o desenvolvimento do pão da vida (Jo 6.35) e do pão no reino (Lc 14.15). Na última refeição de Jesus com seus discípulos, o pão está presente, ao lado de ervas amargas e vinho. (Cf.MERKEL, F. Pão. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 1ª. Edição, 1981, pgs. 444- 445.) b) Instituição da Ceia Sobre o pão na instituição da Ceia podemos crer, ensinar e confessar que: ● O pão passa por longo processo de transformação. Primeiro a semente é enterrada para germinar, crescer e produzir. Quando, no devido tempo, a planta produz os grãos, estes são triturados e moídos resultando na farinha que, após misturada, se torna massa até chegar ao pão. Cada uma destas etapas pode ser comparada com a vida e obra redentora de Jesus Cristo. No fazer o pão, assim como na vida e obra de Cristo, há espera, sofrimento e transformação. ● O pão é feito de uma porção de sementes que perderam sua forma, ‘sua identidade’, e se fundem tornando-se um só pão. Assim também acontece com cada pessoa que participa verdadeiramente da comunhão em Cristo (da Ceia). Morre para si mesma, tornando-se co-participante da vida de Cristo. A pessoa passa a ser parte do único pão. ● O pão é capaz de sustentar uma pessoa durante muito tempo. Ele é fonte de energia que nutre, sustenta e vitaliza o organismo. Por isto, quem come pão em excesso e não trabalha, pode adoecer. Também neste aspecto o pão ilustra aquilo que Cristo faz aos seus comungantes. Seus benefícios e malefícios. Tomar a Ceia do Senhor é receber alimento que trás vida ou morte. ● O pão foi e continua sendo alimento básico. Não é apenas para domingos, feriados e festas, como um bolo ou torta. Mas para o dia-a-dia. Quem hoje aqui não se alimentou de pão? O pão é alimento para a luta diária, para quando se tem fome e não apenas gula. Neste sentido, o pão ilustra que o Sacramento do
  • 10. Altar é alimento para quando se tem fome (e sede). Para quem precisa se alimentar para a luta diária da fé. ● Por último, não por fim, Jesus Cristo toma o alimento que mais pode caracterizar o seu corpo. Ao “tomar” ele se apropria, decide e faz. O tomar é apenas um gesto, que não encobre e não deve encobrir o que vem depois. c) Na IECLB (nós)- A IECLB ainda usa pão? Quando se ministra o Sacramento do Altar para multidão, é possível usar o pão? A IECLB prega sobre o pão? O Sacramento do Altar é acessível como o pão diário? Na liturgia que consta no Livro de Culto justifica-se o ofertório com o gesto: “tomou...”. Que vem a ser isso? Será também sobrevalorização daquilo que não é central? 2. e; tendo dado graças,- a. Contexto Bíblico Havia o reconhecimento de que tudo pertence ao Criador, principalmente a comida (Sl 24:1). Por isso, a gratidão, em forma de ação de graças estava presente na vida cotidiana e no culto. Quando acontecia uma refeição, havia o costume de agradecer, antes e no final. Muitas vezes se proferia uma benção ao alimento. O chefe da família e /ou hospedeiro abençoava o alimento e depois servia todos/ as. Por ocasião da última refeição de Jesus com os discípulos, além da benção aos alimentos era feita uma explicação sobre a história da libertação. Jesus segue o costume da sua época. Na multiplicação dos pães e peixes ele abençoa os alimentos (Mt 14:19) e dá graças (Jo 6.11; Mt 15.36). (Cf. Cf. id., ibid., p. 445) b. Instituição da Ceia Conforme relato de Lucas e Paulo, Jesus pronuncia uma oração de gratidão ao tomar o pão. Mateus e Marcos narram que Jesus abençoa o pão. Tanto agradecer quanto abençoar, revelam um gesto de gratidão de Jesus pelo alimento que toma em suas mãos. Porém, se este agradecimento ou benção tivesse um longo conteúdo e fosse central na instituição, é provável que teria sido escrito detalhadamente. O fato de aparecer na instituição somente a frase ‘e tendo dado graças’/ ‘o abençou’, pode revelar que as primeiras comunidades cristãs (por ex. Damasco), pronunciavam também uma pequena oração de gratidão antes da Ceia.
  • 11. c. Na IECLB No Livro de Culto (p.I 15) consta que a Oração Eucarística (OE) deriva da frase ‘tendo dado graças’, justificando que desde a primeira geração cristã a OE estava presente na liturgia da Ceia. No entanto, ao olhar para o conteúdo e para a extensão da mesma veremos que não pode haver relação. A OE coloca as palavras da instituição dentro de seu conteúdo, deixando-as sem centralidade. Muitos membros que participam do culto eucarístico não conseguem, nem sequer, perceber que dentro da OE foram ditas as palavras do Evangelho. Um exemplo é o que disse certa vez um membro da IECLB, que na ocasião, era presidente sinodal: “o que vocês querem dizer com palavras da instituição?” A oração de gratidão pode existir antes da instituição. De forma breve os participantes do Sacramento do Altar agradecem por aquilo que irão receber. A pregação, por sua vez, precisa clarear e sempre insistir na ação de graças que sucede a Mesa do Senhor (veja para ex. Lc 24.32- 35). 3. “o partiu” a) Contexto Bíblico: O pão era partido ou rasgado, nunca cortado com faca. Muitas vezes se fazia com um furo no meio para facilitar a rasgadura. Na refeição judaica era costume que o chefe do lar e/ou hospedeiro partia o pão para a família ou hóspedes. (Cf. id., ibid. 444) No NT, além do sentido literal, aparece o desenvolvimento do partir do pão como sinônimo para a Ceia do Senhor (Lc 24.30; 1Co 10.16; 1Co 11.24; At 2.42 e 46; At 20.7 e 11; At 27.35). Os discípulos, após a Páscoa reconhecem Jesus, o crucificado, entre eles no partir do pão. Seus olhos são abertos e não cessam mais de testemunhar (Lc 24.32-35). b) Instituição da Ceia O partir do pão é o gesto que mais revela o que é a Ceia do Senhor em significado e conseqüências. Nenhum outro gesto como ‘cortar’, ‘dar todo’ teria a mesma profundidade que o partir. A Ceia é a partilha de Cristo que é dado para homens e mulheres, escravos e livres, pretos e brancos. Ao receber Cristo, o/a comungante recebe a comida (e bebida) que o leva a partilhar fé, vida e bens. Quanto mais o/a comungante é conscientizado da sua participação real no ‘verdadeiro pão partido’, tanto
  • 12. mais experimenta existencialmente a partilha na sua vida, com seus/as irmãos/ãs. As primeiras comunidades cristãs tinham olhos sensíveis voltados aos necessitados, ao ponto de partilharem seus bens (At 2.45). Será que a expressão ‘partir do pão’, deriva da clareza que tinham sobre o Sacramento do Altar? d. Na IECLB Uma indagação: Como fica o uso da hóstia, principalmente na questão do ‘partir’? Um ex. para refletir: -Um membro escandaliza-se com a pregação, quando é dito que aquela pessoa que tem medo ou nojo do/a irmão/ã, não deveria ir à Ceia, já que ninguém tem medo de tomar chimarrão ou caipirinha juntos ( o que era próprio no contexto). Leva o assunto ao presbitério e pressiona pela continuidade dos copinhos na Ceia. Na seqüência da reunião, outro membro sugere um jantar para casais afastados da comunidade, com a intenção de reaproximá-los. O mesmo membro polemiza a questão e diz que deveria fazer jantares para aqueles que sempre trabalharam na comunidade e não para aqueles que nunca aparecem. Será que, entre nós, há sono (1Co 11.30) na fé e na partilha, pois não discernimos ( v. 29) devidamente o ‘partir do pão’ e o repassamos? Mara C. W Kehl E O DEU AOS SEUS DISCÍPULOS O estudo relacionado à assertiva tem por objetivo lançar luz sobre o significado da mesma na perspectiva das palavras da instituição Ceia do SENHOR, na qual ela está escrita. 1. O significa, em detalhes: “E O deu aos seus discípulos” Quem dá a Ceia do SENHOR é o próprio SENHOR Jesus Cristo aos Seus discípulos. Ele não dá a Si Próprio às pessoas seguidoras de outros seres humanos ou autoridades constituídas: Fariseus e escribas, por exemplo. Além desse fato concreto: A ação do verbo ‘dar’, como veremos, parte daquEle que anuncia, prepara, aplica e faz desfrutar dos benefícios e promessas da Ceia, Jesus Cristo, no caso. Ah é? Sim! De fato! Sem participação dos discípulos no preparo da Ceia, porque eles, tão somente, se apropriam da Promessa do SENHOR, tanto na fé quanto no concreto, segundo as Palavras o indicam e professam, aí e agora. 2. A conjunção coordenativa: καὶ - e.
  • 13. A palavra invariável que introduz a assertiva em estudo é: καὶ. Ela serve para ligar (relacionar, unir) duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração. Nela ela é coordenativa, visto que ela não se altera com a mudança de construção da frase. Na assertiva, a função gramatical do καὶ é de ligação, ou seja, ela estabelece uma relação de adição entre os elementos da oração, sem que, isoladamente, perde-se o sentido que cada um dos elementos da oração possui. Ademais, observando os textos, notamos que a conjunção, tão somente, liga elementos da oração toda que tem pensamento equivalente. Mt 26.26: A conjunção antecede diretamente o verbo: δοὺς. Mt 26.27: A conjunção não antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν, mas ela aparece no início da oração, conforme vemos: καὶ λαβὼν ποτήριον καὶ εὐχαριστήσας ἔδωκεν αὐτοῖς λέγων· (...). Mc 14.22: A conjunção antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν. Mc 14.23: A conjução não antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν, mas ela aparece no início da oração, conforme vemos: καὶ λαβὼν ποτήριον εὐχαριστήσας ἔδωκεν αὐτοῖς (...). Lc 22.19: A conjunção antecede diretamente o verbo: ἔδωκεν. 1Co 11.24: Nesta passagem a conjunção aparece duas vezes, conforme vemos: καὶ εὐχαριστήσας ἔκλασεν καὶ εἶπεν· (...). 3. O verbo ‘dar’, no original: Mt 26.26: δοὺς – particípio aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Dando Mt 26.27: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito: Deu. Mc 14.22: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito: Deu. Mc 14.23: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito: Deu. Lc 22.19: ἔδωκεν – aoristo ativo de δίδωμι (dar). Tradução: Pretérito Perfeito: Deu. 1Co 11.24: τὸ ὑπὲρ ὑμῶν – Que foi (dado) a favor de vós. A palavra a ser suprimida aqui é: Dado. Não é especificado, em nenhuma das passagens bíblicas alusivas à Ceia do SENHOR se, Jesus Cristo, o Unigênito de Deus, também comeu e bebeu a Ceia dEle. Uh é? Sim. Jesus Cristo é exclusivamente aquEle que dá a Si próprio a Seus discípulos. [Pausa para reflexão.] Os termos, λάβετε (comei), φάγετε (bebei), somente, aparecem em Mateus. O evangelista de Jesus Cristo Marcos, tão somente, tem o verbete: φάγετε. Já em Lucas e em 1 Coríntios, nenhuma dessas duas palavras aparece. 4. Quem é quem na Ceia do SENHOR? Quem faz o quê?
  • 14. Na Ceia do SENHOR Jesus Cristo, o ‘garçom’, aquEle que prepara a Ceia, dá algo [a Si próprio] a Seus discípulos! Magnífico. Na Ceia do SENHOR, imerecidamente, única, exclusiva e tão somente, a participação concreta dos discípulos é que eles recebem algo [os elementos da Ceia unidos às Suas Palavras que Ele próprio lhes dirige] de Jesus Cristo, O próprio, pela fé e no real. Isto é claríssimo nas palavras da instituição da Ceia. Vejamos: Mt 26.26: τοῖς (dativo plural masculino) μαθηταῖς (dativo plural masculino): Aos discípulos. Mt 26.27: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes. Mc 14.22: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes. Mc 14.23: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes. Lc 22.19: αὐτοῖς (dativo plural masculino): Lhes. 5. Qual o significado e alcance do verbete: Discípulo? Pessoas impuras não podiam participar da Ceia da Páscoa judaica. Havia um exame prévio, preparação segundo a Palavra do SENHOR – Êx 12.43ss. Jesus Cristo, antes da instituição, ministração e recepção da Ceia dEle, notifica1 que aquele que O havia traído se dê a conhecer e faz com que os discípulos todos se examinem o mais seriamente possível2. Pois é. Precisamos refletir com profundidade que: Na comunidade da Ceia, na comunhão com o próprio Jesus, pessoas puras não têm lugar, mas sim, e tão somente gente contrita e arrependida, que à Luz da Palavra de Deus e Cristo, se confessa, reconhece e declara culpada ante Deus; enfim, pecadores que crendo nos benefícios de Cristo, correm para Ele. É. A Ceia do SENHOR é justamente para gente pecadora que diz, na e pela fé no Cristo Crucificado, assim: Se me examino à Luz da Escritura Sagrada, chego à conclusão, pela fé, de que eu deveria dar um fim à vida que me foi confiada, exatamente como Judas o fez, mas, isto não faço pois Deus me o proibiu, pelo contrário, como mendigo da Graça, Misericórdia, Compaixão, Complacência, Bondade, Amor de Cristo, me entrego, mediante a fé, aos Cuidados de Deus. Ademais, como é horrível e terrível perceber que Jesus Cristo só pode ser traído por uma pessoa que é discípula dEle, como no caso de Judas cuja índole é controlada e guiada, regida e determinada pelo ser interior de alguém que não é totalmente crente na pessoa e pregação de Cristo, como o notamos na sua postura concreta!3 De mais a mais é preciso refletir que não somente Judas trai a Cristo, mas sim, todos. 1 Nötigt. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches Handbuch zum Evangelium de Matthäus, I. 1889, pg. 489. 2 Aufs ernsteste sich zu prüfen. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches  Handbuch  zum  Evangelium de Matthäus, I. 1889, pg. 489. 3 Wie ist es wohl zu bedenken, daβ in Jesu Kreis, besonders in die Abendmahlgemeide, Unheilige nicht passen; wie entetzlich das Los eines Judas-artig stehenden Menschen! Assim escreve Kübel no seu livro. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches  Handbuch  zum  Evangelium de Matthäus, I. 1889, pg. 489.
  • 15. Também, nós, hoje, os que atualmente queremos ir e vamos à Ceia do SENHOR, precisamos nos examinar, conscientizados pela pregação cristocêntrica, antes de participar e receber a Ceia do SENHOR, com a mesma pergunta: Porventura, sou eu, SENHOR, quem Te está traindo? E, isto precisa se dar, não como uma lei, mas como resposta à Obra da Salvação na cruz do Calvário, onde Jesus Cristo pagou com Seu próprio Sangue o preço da nossa dívida ante Deus. Ademais, o que eu sou capaz/apto4 a fazer ou mesmo estou concretizando em termos de traição e profanação, tanto com o ensino quanto com a vida, do Nome de Deus na atualidade? Será que nós não temos também segredos de traição de Cristo a revelar? Tentaremos ser ousados crendo que no dia final isto não virá á tona?5 Ou ainda, será cremos que, mesmo sem arrependimento e fé em Jesus Cristo, igual se irá, com algum ‘jeitinho’, ser partícipe de Ceia Derradeira? Auto-Ilusão! 4 Fähig. 5 Quanto à esse assunto consultar: BONHOEFFER, Dietrich. Prédicas e Alocuções. Pg. 23-27.
  • 16. Nos tempos do Novo Testamento, a palavra significava, em geral, aqueles que aceitavam os ensinamentos de outro – exemplo, de João Batista (Mt 9.14; Jo 1.35), dos fariseus (Mc 2.18; Lc 5.33) e de Moisés (Jo 9.28). Seu uso mais comum era para denotar as pessoas aderentes de Jesus: Quer no sentido geral (como em Mt 10.42; Lc 6.17; Jo 6.66), quer referindo-se especialmente aos doze (Mt 10.1; 11.1), que tudo abandonaram a fim de seguí-Lo.7 Igualmente, não se pode deixar de mencionar testemunhas específicas (Jo 9.28). Atendo-nos ao assunto em questão na presente exposição da assertiva, observamos que: Jesus Cristo, na noite em que foi traído, institui, ministra e se dá aos Seus discípulos (μαθηταὶ). Mas quem são esses discípulos? Só os doze que Ele escolhera? Havia outros discípulos/as com Jesus Cristo naquela hora? Não podemos afirmar com exatidão. Certo, contudo, é que os doze que Ele havia escolhido estavam aí presente. Considerando que não nos é possível, ao exato, declarar quem estava, e se havia mais pessoas presentes na hora da Ceia, nos atemos com mais afinco, agora, ao significado do termo: Discípulo. Há uma clara diferença entre οἱ μαθηταὶ (Mt 5.1), os discípulos (um círculo mais restrito de pessoas), de τοὺς ὄχλους (Mt 5.1), as multidões (um grande círculo de ouvintes), de ὄχλος μαθητῶν (Lc 6.17), de multidão de discípulos, isto é, todas as pessoas que até aqui tinham recebido o Ensino Doutrinal de Jesus propriamente8, e que o tinham aderido seguindo-o.9 6. Aproximando-nos ao conceito ‘discípulos’ à luz de falas diretas de Jesus  Cristo.   6 MÜLLER, D. Discípulo. In: BROWN, Colin. O  Novo  Dicionário  Internacional  de  Teologia  do  Novo  Testamento. 1ª. Edição, 1981, pgs. 662-663. Além, do texto, em português, pode ser consultado, em língua alemã: COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich und BIETENHARD, Hans. Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Band II/1, pgs. 947-953. 7 Para maiores informações consultar: MÜLLER, D. Discípulo. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário  Internacional de Teologia do Novo Testamento. 1ª. Edição, 1981, pgs. 662-663. 8 “(...) d. h. allen, die bis jetzt in den eigentlichen Lehruntericht Jesu, in seine Nachfolge eingetreten waren.“ Mais acerca do assunto em: COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich und BIETENHARD, Hans. Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Band II/1, pg. 95. 9 Nachfolge.
  • 17. a. Mt 5.3-12. As pessoas concretas integradas nos conceito: πτωχοὶ (v.3); πενθοῦντες (4); πραεῖς (5); πεινῶντες καὶ διψῶντες τὴν δικαιοσύνην (6); ἐλεήμονες (7); καθαροὶ τῇ καρδίᾳ (8); εἰρηνοποιοί (9); δεδιωγμένοι ἕνεκεν δικαιοσύνης (10); ἐστε ὅταν ὀνειδίσωσιν ὑμᾶς καὶ διώξωσιν καὶ εἴπωσιν πᾶν πονηρὸν καθ᾽ ὑμῶν [ψευδόμενοι] ἕνεκεν ἐμοῦ (11). Exato. Sem sobra de dúvida, para estas pessoas a Ceia do SENHOR é existencial, de valor e significado ímpar, determinante na fé que se apega à Viva Voz de Deus proclamada pelo ministério da pregação, instituído por Deus. Com certeza, à essas pessoas μαθηταῖς a explicação, conscientização, ministração e recepção correta da Ceia do SENHOR é substancial à fé e vida com e pelo Evangelho de Jesus Cristo. Com certeza. Saber e ouvir acerca da presença real e concreta de Cristo na Ceia aí sendo ministrada e sendo dada unida ao que ela é, pela fé, revigora a pessoa serva do Crucificado-Ressurreto Ressurreto-Crucificado. Sim, os discípulos de Jesus Cristo são, aí e agora, na Palavra e no Sacramento, também, graciosamente alcançados, de fora. Sem sombra de dúvida é preciso dar atenção, tanto na perspectiva do versículo 11 quanto nos antecedentes, três a dez, às pessoas μακάριοι incluídas e referidas concretamente à Luz da Palavra de Deus, nos conceitos e ordens, mandamentos e promessas, que exigem fé e decisão obediente do ouvinte, do Próprio Jesus Cristo, presente de modo real, na Palavra e na Ceia dEle. Pela Palavra e Sacramento as pessoas podem crer que são lembradas individualmente pelo SENHOR que ordena: χαίρετε καὶ ἀγαλλιᾶσθε (regozijai-vos e exultai). A Ceia do SENHOR, de verdade, é momento de tomar alento concreto sob regozijo e exultação, não forçada por pessoas; cerimonialismo; psicologização; liturgização que endurece e dificulta o chegar ao puro Evangelho a ser acolhido na fé; o meio e espaço no qual se institui, ministra e se recebe a Ceia; louvores emotivos. Uh é? Isto é verdade? Certissimamente. Por isso mesmo, ainda que nas catacumbas, em circunstânscias diversamente adversas, de perseguição clara e concreta, 10 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pg. 20.
  • 18. iminente ou a pleno vento em popa, na fé, por graça, segundo a Palavra proferida durante e antes da recepção do Corpo e Sangue de Cristo, de modo real e concreto, há e se vivencia o χαίρετε καὶ ἀγαλλιᾶσθε. Pois é. Eis aí, existencialmente, vivido e vivenciado, o que a fé crê e busca. Quem poderá criar uma lei ou norma para proibir ou recriminar o χαίρετε καὶ ἀγαλλιᾶσθε? Se Jesus o disse e declarou, então, se pode crer: O que Ele diz, cumpre. Se Cristo declara que se pode sair do barco, no qual se está, e vir à Ele por sobre as águas, então, é possível caminhar sobre as águas, sem afundar, pela fé naquilo que Seus lábios proclamaram! b. Mt 10.16-33. Às pessoas μαθητὴς que vivem as admoestações e os estímulos, por causa do serviço junto ao Evangelho de Jesus Cristo, a Ceia do SENHOR, na qual Jesus Cristo está presente real e concretamente, segundo lhes é ensinado pelo mistério da pregação, a ‘sua’ vida e existir em função da Boa Nova, hoje, sustentam e alimentam, a esperança, fruto da fé no Unigênito de Deus e Seu doutrinamento. Inegavelmente o Sacramento, ministrado em memória de Cristo, lembra e faz vivenciar o χαίρετε (Imperativo de χαίρω – regozijar-se, estar feliz) καὶ (conjução: e) ἀγαλλιᾶσθε (Imperativo de ἀγαλλιάoμαι – regozijar-se grandemente). Realmente, enquanto, se recebe, aí e agora, durante e enquanto ele, o Evangelho de Jesus Cristo é proclamado e a Ceia do SENHOR está sendo ministrada e recebida, Deus mesmo vai chamando e reconciliando conSigo, as que já são μαθητες e as que Ele próprio vai acrescentado e fazendo com que se reconciliem com o semelhante que está ao seu lado e que também foi inserido e unido ao Corpo de Cristo, que tem muitos membros. c. Mc 9.49. Discípulos de Jesus Cristo, μαθητες δοῦλος Χριστοῦ Ἰησοῦ, separados para o Evangelho de Deus, κλητὸς εἰς εὐαγγέλιον θεοῦ, crêem no salgar com fogo, no dia derradeiro. De fato. Ninguém será salvo pelas obras (Rm 3.24s.,28; Gl 2.16s.), mas isto não significa de modo algum que não haja um julgamento final (Mt 10.32s.; Rm 14.12; 2Co 5.10). Por outra, é confortante saber que não haverá salvação eterna automática e compulsória, mas que cada um, individualmente, terá de dar contas da vida e do modo como a viveu ao Doador e Mantenedor da mesma. Uau! Sim, diante de Deus é preciso reconhecer, conhecer e confessar que há diferença clara entre o ser humano e o Seu Criador, Resgatador, Santificador. Por conseguinte, de verdade, é confortante e consolador saber, como fruto da fé na proclamação externa da Palavra de Cristo, que Deus vai tirar dos/as Seus/Suas servos/as todas as impurezas, como Ação exclusiva do SENHOR em favor deles/as, como já está fazendo e faz aí na Sua Ceia através de Cristo, o operador e consumador da ‚Troca Alegre‘. Concomitantemente, a pregação nos anuncia o que é a Ceia do SENHOR e do modo como se deve vir à ela: Crente, ἐκ πίστεως εἰς πίστιν, de fé em fé. Ah, é? Sim. À Ceia, como Gottesdient, Sacramento da fé, é preciso ir devidamente conscientizado acerca da necessidade da fé e do arrependimento. Do contrário, se passará a crer: Se eu não for também não fará mal; e, se for, ninguém tem nada haver como o modo como vou. Basta que eu vá de vez em quando, pelo menos
  • 19. uma vez por ano, ou, duas, caso não dê na sexta-feira da Paixão. É. Sem pregação concreta, as próprias elocubrações e palpites pessoais podem ser controlado pelo diabo, sim, basta justificar os seus pecados com a Bíblia e tudo estará aí presente, no concreto. d. Lc 17.10. A Ceia do SENHOR é consolo às pessoas μαθητες δοῦλος Χριστοῦ Ἰησοῦ, que são servas junto ao Evangelho, por Graça e fé, na Viva Voz do Evangelho de Jesus Cristo, crida. e. Jo 15.18s.; 16.2. Os discípulos de Jesus Cristo são pessoas que, por causa do Nome, Reino e Vontade de Deus, são odiados, excluídos, perseguidos, caluniados, difamados, identificados como inimigos do „gênero humano“11, mas, ainda assim, amados, cuidados, guardados, acompanhados pelo próprio Cristo, que age neles pelo Espírito. Que Graça! Que Bendição! O próprio Crucificado- Ressurreto Ressurreto-Crucificado, pelo Espírito Santo, cuida das pessoas que Ele identifica como Seus (Lc 12.11s.). Pois é, como os expulsos e mortos como culto tributado a Deus (Jo 16.2) haveriam de ter certeza que são de Cristo Jesus e que não serão deixados sós por Jesus, senão, através do Serviço de Deus, que age pela Palavra e pelo Sacramento, neles, sim, naqueles que recebem o Gottesdienst dignamente, pela fé? Louvai a Deus em alta voz, porque Ele age na Palavra e Sacramento de modo concreto nos seus embaixadores da reconciliação, πρεσβεύομεν τῆς καταλλαγῆς! Vinde cansados e amedrontados: O Salvador aí está: Na Palavra e Sacramento a servir aos que crêem na loucura da pregação (1Co 1.18), na diaconia da reconciliação (διακονίαν τῆς καταλλαγῆς) em andamento! Quem haverá de desprezar tal oferta da Graça? Que seja longe de nós todo o minimíssimo desperzo ao chamado de Cristo. Ouçamos, pra valer, o que o SENHOR diz. 7. A fé que alcança os benefícios da Promessa de Deus A pessoa discípula de Jesus Cristo crê naquEle que servirá na Ceia Derradeira (Lc 12.37b.), com vocação e convocação pessoal escatológica. Sim, ela não fica neutra frente ao Unigênito de Deus, Suas Promessas e Ordens. Ela é alguém que segue a Fala de Cristo, identificando-se com Ele, os ἀκολουθέω. As pessoas que são chamadas por Jesus Cristo, O seguem (ἐξακολουθέω - seguir; παρακολουθέω – acompanhar, entender; συνακολουθέω - seguir) por fé, de modo decisivo e existencial, alimentados e saciados por Ele próprio, visto que são dirigidas e governadas pelo Nome, Vontade e Reino de Deus, em obediência a Jesus Cristo, com propósitos novos, renovados e fixados na Boa Nova de Grande Alegria: A dívida do pecado está paga ante Deus através e por meio de Jesus Cristo que derramou o Seu Sangue na Cruz do Calvário em seu lugar, por graça, arrependido e crente. Se o crês, usufruis do conteúdo da fé. Deus não é um bocó nem um coió e nem tão pouco um arrigó que pura e simplesmente deixa que pequemos sem nos responsabilizar. Aliás, bem pelo contrário, Deus é justo, correto, verdadeiro, juiz e, nos responsabiliza pelos 11 Para quem quiser saber mais acerca do modo como os cristãos eram acusados, sob o prisma pagão, ler: FELDMEIER, Reinhardt. A Primeira Carta de Pedro. Um comentário exegético-teológico. Pgs. 15-25.
  • 20. nossos pecados que cometemos contra Ele, nosso próximo, a sua criação. Por conseguinte, Jesus Cristo é quem se interpõe entre os discípulos do Unigênito de Deus e o próprio Deus, dizendo, como Advogado: Deixa eles serem salvos porque crêem em Mim. Como discípulo de Jesus Cristo é preciso ser fiel a Ele (At 14.22). Contudo, sem justificar rasamente o pecado, a realidade de vida e viver ante Deus e nosso próximo, como servo de Jesus Cristo, se percebe que não há como não pecar. Logo, como subsistir diante de Deus, fora e longe de Cristo? Impossível. Tão somente em e através de Cristo, pela fé, há paz com Deus! 8. A pessoa discípula de Jesus Cristo hoje A pessoa discípula (μαθητὴς) da atualidade precisa da presença do Mestre/ Professor (διδάσκαλος) Espírito Santo que age, gerando arrependimento e fé, na vida e viver das pessoas, pela Palavra da Cruz (λόγος τοῦ σταυροῦ), apontando e promovendo a Jesus Cristo, o Crucificado-Ressurreto Ressurreto-Crucificado. Tal pessoa, na totalidade de ‘sua’ existência, passa, pela Ação do Espírito Santo, mediante a fé em Cristo, a viver e crer, compreender e conhecer o Amor de Cristo, ἀγάπην τοῦ Χριστοῦ, segundo e conforme a Vontade de Deus, não profanando o Nome de Deus, nem com a vida e nem muito menos com ensino que não é cristocêntrico (1Co 3.11). A assertiva em estudo e reflexão, no todo, esboçada, nos faz pensar indubitavelmente na possibilidade do ‘baratear’12 a Graça de Deus, da autoministração do perdão sem contrição, arrependimento, confissão e proclamação externa do perdão dos pecados, do colocar ‘rosas na cruz’ e no exercício arbitrário e irresponsável do ministério da pregação de Cristo e da ministração incorreta do Sacramento. Isto, sem sombra de dúvida, significaria justificação dos pecados e condenação do pecador. Por isso mesmo, incluímos, aqui e já, reflexões concretas, que nos ajudam a ter um norte firme, de verdade, visto que não dá pra minorar que: a. Na Confissão de Augsburgo, documento normativo na IECLB, artigo vinte e cinco, está escrito: “A confissão não está abolida em nossas igrejas. Pois não se costuma dar o Corpo do SENHOR a não ser àqueles que previamente foram examinados e absolvidos.”13 b. Lutero, na terceira parte dos concílios e da Igreja, escreveu: “[O Espírito Santo] santifica os cristãos segundo o corpo, e dá que eles obedeçam de boa vontade aos pais e superiores, que sejam pacíficos, humildes, não sejam irados nem vingativos ou maldosos, mas pacientes, amáveis, serviçais, fraternos, amorosos; que não sejam incastos, adúlteros, indisciplinados, mas castos, disciplinados com a mulher, filhos e empregados, ou também sem mulher e filhos, e doravante não roubem, pratiquem a usura, sejam avarentos, exploradores, etc., mas que trabalhem honestamente, ganhem o pão 12 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pg. 9. 13 Confissão de Augsburgo. Pg. 37.
  • 21. lealmente, gostem de emprestar, dar, ajudar onde podem; que não mintam, enganem, caluniem, mas que sejam bondosos, verdadeiros, fiéis e constantes, e tudo o mais que é exigido nos Mandamentos de Deus. Isso faz o Espírito Santo que santifica e desperta também o corpo para esta nova vida, até que seja consumado na outra vida. A isto se chama a santidade cristã. E sempre haverá que ter tais pessoas sobre a terra, ainda que sejam apenas dois ou três, ou somente as crianças. Infelizmente há poucos entre os adultos, e os que o não são não deveriam considerar-se cristãos. Também não se deve consolá- los, como se fossem cristãos, por meio de muita conversa sobre o perdão dos pecados e a Graça de Cristo, como fazem os antinomianos. Pois esses, depois de haverem rejeitado os Dez Mandamentos e sem os entenderem, pregam em lugar deles muito a respeito da Graça de Cristo, mas fortalecem e consolam aqueles que continuam em pecados, dizendo que não precisam temer nem se apavorar por causa dos pecados, porque todos já estão tirados por Cristo. Não obstante, vêem isso e deixam as pessoas continuar em pecados públicos, sem qualquer renovação e melhora de sua vida. Disso se pode deduzir que na verdade não entendem bem a fé nem a Cristo, anulando-o justamente pelo fato de O pregarem. Pois como pode falar corretamente das Obras do Espírito Santo na primeira tábua, de consolo, graça, perdão dos pecados aquele que despreza as Obras do Espírito Santo na outra tábua nem pratica as que pode compreender e experimentar, mas jamais exercitou nem experimentou aquelas? Por isso é indubitável que eles não têm ou não entendem nem a Cristo nem ao Espírito Santo. Sua conversa é pura espuma na língua e eles são, como já foi dito, verdadeiros Nestórios e Eutiques, que confessam e ensinam a Cristo na premissa, na substância, mas, mesmo assim, O negam na conclusão ou nos atributos, isso é, eles ensinam a Cristo e O destroem ensinando-O”.14 c. Dietrich escreveu em relação à vida em comunhão, assim: “[...] Àqueles que, apesar de toda busca e esforço, não conseguem achar a imensa alegria da comunhão, da cruz, da nova vida e da certeza, deve ser mostrada a oferta que nos é feita na confissão fraternal. A confissão situa-se dentro da liberdade do cristão. Quem, todavia, recusará uma ajuda que Deus considerou necessário oferecer sem levar prejuízo?” [...]“O dia da celebração da Santa Ceia é dia de festa para a comunidade cristã. Reconciliada no coração com Deus e com os irmãos, a comunidade recebe a dádiva do Corpo e Sangue de Cristo, e nela, perdão, nova vida e bem-aventurança. Ela é presenteada com nova comunhão com Deus e com as pessoas. A comunhão da Santa Ceia é por excelência o cumprimento da comunhão cristã. Do modo como os membros da comunidade estão unidos em corpo e sangue na Mesa do SENHOR, assim serão unidos em eternidade. Aqui a comunhão alcança a sua meta. A alegria em Cristo e sua 14 LUTERO, Martinho.  Obras Selecionadas. V. 3. Pgs. 406s.
  • 22. comunidade é completa. A vida em comunhão dos cristãos sob a Palavra atinge seu alvo no Sacramento”.15 Em termos, práticos, então, sem desmerecer, o ministério da pregação e a fé na Palavra de Deus pregada e em andamento durante o Gottesdienst (Serviço de Deus) em comunidade, quem são as pessoas discípulas, de hoje, a quem se dá o Corpo e Sangue de Cristo, responsavelmente, sem é claro, lançar pérola aos porcos, os que insistem em não se arrepender e crer em Cristo? Em sintonia com a Palavra de Deus pregada e ensinada com clareza, não abandonado e nem tão pouco rejeitando a justificação por graça mediante a fé em Jesus Cristo, podemos, a partir do conteúdo do próprio Evangelho, quem a suscita, fazer referência concreta, afirmando, que pessoas discípulas são: ● Aquelas que ouvem e respondem obedientemente na fé ao Evangelho de Jesus Cristo que notifica à fé e ao arrependimento, e, conscientizadas por ele, se integram às outras, também chamadas para junto de Cristo, as pessoas κλητοί (chamadas pela proclamação de Jesus Cristo, que na e pela fé acolhem a proclamação da reconciliação de Deus operada no e pelo Unigênito dEle), que também querem, em memória de Cristo, louvar, exaltar, glorificar, rejubilar, bendizer a Deus pela Sua Obra Misericordiosa, Benigna, Clemente, Graciosa, totalmente imerecida, em favor delas em Cristo, o Salvador, Remidor, Perdoador, SENHOR sobre pecado, morte, inferno e todo mal. Lutero sublinha a necessidade da pregação, do ensino, do estímulo ao Sacramento. Eles, recebidos na fé fazem com que as pessoas acorram ao Sacramento com vontade, disposição, buscando, sem ser obrigado por leis humanas, o proveito e salvação que aí se anuncia, oferece e aplica. Aliás, como, ele declara: “Quem não é cristão ou não vai ao sacramento por livre e espontânea vontade, que fique bem longe e vá aonde bem entenda.”16 ● Aquelas que reconhecem, confessam, professam que são pecadoras e que querem que seus pecados sejam encobertos pelo Sangue de Jesus Cristo, segundo ouviram e creram ser prometido nas Palavras da Instituição da Ceia do SENHOR. Lutero ensinou que Cristo: “(...) não quer as almas enfastiadas, enojadas, fartas, 15 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pgs. 92,95. Às pessoas que queiram estudar mais acerca da relação entre Ceia do SENHOR e testemunho, corajoso e destemido, de Cristo com todo o ser, fazemos referência e indicamos outro aspecto e tema profundíssimo: “Das Abendmahl als Mahl der Mündiger” em: KUSKE, Martin. Weltliches  Christsein.  Dietrich  Bonhoeffers  Vision  nimmt  Gestalt  an. Pgs. 19-47. Especialmente a página 88s. 16LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de Momentos Decisivos  da Reforma. Pg. 258. O mesmo texto, em língua alemã, pode ser lido assim: “Und wer nicht bereitwillig und gerne ein Christ ist oder zum Sakrament geht, der bleibe nur weit davon und fahre, wohin er fahren will” em: LUTHER, Martin. Ermahnung  zum  Sakrament  des  Leibes  und  Blutes  unseres  Herrn. In: BEINTKER, Horst; JUNGHANS, Helmar; KIRCHNER, Hubert.  Sacramente,  Gottesdienst,  Gemeindeordnung. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt GmbH, Band 3, 1981, pgs. 140s.
  • 23. mas as famintas e sedentas, que por Ele urgem e lutam, como diz em Mateus 5.6: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão satisfeitos.”17 ● Aquelas que querem ser integrantes da santa Igreja Cristã, a comunhão das pessoas santas pela fé em Cristo, segundo confessa a comunidade cristã; ● Aquelas que querem ser regidas, governadas, guiadas, controladas pelo Espírito Santo de Deus pela fé na Sua Palavra; ● Aquelas que querem que seus pecados reconhecidos e odiados, pela fé e no concreto, mediante a diaconia da Palavra (διακονίᾳ τοῦ λόγου), nele sejam perdoados por Jesus Cristo; ● Aquelas que querem ser ressuscitadas dos mortos para a vida eterna com Jesus Cristo, segundo crêem; ● Aquelas que respondem positivamente à Ordem de fazer discípulos de Cristo Jesus em todas as nações, batizando e ensinando essas pessoas a guardar tudo o que Cristo tem ordenado; ● Aquelas que querem viver como servas junto ao Evangelho de Jesus Cristo; ● As pessoas batizadas em Nome do Trino Deus que querem santificar o Nome de Deus, que Seu Reino Venha, que Sua Vontade se faça.18 Mas, em relacionando quem seriam, de modo concreto, os μαθητὴς, hoje, já se têm solucionado e resolvido, de uma vez por todas, o mau uso do sacramento? Não. Em absoluto, não. E, em relacionando alguns pontos que caracterizam μαθητὴς, como fizemos, já teremos relacionado e lançado todas as bases para a ministração correta do Sacramento, de uma vez por todas, segundo o ouvimos na assertiva em estudo, meditação e pregação? Talvez sim. Talvez não. Talvez, até o pioramos, quando pontos elencados forem tomados de modo normativo e legalista, ou quando, libertinamente e diabolicamente, se pretende manter 17 LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de Momentos Decisivos  da  Reforma. Pg. 258. O mesmo texto, em língua alemã, pode ser lido assim: “Er will nicht die überdrüssigen, gleichgültigen, selbstzufriedenen Seelen, sondern die hungrigen und durstigen, die sich danach drängen und darum reiβen, wie Er Matth 5,6 sagt: Selig sind, die nach der Gerechtigkeit hungern und dürsten, denn sie sollen satt werden”, em: LUTHER, Martin. Ermahnung zum Sakrament des Leibes und Blutes unseres Herrn. In: BEINTKER, Horst; JUNGHANS, Helmar; KIRCHNER, Hubert. Sacramente, Gottesdienst, Gemeindeordnung. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt GmbH, Band 3, 1981, pgs. 141. 18 Propomos que se leia e estude os textos mencionados nas notas de rodapé acima. Os textos em questão, tanto o original quanto a tradução, nos trazem profundas bases em relação ao que foi relacionado; e, com certeza, muitos outros aspectos não referidos nos pontos elencados podem ser agregados, sem medo, resguardado, é claro, uma normatização legalista de quem seriam μαθητὴς aquém da pregação de Cristo. Ora, é pela pregação do Cristo Crucificado que as pessoas discípulas são conhecidas e dadas a conhecer, pela fé, mediante o Agir do Espírito Santo.
  • 24. oculto o pecado alojado em si ‘piedosamente’19. Os pontos acima elencados são úteis enquanto extratos de pregações acolhidas na fé por pessoas que foram feitas discípulas pelo próprio Cristo Jesus que serve a Sua Ceia com pregação antecedente! Jesus Cristo não serve a Sua Ceia sem pregação antecedente, reiteramos! A Ceia do SENHOR não é um momento social, nem tão pouco um momento que preenche algum momento bonito na noite da Sua traição e prisão. Iríamos nós fazer de Sua Ceia apenas um algo a mais daquilo que chamamos de ‘nossa celebração’, a Deus, ainda por cima? Afinal, como, então, ministrar o sacramento corretamente, de tal modo que não se vá lançar pérolas aos porcos (Mt 7.6; 1Co 11.27,29)? De certeza, vale lembrar, que Cristo instituiu o ministério da pregação, a qual deve ser exercitada ‘sem papas na língua’, sem rodeios e meneios, sem medo acuado de dizer as cousas como as cousas de fato são, tal qual Cristo a exerceu (Mt 5.1ss.). É fato! Jesus Cristo não é aletofóbico! Pode crer. Ademais, o perigo sempre existe, o de transformar em libertinagem a graça de nosso Deus (μετατιθέντες χάριτα τὴν ἡμῶν τοῦ θεοῦ) de se julgar a pessoa não a atitude pecaminosa, o que não se deve esquecer jamais; e, justamente, na comunidade das pessoas κλητοί que exercem a νουθετοῦντες ἑαυτούς (Cl 3.16 – a confrontação/admoestação noutética mútua, de acordo com as Escrituras Sagradas) e disciplina eclesiástica (Mt 18.15-20), é preciso lembrar que a Palavra final, não é nossa, em termos de salvação, eterna, mas do próprio Deus, que salgará as pessoas μαθητὴς, com fogo (Mc 9.49). Concluindo O chamado de Jesus Cristo: Comei/Bebei, é, sem sombra de dúvida, uma ordem e um chamado clemente e gracioso, complacente e assaz benigno, misericordioso e imerecido em relação às pessoas pecadoras mendigas da Graça de Deus. E mais, as pessoas arrependidas e crentes nEle, vão experimentar pelo Trabalho/Serviço de Deus (Gottesdienst) nelas, pela Palavra e Sacramento, que o SENHOR está querendo ser seu Deus; e, que elas, por sua vez, tenham a Ele como seu SENHOR, pessoal, seguindo-O na vida e viver, com fidelidade ao Seu Nome, Sua Vontade, Seu Reino. Hmmm. Uh é? Mas, por que Ele age assim tão compassivamente para com pessoas que não tem nada de bom para que Jesus Cristo as chame a Si e lhes dê de comer e beber a Si Próprio? Porque Ele quer ser bom para ti e para mim que aceitamos viver e morrer para aquEle que é bom, de todo. Sim, Jesus Cristo, em obediência ao Seu Pai, veio se compadecer das pessoas que deviam receber castigo mui tremendo. Mas, a questão é: Será que Ele está sendo ouvido, crido, conhecido e reconhecido por nós como aquEle que conquistou o perdão dos pecados? Ademais, frisamos que o vir a ser pessoa discípula de Jesus Cristo, igualmente a fome e sede pela Ceia do SENHOR, como sacramento da fé, se dá pelo e no Gottesdienst (Serviço de Deus), enquanto ouvintes da pregação pura. A Palavra de Deus ensinada puramente e a fé na proclamação, opera tudo, sem participação externa. Claro. Sem sombra de dúvida, é a pregação de Cristo que 19 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. Pg. 29.
  • 25. suscita discípulos, mendigos da Graça, Misericórdia, Compaixão, Clemência, Bondade, Amor de Deus, que, então, concretamente, a recebem, aí na Mesa do SENHOR. Aí, já, agora, as pessoas ouvintes, encontram e se deixam servir pelo próprio Unigênito de Deus, aquEle que prepara, oferece, dá, concede e aplica, corporalmente, o que a pregação anunciou e proclamou. Por conseguinte, concluindo, afirmamos, ainda que tenhamos feito algumas menções concretas, que, é, sem sombra de dúvida, perigoso e até legalista, querer enumerar quem seriam as pessoas discípulas de Cristo, aquém do Gottesdienst e da fé que é operada pelo Espírito Santo naqueles que crêem naquilo que a Viva Voz de Deus indica, menciona e profere na pregação de preparação para a ministração. Aliás, de fato, não é a experiência e nem o momento exato e externo que é o importante na Ceia do SENHOR mas a Palavra de Deus pregada, crida e recebida de modo concreto e real aí em torno da Mesa do SENHOR. BIBLIOGRAFIA Nós estudamos e fundamentamos o acima exposto na bibliografia primária, contudo, não deixamos de observar e mencionar outra bibliografia que também foi consultada. ● Bibliografia  de  Apoio  e  Fundamentação  Primária,  Usada  no  Corpo  do  Texto:   BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Trad. de João Ferreira de Almeida. Ed. rev. e atualizada no Brasil. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. BLENDINGER, C. Discípulo. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1ª. Edição, 1981, pgs. 658-661. BONHOEFFER, Dietrich. Prédicas e Alocuções. São Leopoldo: Sinodal, 2007, pg. 23-27. BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. São Leopoldo: Sinodal. 3ª. Edição Revisada, 1997, pgs. 86-95. COENEN, Lothar. Igreja. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1ª. Edição, 1982, pgs. 393-407. COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich und BIETENHARD, Hans. Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Band II/1, Wuppertal: Theologischer Verlag Rolf Brockhaus, 1969, pgs. 947-953. Confissão de Augsburgo. São Leopoldo: Sinodal, 1980. KÜBEL, Robert. Exegetisch-homiletisches Handbuch zum Evangelium de Matthäus, I. Nördlingen: T. H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1889, 544 pg. LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas – Debates e Controvérsias, I. São Leopoldo: Sinodal/Porto Alegre:Concórdia, 1992, v.3, pgs. 404-432. LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Obras Selecionadas de Momentos Decisivos da Reforma. Porto Alegre:Concórdia/São Leopoldo: Sinodal, 1984, pgs. 253-285.
  • 26. MÜLLER, D. Discípulo. In: BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1ª. Edição, 1981, pgs. 661-667. NESTLE, Eberhard. Novum Testamentum Graece. Stuttgart: Privilegierte Württemgergische Bibelanstalt. Editio vicesima prima, 1952. ● Bibliografia  que  pode  e  deve  ser  consultada,  também,  em  relação  ao  assunto:   BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 3ª. Edição, 1989, pgs. 9-133. HALLER, Eduard. Vom verborgenen Glücklichsein. In: Zusammengestelt von GIERUS, Friedrich; BAIER, Klaus Alois. Dem Wort gehorsam. Eine Dankesgabe na Prof. Christian Dietzfelbinger. Blumenau: Otto Kuhr, 2009, pgs. 9-15. KUSKE, Martin. Weltliches Christsein. Dietrich Bonhoeffers Vision nimmt Gestalt an. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt GmbH, 1984. 152 pgs. LUTHER, Martin. Ermahnung zum Sakrament des Leibes und Blutes unseres Herrn. In: BEINTKER, Horst; JUNGHANS, Helmar; KIRCHNER, Hubert. Sacramente, Gottesdienst, Gemeindeordnung. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt GmbH, Band 3, 1981, pgs. 135-178. FELDMEIER, Reinhardt. A Primeira Carta de Pedro. Um cometário exegético-teológico. São Leopoldo: Faculdade EST/Sinodal, 2009, pgs. 15-25.
  • 27. Explicação sobre a frase do Evangelho: “tomai e comei, isto é o meu corpo” 1. Vejamos primeiramente um comparativo entre as quatro versões das palavras da instituição referentes ao pão: Mateus 26.26 Λάβετε φάγετε, τοΰτό εστιν το σωμά μου labete fagete touto estin to swma mou Tomai, comei; isto é o meu corpo.    Marcos 14.22 labete touto estin to swma mou Tomai; isto é o meu corpo. Lucas 22.19 touto estin to swma mou to uper umwn Isto é o meu corpo, que é dado por vós. 1 Co 11.24 touto mou estin to swma to uper umwn Isto é o meu corpo que é por vós. 2. Qual versão é a mais antiga? Cada texto da Ceia representa uma tradição litúrgica diferente, confiado ao escritor pela sua própria comunidade. Há um consenso geral de que Marcos e 1 Coríntios são as duas formas mais antigas das Palavras da Instituição. Deve-se pressupor uma forma original Aramaica (ou Hebraica), que não foi conservada, e que fica por detrás de ambas estas formas mais antigas do texto. Contudo, Marcos é considerado o mais antigo. Pois, a forma transmitida por Paulo e Lucas, pressupõe a versão de Marcos das palavras explanatórias, e somente pode ser entendida como desenvolvimento das mesmas. Já que a frase no relato de Paulo “no meu sangue” (1 Co 11.25) não aparece em Jr 31.31ss, a formula não deve ser entendida primariamente em termos de Jeremias; recebe seu significado, que fala do “sangue da aliança” a partir de Ex 24.8. 3. A versão de Mateus das palavras da instituição da ceia é a menos tardia e
  • 28. a que mais se diferencias das demais. Na versão de Mateus estão presentes as palavras “tomai e comei”, as mesmas não constam nas versões de Lucas e Paulo, e, na versão de Marcos somente “tomai”. a) Quais as razões para esta diferença? Os aparecimentos de Jesus depois da Páscoa (At 10.41; Lucas 24.30- 31,35,43; Jo 21.13) eram, conforme reconhece o próprio NT, ocorrências sem iguais e, como tais, eram restritas aos testemunhos originais (1Co 15.5ss). Quando Jesus ressuscitado comia e bebia com seus discípulos, estava fazendo uma coisa extraordinária, que não podia ser repetida da mesma maneira, nem continuada de qualquer forma. A comunhão de mesa do Jesus terrestre e a do Cristo ressurreto com seus discípulos são fatores que se relacionam com os motivos básicos por detrás da última refeição de Jesus. A realização regular da Ceia do Senhor pela igreja primitiva surgiu de todos estes fatores. O mais provável é que “tomai e comei” seja um acréscimo imperativo no emprego litúrgico das palavras da instituição. Assim como o mandamento explicito no sentido de repetir o ato (Lc 22.19 e 1 Co 11.24-25), bem como a substituição da terceira pessoa “por muitos” (Mc 14.24) pela segunda pessoa “por vós” (Lc 22.20 e 1 Co 11.24), que estreita a referência universal das declarações acerca do cálice (a morte vicária de Jesus em prol de muitos). Os diferentes acréscimos litúrgicos foram surgindo, com o propósito de incluir as reflexões teológicas que foram surgindo na prática da Ceia do Senhor. As palavras “tomai e comei” em Mt 26.26, originalmente não faziam parte das palavras originais da instituição da ceia. B) Por que Mateus acrescenta “tomai e comei”? Nas religiões antigas, comer e beber se realizava mormente nas refeições formais, i. é. atos de comunhão pública ou particulares vinculadas com os atos sagrados. As famílias, clãs e comunidades religiosas recebiam uma participação no poder divino mediante a refeição em comum, que representava sua união com a divindade. A origem da natureza sagrada da refeição é vinculada com conceitos mágicos, mediante as quais o divino se concretiza em coisas materiais. Nada havia que levava a mais união entre os homens e entre o homem e Deus, do que o comer e beber. As festas e sacrifícios no AT frequentemente se vinculam com refeições religiosas, que podem se descrever como: “comendo diante do Senhor e se alegrando” (Dt 12.7) a comunhão à mesa liga o homem a Deus e diante de Deus (Ex 18.12; 24.11). Uma refeição frequentemente desempenha um papel ao concluir-se uma aliança secular (Gn 26.30; Js 9.14-15) onde Javé estava presente como hóspede invisível. A comunhão à mesa significava que era outorgado o perdão ( 2 Sm 9.7; 2 Rs
  • 29. 25.27-30), a proteção (Js 19.15ss) e a paz (Gn 31.36,54; 43.25ss). Quebrar a comunhão da mesa era o mais detestável dos crimes (Jr 41.1-2; Sl 41.9). Mateus ao incluir o φάγετε, estaria querendo ligar a Ceia do Senhor às refeições do Antigo Testamento? 4. Em Marcos as palavras pronunciadas sobre o pão expressam a entrega que Jesus fez de Si mesmo. Isto porque as palavras da instituição na forma original em Marcos não ligava “corpo” e “sangue”, tinham sentido em si mesmo, i.é, ligavam “meu corpo” e “meu morrer em prol de muitos”. Em Marcos “corpo e sangue” não são termos complementares, como frequentemente são citados (Hb 2.14). Marcos com a declaração do pão aponta para “meu corpo”, com a declaração a cerca do cálice aponta para “meu morrer em prol de muitos”. 5. Em 1 Coríntios, Paulo associa com as palavras pronunciadas sobre o pão, a declaração acerca da expiação (Isto é o meu corpo que é por vós), a qual em Marcos está associada ao sangue. O conceito do próprio Paulo se expressa mais claramente em 1 Co 10: somos unicamente um pão (o que nos dá uma participação em Cristo, que foi entregue à morte como nosso substituto), “nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (1 Co 10.17), i.é. o corpo de Cristo como uma comunidade. Para Paulo, Cristo que foi entregue por nós, a Quem recebemos no pão, automaticamente inclui a igreja como corpo de Cristo, a igreja na qual somos incluídos mediante a Ceia do Senhor. A preocupação específica de Paulo, portanto, é o relacionamento entre Ceia do Senhor e a Igreja. Para Paulo, o conceito cristológico do corpo dá a entender também o conceito eclesiológico. 6. Lucas, na linha de Paulo e Marcos, também faz seus acréscimos, contudo, com ênfases na escatologia, fazendo um paralelismo entre as expressões escatológicas (Lc 22.16,18) e as palavras da instituição (Lc 22.19,20). Tal ponto de vista fica evidenciado por aqueles que sustentam que Lucas 22.15- 20, espelha a liturgia de uma celebração judaico-cristã da páscoa, a qual tinha a expectativa escatológica no centro de sua celebração.(B. Lohse; J. Jeremias; F.Hahn; in: B. Klappert. A ceia do Senhor. p.411) 7. João é o único Evangelista que não dá um relato da Ceia do Senhor no contexto da última refeição de Jesus (13.1-30). Apesar disso, supõem-se que João 6 diz respeito a Ceia do Senhor, pelo menos por um argumento: se João 6 não diz respeito a Ceia do Senhor é porque a Ceia do Senhor se
  • 30. refere aquilo que foi descrito em João 6. João está muito preocupado com a presença pessoal de Cristo. Numa confrontação anti-gonóstica, ressaltou a conexão entre comer da carne de Cristo e beber o Seu sangue, e a encarnação. Para João “comer a carne” e “beber o sangue” do Filho do Homem é um sinal perpétuo da participação da Sua vida, mediante a fé, e compartilhar dela é continuar a reconhecer a plena realidade do Logos divino (6.35,47,54). João mesmo omitindo a narrativa da instituição, com o discurso do capítulo 6 destaca que a totalidade da vida cristã deve ser caracterizada por este alimentar-se com Cristo e que é disto que trata a refeição sacramental da Igreja. 8. A presença real e corporal de Jesus Cristo. As diferenças existentes nos textos da narrativa da instituição indicam que houve um processo de reinterpretação, contínua, do significado do evento de Jesus oferecer a Si mesmo. O oferecimento que Jesus fez de si mesmo é transmitido e atualizado na Ceia do Senhor. O crucificado ressurreto/ressurreto crucificado se oferece a si próprio no pão sob o qual suas palavras são ditas: “isto é o meu corpo’. E, na medida em que o kyrios, o Crucificado Ressurreto/ o Ressurreto Crucificado se oferece na refeição, a graça transmitida pela Ceia do Senhor é Jesus Cristo. Ele mesmo torna real a Sua presença enquanto se realiza a Ceia, fazendo, portanto, com que seja a Ceia do Senhor. A presença real e corporal de Jesus Cristo, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado na sua Ceia é o que nos indicam as palavras “tomai e comei; isto é o meu corpo”. P. Hércules O. Kehl.
  • 31. O SIGNIFICADO DE “EM MEMÓRIA DE MIM” (1 Co 11.24s. / Lc 22.19) I. 1. É comum a todas as épocas e regiões que as pessoas recordem seus mortos, especialmente os que lhes eram queridos ou tinham importância para suas vidas. Os respectivos hábitos são multiformes. Não raras vezes, permeiam a existência toda dos vivos (como entre povos do extremo oriente e em comunidades tribais ao redor do globo). Em nosso meio, confere-se os nomes das pessoas mortas às quais somos de uma ou outra forma ligadas e gratas, a crianças, a logradouros, a instituições, etc.; publica-se livros “in memoriam” de determinados vultos; adota-se jeitos e práticas de falecidos inesquecíveis. Também o universo religioso está cheio ou se apodera de mil e um costumes de lembrar, sim, celebrar mortos e mortas. Assim se realizaram, por exemplo, na antiguidade, ceias cultuais junto aos túmulos de pessoas veneradas, na data anual de seu falecimento e/ou de seu aniversário. Em certos ambientes, faz-se, atualmente, oferendas a ancestrais mortos, repartindo as mesmas entre os familiares vivos e convidados para este fim. Entre nós, solicita- se “missas em memória”, respectivamente, “orações memoriais” para entes amados. 2. Na Bíblia, a expressão “em memória” não tem nada a ver com os mortos e as recordações, guardadas e celebradas, a seu respeito, por parte de vivos que lamentam seu passamento. A formulação neotestamentária “em memória de mim” tem base veterotestamentária. O termo-raiz hebraico é çkr = “lembrar” e seus
  • 32. derivados çaekaer = memória (memorial?) / çikaron = o lembrar de algo / de alguém. O lembrar de Javé é eficaz: salva / resgata seu povo ou resiste a / destrói seus inimigos; ele é criador: abre possibilidades / projetos impensáveis para seus fiéis. Javé “fez memorizáveis suas maravilhas [suas ações libertárias]” (Sl 111.4; cf. 77.6s.12 s., 119.52, 143.5). Enquanto elas são lembradas, estão presentes, orientam e enchem de novas esperanças o povo que as lembra (p.ex.: Gn 42.9; Nm 11.5; 2 Rs 9.25). O povo de Israel vive do fato de que Javé se lembra dele, quer dizer, é ciente de sua situação, vê seus aperreios, intervém em seu favor (p.ex.: Gn 9.15s.; Êx 2.24; Lv 26.42.45). Israel confessa: estamos sendo lembrados por nosso Deus; lembramo-nos daquele que de nós se lembra. Existimos em sua memória e por causa dela, e, consequentemente, permanecemos na firme expectativa de novas manifestações de sua memória em relação a nós, as quais suplicamos com fôlego e fervor (p.ex.: Sl 74.18.22 > Êx 32.13; Dt 9.27; Jr 14.21; Hc 3.2). Parece que “lembra-te” caracteriza o grito de socorro em Israel, dirigido a Javé (p.ex.: Jz 16.28; 2 Re 20.3; Jó 7.7; Sl 25.6, 137.7). Especialmente, “o Deuteronômio desenvolve uma teologia do lembrar [em duplo sentido]”: Javé > povo (p.ex.: 7.18, 8.18, 15.15, 16.3, 24.18-22) e povo > Javé (p.ex.: 5.15, 8.2, 9.7-29, 16.12, 32.7) [1]. Tal reflexão assertiva do passado e do porvir sustenta o povo em fé e vida no presente [2]. II. 1. Na era inaugurada por Jesus Cristo, as primeiras comunidades pós-pascais entram neste testemunho de Israel, resultante de experiências de muitas gerações. Aquelas dão prosseguimento a este, respectivamente, o reinterpretam e atualizam; o que vale dizer que o compreendem em sua imutável abertura para o futuro, “em seu movimento irrequieto rumo ao cumprimento [derradeiro]”, que Javé, “que se realiza em Jesus Cristo” (C. H. Ratschow), providencia [3]. As aludidas comunidades o têm deste modo em conseqüência daquilo que lhes acontece [4]: estão sendo reunidas da dispersão em um só corpo (cf. Jo 11.52), iluminadas (cf. Ef 1.18s.) “com os dons do Espírito Santo” [5] e enviadas (cf. Lc 24.36-49 par., Jo 17.6-19). As cristofanias [6], que as reconstituem, lhes esmiúçam,
  • 33. aqui e agora, a certeza de serem factíveis as promessas de Javé, como: “Não vos lembreis das cousas passadas, nem considereis as antigas. Eis que faço cousa nova, que está saindo à luz; porventura não o percebeis?” (Is 43.18s.; cf. 46.9, 54.4, 65.17). Em verdade, “a cousa nova [a novíssima]”, predita pelos profetas, iniciando com Jeremias, principalmente, no entanto, por aqueles no exílio e logo após, excede, de longe, tudo o que a fé e sua experiência em Israel conhecia até então (cf. Is 48.7s.); sim, o que vem vindo escandaliza, com efeito, todos os que fitam o passado – um passado tão distinguido por fatos e atos que o próprio Javé desencadeou, contudo, não concluiu ainda [7]. Assim como as comunidades pós-pascais agem no tocante ao título de Javé-Adonai = o Senhor = ho kyrios (na comunidade de fala grega) [8], de semelhante modo, também, quanto ao çkr / çaekaer / çikaron = mnaemoneuoo / to mnaemosinon / anamnaesis (na comunidade de fala grega) [9]: sempre articulam um testemunho cristocêntrico insofismável – fenômeno jamais superado em sua abrangência e intensidade salvíficas [10]. Em Jesus, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado, se manifesta a memória personificada de Deus, graciosa e potente (veja: Lc 1.54.72). Daí surge a oração confessional loeçikroni (re-tradução para o hebraico por F. Delitzsch) = eis taen emaen anamnaesin = “em memória de mim”. O acento repousa no sufixo. O acréscimo pós-pascal é, doravante, o central, “a cousa nova [novíssima]”, na linha de Deutero-Isaías e seus sucessores. Portanto, não pode se traduzir a fórmula recriada com “em minha memória”. O testemunho de “em memória de mim” comunica: a) usando e tomando [11] a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada e congregada por ela, confessa a presença real e corporal, audível e degustável de Jesus Cristo em seu meio, com a finalidade de ligar os/as comungantes a si próprio de maneira integral, indissolúvel, perpétua [12]. Destarte, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado edifica seu corpo presente (1 Co 10.16s.) – e futuro (Ap 7.9-17, 11.15-9, 12.7-17, 14. 1-5.12s., 19.1-10, 21.1- 22.5); b) usando e tomando a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada e congregada por ela, se lembra concretamente de Jesus Cristo e do que ele fez por ela (cf. Is 53 > Rm 4.[16-24]25 e 1 Pe 2.21-5). Sua morte salvadora – como tal revelada e consolidada por Deus através de sua ressurreição – está intrinsecamente vinculada a sua
  • 34. Ceia (1 Co 11.24b.25b > 11. 26) como ao Batismo em seu nome (Rm 6.3-6.8-11), mais: está sendo aplicada / imputada aos/às comungantes batizados/as, que, assim, se transformam em agentes de reconciliação e irmandade, de igualdade e liberdade [13]; c) usando e tomando a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada e congregada por ela, proclama Jesus Cristo, ho kyrios de tudo e de todos, que está por vir abertamente (Fp 2.9-11; 1 Co 15.20-8); d) usando e tomando a Ceia do Senhor, a comunidade, gerada e congregada por ela, grita a Deus que se lembre de ho kyrios, apressando sua parousia patente / visível e, desta feita, a consumação definitiva de sua obra salvífica (1 Co 11.26c, 16.22; Ap 22.20 // Lc 23.42; Didaché 10. 5). 2. A comunidade é chamada e congregada, santificada e conservada na fé verdadeira e única [14] / o corpo de Cristo é formado e sustentado / o povo de Deus prossegue em sua peregrinação até o repouso que lhe é preparado (cf. Hb 4.1-13), rumo “aos novos céus e à nova terra nos quais habita justiça” (2 Pe 2.13), em conseqüência do ato que Jesus Cristo se recorda dela / deles, sempiternamente. Na Ceia de Cristo, esta sua recordação se materializa. A Ceia do Senhor constitui a comprovação direta e corporal do Crucificado Ressurreto na presente existência dos “seus” (cf., p.ex., Jo 10.3.14, 13.1, 15.14-6, 17.9s.) [15]. Origem e fundamento de sua Ceia emergem da ressurreição de Jesus Cristo – “e este crucificado” (1 Co 2.2). Sua ressurreição e sua Ceia são interligadas; Paulo o evidencia, empregando a mesma terminologia ao introduzir a Ceia do Senhor e ao se referir à Ressurreição do Crucificado – “parelabon / recebi” e “paredooka / transmiti”: 1 Co 11.23 e 15.3 [16]. Ressurreição de Jesus Cristo e Ceia de Jesus Cristo se imbricam essencialmente [17] e se interpretam mutuamente [18]. Jamais a comunidade vive de suas recordações relativas a Jesus Cristo, pelo contrário: a) comungando em sua Ceia, a comunidade é socorrida, guarnecida, blindada, sempre e em toda a parte, pela lembrança
  • 35. vigorosa que Jesus Cristo mantém a seu respeito (cf. Rm 8.32-9, 14.7-9; M. Lutero, OSel v. 7, 523.37-524.4, 535.31-40); b) comendo e bebendo na Mesa do Senhor, ela escuta dele com transbordante alegria: “Ó pobres, vinde! / Quero já comiserar- me. / Não precisa de doutor / quem não sente doença e dor” [19]; imensamente grata, sabe que ele aplica nela: “Eu sou teu e tu és meu [minha]; / onde eu estou / terás o céu, / nada há de separar- nós” [20]; c) comendo e bebendo na Mesa do Senhor, ela se percebe ● empregada no convívio eclesial (cf. 1 Ts 3.12s.; 1 Co 3.5-10, 7.17, 10.12, 11.17-22; Gl 6.1-10 // Gl 1.6-10, 2.11-21, 4.8-5.12; 1 Jo 4) e social (cf. 1 Ts 3.12, 4.12 / 1 Tm 3.7; Rm 12.17-21; Cl 4.5 // 1 Ts 5. 21; Fp 4.8; Rm 12.2; Ef 5.10.17; M. Lutero, Ibd., 513.24-7, 536.12- 22) ● exposta ao autoexame (cf. 1 Co 11.28; 2 Co 13.5), provocado pela dupla eficácia do sacramento (cf. 1 Co 10.1-13, 11.29-30 // 1 Co 1. 18; 2 Co 4.2s., 2.14-6; Lc 2.34; 1 Co 1.23 par.; M. Lutero, Ibd., 512.26-9) ● sujeita à avaliação do Senhor da Ceia (cf. 1 Co 11.27- 34, 16.22; 2 Co 5.6-10; Rm 14.10-3 [nota 21]; Ap 2.1- 3.22, 19.5-9; Mt 10.32s. par., 25.31-46; At 17.31; M. Lutero, Ibd., 513.4-7.14-7); d) na medida em que ela está sendo servida por Jesus Cristo, seu “cozinheiro e garção”, e está degustando Jesus Cristo, sua “comida e bebida”, ele injeta na comunidade comungante a certeza de que será semelhante a ele, porque o verá como ele é (cf. 1 Jo 3.2; Fp 3.21; Rm 8.17; Cl 3.4) [22]. 3. M. Lutero se refere ao enunciado “em memória de mim”. Não é nada fácil comunicar o entendimento que dele tem [23]. Sua compreensão muda em decorrência dos embates com os oponentes teológicos. Acontece que omite em determinadas manifestações a respeito da Ceia do Senhor aquela expressão ou reproduz seu conteúdo com outras palavras [24]. Chama atenção que Lutero, sendo biblista veterotestamentário [25], focaliza raras vezes o intuito da raiz hebraica do termo (veja acima). Para
  • 36. ele, “em memória de mim”, traduzido para o alemão e/ou usado no linguajar igrejeiro corriqueiro, leva quase forçosamente a um entendimento contrário ao que sucede no sacramento, de fato e em verdade. Pois a salvação acontece no exato momento em que, em sua Ceia, o próprio Senhor – presente, real, corporal – se ministra a nós. Não existe distância entre o objeto da memória e a atual minis- tração/distribuição do Sacramento do Altar. Esta última é um fato tão patente que, por dizer assim, engole o que se deu no passado [26]. Aqui não há lugar para desdobrar a problemática enredada. Independentemente disto, Lutero traz abordagens do enunciado que podem ajudar na medida em que comungarmos e subsidiar a conscientização sacramental da comunidade. Por ora, relaciono as seguintes: a) ante a compreensão romana / papista da formulação como ordem de Deus para realizar ou repetir / representar o sacrifício de Cristo na missa, Lutero liga “em memória de mim” com 1 Co 11.26. Assevera que o Preparador e o Hospedeiro em sua Ceia dirige-se a seus / suas hóspedes, a comunidade ao redor de sua Mesa: “Todas as vezes que usam este sacramento e testamento precisam pregar de / sobre mim” [27]. O que ele é e faz não pode ser esquecido no decorrer dos séculos [28]. Dito diferente: no Sacramento do Altar, Jesus Cristo é a dádiva salvadora de Deus. Jesus Cristo, ele mesmo, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado se autocomemora, presente e corporalmente, junto aos/às comungantes. O que acontece quando os/as alcança e envolve, aqui e hoje, de moto próprio, via Palavras da Instituição, “essas palavras vivas de Cristo” [29]. Com a única e exclusiva finalidade de que surta neles/as a fé e que se apropriem da dádiva divina, comendo e bebendo nesta refeição sem par, para que não lhes reste a menor dúvida com relação ao seu resgate derradeiro [30]. Ao que tudo indica, Lutero sustenta tal asserção durante a vida inteira. O enunciado, deste modo captado, promove Jesus Cristo qua Resgatador definitivo; logo, é expressão autêntica do / para o Evangelho pregado. Visto do lado do último, é seu resumo fidedigno, e visto do lado do povo crente, presenteado com aquela dádiva de amor sem limites de Deus, é esteio inabalável da vida e da certeza de sua salvação, agora e depois. O que leva – ato estritamente posterior e derivado – a comunidade, assim agraciada e certificada, tanto a agradecer e louvar a Deus quanto a se sacri- ficar pelas pessoas que dela necessitam [31]; b) ante a compreensão entusiasta / sacramentária [32] da
  • 37. referida formulação, Lutero insiste: Jesus Cristo “não fala de uma memória oculta [e cultivada carinhosamente] no coração, mas, sim, da lembrança pública e oral [veja II.1.], quando diz: ´Fazei isso em memória de mim´, o que acontece através da prédica e palavra de Deus – isto é sua memória, a qual instituiu ... Ela permanece... até o fim do mundo, e é no sacramento [Ceia do Senhor] não apenas comida, mas também palavra de Deus” [33]. Destarte, Lutero ataca a ideia de que a fé em Jesus Cristo, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado, surgisse de modo direto, perpendicular do céu, sem mediação exterior. Assim que fosse algo dito espiritual, escondido na esfera íntima-individual, uma convicção estritamente guardada / cuidada no fundo do coração, que sobe / vem à luz, quem sabe, em momentos carregados de emoção. Dito diferente: Lutero confessa a presença real e corporal, comunicável e degustável de Jesus Cristo em sua Ceia – aí “ele está presente com tudo que ele é e tem” [34]. Tal memória, agindo na pregação, ligada à correspondente refeição, ocorre, de todo jeito, independentemente dos sentimentos e das ânsias ocasionais dos/das comungantes. Trata-se não de uma memória espiritual e interna, mas, isto sim, de uma memória externa e corporal. Quer dizer: trata-se de “um presente”, no qual ele próprio, Jesus Cristo, conforme suas palavras em sua Ceia, se “me oferece, brinda e passa seu corpo e seu sangue, sendo dado e derramado por mim” [35]. É, pois, um presente que ganhei e que como e bebo. Blasfemam as pessoas que transformam em espiritual o que Deus constitui e proporciona de modo corporal. Blasfemam não menos aquelas que negligenciam e deixam de confessar que o presente é justamente para elas mesmas. Aqui vale de maneira específica o que Martim Lutero testemunha, em toda a parte: extra nos garante pro nobis; pro nobis se origina extra nos; nos extra nos sucede em, com e por intermédio da intervenção salvífica externa de Deus. Ao que tudo indica, Lutero sustenta, igualmente, esta asserção durante a vida inteira; c) em oposição a estas frentes – a papista e a entusiasta / sacramentária, que, para ele, em todos os pontos vitais de doutrina e fé são farinha do mesmo saco [diabólico] [36] – Lutero, baseando- se em textos escriturísticos, identifica “memória” com “pregação”. Por exemplo, expõe a partir de Sl 111.5s.: “Os cristãos têm de pregar sempre a respeito destes grandes feitos de Deus [cf. Êx 14-15.21; Nm 21.21-35; Hb 13.20s.], embora eles [próprios / de e em si] não pregam, mas, sim [conforme diz o salmista], o Senhor [mesmo] prega. Pois ele [Deus] não quer que [a pregação] seja
  • 38. nos- sa obra – e em absoluto não é – ele a constituiu, concedendo o espírito e a graça para tal [a prédica de Deus] e, mesmo assim, a realiza através de nós” [37]. Lutero destaca “memória” como sendo ação direta e genuína de Deus. Em absoluto, uma falação a respeito dele e de suas ações. Urge, pois, “que se divulgue amplamente tal memória em toda a parte a fim de que aquelas pessoas que a desconhecem [ainda] também se aproximem. [Tal divulgação da memória] deve suceder em público, não num canto reservado, [deve ocorrer] perante a comunidade [reunida] e na missa [= durante a ministração da Ceia do Senhor] sempre precisa-se pregar” [38]. Para Lutero, ministração / distribuição da Ceia do Senhor sem pregação [veja acima] é contradictio in adiecto por excelência [39]. Mais agudo: a prédica existe e serve tão-só para desdobrar a Ceia do Senhor – como síntese do Evangelho – em todos os seus ângulos [40]; d) com a insistência na justaposição “memória de mim” = pregação [do próprio Deus], Lutero resguarda a Ceia do Senhor de qualquer cooperação / atividade de nosso lado, seja litúrgico (cf. práticas igrejeiras na IECLB), seja afeto ao serviço ministerial (cf. Igreja de Roma, Igrejas confessionalistas), seja em forma de efusões da dita alma (cf. jeitos celebrativos dentro e fora da IECLB), seja em “preparação corporal ou boa disciplina externa” [41]. Lutero salienta: “Esta é nossa doutrina [/ pregação]: pão e vinho [na Ceia do Senhor] não ajudam nada... Eu digo mais: Cristo na cruz com todo seu sofrer e morrer em nada ajuda... Algo outro ainda precisa se juntar aí e estar presente. O que? A palavra, a palavra, a palavra” [42]. Jesus Cristo é esta palavra em carne e osso. Ele a pronuncia, distribuindo seu corpo rasgado e seu sangue derramado “em favor de muitos [= todos]” (Mc 14.24 / Is 53. 4-12) entre os/as comungantes em sua Ceia. Consequentemente, Lutero confessa: “A honra de nosso Deus... é esta: por causa de nós, ele se humilha tanto, mas tanto, que se coloca na carne [encarnação de Jesus Cristo], no pão [Ceia do Senhor],em nossa boca [distribuição na Ceia], coração [fé], colo [semelhante necessitado]. E, além disto, sofre por causa de nós” [43]. Lutero testemunha o Sacramento do Altar “como continuação do cocho e da cruz [de Jesus Cristo, que nos alcançam e envolvem, nos marcam e resgatam]” [44]; e) quando a Reforma da Igreja toma vulto, articulando-se sob o ponto de vista da doutrina, da liturgia e da edificação da comunidade localizada, e se espraiando territorialmente, e, aos poucos, começa a crescer uma geração que não conhece mais
  • 39. pessoalmente os absurdos cometidos pelos papistas – em tal conjuntura, Lutero constata com preocupação crescente que as pessoas não comungam mais ou apenas de vez em quando. Neste contexto, interpreta o enunciado “em memória de mim” como chamada, sim, ordem do próprio Jesus Cristo para que o povo das comunidades venha para sua Mesa. Pacífico, Lutero não pretende reintroduzir “a praxe papista” (como diz), mas sublinha com energia que o povo seja atraído à inefável dádiva da Ceia pela pregação convincente e convidativa dos ministros, razão pela qual formulou e publicou, por exemplo, a Quarta Parte do Catecismo Maior – Do Sacramento do Altar [45]. Lutero entende e ressalta agora, que com, através e na participação no Sacramento do Altar, os/as comungantes honram, louvam, agradecem – e divulgam seu Constituinte que se doa aí a seu povo, corporalmente [46].
  • 40. Notas para apoio, aprofundamento – e discernimento pastorais-teológicos 1 O. Michel, mimnaeskomai. In: G. Kittel, Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. IV. Band. Stuttgart: Kohlhammer, 1942. p. 678.35-679.2. 2 Cf. G. v. Rad, Teologia do Antigo Testamento. Vol. II. São Paulo: Aste 1974. p.356 61, 367-74. 3 Tradução do original; veja G. v. Rad, p. 373s. 4 Cf. G. v. Rad, p. 383-7. 5 Cf. M. Lutero, Catecismo Menor – explicação ao Terceiro Artigo do Credo. In: Obras Selecionadas v. 7. São Leopoldo: Sinodal / Porto Alegre: Concórdia, 2000. p 456.17 / OSel [= Igreja Evangélica Luterana, Livro de Concórdia – As Confissões da Igreja Evangélica Luterana. São Leopoldo: Sinodal / Porto Alegre: Concórdia, diversas edições em diferentes anos. 371.6 / LC = M. Lutero, Catecismo Menor – II.3. São Leopoldo: Sinodal, diversas edições em diferentes anos]. 6 Cf. A. Baeske, Como ocorreu que a ceia de despedida de Jesus de Nazaré virou Ceia do Senhor, o Crucificado Ressurreto / o Ressurreto Crucificado. In: Na sua Ceia, o próprio Jesus Cristo “é a comida e a bebida, o cozinheiro e o garção” (Lutero). Polígrafo, 2000ss. / Na sua Ceia. 7 Cf. G. v. Rad, p. 234-41, 258-68. 8 Cf. A. Baeske, Creio em Jesus Cristo, nosso Senhor ou: “Ele serve pra sê Sinhô” (P. do Assaré). In: W. Altmann (org.), Nossa fé e suas razões / O Credo Apostólico – história, mensagem, atualidade. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 63-79; em especial: p. 64-7 / Creio em Jesus Cristo. 9 O. Michel, mnaemoneuoo. In: G. Kittel, p. 685.23-686.29. 10 Cf. G. v. Rad, p. 378-82. 11 M. Lutero, Missa Alemã e Ordem do Culto. In: OSel v. 7, p. 196.23 [= M. Lutero, Pelo Evangelho de Cristo – Obras Selecionadas de Momentos Decisivos da Reforma. Porto Alegre: Concórdia / São Leopoldo: Sinodal, 1984. p. 228 / PEC]. 12 Cf. A. Baeske, Mc 14.25 par. / 1 Co 11.26 e outros trechos. In: Na sua Ceia. ID, A Comunhão Escatológica. In: P. W. Buss (apres./org.), Comunhão e Separação no Altar do Senhor – 2º Simpósio Internacional de Lutero. Porto Alegre: Concórdia, 2009. p. 138-40,160-2 [= Estudos Teológicos Ano 45– Nº 1 – 2005. São Leopoldo. p. 131-3,152-4] / Comunhão. 13 Cf. A. Baeske, Creio em Jesus Cristo, p. 67s., 75-8. 14 Cf. M. Lutero, Catecismo Menor – explicação ao Terceiro Artigo do Credo: OSel v. 7, 456.16s. [= LC 371s.6 = M. Lutero, Catecismo Menor – II.3]. 15 Veja H. J. Iwand, Luthers Theologie [hgb. v. J. Haar]. München: Kaiser, 1974. p. 105-10,131-76. 16 Cf. A. Baeske, A importância da formulação inicial das Palavras da Instituição.